Rev. Enferm. UFSM - REUFSM
Santa Maria, RS, v. 11, e77, p. 1-16, 2021
DOI: 10.5902/2179769265985
ISSN 2179-7692
Submissão: 27/05/2021 Aprovação: 22/09/2021 Publicação: 11/11/2021
Relato de Experiência
Programas de rastreamento da pressão arterial: relato de experiência*
Blood pressure screening programs: a case report
Programas de detección de la presión arterial: un informe de experiencia
Ana Carolina Queiroz Godoy DanielI
Eugenia Velludo VeigaII
Sarah da Silva CandidoIII
Cynthia Kallás BachurIV
José Luiz Tatagiba LamasV
Silvana Maria Coelho Leite FavaVI
I Enfermeira, Doutora em Ciências, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: carol.enf.usp@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4877-9191
II Enfermeira, Doutora em Ciências, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: evveiga@eerp.usp.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3677-0210
III Fisioterapeuta, Mestre em Ciências, Universidade de Franca, Franca, São Paulo, Brasil. E-mail: sarahmsp@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4780-5917
IV Fisioterapeuta, Doutora em Ciências, Universidade de Franca, Franca, São Paulo, Brasil. E-mail: kabachur@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1128-7807
V Enfermeiro, Doutor em Enfermagem, Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil. E-mail: joseluiztatagibalamas@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4266-6209
VI Enfermeira, Doutora em Ciências, Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, Minas Gerais, Brasil. E-mail: silvanalf2005@yahoo.com.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3186-9596
* Extraído do Programa de Pós-Doutoramento da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2020.
Resumo: Objetivo: relatar a experiência da construção e implementação de Programas de Rastreamento da Pressão Arterial realizados no Brasil entre os anos de 2015 e 2018. Método: relato de experiência conduzido em cinco municípios brasileiros, por meio das etapas: elaboração, cooperação, recrutamento, desenvolvimento, planejamento, treinamento, divulgação, execução e análise. Resultados: para a implementação do rastreamento foram estabelecidas parcerias com instituições públicas e privadas. Estudantes e profissionais de saúde receberam capacitação para realizar a medida da pressão arterial, preencher o instrumento de coleta de dados e orientar os participantes. Um cronograma foi elaborado para atender aos locais, datas, horários, recursos humanos e insumos necessários para a realização das atividades. Os indicadores prevalência, conhecimento, tratamento e controle da hipertensão arterial compuseram a análise descritiva dos dados coletados. Conclusão: os procedimentos metodológicos apresentados neste estudo são capazes de sustentar a construção e a implementação de programas sistematizados de rastreamento da pressão arterial no Brasil.
Descritores: Programas de Rastreamento; Hipertensão; Pressão Arterial; Determinação da Pressão Arterial; Doenças Cardiovasculares
Abstract: Objective: To report on the experience of developing and implementing Blood Pressure Screening Programs carried out in Brazil from 2015 to 2018. Method: A case report conducted in five Brazilian cities, covering the following stages: Elaboration, cooperation, recruitment, development, planning, training, dissemination, execution, and analysis. Results: Partnerships with public and private institutions were established for the implementation of the screening. Students and healthcare providers were trained to measure blood pressure, fill out the data collection instrument, and orient the participants. A schedule was prepared to address the locations, dates, times, human resources, and supplies needed to carry out the activities. The indicators prevalence, knowledge, treatment, and hypertension management comprised the descriptive analysis of the collected data. Conclusion: The methodological procedures presented in this study are capable of supporting the development and implementation of systematized blood pressure screening programs in Brazil.
Descriptors: Mass Screening; Hypertension; Arterial Pressure; Blood Pressure Determination; Cardiovascular Disease
Resumen: Objetivo: reportar la experiencia de construcción e implementación de Programas de Detección de la Presión Arterial realizada en Brasil entre 2015 y 2018. Método: informe de experiencia realizado en cinco municipios brasileños, a través de los pasos: elaboración, cooperación, reclutamiento, desarrollo, planificación, capacitación, difusión, ejecución y análisis. Resultados: para la implementación del seguimiento se establecieron alianzas con instituciones públicas y privadas. Se capacitó a estudiantes y profesionales de la salud para medir la presión arterial, completar el instrumento de recolección de datos y orientar a los participantes. Se elaboró un cronograma para conocer los lugares, fechas, horarios, recursos humanos e insumos necesarios para realizar las actividades. Los indicadores de prevalencia, conocimiento, tratamiento y control de la hipertensión arterial comprendieron el análisis descriptivo de los datos recolectados. Conclusión: los procedimientos metodológicos presentados en este estudio pueden apoyar la construcción e implementación de programas de detección sistemático de la presión arterial en Brasil.
Descriptores: Tamizaje masivo; Hipertensión; Presión Arterial; Determinación de la Presión sanguínea; Enfermedades Cardiovasculares
Introdução
A hipertensão arterial (HA) é o principal fator de risco para o surgimento de doenças cardiovasculares, afeta 33% dos adultos e é responsável por 22% das mortes no mundo.1-3 No Brasil, atinge cerca de 30% da população e as taxas de controle da doença não ultrapassam 40%.4-5 Dados epidemiológicos obtidos em países de baixa e média renda mostraram que as falhas no diagnóstico, a dificuldade de adesão ao tratamento medicamentoso e a falta de controle das cifras pressóricas estão diretamente relacionadas às disparidades socioeconômicas e ao baixo desempenho dos sistemas de atenção primária à saúde no manejo da HA.6
A dificuldade de acesso ao serviço de saúde e à avaliação periódica dos valores de pressão arterial (PA) impulsionou o desenvolvimento de campanhas mundiais voltadas à conscientização da população sobre a importância do diagnóstico precoce e do controle da HA.7 Tais campanhas visam contribuir com a redução de 25% da PA elevada até o ano de 2025, conforme proposto no conjunto de metas globais lançadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no ano de 2013.8
Desde então, a World Hypertension League (WHL) vem divulgando recursos para colaborar com a implementação e sustentabilidade de Programas de Rastreamento da Pressão Arterial (PRPA) em países subdesenvolvidos e emergentes, com foco na simplicidade de processos, qualidade de informações, baixo custo, acessibilidade da população, educação em saúde e capacitação de equipes multiprofissionais.9
Os PRPA delineados com metodologias propostas pela WHL e implementados em países da América, Europa, África, Ásia e Oceania atingiram mais de 1,5 milhões de pessoas no ano de 2019 e mostraram resultados promissores quanto à promoção do conhecimento sobre HA e à identificação global de hipertensos não tratados ou não aderentes ao tratamento medicamentoso.10 Essas iniciativas têm subsidiado o envolvimento de organizações internacionais de saúde pública na elaboração de documentos gerenciais que visam padronizar o monitoramento e a avaliação de intervenções destinadas ao controle da PA, aplicadas em diferentes áreas geográficas.11
No Brasil, as campanhas de rastreamento da PA têm sido implementadas em pequenas amostras populacionais, de maneira independente e oportunística, com poucos investimentos do setor público ou privado.12 Mesmo em parceria com a WHL, essas ações têm sido aplicadas esporadicamente no país, em regiões ou locais selecionados por conveniência.4 Além do número limitado de evidências científicas que comprovem a eficácia dessas iniciativas, a ínfima participação do setor público na elaboração e divulgação de planos estratégicos de rastreamento da PA restringe o desenvolvimento de programas com efeitos positivos sobre a prevenção, o tratamento e o controle da HA.13
Acredita-se que a realização de PRPA no Brasil, baseados em metodologias sistematizadas já aplicadas em países em desenvolvimento, possa contribuir com o diagnóstico precoce da HA, a promoção do conhecimento da população, a adesão ao tratamento medicamentoso e a diminuição das taxas de PA não controlada em âmbito nacional. Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi relatar a experiência da construção e implementação de Programas de Rastreamento da Pressão Arterial realizados no Brasil entre os anos de 2015 e 2018.
Método
Trata-se de um relato de experiência sobre a construção e a implementação de Programas de Rastreamento da Pressão Arterial no Brasil, conduzido pelo Comitê Consultivo Brasileiro para os Programas de Rastreamento da Pressão Arterial (CCB-PRPA), no período de 2015 a 2018, nas cidades de Franca, Ribeirão Preto, Campinas e São Paulo, localizadas no estado de São Paulo, e na cidade de Alfenas, localizada no estado de Minas Gerais.
O CCB é uma organização de classe, sem fins lucrativos, criada no ano de 2015 e formada por pesquisadores de diferentes universidades brasileiras, líderes de sociedades de especialistas e profissionais com vasta experiência clínica em HA. Sua finalidade é apoiar as ações da WHL no Brasil e desenvolver recursos para a execução de PRPA em diferentes comunidades do país.
Os procedimentos metodológicos estabelecidos pelo CCB para a construção e a implementação dos PRPA no Brasil compõem as seguintes etapas: elaboração, cooperação, recrutamento, desenvolvimento, treinamento, planejamento, divulgação, execução e análise. O Quadro 1 descreve essas etapas metodológicas e seus objetivos.
Quadro 1 - Etapas metodológicas e objetivos para a construção e implementação de Programas de Rastreamento da Pressão Arterial no Brasil. São Paulo, SP, Brasil, 2020
Etapas metodológicas |
Objetivos |
1 – Elaboração |
Elaborar projetos de pesquisa com a finalidade de implementar os PRPA em diferentes municípios brasileiros, conforme as diretrizes da World Hypertension League. |
2 - Cooperação |
Estabelecer parcerias com instituições governamentais, assistenciais, empresariais e de ensino, bem como com membros de sociedades de especialistas e grupos de pesquisadores associados a diferentes universidades brasileiras para apoiar a execução dos PRPA. |
3 - Recrutamento |
Convidar estudantes e profissionais da área da saúde de diferentes disciplinas para atuarem como instrutores dos PRPA. |
4 - Desenvolvimento |
Desenvolver formulários de coleta de dados e materiais educativos a serem aplicados aos participantes da pesquisa. |
5 - Planejamento |
Estabelecer um cronograma de atividades com locais, datas, horários, recursos humanos e insumos necessários para a realização dos PRPA nos municípios elencados para o estudo. |
6 - Treinamento |
Capacitar os instrutores dos PRPA para realizar os procedimentos técnicos, o preenchimento de instrumentos de coleta de dados e as orientações sobre os aspectos éticos da pesquisa científica aos participantes do estudo. |
7 - Divulgação |
Divulgar os PRPA em redes sociais, websites, rádios e revistas locais. |
8 – Execução |
Garantir a execução dos PRPA conforme o projeto de pesquisa e as etapas metodológicas estabelecidas pelo Comitê Consultivo Brasileiro. |
9 – Análise |
Armazenar as informações obtidas em bancos de dados e conduzir análises estatísticas que contemplem a mensuração de indicadores de prevalência, conhecimento, tratamento e controle da hipertensão arterial, conforme as recomendações da World Hypertension League. |
PRPA: Programas de Rastreamento da Pressão Arterial
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição preponente, conforme determinação da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sob parecer número 1.129.356, em 26 de junho de 2015.
Resultados
Etapa 1 - Elaboração
A elaboração de PRPA no Brasil foi idealizada em 2014, após encontro de pesquisadores brasileiros com líderes da WHL que planejavam organizar ações educativas que pudessem contribuir com a implementação de PRPA em países subdesenvolvidos e emergentes. A partir desse encontro, especialistas em HA formaram o CCB e se propuseram a elaborar projetos de pesquisa com estratégias que atendessem às comunidades de diferentes regiões brasileiras.
O CCB elaborou um projeto piloto de método observacional, com amostragem não probabilística, delineada por conveniência, no qual seriam incluídos participantes com idade maior ou igual a dezoito anos, residentes nos municípios de Ribeirão Preto, São Paulo, Franca, Campinas e Alfenas. Esses municípios foram selecionados devido à localidade das instituições de saúde e universidades às quais eram filiados. Foram excluídas as pessoas com comprometimento cognitivo identificado pelo pesquisador no momento da coleta de dados, isto é, comunicação prejudicada com o participante e dificuldade no entendimento de qualquer fase da pesquisa.
Etapa 2 – Cooperação
Membros de sociedades de especialistas e grupos de pesquisadores associados a diferentes instituições de saúde e universidades brasileiras foram contatados e convidados a participar dos PRPA. Foram estabelecidas parcerias entre os membros da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas, Universidade de Franca, Universidade Federal de Alfenas, Centro Universitário Barão de Mauá, Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Sociedade Brasileira de Hipertensão e Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Previamente à execução dos PRPA, instituições governamentais, assistenciais, empresariais e de ensino foram contatadas para autorizar a realização das ações de rastreamento nos municípios.
Etapa 3 – Recrutamento
Professores universitários, profissionais da saúde e estudantes de enfermagem, fisioterapia e medicina, dos níveis de graduação e de pós-graduação, pertencentes às sociedades de especialistas e aos grupos de pesquisadores das instituições parceiras, foram convidados a participar dos PRPA na qualidade de instrutores. Uma carta convite, contendo informações sobre os objetivos e o cronograma de atividades de rastreamento, foi enviada pelos pesquisadores a todos os convidados, por meio de correio eletrônico, 30 dias antes da agenda de treinamento das equipes.
As equipes foram formadas por um coordenador de área (pertencente ao CCB) e 15 profissionais ou estudantes de graduação e pós-graduação em enfermagem, fisioterapia e medicina.
Etapa 4 – Desenvolvimento
Formulário de coleta de dados
A) Identificação do participante: nome, idade, sexo, telefone, e-mail e município.
B) Seis questões dicotômicas, do tipo sim/não:
1) Algum médico ou outro profissional de saúde já lhe disse que você tem pressão alta ou HA?
2) Você está tomando ou tomou, recentemente, medicamentos para a pressão alta que tenham sido receitados por um médico ou outro profissional de saúde?
3) Você está realizando e/ou recebeu orientações de profissionais de saúde sobre redução do consumo de álcool e sal, perda de peso, prática de atividade física e cessação do tabagismo?
4) Você está recebendo tratamento ou orientação sobre alguma doença cardiovascular?
5) Você está recebendo tratamento ou orientação sobre diabetes mellitus do tipo 2?
6) Você tem histórico familiar de doença cardiovascular?
C) Um campo para preenchimento do procedimento de medida da pressão arterial: medida da circunferência braquial, membro selecionado para a medida, tamanho do manguito utilizado, valores de PA e valores de frequência cardíaca.
D) Um campo para preenchimento dos dados antropométricos: peso, altura e Índice de Massa Corporal (IMC).
E) Uma questão de múltipla escolha para descrever se o participante referiu algum sintoma durante o rastreamento (dor no peito, falta de ar, visão turva, mal-estar, náusea, outros).
F) Uma questão de múltipla escolha para descrever quando o participante foi orientado a realizar nova medida da PA ou procurar atendimento médico (verificar a PA anualmente, procurar atendimento com profissionais de saúde em algumas semanas ou procurar atendimento com profissionais de saúde o mais rápido possível).
As questões do formulário foram aplicadas durante as campanhas de rastreamento a residentes dos municípios que sediavam as instituições parceiras do projeto (Ribeirão Preto, São Paulo, Franca, Campinas e Alfenas) .
Materiais Educativos
Um manual educativo ilustrado intitulado “Minha Pressão Arterial” foi desenvolvido pelo Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Hipertensão Arterial (GIPHA) da EERP-USP em parceria com o Groupe Interdisciplinaire de Recherche Appliquée en Santé da Université du Québec à Trois Rivières. Esse manual foi construído com a finalidade de informar e educar a comunidade sobre a definição de HA, as complicações da doença, valores alterados de PA, os fatores de risco cardiovasculares e a importância do estilo de vida saudável com ênfase nos cuidados com a alimentação, prática de exercícios físicos, redução do consumo de sal e de bebidas alcoólicas, cessação do tabagismo e acompanhamento com profissionais de saúde.
Também foi elaborado um cartão de atendimento, denominado “Informações ao Paciente”, no qual o instrutor deveria preencher a data e o horário do rastreamento, bem como o valor de PA, o tamanho do manguito utilizado no procedimento, a frequência cardíaca e o intervalo de tempo em que o participante deveria realizar uma nova medida de PA ou procurar atendimento com profissionais de saúde.
Etapa 5 – Planejamento
As datas de rastreamento da PA foram planejadas conforme os dias comemorativos de prevenção e controle da HA. A coleta de dados foi realizada nos dias 24, 25 e 26 de Abril de 2015, 2016 e 2018, período em que se promoveu o Dia Nacional de Prevenção e Combate da Hipertensão Arterial; no dia 15 de maio de 2016, em comemoração ao Dia Mundial da Hipertensão, e durante o mês de fevereiro de 2016. As campanhas tiveram duração média de cinco horas por dia e ocorreram em locais públicos, de fácil acesso e com grande fluxo de pessoas, tais como hospitais, terminais rodoviários, estações de metrô, praças públicas, centros municipais e shoppings centers. Para as ações realizadas a céu aberto, tendas foram montadas para proteger os participantes e os recursos materiais e humanos da exposição ao sol, calor, frio ou à chuva. Para os demais locais, o espaço de rastreamento foi definido com o auxílio de mobiliários (mesas, cadeiras e equipamentos) em corredores e lugares com grande circulação de pessoas.
Após a definição das datas e horários, o CCB estabeleceu um cronograma para a captação de materiais permanentes e de consumo, os quais foram disponibilizados durante a semana das campanhas de rastreamento, pelas instituições parceiras participantes do projeto. Em relação aos recursos humanos, foi selecionado um mínimo de seis e um máximo de vinte instrutores por dia ou período de rastreamento. Os grupos de instrutores foram recrutados 30 dias antes do início das campanhas e formados por professores universitários, alunos de graduação e de pós-graduação e profissionais da saúde pertencentes às áreas de enfermagem, fisioterapia e medicina.
Etapa 6 – Treinamento
O treinamento dos instrutores foi realizado previamente às campanhas de rastreamento com a finalidade de fornecer suporte educativo sobre a técnica de medida indireta da PA com aparelhos oscilométricos, preenchimento do formulário de coleta de dados e preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Um total de quatro encontros presenciais e à distância foram agendados, realizados com antecedência mínima de 20 dias das campanhas, e coordenados pelos líderes do CCB. Cada encontro teve a duração aproximada de duas horas. As estratégias de ensino utilizadas foram: aula expositiva dialogada e a apresentação de material educativo ilustrado, desenvolvido em parceria com os membros da WHL.
Etapa 7 – Divulgação
As campanhas de rastreamento da PA foram divulgadas pelos membros do CCB nos municípios conforme o lançamento do Dia Nacional de Prevenção e Combate da Hipertensão Arterial e do Dia Mundial da Hipertensão, nas redes sociais, websites, rádios e revistas locais.
Etapa 8 – Execução
Os instrutores foram orientados a chegar uma hora antes do início das atividades de rastreamento para que recebessem o direcionamento quanto à divisão de tarefas: abordagem dos participantes, informações sobre a pesquisa, assinatura do TCLE, preenchimento do formulário de coleta de dados, medida da PA e entrega do material educativo.
O grupo de instrutores e os participantes que compuseram a amostra do estudo assinaram o TCLE, sendo uma via entregue ao participante e uma outra destinada aos pesquisadores. Eles foram esclarecidos sobre o seu anonimato e que os resultados da pesquisa seriam publicados em periódicos e divulgados em eventos científicos nacionais e internacionais.
A abordagem dos participantes do rastreamento foi feita em local público pelos instrutores, os quais convidaram o transeunte a realizar a medida da PA e a receber o material educativo. O instrutor convidou os participantes a se acomodarem em uma cadeira, com postura adequada, e realizou quatro medidas consecutivas de PA, conforme as técnicas recomendadas pelas Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial e pelo Canadian Hypertension Educational Program.3,14-15 Foram utilizados aparelhos eletrônicos oscilométricos, da marca Omron®, modelo HEM-7200, devidamente calibrados e validados conforme protocolo estabelecido pela European Society of Hypertension.16
Os valores de frequência cardíaca (FC) foram registrados automaticamente pelo aparelho oscilométrico e os valores de pressão arterial sistólica (PAS) e de pressão arterial diastólica (PAD) foram obtidos por meio de quatro medidas oscilométricas, sendo uma em cada membro e mais duas medidas no membro que apresentou maior valor de PA. O registro obtido no membro com menor valor de PA foi descartado e os valores das três medidas subsequentes (M1, M2 e M3), realizadas no membro contralateral, foram comparados entre si. Os valores médios de M2 e M3 foram categorizados em PA normal (<140/90 mmHg), PA elevada (140-179/90-109 mmHg) ou PA muito elevada (≥180/110 mmHg).3
Após o procedimento, o formulário de coleta de dados foi preenchido pelo instrutor. Os valores de peso e altura foram referidos pelos participantes durante o período de coleta dos dados. O IMC foi categorizado em normal (até 24,9kg/m2), sobrepeso (maior ou igual 25kg/m2 e menor ou igual a 29,9kg/m2) e obesidade (maior ou igual a 30kg/m2).3 O cartão de atendimento foi preenchido pelo instrutor imediatamente após a realização do procedimento de medida indireta da PA (com aparelho automático e manguito de braço) e entregue ao participante com o manual educativo ilustrado.
Etapa 9 – Análise
As seguintes variáveis foram disponibilizadas para as análises estatísticas: município de rastreamento, sexo, idade, IMC, PAS, PAD, FC, conhecimento do participante sobre o diagnóstico de HA e uso de medicamentos anti-hipertensivos.
Os indicadores prevalência, conhecimento, tratamento e controle da HA foram mensurados conforme as recomendações da WHL.17
§ A prevalência de HA foi mensurada nos participantes que obtiveram média das duas últimas medidas de PAS≥140 ou PAD≥90 mmHg ou responderam positivamente às perguntas 1 ou 2 do formulário de coleta de dados.
§ O conhecimento sobre o diagnóstico de HA foi considerado positivo nos participantes que responderam “sim” à pergunta 1 do formulário de coleta de dados.
§ O tratamento da HA foi considerado positivo nos participantes que responderam “sim” à pergunta 2 do formulário de coleta de dados.
§ O controle dos valores da PA foi considerado positivo nos participantes que apresentaram média das duas últimas medidas de PAS<140 ou PAD<90 mmHg e responderam “sim” à pergunta 2 do formulário de coleta de dados.
Discussão
A necessidade de unificação dos PRPA com políticas públicas voltadas à saúde cardiovascular não é um assunto novo; entretanto, as ações de combate à HA têm sido realizadas de forma independente, em pequena escala, em curto intervalo de tempo e têm consumido onerosos investimentos e recursos do setor saúde.11
Diante desse cenário e do ônus da doença cardiovascular sobre os altos índices de mortalidade associados ao aumento da PA, o CCB se propôs a desenvolver os PRPA no Brasil, com a aplicação de procedimentos sistematizados, embasados em metodologias utilizadas no cenário internacional, que têm demonstrado resultados eficazes quanto à prevenção, tratamento e controle da HA, por meio de iniciativas sustentáveis, de fácil execução, baixo custo e alta reprodutibilidade.1,10,18-23
No ano de 2017, a campanha mundial intitulada “May Measurement Month” (MMM), promovida pela WHL, rastreou valores de PA de 7260 pessoas nas principais regiões brasileiras e utilizou um protocolo desenvolvido pela International Society of Hypertension (ISH),4 disponível gratuitamente no endereço eletrônico https://maymeasure.org. Tal protocolo, composto pelas etapas metodológicas apresentadas neste estudo, já foi utilizado em mais de 100 países e demonstrou ser efetivo quanto a identificação de valores alterados de PA em pessoas com 18 anos ou mais.1 Além disso, permitiu orientar os indivíduos rastreados quanto à manutenção de um estilo de vida saudável e à importância da avaliação periódica das cifras pressóricas.
As etapas metodológicas utilizadas nos PRPA foram elaboradas com linguagem simples para favorecer o treinamento de equipes multiprofissionais de diferentes regiões do mundo e garantir a assertividade na coleta dos dados. Além disso, o incentivo à elaboração de campanhas de rastreamento com poucos recursos e baixo custo tem a finalidade de aumentar a aplicabilidade dessa estratégia em âmbito global, motivar a construção de políticas públicas voltadas à triagem da HA e suprir a dificuldade de acesso da população ao serviço de saúde.13,24-25
Os resultados do MMM em 2017 mostraram alta prevalência de HA no Brasil (47%), taxas elevadas de PA não controlada (40%) e falta de conhecimento dos participantes sobre seus valores de PA (19%).4 Diante desse cenário e do alto percentual de novos casos de HA, a implementação de PRPA poderia contribuir com a conscientização da população sobre o impacto da doença na saúde cardiovascular. Acredita-se que os procedimentos metodológicos apresentados neste relato de experiência sejam capazes de sustentar a construção e a implementação de PRPA no Brasil, uma vez que visam favorecer a sistematização de ações comunitárias em diferentes municípios do país.
Conclusões
O relato de experiência apresentado neste estudo descreve as etapas metodológicas da construção e da implementação de PRPA no Brasil entre os anos de 2015 e 2018. Essas ações, baseadas em propostas internacionalmente consolidadas, são sugeridas para mensurar as implicações da HA como fator de risco cardiovascular e colaborar com o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à educação em saúde, ao diagnóstico precoce e ao controle da HA em diferentes comunidades.
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Editor Científico Chefe: Cristiane Cardoso de Paula
Editora associada: Nara Marilene Oliveira Girardon-Perlini
Agradecimento: Ao Blood Pressure Screening Expert Group - World Hypertension League e ao Comitê Consultivo Brasileiro para os Programas de Rastreamento da Pressão Arterial (CCP-PRPA) pela parceria no planejamento e execução das atividades apresentadas neste trabalho.
Autor correspondente
Eugenia Velludo Veiga
E-mail: evveiga@eerp.usp.br
Endereço: R. Prof. Hélio Lourenço, 3900 - Vila Monte Alegre, Ribeirão Preto – SP CEP: 14040-902
Contribuições de Autoria
1 – Ana Carolina Queiroz Godoy Daniel
Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.
2 – Eugenia Velludo Veiga
Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.
3 – Sarah da Silva Candido
Análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.
4 – Cynthia Kallás Bachur
Análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.
5 – José Luiz Tatagiba Lamas
Revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.
6 – Silvana Maria Coelho Leite Fava
Revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.
Como citar este artigo
Daniel ACQG, Veiga EV, Candido SS, Bachur CK, Lamas JLT, Fava SMCL. Blood pressure screening programs: a case report. Rev. Enferm. UFSM. 2021 [Acesso em: Anos Mês Dia]; vol.11 e77: 1-16. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769265985