Rev. Enferm. UFSM, v.12, e14, p.1-20, 2022

https://doi.org/10.5902/2179769265530

ISSN 2179-7692

Submissão: 30/04/2021 • Aprovação: 04/02/2022 • Publicação: 12/04/2022

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Introdução. 1

Método. 1

Resultados. 1

Discussão. 1

Conclusão. 1

Referências. 1

 

Artigo Original

Mulheres com deficiência vivendo em contexto rural: situações de vulnerabilidades e proteção

Women with disabilities living in the rural context: situations of vulnerabilities and protection

Mujeres con discapacidad que viven en el contexto rural: situaciones de vulnerabilidad y protección

 

Maira MissioI

Ethel Bastos da SilvaII

Jaqueline ArboitII

Marta Cocco da CostaII

Alexa Pupiara Flores CoelhoII

Alice do Carmo JahnII

 

I Hospital Divina Previdência, Frederico Westphalen, RS, Brasil

II Universidade Federal de Santa Maria, Palmeira das Missões, RS, Brasil

 

*Extraído do Trabalho de Conclusão de Curso “Mulheres deficientes vivendo em contexto rural: vulnerabilidades e violências”, Curso de Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Maria, campus Palmeira das Missões, 2019.

 

 

Resumo

Objetivo: analisar as situações de vulnerabilidade e de proteção vivenciadas por mulheres com deficiência em contexto rural. Método: estudo qualitativo, descritivo e exploratório, realizado com dez mulheres com deficiência residentes em áreas rurais de cinco municípios das regiões norte e noroeste do Rio Grande do Sul, Brasil. As entrevistas ocorreram nos domicílios nos meses de janeiro a junho de 2019. O material empírico foi gravado, transcrito e submetido à análise temática de conteúdo. Resultados: as vulnerabilidades desveladas foram: restrições de responsabilidade, educação, trabalho, renda, autonomia e benefício social. Quanto às condições potencializadoras de proteção às vulnerabilidades, observaram-se vínculos fortes com a Estratégia Saúde da Família Rural e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais e recebimento do Benefício de Prestação Continuada. Conclusão: ações de equipes de saúde rural articuladas na rede de atenção auxiliam na superação de fragilidades de mulheres com deficiência.

Descritores: Pessoas com Deficiência; Vulnerabilidade em Saúde; Gênero e Saúde; População Rural; Saúde da Mulher

 

Abstract

Objective: to analyze the situations of vulnerability and protection experienced by women with disabilities in the rural context. Method: qualitative, descriptive and exploratory study, carried out with ten women with disabilities living in rural areas of five municipalities in the north and northwest regions of Rio Grande do Sul, Brazil. The interviews took place in the households from January to June 2019. The empirical material was recorded, transcribed and subjected to thematic content analysis. Results: the revealed vulnerabilities were: restrictions on responsibility, education, work, income, autonomy and social benefit. As for the conditions improving the protection against vulnerabilities, strong links were observed with the Rural Family Health Strategy and the Association of Parents and Friends of Exceptional Children, besides the receipt of the Continuous Cash Benefit. Conclusion: actions of rural health teams articulated in the care network help to overcome the weaknesses of women with disabilities.

Descriptors: Disabled Persons; Health Vulnerability; Gender and Health; Rural Population; Women's Health

 

 

Resumen

Objetivo: analizar las situaciones de vulnerabilidad y protección que viven las mujeres con discapacidad en el contexto rural. Método: estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, realizado con diez mujeres con discapacidad residentes en áreas rurales de cinco ayuntamientos de las regiones norte y noroeste de Rio Grande do Sul, Brasil. Las entrevistas tuvieron lugar en los hogares de enero a junio de 2019. El material empírico fue grabado, transcrito y sometido al análisis de contenido temático. Resultados: las vulnerabilidades reveladas fueron: restricciones de responsabilidad, educación, trabajo, ingreso, autonomía y beneficio social. En cuanto a las condiciones que potencian la protección contra las vulnerabilidades, se observaron fuertes vínculos con la Estrategia de Salud Familiar Rural y la Asociación de Padres y Amigos de los Excepcionales, además de la recepción del Beneficio de la Provisión Continua. Conclusión: las acciones de los equipos de salud rural articuladas en la red de atención ayudan a superar las debilidades de las mujeres con discapacidad.

Descriptores: Personas con Discapacidad; Vulnerabilidad en Salud; Género y Salud; Población Rural; Salud de la Mujer

 

 

Introdução

Dados epidemiológicos da Organização Mundial da Saúde mensuram a existência de mais de um bilhão de pessoas no mundo convivendo com algum tipo de deficiência, e muitas enfrentam obstáculos importantes em seu cotidiano de vida e saúde.1 No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a partir da Pesquisa Nacional de Saúde, estimou que, das 200,6 milhões de pessoas residentes em domicílios particulares permanentes, 6,2% possuíam pelo menos um tipo de deficiência, sendo ela visual, auditiva, física/motora ou intelectual.2

As mulheres com deficiência são descritas na literatura como uma população marginalizada e vulnerável, tendo em vista a intersecção entre sexo e deficiência.3-4 Esta resulta em uma experiência singular de desigualdade e segregação, não vivenciada por outros indivíduos,3 mesmo por homens com deficiência.5 Ademais, considera-se que estas mulheres estão mais suscetíveis a vivenciar abuso e pobreza, têm maiores dificuldades de conquistar a independência financeira, acessar serviços6 e de se inserir no mercado de trabalho.7

Quando estas mulheres vivem em contextos rurais, cuja organização social está sedimentada em modelos tradicionais familiares, podem apresentar múltiplas vulnerabilidades, pois, quase sempre, as pessoas com deficiência (PcDs) dependem de alguém da família ou da generosidade de terceiros para atender suas necessidades de vida diária e de saúde. Além disso, sem incentivo para reivindicar seus direitos, aceitam o que os órgãos oficiais de saúde, de educação pública e de assistência social oferecem. Raros são os casos em que se envolvem em lutas políticas por melhores condições de vida.8

O conhecimento acerca de situações de vulnerabilidade social de populações com deficiência, em especial das mulheres, é fundamental para a efetivação de políticas públicas. A evidência de que a condição socioeconômica adversa de mulheres com deficiência cria maior impedimento para as atividades de vida diária reforça a importância de ações com base em modelos assistenciais biopsicossociais.9

Para analisar a vulnerabilidade, é preciso compreender como as pessoas e coletivos de pessoas vivenciam situações de saúde/doença. Pode ser observada com base em três dimensões: a individual, que está relacionada aos aspectos biológicos, comportamentais e afetivos; a social, que interliga as características próprias do contexto em que o indivíduo está inserido e as relações que este estabelece e acessa para o seu desenvolvimento saudável; e a programática, que se refere às políticas, programas, serviços, ações e à forma com que estes interferem na situação vivida pelo ser.10

Considerando as singularidades do contexto de vida e saúde de mulheres com deficiência residentes no cenário rural, optou-se neste estudo por empregar o referencial teórico-metodológico da vulnerabilidade a partir das três dimensões supracitadas.10 Este estudo teve como objetivo analisar as situações de vulnerabilidade e de proteção vivenciadas por mulheres com deficiência em contexto rural.

 

Método

Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória,11 realizada em cinco municípios das regiões norte e noroeste do Rio Grande do Sul, pertencentes à 15ª e 19ª Coordenadorias Regionais de Saúde. Estes municípios possuem mais de 70% da população residindo em contexto rural e têm sua economia baseada na agricultura familiar, caracterizada por minifúndios.

Participaram do estudo mulheres com deficiência residentes no cenário rural destes municípios que atendiam aos critérios de inclusão: possuir mais de 18 anos, residir no contexto rural há pelo menos seis meses e apresentar algum tipo de deficiência (visual, auditiva, intelectual, física ou múltiplas), congênita ou adquirida. Como critério de exclusão, considerou-se o grau de comprometimento intelectual avaliado juntamente com a pesquisadora principal e a profissional de saúde, com base no apoio recebido nas diferentes áreas do desenvolvimento do sujeito, considerando as seguintes dimensões definidas pela American Association of Intellectual and Developmental Disability (AAIDD): habilidades intelectuais; dificuldade de interação social; participação social; comportamento adaptativo; saúde e contexto.12

Para a seleção das participantes, a equipe da pesquisa contou com o auxílio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) dos serviços de Saúde da Família de cada município. Estes profissionais construíram uma lista com 113 mulheres com deficiência residentes no cenário rural dos municípios, possíveis participantes do estudo.

Com a lista organizada a partir das cinco cidades, as participantes foram selecionadas mediante sorteio. As entrevistas ocorreram de forma intercalada, respeitando a ordem e a representatividade das cidades. A produção de dados foi interrompida quando foi compreendida a lógica interna do objeto de estudo.13 Sendo assim, dez mulheres com deficiência participaram deste estudo, duas representantes de cada cidade. Salienta-se que não houve recusas nem desistências e os pesquisadores não possuíam nenhum tipo de vínculo com os serviços de saúde nos quais foram coletadas as informações das participantes.

A produção dos dados foi conduzida com auxílio da técnica da entrevista semiestruturada, com pesquisadoras que possuíam experiência. Anteriormente à entrevista, as pesquisadoras se apresentavam para as participantes, citando a sua formação, vínculo com a universidade e a trajetória na pesquisa. Nesse momento, também explanavam sobre o objetivo da investigação, seus procedimentos, possíveis riscos e benefícios, por meio da leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As mulheres que aceitaram participar do estudo realizavam a assinatura do TCLE em duas vias, ficando uma com estas e a outra, com as pesquisadoras.

Durante a entrevista, inicialmente, foram coletadas variáveis para a caracterização das participantes: idade; cor/raça; situação conjugal; número de filhos; escolaridade; fontes de renda; composição familiar; tipo de deficiência e se congênita ou adquirida. Deu-se sequência à entrevista, guiada por um roteiro semiestruturado com as seguintes questões: Como se desloca para as atividades de escola, trabalho, saúde e sociais? Transporte público e/ou privado? Quando procura por serviços de saúde? Quais? Como você se sente ao ser atendida pelos profissionais de saúde? Com que frequência você realiza exames? Quais? Esses serviços de saúde são pagos ou gratuitos? Como você considera a qualidade do serviço de saúde? Você precisa de medicamentos? Se sim, como são adquiridos? Em termos de reabilitação, que atividades você realiza? E de que tecnologias faz uso ou precisaria? Quais as dificuldades encontradas no dia a dia, em sua vida pessoal? Você recebe algum benefício? Se sim, qual? Como foi a trajetória para a obtenção? Quais são as relações que você possui (amigos, namoro, família, vizinhos, casamento)? Como você percebe o acesso aos seus direitos?

As entrevistas foram realizadas entre janeiro e junho de 2019, no domicílio das participantes, a partir de agendamento prévio via contato telefônico ou pessoal, realizado pelos ACS das microáreas nas quais estas residiam. No dia agendado, as pesquisadoras se deslocaram até as unidades de saúde, onde encontravam os ACS, e de lá seguiam até os domicílios acompanhadas por estes profissionais. Salienta-se que o primeiro contato dos pesquisadores com as participantes foi presencial e, a partir deste, seguiram-se as entrevistas.

As entrevistas foram conduzidas em ambientes seguros e privativos. Para tanto, ao chegar ao domicílio das mulheres com deficiência e identificar a presença de outras pessoas, era realizando o reagendamento da coleta dos dados, tendo ocorrido três remarcações. Ademais, destaca-se que, no momento da entrevista, permaneciam apenas a participante e pesquisadoras. Tal procedimento visava minimizar o risco de viés e preservar os princípios éticos de pesquisa. As entrevistas tiveram duração média de 30 minutos e foram audiogravadas com auxílio de dispositivos de mídia digital, com anuência das participantes, buscando garantir material autêntico para análise.

O material gravado foi transcrito na íntegra, com auxílio do editor de textos Microsoft Word, e submetido à técnica de análise temática de conteúdo. O tratamento dos dados foi conduzido em três etapas. A primeira, denominada pré-análise, correspondeu à pré-exploração do material, com leituras flutuantes para a escolha do corpus de análise e recortes do texto. A segunda etapa, a exploração do material, conduziu à definição de categorias (sistema de codificação) com a identificação de unidades de registro e de contexto, permitindo a categorização. A terceira e última fase possibilitou o tratamento dos resultados e interpretações.14 Para tanto, as categorias foram analisadas à luz do referencial teórico de vulnerabilidade10 e literatura científica pertinente.

Para garantir o anonimato dos participantes adotou-se a letra M para mulher, seguida do número da entrevista segundo a ordem da sua realização e do tipo de deficiência. A pesquisa respeitou a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.15 O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria por meio do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 69973817.4.0000.5346, em 9 de agosto de 2017.

 

Resultados

Participaram deste estudo dez mulheres com idade entre 38 e 84 anos, sendo a média de idade de 52 anos. Todas se autodeclararam brancas. Seis eram casadas e as demais, solteiras. Sete tinham filhos. No que se refere à escolaridade, nove possuíam ensino fundamental incompleto e uma, ensino médio completo.

No que diz respeito às fontes de renda, quatro recebiam o Benefício de Prestação Continuada (BPC); uma recebia Bolsa Família; duas, aposentadoria por idade; e uma, auxílio doença. No que tange à composição familiar, as participantes referiram viver com maridos e filhos, além de nora, netos, sobrinhos, irmãos, cunhados. Uma referiu residir sozinha.

Dentre as dez participantes, seis tinham deficiência congênita e quatro, adquirida. Sete possuíam deficiência física; duas, deficiência intelectual de baixo grau; e uma, deficiência múltipla. Em relação ao uso de medicamentos, quatro faziam uso de antidepressivos e quatro, de anti-hipertensivos.

Da análise temática emergiram duas categorias: Situações de vulnerabilidade de mulheres com deficiência em contexto rural: restrição de responsabilidade, educação, trabalho, autonomia e direitos; e Situações de proteção às vulnerabilidades de mulheres com deficiência em contexto rural: acesso aos serviços da saúde, educação e assistência social.

 

Situações de vulnerabilidades de mulheres com deficiência em contexto rural: restrições de responsabilidade, educação, trabalho, autonomia e direitos

 

Algumas participantes, na infância, assumiram a responsabilidade de cuidar de familiares doentes, mesmo com limitações impostas por sua deficiência. Para uma delas, a limitação física a impedia de brincar com seus irmãos.

Sofri muito, porque eu cuidava o meu pai, tinha que trocar o pai só com uma mão. E nunca pude brincar com os irmãos, não tinha coragem porque era doente. (M4 – deficiência múltipla adquirida)

Eu cuidava dela [irmã]. (M6 – deficiência física congênita)

 

As participantes referiram diferentes barreiras enfrentadas no acesso ao ensino escolar. Reconheceram lacunas importantes no processo de aprendizagem devido a dificuldades impostas pelas deficiências e agravadas pelos obstáculos característicos da área rural, como as longas distâncias, a falta de transporte e o pouco apoio às famílias mais pobres:

Tenho dificuldades porque a velhice está chegando e a gente não tem estudo, e entende muito pouco [...] me sinto constrangida por isso, mas a gente tem que viver assim […]. Frequentei escola, mas não aprendi. (M1 – deficiência intelectual congênita, baixo grau)

[...] eu tenho que soletrar para ler, e se tem muita letra eu não consigo [...] eu mando ela [irmã] ler as frases para eu entender […] Frequentei por nove meses [a escola] e parei porque o professor se mudou, foi morar longe. (M6 – deficiência física congênita)

[...] estudei só até a 5ª série porque era ruim de ir, não tinha transporte e era muito difícil. (M7 – deficiência física congênita)

[…] para ir até a escola era complicado, porque o pai não tinha carro e ele tinha que andar um km comigo nas costas quando chovia [...] isso para me levar pegar o transporte, porque não tinha perto. (M5 – deficiência física congênita)

 

As dificuldades de inserção e permanência das mulheres com deficiência no mercado de trabalho formal também foram desveladas por algumas participantes. Outras realizavam atividades produtivas que contribuíam com o sustento da família, porém compreendiam seus rendimentos como secundários à renda do marido, o qual administrava o orçamento e, às vezes, o próprio trabalho que elas desenvolviam.

Não, atualmente não trabalho […] mas eu já trabalhei de carteira assinada. (M3 – deficiência física congênita)

Quando eu trabalhava era 200 reais [...] agora são os trocos[1] que a gente faz, às vezes, e o salário do meu marido. (M1 – deficiência intelectual congênita, baixo grau)

Tenho a loja, é o meu trabalho, que está no nome do meu marido, mas quem lida sou eu, porque ele não entende, já faz 7 anos [...]. (M2 – deficiência física adquirida)

 

            A limitação provocada pela deficiência transforma a rotina de trabalho das mulheres no espaço doméstico e público, sendo necessárias adaptações para dar continuidade às suas atividades. Foram expressivas as manifestações em relação às dificuldades para estabelecer autonomia nas tarefas diárias.

Não consigo [trabalhar], mal a pena tomo banho e às vezes faço comida. [...] antes fazia ambulante de moto, fiquei quase 10 anos vendendo de moto. Quando ele [o marido] se aposentou fez um CNPJ para mim ter a loja. (M2 – deficiência física adquirida)

Sim, em casa eu trabalho, mas pouco mesmo. (M4 – deficiência múltipla adquirida)

Consigo fazer bem pouca coisa [em casa], quase nada. (M9 – deficiência física adquirida)

Não consigo fazer nada [em casa]. (M10 – deficiência física adquirida)

 

                Outras participantes, embora com limitações devido à deficiência, conseguiam atender aos trabalhos domésticos como o cuidado da casa, preparo das refeições e lavagem de roupas.

Trabalho, lavo a roupa, faço comida e cuido da casa. (M1 – deficiência intelectual congênita, baixo grau)

Trabalho, consigo fazer de tudo. (M3 – deficiência física congênita)

Era como se fosse normal, eu faço todo o serviço dentro de casa, se eu tenho lenha e água, o fogo, eu dou conta de tudo, passo pano, cera, faço pão. (M6 – deficiência física congênita)

Dentro de casa eu consigo limpar, mas lá fora não consigo, porque o serviço pesado eu não posso fazer […]. (M5 – deficiência física congênita)

Sim, faço comida, lavo roupa [...] (M7 – deficiência física congênita)

                       

         Algumas mulheres não tiveram acesso ao BPC, pois não conseguiram comprovar sua necessidade devido às exigências legais. Além disso, não receberam apoio da família para obtê-lo, reconhecendo a importância que o auxílio teria em sua qualidade de vida.

Não recebo nada [benefício]. Fui atrás, fiz raio x, mas eles disseram que eu teria que ter pelo menos mais uma deficiência. (M3 – deficiência física congênita).

Não recebo nada [benefício], e o mano [irmão] diz que dá muita correria ir atrás [...] tinha que ter algo para ajudar a comprar o remédio, a roupa [...] eu gosto de me arrumar, comprar perfume, precisava de uma ajuda. (M4 – deficiência múltipla adquirida)

 

            Outra questão levantada pelas mulheres remete-se à acessibilidade, pois relataram não dispor de transporte público adequado para suas necessidades. Além disso, no meio em que viviam barreiras que dificultavam seu deslocamento.

Transporte não oferece acessibilidade e eu não tenho cadeira de roda (M2 – deficiência física adquirida)

 Ao mesmo tempo tem e não tem [transporte]. Tem que caminhar muito em lugares de difícil acesso, estrada com muita pedra, escadas […] Falando do ônibus, é difícil para mim conseguir [...]. (M5 – deficiência física congênita).

 

            No caso das participantes que possuíam carro próprio, nenhum foi comprado com desconto para pessoas com deficiência, direito garantido pela lei brasileira. Uma delas, inclusive, referiu que não tinha conhecimento acerca deste benefício.

O carro foi num brique de terra, então não utilizamos o desconto.  (M3 – deficiência física congênita).

Carro velho de uma herança, então não teve desconto. (M4 – deficiência múltipla adquirida)

Ele [marido] comprou parcelado, mas eu não sabia que tinha direito a esse desconto. (M7 – deficiência física congênita)

 

As restrições vivenciadas pelas mulheres do estudo impunham a elas uma condição de vida em que havia maior vulnerabilidade individual, social e programática quando não acessavam os direitos garantidos em lei e as políticas públicas, o que pode estar relacionado à desinformação, ausência de suporte familiar e dos próprios serviços de saúde, educação e de assistência social.

 

Situações de proteção às vulnerabilidades de mulheres com deficiência em contexto rural: acesso aos serviços da saúde, educação e assistência social

 

A avaliação positiva do atendimento recebido nos serviços de saúde e a valorização deste estiveram presentes nos depoimentos. 

A qualidade [do serviço de saúde] é boa, porque antes não tinha nada, agora tem as coisas [...] me sinto bem, eles atendem bem. (M1 – deficiência intelectual congênita, baixo grau)

Olha, tem gente que se queixar, para nós, para mim, para o meu pai, sempre que precisei, tive ajuda. (M3 – deficiência física congênita)

Muito bem, eles são muito queridos e atendem bem. (M7 – deficiência física congênita)

 

As mulheres com deficiência acessavam os serviços de saúde que antes não tinham, e para a realização de consultas ginecológicas e clínicas e solicitação de receitas de medicamentos de uso contínuo.

[...] é mais fácil para a gente que mora aqui. Antes ia, não tinha ficha, agora tem. Eu comecei a fazer as coisas porque tem, quando a gente procura. (M1 – deficiência intelectual congênita, baixo grau)

Uma vez ao mês eu faço consulta para pegar o remédio e exames quando vou fazer cirurgia, daí faço exame do coração e de sangue. Mamografia e preventivo faz uns quatro anos que não faço, porque eu dependo de pegar a requisição e depois alguém me levar [...]. (M2 – deficiência física adquirida)

 

Na Associação de Pais Amigos dos Excepcionais (APAE), as mulheres com deficiência relataram que recebiam atendimento fisioterapêutico. E referiram uma ótima relação com os profissionais dos serviços de saúde e da APAE.

Comecei a participar da escolinha [APAE], e, daí, lá, eu ando no cavalo, faço fisioterapia, jogo bola. (M4 – deficiência múltipla adquirida)

Me sinto feliz, porque, ontem ainda, me encontram e bateram palma para mim, porque eu vendi todos os calendários que a professora me deu. (M4 – deficiência múltipla adquirida)

[...] eles [os profissionais da unidade de saúde] são todos amigos [...]. (M8 – deficiência intelectual congênita, baixo grau)

 

Embora algumas participantes tenham referido dificuldades para obtenção do BPC, outras relataram tramitação acessível para a conquista deste direito. Este benefício é utilizado para além de suas necessidades particulares, complementando a renda da família, auxiliando no pagamento de contas da casa e de gastos com a saúde dos filhos.

Recebo o BPC, foi bem tranquilo, não teve dificuldades para conseguir […]. Para comprar minhas coisinhas, alimentação e bem-estar. (M8 – deficiência intelectual congênita, baixo grau)

Sim, em questão de 30 dias eu estava recebendo o BPC, foi bem rápido […]. (M9 – deficiência física adquirida)

Compro remédio, pago a luz, e ajudo nas contas da casa. (M2 – deficiência física adquirida)

No que posso, ajudo na casa, para remédio, para minha menina, é mais para saúde ou para alguma outra necessidade minha. (M5 – deficiência física adquirida)

Eu uso [o benefício] para comprar o que eu preciso e estou fazendo uma poupança [...]. (M6 – deficiência física congênita)

 

O acesso aos serviços de saúde, de educação e de assistência social desvela ações programáticas das políticas públicas neste contexto, que, associadas às potencialidades individuais e sociais das mulheres com deficiência, garantiam-lhes maior proteção e potencial de desenvolvimento.

 

Discussão

Os resultados deste estudo revelam que a maioria das participantes possuía deficiência congênita, presente desde o seu nascimento. Outras mulheres, por sua vez, possuíam deficiência adquirida, a qual advinha de alguma situação ocorrida na infância ou juventude. Segundo estas, ambas as deficiências geraram limitações de diversos graus, inclusive impedindo-as de brincar. Tal dado também é apontado por outro estudo que identificou que as mulheres que possuíam a deficiência desde a infância não tiveram a oportunidade de brincar com outras crianças nesta etapa de suas vidas.3

Apesar disso, algumas participantes deste estudo, ainda na infância e mesmo com restrição física, assumiram responsabilidades domésticas. Nesta condição, essas mulheres precisavam de apoio para melhor se desenvolverem. O suporte familiar, de amigos e da comunidade é fundamental para a vivência de novas experiências e auxílio nos impactos que a deficiência causa na vida cotidiana. Quando a rede de apoio não é forte e apresenta fragilidades, esta pessoa ficará vulnerável a condições de acesso ao transporte, à saúde, à educação e demais direitos inerentes ao cidadão.16

Em contexto rural, o cuidado está relacionado com as relações de gênero e de classe.17 Nesta conjuntura, a mulher desde sua infância assume o papel de cuidadora, proporcionando bem-estar físico, psíquico e afetivo aos homens, pessoas idosas e doentes que constituem o seu núcleo familiar.

As participantes deste estudo tiveram dificuldades para frequentar a escola e, por isso, tinham baixa escolaridade. Mulheres com deficiência enfrentam múltiplos desafios para usufruir de direitos civis e serviços fundamentais como a educação.5 Um desses desafios é a ausência de transporte público e privado e a falta de acessibilidade destes para PcD,3-5 somados às longas distâncias e estradas impróprias.3 Por outro lado, apesar de as mulheres que vivem no contexto rural possuírem impedimentos de acessibilidade à escolarização, há evidências de que estas têm mais anos de estudo, quando comparadas aos homens.18

Pesquisa que investigou os fatores que influenciam a situação laboral das mulheres com deficiência na Coreia do Sul indicou que o nível educacional aumentou as taxas de emprego destas mulheres.4 Deste modo, consideram-se imprescindíveis políticas que proporcionem o acesso dessa população à educação, e que esta seja inclusiva e desprovida de preconceitos.

A maioria das participantes do estudo em tela não teve um trabalho remunerado e as que tiveram foi por pouco tempo e com baixos salários. Nesta direção, pesquisa constata que grande parte das mulheres com deficiência não possui trabalho e rendimento fixo, o que impacta negativamente na sua situação econômica e gera dificuldades para atender suas necessidades básicas. Quando há oportunidades de emprego, estas são subordinadas, com remuneração significativamente inferior, condições de trabalho precárias e com prazos determinados.3

A região  urbana é apontada como  o principal locus de trabalho remunerado para mulheres com deficiência ou doenças crônicas residentes no contexto  rural da Hungria, sendo considerado fundamental, visto que a maioria possui condições socioeconômicas desfavoráveis e a renda oriunda deste trabalho tende a contribuir substancialmente em suas vidas.7 Neste contexto, a deficiência é uma das grandes fontes de desvantagem para inserção e permanência no mercado de trabalho para as mulheres rurais, considerando que sua condição de saúde tende a afetar seu desempenho laboral ou até mesmo suas oportunidades de deslocamento.8

Apesar de restrições, algumas participantes, mantiveram-se desenvolvendo determinadas atividades domésticas que conseguiam realizar. Pontua-se que as mulheres com deficiência, mesmo com limitações, buscam assumir responsabilidades no domicílio, cozinhando, lavando e passando roupas, dentre outras.3

O trabalho para a mulher rural que vive da agricultura familiar se assenta na divisão sexual e relacional social e suas responsabilidades direcionam-se ao cuidado do lar, dos filhos, do marido e da casa. Tais atividades tendem a exigir menor força física, enquanto que ao homem cabem decisões sobre questões administrativas, financeiras e gerais da família, além de realizar o serviço considerado pesado. Revelam-se, neste cenário, as desigualdades entre homens e mulheres na hierarquia social, no que se refere à repartição do trabalho e à posição profissional.17

    O serviço doméstico realizado pela mulher, por vezes, é invisibilizado. Porém, ao não ser desenvolvido, acarreta tensões familiares. No contexto rural, o trabalho da mulher com deficiência poderia ser realizado por um profissional e pago com auxílio do BPC, considerando que a rede de apoio, quase sempre, é limitada.

Em momentos em que a mulher rural precisa de ajuda no serviço doméstico, pede auxílio da filha. Por não ter escolha, a mulher vê o trabalho doméstico como sua única função e não se permite se desvencilhar desta ideia. Elas aprendem desde criança, com suas mães, avós e tias, que irão desenvolver estas atividades, e repassam para suas filhas. Desta forma, o trabalho doméstico é reafirmado como feminino.17

Quando o homem auxilia nas atividades domésticas, esta prática não representa a equidade de gênero nas divisões de tarefas. Ainda, estes participam das atividades domésticas, quase sempre, na ausência das mulheres. Reitera-se, neste caso, o princípio da segregação do trabalho, distinguindo-se o que compete ao feminino e ao masculino.17

A mulher rural desenvolve atividades muitas vezes consideradas masculinas, porém, não reconhecidas como trabalho, a exemplo do cultivo de alimentos e do cuidado com os animais para além da subsistência. Isso se deve a uma construção sócio-histórica pautada no gênero, a partir da qual atividades voltadas para a subsistência e que não geram renda são consideradas femininas. Esta ideia de que existe o serviço do homem e o da mulher, no meio rural, é também definida pela necessidade de força requerida para a execução da atividade.18

Trabalhar não significa apenas obter renda para sobreviver, vai além disso, qualifica as pessoas como independentes e dá a elas uma função social que as torna valorizadas em seu meio. A PcD que ingressa no mercado formal de trabalho se torna outra pessoa, dá origem a um ser independente, liberto, mais seguro de si e que convive no meio social.19

Neste estudo, algumas mulheres com deficiência não tiveram acesso ao BPC, devido à dificuldade de comprovação da deficiência e do encaminhamento da documentação. Ademais, não tinham informações suficientes e apoio da família para a obtenção do direito. O BPC atende 2.527.257 pessoas com deficiência, no entanto, para confirmar esta necessidade as PcD têm um caminho longo, encontrando inúmeras burocracias e comprovações que devem ser realizadas e dificultam o acesso.20

Quanto ao recebimento do BPC, as mulheres estão em segundo lugar, tendo havido uma diminuição de pedidos deferidos em razão dos critérios que avaliam as limitações e restrições da pessoa, cuja intensidade da dependência variou de leve a moderada.19 A concessão deste benefício é aprovada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), envolve a avaliação de um assistente social, perícias médicas e outros requisitos que demonstram caráter subjetivo, pois cada profissional pode ter sua própria visão de deficiência, influenciando no julgamento da necessidade do recebimento do BPC pela mulher.21

Outro fator que também dificulta o alcance deste direito é o valor de renda per capita de que a família deve dispor, considerando que pessoas com deficiência têm gastos altos com medicação, atividades de reabilitação e outras intercorrências. Por vezes, mesmo que a renda per capita seja maior que ¼ por familiar, ainda assim não contempla todas as necessidades, e o recebimento de mais este salário seria de suma importância para a PcD e sua família.20

É relevante citar que as famílias de PcDs que vivem no cenário rural sofrem um processo de empobrecimento intensificado, com risco de colapso da economia e do bem-estar do núcleo familiar. Tal processo é resultado direto ou indireto da deficiência do seu familiar, representado pelos custos com os cuidados de saúde, perda ou redução da força de trabalho e da renda. E também é resultado das barreiras estruturais potencializadas pelo contexto rural, como dificuldades de acesso à proteção social e opções de subsistência restritas, com possibilidades de trabalho remunerado limitadas, dentre outras.22

A falta de acesso ao transporte público esteve presente na vida das participantes, situação também relatada em outros estudos desenvolvidos com mulheres com deficiência.3-5 Um deles apontou que 60% das mulheres não podiam utilizar ônibus, pois não eram acessíveis para usuários em cadeira de rodas e que usavam muletas, por exemplo.5 As PcDs que residem em meio rural se tornam invisíveis, pois estão geograficamente distantes de órgãos representativos de direitos, os quais poderiam reforçar a obtenção da acessibilidade ao transporte e equipamentos e tecnologias assistivas.8

Algumas participantes deste estudo apontaram o acesso aos serviços de saúde, educação e proteção social, bem como o apoio de alguns profissionais destes serviços para viver em seus contextos. Esses recursos auxiliaram na superação de obstáculos de vida e de saúde, tornando-se uma forma de proteção às vulnerabilidades. Denota-se aqui a relevância da dimensão da vulnerabilidade individual aliada à social e programática para obtenção de maior proteção. Considera-se, para isso, que haja a estrutura de oportunidades na esfera pública e a participação das pessoas.10

A possibilidade de reabilitação tem papel fundamental na vida da PcD. É importante a oferta de espaços, onde profissionais estejam preparados para cuidados especializados. No entanto, a implementação de políticas públicas de saúde que respaldem este grupo ainda são incipientes para o reestabelecimento de condições de maior complexidade.23

As mulheres deste estudo acessavam os serviços de saúde e consideraram a relação com os profissionais muito positiva. Retrataram que eram atendidas em suas necessidades básicas de saúde geral. As PcDs esperam por auxílio na descoberta de novas atividades e, neste sentido, a rede de apoio constituída por profissionais de saúde da Atenção Básica oferta essas condições, cooperando com a inserção delas na sociedade e possibilitando experiências que geram independência física e psicológica.16

O vínculo entre a mulher com deficiência e a equipe de saúde se mostra como fator positivo, ampliando o poder de fala e permitindo a expressão dos sentimentos e angústias destas populações rurais com relação a suas necessidades. O profissional da equipe, ao ouvi-las, pode orientar e construir possibilidades e alternativas para atender às suas demandas de saúde considerando as peculiaridades das famílias rurais e suas carências.24 Vínculos fortes e as capacidades internas e subjetivas das pessoas para lidar com dificuldades  e condições presentes em seus contextos de vida podem diminuir as vulnerabilidades marcadas por desigualdades sociais e econômicas.10 A fragilidade econômica das PcDs pode ser amenizada por meio da obtenção do BPC, e suas vidas potencializadas, ao serem articuladas a serviços, projetos e benefícios da Assistência Social e à efetivação do trabalho com os beneficiários e suas famílias.22

As mulheres com deficiência deste estudo que receberam o BPC obtiveram o benefício com facilidade e, com isso, além de subsidiar seus tratamentos e de seus filhos, elas auxiliaram com os gastos da casa. Constata-se que o BPC é um importante recurso financeiro, sendo considerado uma das principais fontes de cuidado às pessoas com deficiência que vivem em contextos rurais e de acesso a direitos.8

Frente a estas considerações, destaca-se, por fim, o potencial da enfermagem no cuidado às mulheres com deficiência que residem no meio rural. A compreensão sobre como cuidar destas pessoas deve levar em consideração o conjunto de experiências relacionadas às suas condições de vida e saúde. Os enfermeiros podem desempenhar papel emancipatório junto a PcDs, sendo coparticipantes de seu processo de fortalecimento da autonomia.25 Portanto, deve-se fortalecer a prática de cuidado focada na saúde e seus determinantes, especialmente, naqueles que geram vulnerabilidades.

O reconhecimento do Serviço de Atenção à Saúde por parte de mulheres com deficiência no cenário do estudo como ponto de apoio pode ser a base para o fortalecimento da Política de Atenção à Saúde da População Rural, e a Estratégia Saúde da Família Rural (ESFR) é a porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS) neste contexto. Ainda, a ESFR pode tornar-se o locus que integra a mulher com deficiência a todos os serviços essenciais à sua reabilitação e inserção social, visando à integralidade do cuidado e à potencialização das fragilidades individuais e sociais. Contudo, ainda há que se avançar quanto ao modelo de atenção à saúde aplicado pela ESFR. Isso porque as ações de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos constituem-se como desafios para os profissionais.26

No âmbito da ESFR, para além de atendimentos individuais focados na doença, podem ser desenvolvidos grupos junto às mulheres com deficiência residentes no cenário rural, visando à promoção da saúde destas mulheres. Nesta perspectiva, estudo indica que os grupos de mulheres podem constituir-se como uma fonte importante de empoderamento, apoio social e informação para mulheres com deficiência.27

A partir da análise das situações de vulnerabilidade e de proteção destas mulheres, tem-se subsídios para (re)pensar, em especial, o acesso aos serviços intersetoriais de atenção. Quanto ao ensino na área da saúde, abordar o contexto de vida e saúde das mulheres com deficiência do contexto rural é fundamental para embasar as práticas profissionais, considerando as singularidades deste grupo. Na pesquisa, faz-se necessário que sejam desenvolvidas mais investigações com esta população, buscando compreender as suas necessidades biopsicossociais.

Este estudo apresenta como limitação o pequeno grupo amostral de um contexto específico, o que deve ser considerado para a generalização dos resultados. Contudo, traz contribuições ímpares, ao dar voz às mulheres com deficiência residentes em cenário rural, um grupo social marginalizado, vulnerável em múltiplas dimensões e cujo recrutamento é extremamente desafiador.

 

Conclusão

O estudo mostra que as vulnerabilidades vivenciadas por mulheres com deficiência residentes em contextos rurais compreendem a restrição, a falta de acesso à escolaridade, ao trabalho e renda, aos direitos, ao benefício assistencial e ao transporte público, além de barreiras ambientais e arquitetônicas. Evidencia-se também que algumas mulheres vivenciam situações que as protegem das vulnerabilidades presentes no contexto rural quando têm acesso aos serviços de saúde e da educação e relações positivas com os profissionais destes serviços.

As vulnerabilidades das mulheres com deficiência que vivem em contextos rurais, em parte, são decorrentes da ausência de políticas públicas de saúde, educação, trabalho, renda e lazer. Essas políticas estão interconectadas e podem ser executadas em ações intersetoriais com profissionais qualificados. Além disso, são amparadas na lei da PcD desde de 2015.

São necessários esforços para, de fato, trazer a essas mulheres a oportunidade de desenvolvimento humano nas dimensões sociais e fomentar a inclusão social na agricultura familiar com maior autonomia para atividades que vão além das ditas domésticas, no campo feminino, apesar da deficiência. Os aspectos protetivos identificados no estudo podem ser mais bem explorados tendo em vista que algumas dessas mulheres, mesmo sem uma rede de apoio e acesso a todos os serviços essenciais para sua reabilitação e desenvolvimento, apresentam um olhar positivo de vida.

  

Referências

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Fomento: Trabalho financiado pela Chamada FAPERGS/MS/CNPQ/SESRS n.º 03/2017 - Programa pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em saúde PPSUS - 2017.

 

  

Contribuições de autoria

 

1 – Maira Missio

Autor correspondente

Enfermeira, Graduada em Enfermagem - E-mail: mairamissio97@gmail.com

Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados.

 

2 – Ethel Bastos da Silva

Enfermeira, Doutora em Ciências - E-mail: ethelbastos@hotmail.com

Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

3 – Jaqueline Arboit

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - E-mail: jaqueline.arboit@hotmail.com

Revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

4 – Marta Cocco da Costa

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - E-mail: marta.c.c@ufsm.br

Revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

5 – Alexa Pupiara Flores Coelho

Enfermeira, Doutora em Enfermagem - E-mail: alexa.coelho@ufsm.br

Rrevisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

6 – Alice do Carmo Jahn

Enfermeira, Doutora em Ciências - E-mail: jahnalice@gmail.com

Revisão final com participação crítica

 

Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula

Editora Associada: Graciela Dutra Sehnem

 

Como citar este artigo

Missio M, Silva EB, Arboit J, Costa MC, Coelho APF, Jahn AC. Women with disabilities living in the rural context: situations of vulnerabilities and protection. Rev. Enferm. UFSM. 2022 [Access at: Year Month Day]; vol.12 e14: 1-20. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769265530