Rev. Enferm. UFSM, v.12, e6, p.1-20, 2022
https://doi.org/10.5902/2179769265680
ISSN 2179-7692
Submissão: 07/05/2021 • Aprovação: 20/10/2021 • Publicação: 03/03/2022
Artigo Original
Reformas curriculares e a sua importância para um curso de graduação em enfermagem (1969-1991) *
Curricular reforms and their importance for a nursing undergraduate course (1969-1991)
Reformas curriculares y su importancia para un curso de licenciatura en enfermería (1969-1991)
I Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
* Manuscrito extraído da Tese de Doutorado “Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina: da criação à implementação (1969-1991)” do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, 2018.
Resumo
Objetivo: historicizar as reformas curriculares ocorridas no Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (1969-1991) e sua influência na formação acadêmica a partir da percepção dos docentes. Método: pesquisa qualitativa, sócio-histórica, coleta de dados realizada por meio da história oral temática, de outubro a dezembro de 2016, com 17 docentes. Utilizou-se análise de conteúdo temática e referencial foucaultiano. Resultados: emergiram três categorias: O Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC e seu primeiro currículo; A influência da Reforma Universitária nas Mudanças Curriculares e; O desafio da implantação e da implementação do Ensino Integrado. As reformas curriculares apontam o papel fundamental das enfermeiras docentes. Ampliam a visibilidade da Enfermagem e de uma mudança na percepção do papel do enfermeiro para outros profissionais, pacientes e para a comunidade. Conclusão: as reformas curriculares propiciaram avanços tanto na implantação de disciplinas, como na qualidade de formação de enfermeiros.
Descritores: Enfermagem; História da Enfermagem; Educação em Enfermagem; Universidades; Currículo
Abstract
Objective: to historicize the curricular reforms that occurred in the Undergraduate Nursing Course of the Federal University of Santa Catarina (UFSC) (1969-1991) and their influence on academic education from the perception of professors. Method: qualitative, socio-historical research, data collection performed through thematic oral history, from October to December 2016, with 17 professors. Foucauldian thematic and referential content analysis was used. Results: three categories emerged: The Undergraduate Nursing Course at UFSC and its first curriculum; The influence of the University Reform on curricular changes and; The challenge of implementing Integrated Education. The curricular reforms point to the fundamental role of nursing professors. They increase the visibility of nursing and a change in the perception of the role of nurses for other professionals, patients and for the community. Conclusion: the curricular reforms provided advances both in the implementation of disciplines and in the quality of nursing education.
Descriptors: Nursing; History of Nursing; Education, Nursing; Universities; Curriculum
Resumen
Objetivo: historizar las reformas curriculares que se llevaron a cabo en el Curso de Licenciatura en Enfermería de la Universidad Federal de Santa Catarina (UFSC) (1969-1991) y su influencia en la formación académica desde la percepción de los docentes. Método: investigación cualitativa, sociohistórica, recolección de datos realizada a través de la historia oral temática, de octubre a diciembre de 2016, con 17 docentes. Se utilizó análisis de contenido temático y referencial foucaultiano. Resultados: Surgieron tres categorías: El Curso de Licenciatura en Enfermería de la UFSC y su primer plan de estudios; La influencia de la reforma universitaria en los cambios curriculares y; El desafío de implementar la Educación Integrada. Las reformas curriculares apuntan al papel fundamental de las enfermeras docentes. Aumentan la visibilidad de la Enfermería y un cambio en la percepción del rol del enfermero para otros profesionales, pacientes y para la comunidad. Conclusión:Las reformas curriculares proporcionaron avances tanto en la implementación de disciplinas como en la calidad de la educación en enfermería.
Descriptores: Enfermería; Historia de la Enfermería; Educación en Enfermería; Universidades; Curriculum
O ensino de enfermagem sistematizado conforme os princípios científicos do Modelo de Florence Nightingale, teve seu início no Brasil em 1923 com a criação da Escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). O currículo a ser implementado por esta escola foi estabelecido pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923.1 O curso visava fornecer instrução teórica e prática, simultaneamente, e tinha inicialmente duração de dois anos e quatro meses. A carga horária precisou ser estendida, de modo que fosse possível ministrar as disciplinas necessárias para a formação do enfermeiro. Nesse período o ensino de enfermagem era voltado, prioritariamente, para a área de Saúde Pública, uma vez que o Brasil naquele período histórico sofria com as epidemias que assolavam a saúde da população, tais como, febre amarela, varíola e gripe espanhola.2
No ano de 1931, o ensino passa a ser regulamentado por meio do Decreto nº 20.109, de 15 de junho de 1931 e a Escola de Enfermagem Anna Nery foi elevada à categoria de escola oficial padrão. A prerrogativa do termo “padrão”, permaneceu até a promulgação da Lei nº 775, de 5 de agosto de 1949, que uniformizou o ensino de enfermagem no Brasil, com a duração de 36 meses, e o curso de auxiliar em enfermagem com 18 meses. O Decreto nº 27.426, de 14 de novembro de 1949, transfere o ensino de enfermagem para um enfoque voltado para a área hospitalar, centrado no modelo clínico e na assistência curativa, e direcionou o currículo para a formação do enfermeiro, distribuindo as matérias em três séries.3
Em 1961, em decorrência da Lei nº 4024, de 20 de dezembro de 1961, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) apresentou sugestões ao Conselho Federal de Educação (CFE) para a construção de novo currículo que atendesse às aspirações da categoria. Em 1962, o CFE elaborou o Parecer nº 271 de 19 de outubro de 1962, que fixou um novo currículo mínimo do Curso de Enfermagem. Este curso tem seu currículo reformulado, e ficou estabelecido que seria um curso geral de três anos e com duas alternativas para especialização: Saúde Pública ou Obstetrícia, ministradas em um ano, após a conclusão do curso geral.4-5
Foi nesse contexto que o Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi criado, em 1969. Este curso iniciou com o regime seriado, formado por três séries, sendo que cada uma constituía-se de dois semestres. O currículo do curso seguiu o Parecer do CFE nº 271/62 e era desenvolvido em três anos, com a alternativa do aluno realizar o quarto ano de habilitação em Saúde Pública ou Enfermagem Obstétrica. Uma preocupação dos docentes e coordenadores pioneiros era com a falta de conteúdo voltado para a saúde da população na área da saúde pública, não exigido no currículo mínimo dos cursos de enfermagem do país.6
As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por diversos movimentos políticos e sociais no país, como a Reforma Universitária, Reforma Sanitária, uma nova política de saúde proposta em Alma-Ata, redemocratização da sociedade brasileira, entre outros, resultando em inúmeras reflexões e discussões sobre a educação e o processo saúde-doença. Novamente era o momento de se rever a estrutura e conteúdo do ensino de enfermagem no país. Foi o período em que ocorreu a ampliação do número de escolas de enfermagem, a implantação dos Cursos de Pós-Graduação e a aprovação da nova Lei do Exercício Profissional, nº 7498/1986.2,7
Com todas essas mudanças, era necessário que o perfil do profissional enfermeiro que estava sendo formado também se modificasse. Os conteúdos preenchidos nos currículos dos Cursos de Graduação em Enfermagem pela área hospitalar permaneceram, porém ampliou-se o espaço para a Saúde Pública, e a atenção sobre a influência da comunidade em que a população estava inserida sobre o processo saúde/doença. A partir da Reforma Universitária, o currículo mínimo do Curso de Enfermagem é reestruturado, formalizado pelo Parecer nº 163 de 27 de janeiro de 1972 e pela Resolução nº 04 de 25 de fevereiro de 1972, e passa a compreender três partes: a pré-profissional, o tronco profissional comum e as habilitações enfermagem médico-cirúrgica; enfermagem obstétrica, ou enfermagem de saúde pública.8-9
O ensino de enfermagem tem sido marcado ao longo dos anos pela implementação de algumas reformas curriculares, e por reflexões e discussões de novas propostas pedagógicas influenciadas sempre pela evolução dos contextos histórico, político, social e econômico do Brasil. Estas mudanças nos currículos influenciam diretamente no perfil profissional que vem sendo formados pelos diversos cursos de graduação do país. Com o Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC, não foi diferente. O ensino inicia baseado no modelo biomédico, voltado para a área hospitalar, com ênfase nas técnicas básicas, nos primeiros anos da década de 1970. O curso passa por várias rupturas e na década de 1980 converge com as discussões nacionais das novas metodologias de ensino, preocupa-se com o ser humano integral e a sociedade em que está inserido.
O recorte histórico deste estudo foi de 1969 a 1991. O marco inicial relaciona-se à criação do Curso, por meio da Resolução nº 02/1969, do Reitor professor João David Ferreira Lima, e o marco final diz respeito à implementação de uma nova estrutura curricular, que trouxe uma mudança de paradigma, abrindo espaço para enfoque da disciplina Enfermagem no Contexto Social, por meio da Portaria nº 103 de 17 de abril de 1991, do Pró-Reitor de Ensino da UFSC professor Luiz Rodney Mello.10-11
O estudo tem como objetivo historicizar as reformas curriculares ocorridas no Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC (1969-1991) e sua influência na formação acadêmica a partir da percepção dos docentes.
Desenho do estudo
Caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa com abordagem sócio-histórica, pois tem o intuito de compreender um determinado grupo social, discutindo seus aspectos cotidianos relevantes à pesquisa.12 Utilizou-se o checklist Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ) para a qualidade e transparência da redação.13
Cenário do estudo e fonte de dados
Para a coleta de dados utilizou-se como método a História Oral Temática, e além de documentos, como portarias e resoluções referentes ao currículo do Curso de Enfermagem, que subsidiaram a crítica interna e externa das fontes do estudo. As fontes orais constituíram-se dos depoimentos de 17 docentes que fizeram parte da criação e da consolidação do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC, no período de 1969-1991. Estes profissionais foram selecionados por preencherem os critérios de inclusão: serem enfermeiros docentes, terem participado no processo de implementação do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC e possuírem boa memória, constatada no diálogo sobre o recorte histórico estudado. Foram excluídos aqueles docentes que não estavam atuando na instituição no recorte histórico do estudo. Não houve recusas de docentes para participarem do estudo.
Coleta e organização dos dados
A coleta de dados ocorreu de outubro a dezembro de 2016 por meio de um roteiro de entrevista semiestruturado. Os participantes foram contactados por telefone, inicialmente, e em seguida encaminhado e-mail com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para conhecimento. As entrevistas foram realizadas em local e horário escolhidos pelos participantes, ou seja, alguns foram entrevistados em sua residência e outros no Departamento de Enfermagem da UFSC. Na condução da entrevista estavam presentes a pesquisadora principal e o docente entrevistado. A expertise da pesquisadora principal na condução do trabalho de campo foi adquirida a partir de pesquisas anteriores, incluindo a sua dissertação de Mestrado. Os entrevistados foram orientados quanto: ao tipo de pesquisa; ao direito de participar ou não da mesma; ao sigilo de algumas de suas informações; ao uso de imagens fotográficas, vídeos e gravações de seus relatos; à possibilidade de interromper a entrevista e pedir esclarecimentos, podendo desistir em qualquer fase do processo. Após os esclarecimentos e o aceite dos entrevistados, foi solicitada a assinatura do TCLE. As entrevistas foram gravadas em meio digital e tiveram a duração média de sessenta minutos, sendo posteriormente transcritas, transcriadas e validadas pelos entrevistados.
Referencial teórico-metodológico
Utilizou-se o referencial de Michel Foucault para a concretização deste estudo. Esta escolha justifica-se pelo fato de que o autor aponta, no decorrer de sua produção intelectual, uma preocupação em analisar os meios e procedimentos usados pelo poder para constituir o homem moderno e as relações deste poder com o saber. O uso do referencial tem como objetivo estabelecer um diálogo com as bases filosóficas e históricas contemporâneas, ao pensar os acontecimentos do passado na perspectiva de iluminar a história presente.14
Análise dos dados
As informações foram analisadas mediante a técnica de Análise do Conteúdo temática.15 Nesta fase, os relatos obtidos por meio das entrevistas foram agrupados por categorias, com o intuito de agrupar os possíveis temas, a partir de intensas e exaustivas leituras das entrevistas. Procurou-se, ainda, identificar os núcleos de compreensão do texto, por meio das categorias pré-estabelecidas. A análise revelou três categorias: O Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC e seu primeiro currículo; A Influência da Reforma Universitária nas Mudanças Curriculares; e O desafio da implantação e da implementação do Ensino Integrado.
Aspectos éticos
Este estudo considerou as diretrizes e normas da Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, e foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Pró-Reitora de Pesquisa e Extensão da UFSC, sob o número de Protocolo de número 1.745.809, e com data de aprovação de 26 de setembro de 2016. Os participantes autorizaram a utilização de seus nomes nos verbatins dos resultados, o que é extremamente significativo, por se tratar de uma pesquisa histórica, acerca de uma instituição de ensino.
Os resultados desta pesquisa são apresentados a seguir por meio do agrupamento dos discursos dos participantes do estudo, possibilitando ao leitor uma visualização do percurso da análise dos dados, na busca pela compreensão da percepção dos profissionais entrevistados a respeito do desenvolvimento do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC, suas mudanças e transformações ao longo de sua história.
O Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC e seu primeiro currículo
Ter um grupo de enfermeiros docentes formados e qualificados para ministrarem as disciplinas no Curso de Graduação Enfermagem da UFSC, fez dele uma referência nacional. Esses enfermeiros estiveram presentes desde a idealização do curso e no processo de criação.
Como era a primeira turma as professoras Eloíta e demais professoras estavam muito empolgadas em explicar muito para gente como o curso funcionava, o que que a gente ia fazer, como tudo iria acontecer. (Enfermeira docente Maria Albertina Braglia Pacheco).
A gente sentia o empenho e o desejo dos professores em formar profissionais muito bons. Vamos marcar, está começando o curso e essas meninas vão mudar a percepção de enfermeiros para as pessoas, para os outros profissionais e para os clientes. (Enfermeira docente Ana Maria Westphal)
As aulas da primeira turma de alunos do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC iniciaram em março de 1969. Estes realizaram vestibular específico para a Enfermagem em fevereiro do mesmo ano. Além desta prova, passaram por entrevista com o intuito de verificar a aptidão para o curso e, após este exame, 24 foram aprovados.
Quando começou a Escola de Enfermagem, eram três anos, mas tempo integral. O aluno ficava disponível de manhã e à tarde. Ao passo que mais tarde, com a Reforma Universitária, o aluno passou a trabalhar um expediente só. Então ele tinha toda a teoria, depois ia para a prática. Ia fazer os estágios, e às vezes não dava para conciliar as duas coisas porque ele só tinha um horário de expediente. (Enfermeira docente Lydia Ignez Rossi Bub)
Os alunos faziam os três anos de curso. Começou em 69, 70 e 71. Era básico e profissional. Tudo coordenado pela Eloíta. Nós discutíamos os conteúdos mesmo de anatomia e fisiologia. Só que então os professores eram de medicina. (Enfermeira docente Nelcy Coutinho Mendes)
De acordo com os alunos desta primeira turma, que se tornaram docents posteriormente, o curso era bem estruturado e as disciplinas divididas em núcleo básico, com disciplinas comuns a outros cursos da área da saúde e as profissionalizantes. As básicas, como anatomia, patologia, histologia, entre outras, eram oferecidas por docents procedentes dos cursos de medicina e bioquímica. As profissionalizantes relacionadas ao conteúdo específico da profissão, eram ministradas pelos enfermeiros docents.
Nós tínhamos um currículo que tinha as disciplinas básicas. Nós fizemos um bloco de disciplinas básicas. Depois nós fizemos um bloco de disciplinas profissionalizantes. Nestas disciplinas básicas, era dado anatomia, patologia, fisiologia, tudo isso era dado pelos professores de medicina. E eram professores de nome dentro do curso de medicina. Depois é que nós tivemos o bloco de disciplinas profissionalizantes, que era dado pelas enfermeiras. Nós tínhamos aula de manhã e à tarde. Às vezes, até a noite nós tínhamos aula. (Enfermeira docente Coleta Rinaldi Althoff)
No decorrer do curso, os docentes esboçaram certa preocupação em relação à falta do conteúdo de Saúde Pública no currículo. Para que os alunos tivessem mais ferramentas e subsídios para enfrentarem esta realidade, foi proposta e criada uma Habilitação em Saúde Pública, complementando a formação acadêmica dos futuros enfermeiros. Ocorreu em 1972, com a participação dos alunos da primeira turma, porém, devido às mudanças curriculares, foi extinta e as disciplinas incluídas na nova estrutura curricular.
Em 1972 teve a habilitação em Saúde Pública que funcionou com uma turma só, porque não houve muita procura. Muita gente queria ir para a obstetrícia e foram fazer fora. Já estava em discussão essa história da obrigatoriedade. Estavam discutindo a importância de que isso fosse uma especialização. Não havia muito sentido você continuar mais um ano de graduação. Então aumentava-se o período de graduação, que passou de três para três anos e meio, depois para quatro. (Enfermeira docente Nelcy Coutinho Mendes)
Foi feito um estudo da necessidade do profissional na área de Saúde Pública. Na época veio a Marlene da Universidade de São Paulo (USP). A Lorida que veio do Rio Grande do Sul, a Maria de Lourdes Souza que veio de Manaus para conduzir essa habilitação. Acabou esta habilitação, porque não teve a demanda esperada. (Enfermeira docente Maria Albertina Braglia Pacheco)
Outro aspecto importante para o Curso foi a visão futurista da professora Eloíta. Percebendo que a maioria da literatura disponível para os alunos estudarem era em inglês ou espanhol, incluiu a disciplina eletiva de inglês, no currículo.
Uma coisa que acho que era legal e foi uma visão da Professora Eloíta de que dentro do currículo, nós tivéssemos aulas de inglês. Na época os livros em português eram difíceis de ter na área da enfermagem. E os livros que nós usávamos a maioria deles era em língua espanhola. Mas ela tinha uma visão em relação a isso, para que a gente pudesse ter melhor acesso às informações. E nós tínhamos o inglês específico para nós. Foi um professor do Departamento de Letras, convidado para dar as aulas. Depois acho que não continuou, mas a nossa turma teve. (Enfermeira docente Coleta Rinaldi Althoff)
Foi na década de 1970 que se inicia na Enfermagem brasileira a introdução das teorias de enfermagem, vindas de outros países, como uma tentativa de construção de um corpo de conhecimentos específicos da profissão.4
A influência da reforma universitária nas mudanças curriculares
Em 1971, ocorre a primeira modificação curricular, influenciada diretamente pela Reforma Universitária. Na inscrição do vestibular, os alunos optavam por uma área específica, que, no caso da Enfermagem, era a área biomédica, contemplando os cursos de Enfermagem, Medicina, Farmácia e Bioquímica e Odontologia. Todos cursavam o ciclo básico com disciplinas afins a estes cursos e, ao concluir o ciclo, por ordem de classificação, os alunos optavam pelo curso que gostariam de seguir. Nesta estrutura de currículo, o ciclo profissionalizante, específico para a Enfermagem, ficou com a carga horária total de 50%, o que significou desenvolver este ciclo em três semestres letivos. Esta estratégia não foi muito bem-sucedida na Enfermagem, segundo as narrativas dos docentes:
Com a Reforma Universitária do Ensino Básico, a coisa se intensificou, muito complicada, porque nós tínhamos uma demanda de alunos inicialmente boa com a enfermagem. Com a reforma, a opção profissional era feita na terceira fase. Então os alunos entravam no Centro de Ciências da Saúde, no básico. E concluindo o básico, por classificação, eles optavam qual curso eles iriam seguir. De acordo com seu interesse e sua nota. Mas havia a segunda opção depois. Foi muito complicado. Nós tivemos ano com dois alunos. A Carmen Lúcia e a Nira Koerich. (Enfermeiro docente Wilson Kraemer de Paula)
A partir da segunda turma, houve a Reforma Universitária. Entrava todo mundo na área de Ciências da Saúde. Depois de três semestres, o aluno optava se queria fazer Medicina, Odonto, Enfermagem. Com este currículo básico houve uma diminuição muito grande na procura da enfermagem. Depois quando se voltou a fazer opção na primeira matrícula, a enfermagem teve mais procura. (Enfermeira docente Lydia Ignez Rossi Bub)
O sistema de opção gerou insegurança e competição negativa entre os alunos, pois, em sua maioria, estes não optavam por seus cursos de interesse por terem esgotadas as vagas, e o Curso de Enfermagem passou a receber um número reduzido de estudantes. As experiências com esta forma de ingresso no Curso de Enfermagem trouxeram insatisfação aos docentes do Curso e provocaram inúmeras discussões para a necessidade de mudanças curriculares urgentes.
Normalmente era a coordenação do curso que encabeçava essas discussões e eram trazidas sugestões ou então era primeiro feito o diagnóstico do que tinha que ser mudado e por quê. As discussões em pequenos grupos, e claro, tinha o grupo de Ensino, tinha o coordenador e os membros do colegiado do curso. Eles se debruçavam com mais profundidade sobre os planos de ensino e apontavam onde havia fragilidade no próprio plano das disciplinas. Isso então era trazido para um grupo maior para discussão ou então para referendar. Mas a comissão era sempre a coordenação do curso. (Enfermeira docente Vera Radunz)
A característica do curso tinha a preocupação de haver essa integração do aluno com os docentes. Acho que os alunos tiveram bastante oportunidade de estar dando feedback em relação ao próprio curso. Lógico, polemizava mais, mas por outro lado, também atendia uma demanda mais específica. (Enfermeira docente Margareth Linhares Martins)
Além das discussões internas no Curso de Enfermagem, eram necessárias, que os docentes entendessem a importância da reforma para a qualificação do curso, além dos documentos que subsidiavam a necessidade da mudança curricular.
Sempre houve uma avaliação. Nós começamos com três anos, depois ele foi passado para quatro. Houve uma avaliação a cada momento de mudança curricular, foi verificado que havia necessidade de uma alteração, e coincidentemente com a mudança na própria estrutura da Universidade. Sempre com base nas avaliações feitas. Os alunos participavam das discussões e das avaliações dos currículos. (Enfermeira docente Coleta Rinaldi Althoff)
Desde a criação do curso, houve inúmeras discussões, avaliações e reformulações do currículo, visando chegar a um consenso do que era melhor para a realidade vivenciada no curso.
O desafio da implantação e implementação do ensino integrado
Para corrigir a forma de ingresso, em 1976, a UFSC participou do Programa de Ensino Novas Metodologias aplicáveis ao Ensino Superior, a convite do Ministério da Educação e Cultura (MEC).
No currículo integrado na fase de Saúde da Criança ficaram todas as disciplinas, tanto de Saúde Pública, como de Enfermagem, da área de Hospital. Ministravam a disciplina em conjunto e formavam as unidades curriculares. Depois vinha a parte obstétrica, não ficou com os termos clássicos. Era Administração, em Saúde do Adulto incluía Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Unidade de Terapia Intensiva (UTI), Emergência. Tinha o grupo de professores e um coordenador de fase, e a gente fazia avaliação individual no campo de estágio, mas na hora de dar o conceito final era em uma reunião de professores. (Enfermeira docente Maria Albertina Braglia Pacheco)
A implementação do currículo integrado provocou insatisfação nos docentes do ciclo básico, que não eram enfermeiros, e no ciclo profissionalizante, o resultado foi muito satisfatório, uma vez que os docentes enfermeiros aceitaram e encararam bem o desafio.
O negativo foi conseguir que os professores que não eram enfermeiros se ajustassem a essa modalidade de ensino. Na época, eu era coordenadora junto com a Kenya. Algumas vezes tive que ir no básico, conversar com alguns professores, ajustar carga horária de professor, aqueles currículos. A gente ficou com uma carga maior de ensino do que quando era disciplina separada. (Enfermeira docente Maria Albertina Braglia Pacheco)
Em 1983 a proposta do currículo integrado estava inserida no ciclo profissionalizante do Curso de Enfermagem, porém as disciplinas e conteúdos ainda provocavam insatisfação na comunidade acadêmica, pois ainda permanecia muito tradicional.
A gente estava muito insatisfeito com o currículo, porque continuou sendo um currículo bem tradicional até 1983. Em 1983, quando eu já estava na Chefia de Enfermagem, do Departamento de Enfermagem, nós lideramos uma reforma curricular grande, que foi quando a gente introduziu todos esses aspectos de trazer os serviços, ir além da dimensão técnica, pensar um perfil do enfermeiro crítico, reflexivo, comprometido com as questões sociais e também com as questões da profissão. A gente trouxe toda essa visão da Enfermagem no contexto social e trouxe essa visão de não reduzir esta visão de especificidade de disciplina por especialidade. (Enfermeiro docente Jorge Lorenzetti)
Foram cinco anos de discussões, capacitações, avaliações, criações de novos conceitos, compreensão de certas terminologias e, finalmente, em 1988, foi implantada esta proposta de currículo integrado no curso de graduação em enfermagem. As discussões internas foram influenciadas pelo cenário nacional que estava ocorrendo na época, a reformulação da Constituição Federal, a Reforma Sanitária, a VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, a Lei do Exercício Profissional de Enfermagem aprovada em 1986, e o papel da enfermagem na sociedade.
A reforma começou quando estava se discutindo a mudança de currículo mínimo, mas ela começou basicamente porque a gente tinha um grupo muito forte politicamente, que estava trabalhando nas discussões do Conselho Nacional de Saúde – CNS, que na época não era a CNS ainda e não tinha nem mudado a Constituição. Mas já tinham começado todas as ideias para o Sistema Único de Saúde (SUS), e aí todas as discussões que foram feitas no nosso currículo, estavam muito relacionadas com o que estava acontecendo em Brasília para mudança da Constituição. A Associação Brasileira de Enfermagem – Seção Santa Catarina (ABEN/SC) trazia junto com o departamento de enfermagem essas discussões. (Enfermeira docente Kenya Schmidt Reibnitz)
Ocorreu tanto uma mudança na estrutura do currículo, como nos conteúdos e suas disposições ao longo da grade curricular. Houve também um documento contendo a filosofia do curso, o perfil do graduando e o marco conceitual. No ciclo básico foram inseridas algumas disciplinas profissionalizantes e, desde o início, o aluno compreendia a importância de cada disciplina para alcançar o perfil que se desejava.
A gente começou a introdução ao curso, e mostrando para os alunos a importância de cada uma disciplina, para chegar àquele perfil. Por que que a gente estava querendo aquele perfil? Que resultado traria para a sociedade? A responsabilidade dele na Universidade Pública. Na história da enfermagem eu comecei trazendo a Florence Nightingale e a gente discutia, o papel da mulher na sociedade, até trazer qual foi a contribuição da Florence para a enfermagem. Outra disciplina que a gente colocou no currículo foi o contexto social aplicado à Enfermagem, que trazia a sociologia, a filosofia. (Enfermeira docente Kenya Schmidt Reibnitz)
A experiência com a nova proposta do currículo integrado teve resultados positivos. Essa inserção dos conteúdos da profissão no início do curso, as discussões do papel do aluno na Enfermagem e a influência do contexto social na vida do paciente, resultaram em um aumento de confiança dos alunos em si, instrumentalizando-os para lidarem com as questões sociais que fariam parte do seu cotidiano de trabalho.
Trazendo para o contexto nacional, as políticas públicas de saúde e de educação, nas décadas de 1960 e 1970, influenciaram a criação dos cursos de Enfermagem, pois tinham como meta e necessidade da formação de recursos humanos para a área da saúde. Nessa ótica, a formação de terceiro grau tornou-se questão-chave numa perspectiva quantitativa, devido ao número reduzido de profissionais de saúde, e qualitativa, visando formar um enfermeiro direcionado para as questões biomédicas, porém, abrindo espaço para as questões de saúde pública.16
O currículo de enfermagem implementado em sua criação visava, em seu quadro curricular, disciplinas do ensino básico associadas a ensinamentos por outros profissionais da área da saúde, e o ensino profissionalizante estava vinculado ao departamento de enfermagem. Os depoimentos revelaram a preocupação que os docentes tinham com a qualidade do ensino que seria transmitido aos alunos e com o sucesso do curso que estava nascendo.
Apesar do ambiente democrático no desenvolvimento das reformas curriculares, as relações de poder entre coordenadores, docentes e estudantes estavam presentes no cotidiano da prática acadêmica. Não haveria relação de poder sem a constituição de um campo de saber, enfocado por Michel Foucault, e o grande objetivo da enfermagem da UFSC era a conquista de um espaço de poder para desenvolver um ensino de qualidade e servir como modelo para a Enfermagem Catarinense. Este espaço de poder e saber permitia que as docentes dominassem a condução do ensino e no modo como pensavam que deveria ser a formação das futuras enfermeiras.17-18
Nesta primeira turma o curso era de três anos, em tempo integral (manhã e tarde e, às vezes, à noite), desenvolvido por meio do regime seriado, sendo cada série constituída por dois semestres. O currículo do curso de enfermagem seguia o recomendado pelo Parecer nº 271, de 19 de outubro de 1962, do CFE, que determinava que este curso fosse realizado em três anos, com a alternativa de realizar no quarto ano a habilitação em Saúde Pública ou em Enfermagem Obstétrica. Em 1961, com a Lei nº 4.024/1961, que fixou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o currículo mínimo para os cursos de graduação em enfermagem passou a ser fixado por meio do Parecer nº 271/62, que estabeleceu um curso geral e duas alternativas para especialização precoce, além de reduzir a duração de quatro para três anos e excluir as disciplinas de saúde pública e ciências sociais.4-5 Essa dissociação da saúde pública no currículo de enfermagem gerou insatisfações aos docentes envolvidos, que consideravam essa temática de extrema importância na construção social do enfermeiro e sua influência enquanto categoria de saúde na sociedade.
A Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), por meio do Ofício nº 115, de 27 de outubro de 1962, solicitou ao CFE que sustasse a homologação daquele parecer, ao mesmo tempo em que propôs alterações substanciais. Essas propostas, contudo, não obtiveram eco, sendo mantidas, em essência, as distorções do novo currículo adotado: concepção do social diluída em função da concepção exclusiva do biológico, com o ensino voltado para o atendimento ao doente hospitalizado e com o predomínio das medidas curativas em saúde.19-20 Há um confronto de poderes, considerando que o poder é algo que se exerce em rede. Não existe uma entidade que o centraliza. Este é exercido tanto no nível macro, quanto no micro. Para que haja este tipo de relação, o outro, aquele sobre o qual a ação se exerce, deve ser inteiramente reconhecido e mantido até o fim como sujeito de ação.17
A Reforma Universitária implantada em 1970 trouxe em seu bojo alterações importantes na estrutura dos cursos. Além de serem extintas as faculdades, as universidades brasileiras passam a oferecer cursos, inseridos em Departamentos que, em seu conjunto, formavam os Centros de Ensino. É exigida também a adoção dos regimes de créditos por disciplinas, os currículos são adaptados, e o ingresso passa a ser por meio de vestibular unificado agrupado por área de conhecimento.21 A partir desse momento, o currículo do curso de Enfermagem da UFSC passa pela sua primeira modificação e é aprovado pelo Reitor João David Ferreira Lima, por meio da Portaria nº 216, de 02 de junho de 1971.22
No cenário nacional estava sendo estudada a reformulação do currículo mínimo para o curso de graduação em enfermagem, que foi aprovado pelo CFE, por meio do Parecer nº 163, de 28 de janeiro de 1972.8 O novo currículo trouxe o aumento da duração do curso, um acréscimo de um semestre para o ciclo profissionalizante e a inclusão do ensino das ciências sociais. No entanto, manteve o modelo biologicista, individualista e hospitalocêntrico, além de uma visão tecnicista da saúde. Neste currículo foram criadas as habilitações em Saúde Pública, Enfermagem Médico-Cirúrgica e Obstetrícia, para serem cursadas de forma optativa.22
Na UFSC, essas alterações foram aprovadas e implantadas no segundo semestre de 1973, por meio da Portaria nº 344, de 04 de agosto de 1972, do Reitor Roberto Mundell de Lacerda.23 Os primeiros anos do Curso de Enfermagem foram de muitos desafios, mudanças de espaços físicos e curriculares, adaptações, estruturação do Curso e do corpo docente, porém foram anos promissores. Apesar dos desafios encontrados, o Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC estava à frente de outros que estavam sendo criados pelo Brasil, como exemplo, do Curso de Enfermagem da Universidade de Brasília. Este último, além de passar por inúmeras dificuldades na sua criação, sofreu pela ausência de docentes e de previsão orçamentária, e, quando foi criado, em 1975, não havia enfermeiras em seu quadro docente, sendo esta contratação somente em 1976, seis meses após a realização do primeiro concurso de vestibular.24
Os depoimentos apontam as lutas e resistências que desafiaram as enfermeiras pioneiras da enfermagem da UFSC, e que, conforme o pensamento foucaultiano, não há relação de poder sem resistência. Qualquer luta acontece na própria rede do poder. Não existe um lugar definido de resistência, mas pontos flutuantes e transitórios que se distribuem por toda a estrutura social.25
Em 1973, o Reitor Roberto Mundell de Lacerda assinou a Portaria nº 210, de 10 de outubro de 1973, aprovando uma adaptação curricular em que o ciclo básico não seria mais comum a todos os cursos, na tentativa de melhorar o número de alunos ingressando no Curso de Enfermagem. Porém, esta alternativa ainda não foi das melhores, e somente foi ultrapassada quando a primeira escolha do curso pelos estudantes passou a ser mandatória para a classificação no exame de vestibular.21,26 Em meados da década de 1970, o curso foi reconhecido por meio do Decreto nº 76.853/75, do Presidente Ernesto Geisel, após avaliação de uma comissão especial do CFE. Este foi considerado um fato importante, uma vez que consolidou o trabalho que a coordenação e docentes do curso vinham realizando com tanto afinco. E para os egressos foi a legalização do seu título de Enfermeiro, e o direito ao exercício da profissão.21,27
O Ensino Integrado foi implantado, no início, trazendo inúmeros desafios para a coordenação, os docentes e os alunos, mas, que no decorrer do processo de implementação, foi se tornando interessante e proporcionando aos alunos uma perspectiva mais globalizada. As disciplinas passam a ser integradas, e intituladas de unidades curriculares do início ao fim do curso. O currículo integrado procura desenvolver uma articulação entre todas as fases do curso, desde o ensino das disciplinas básicas até o profissional, por meio da integração dos conteúdos e abordagem de temas transversais como ética, criatividade, cidadania e trabalho em equipe.
Apesar dos profissionais, que acreditavam na possibilidade da integração do currículo, concordarem que a interação precoce entre as disciplinas do ciclo básico e do ciclo profissionalizante geraria maior satisfação nos alunos, favorecendo o espírito crítico e trazendo estes alunos para o compromisso com o processo de ensino-aprendizagem, não foi o que aconteceu no Curso de Enfermagem. Em 1978, passados dois anos do início da implantação do projeto do currículo integrado, o MEC fez uma avaliação e ofereceu a possibilidade da continuação deste projeto. A Enfermagem fez algumas adaptações referentes a ajuste de carga horária, conteúdos de disciplinas, entre outras, e com a aceitação do MEC resolveu continuar com o currículo integrado. Porém o ciclo básico decidiu que não iria mais participar, devido, principalmente, às dificuldades em ajustar as cargas horárias dos professores.21
Com a aprovação da Portaria nº 103, de 17 de abril de 1991, do Pró-Reitor de Ensino da UFSC Luiz Rodney Mello, ocorre uma nova estruturação do currículo integrado, em que é realizada mudança significativa na estrutura, conteúdos e disposição na grade curricular.11 Os docentes do Curso de Enfermagem da UFSC, além do comprometimento com a qualidade do ensino, utilizavam o dispositivo da visibilidade, fazendo, dessa forma, um encontro do poder com o saber, exercendo poderes e produzindo saberes na busca da organização do curso de enfermagem.25
O pensar uma história do presente, possibilita aos autores interpretarem fatos do passado, à luz do saber e relações, pois construiu em uma estratégia para análise histórica dos eventos e acontecimentos dos indivíduos, instituições e organizações imbricadas em suas redes de poderes-saberes. O referencial foucaultiano permite a compreensão de que novos sujeitos surgem com novos poderes e saberes, mostrando que as relações estão em constante movimento.
Como limitações do estudo pode-se inferir que, em alguns momentos, a memória dos participantes sobre o passado, mesmo recente, pode não condizer com a realidade macro da época do estudo. Um número maior de participantes que vivenciaram o recorte histórico deste estudo, poderia ampliar ainda mais a discussão sobre o tema.
Esta pesquisa visa contribuir na construção histórico-social e evidenciar a importância do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC no fortalecimento e na implementação do ensino no estado. Também possibilita a compreensão dos desafios e as dificuldades de se implantar um currículo em um curso novo. Além disso, conhecer a história da educação em enfermagem no Brasil, mesmo que avaliando a realidade em um estado específico, pode apontar para a análise dos modos como uma estrutura curricular elaborada por profissionais da enfermagem e da educação, amplia consideravelmente o saber da enfermagem.
Ao percorrer a trajetória do ensino da enfermagem do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC, não se pode deixar de reconhecer que ela sofreu inúmeras influências dos diferentes contextos próprios a cada época. Desde 1969, ano de sua criação, a finalidade do curso foi preparar enfermeiros para atuarem no campo da saúde, ora priorizando o modelo médico/hospitalar, curativista, ora com ações também voltadas para o aspecto social.
Desde o início, o curso foi estruturado, acompanhando a evolução das reformas curriculares brasileiras, valorizando as discussões coletivas, avaliações e reformulações do currículo, de modo a qualificá-lo, inclusive valorizando a participação dos alunos. A implantação de diferentes currículos se orientou pela pedagogia de tentativa e erro, sobressaindo, na maior parte das vezes, situações inovadoras. Com a consolidação da implantação do currículo integrado, o ensino de enfermagem passa a ser modelo para outras escolas do estado.
Concomitantemente ao estudo das reformas curriculares relatadas na presente pesquisa, foram notados avanços significativos tanto na implantação de novas disciplinas nos currículos, bem assim na formação de novos profissionais atuantes na área da saúde, especificamente no currículo da enfermagem, com reflexos nos diversos cursos de enfermagem pelo Estado de Santa Catarina.
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Fomento / Agradecimento: CNPq
Contribuições de Autoria
1 – Juliana Bonetti de Carvalho
Autor Correspondente
Enfermeira, Doutora em Enfermagem - E-mail: julianapersempre@hotmail.com
Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito
2 – Maria Itayra Padilha
Enfermeira, Doutora em Enfermagem - E-mail: itayra.padilha@ufsc.br
Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito
3 – Roberta Costa
Enfermeira, Doutora em Enfermagem - E-mail: roberta.costa@ufsc.br
Revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito
4 – Mariana Vieira Villarinho
Enfermeira, Doutora em Enfermagem - E-mail: nanyufsc2004@gmail.com
revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito
5 – Stéfany Petry
Enfermeira, Mestre em Enfermagem -E-mail: petrystefany@gmail.com
Revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito
Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula
Editora associada: Rosângela Marion da Silva
Como citar este artigo
Carvalho JB, Padilha MI, Costa R, Villarinho MV, Petry S. Curricular reforms and their importance for a nursing undergraduate course (1969-1991). Enferm. UFSM. 2022 [Access in: Years Month Day]; vol.12 e6: 1-20. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769265680