Rev. Enferm. UFSM - REUFSM

Santa Maria, RS, v. 11, e50, p. 1-21, 2021

DOI: 10.5902/2179769264013

ISSN 2179-7692

 

Submissão: 01/02/2021    Aprovação: 06/04/2021    Publicação: 24/06/2021

Artigo Original

 

Repercussões da prática educativa no autocuidado e manejo do Diabetes Mellitus tipo 1 na infância*

Effects of educational practice on self-care and management of Type 1 Diabetes Mellitus in childhood

Repercusiones de la práctica educativa sobre el autocuidado y manejo de la Diabetes Mellitus tipo 1 en la infancia

 

 

Thaís Schmidt Vitali HermesI

Rosa Maria RodriguesII

Luciana Mara Monti FonsecaIII

Beatriz Rosana Gonçalves de Oliveira TosoIV

Solange de Fátima Reis ConternoV

Claudia Silveira VieraVI

 

I Enfermeira, Mestre, Secretaria Municipal de Saúde de Toledo, Toledo, Paraná. thaisschmidtvitali@gmail.com Orcid: 0000-0003-0204-5045

II Enfermeira, Doutora, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil. rmrodri09@gmail.com Orcid: 0000-0002-6265-8284

III Enfermeira, Doutora, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. lumonti@eerp.usp.br Orcid: 0000-0002-5831-8789

IV Enfermeira, Doutora, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil. lb.toso@gmail.com Orcid: 000-0001-7366-077X

V Pedagoga, Doutora, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil. solangeconterno@gmail.com Orcid: 0000-0003-2493-8071

VI Enfermeira, Doutora, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Paraná, Brasil. clausviera@gmail.com Orcid: 0000-0002-0900-4660

* Extraído da tese “Educação em saúde para crianças diabéticas por meio de cartilha educativa e abordagem lúdica”, Programa de Pós-Graduação Biociências e Saúde, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2018

 

Resumo: Objetivo: apresentar as repercussões de uma prática de educação em saúde para o autocuidado e manejo da Diabetes Mellitus tipo 1 entre crianças. Método: estudo qualitativo com grupo focal e descrição do perfil glicêmico das crianças. As atividades de educação em saúde, lúdica e com cartilha educativa, foram desenvolvidas com quatro crianças com diabetes e seus familiares, em ambulatório de hospital universitário. Análise de conteúdo do tipo temática. Resultados: a atividade física mostrou-se como alternativa eficaz para prática de autocuidado, porém, houve resistência à adoção de hábitos alimentares direcionados ao diabetes, relacionados ao controle glicêmico inadequado e aumento de complicações. Observou-se mudanças no manejo da doença comparando-se o antes e após as atividades educativas. Conclusões: recursos lúdicos e cartilha educativa repercutiram positivamente no manejo da família e no autocuidado da criança com Diabetes Mellitus.

Descritores: Diabetes mellitus; Saúde da criança; Educação em saúde; Enfermagem pediátrica; Jogos e Brinquedos

 

Abstract: Objective: to present the effects of health education for the self-care and management of type 1 Diabetes Mellitus among children. Method: a qualitative study with a focus group and description of the children’s glycemic profile. The health education activities, of a playful type and with an educational booklet, were carried out with four children with diabetes and their families, in an outpatient clinic of a university hospital. Thematic content analysis was performed. Results: physical activity proved to be an effective option for the practice of self-care, however, there was non-compliance to the adoption of dietary habits aimed at diabetes, concerning inadequate glycemic control, and increased complications. Changes in the management of the disease were observed when comparing the before and after of educational activities. Conclusions: playful resources and an educational booklet had a positive impact on family management and the self-care of children with Diabetes Mellitus.

Descriptors: Diabetes mellitus; Child health; Health education; Pediatric nursing; Play and playthings

 

Resumen: Objetivo: presentar las repercusiones de una práctica de educación para la salud sobre el autocuidado y manejo de la Diabetes Mellitus tipo 1 en niños. Método: estudio cualitativo con grupo focal y descripción del perfil glicémico de los niños. Las actividades de educación para la salud, lúdicas y con cartilla didáctica, se desarrollaron con cuatro niños con diabetes y sus familiares, en el ambulatorio de un hospital universitario. Análisis de contenido de tipo temático. Resultados: la actividad física demostró ser una alternativa eficaz para la práctica del autocuidado, sin embargo, hubo resistencia a la adopción de hábitos alimentarios dirigidos a la diabetes, relacionados con un control glucémico y aumento de complicaciones. Se observaron cambios en el manejo de la enfermedad comparándose el antes y después de las actividades educativas. Conclusiones: los recursos lúdicos y la cartilla educativa repercutieron positivamente en el manejo de la familia y en el autocuidado de los niños con Diabetes Mellitus.

Descriptores: Diabetes mellitus; Salud del niño; Educación en Salud; Enfermería pediátrica; Juego e Implementos de Juego

 

Introdução

O Diabetes Mellitus caracteriza-se pelo comprometimento do metabolismo da glicose, devido alterações na secreção e ação do hormônio insulina, resultando em hiperglicemia crônica.1-2 No Diabete Mellitus tipo 1 (DM1), a deficiência de insulina decorre da destruição das células beta pancreáticas pela interação entre a resposta imunológica, fatores genéticos predisponentes e influência do meio ambiente.2

Como condição crônica de saúde mais comum entre crianças, a DM1 demanda cuidados modificados diferenciados a partir da descoberta da doença. Mudanças que envolvem hábitos alimentares, atividade física, aplicação de insulina e monitorização da glicose. Mudanças essas que exigem a aquisição de novos conhecimentos e adaptação na rotina da criança e família para adequado manejo e controle da doença. Para que desse modo, ocorra o estimulo ao autocuidado de acordo com a idade e maturidade da criança.3

Para desenvolver o autocuidado, a criança deve obter habilidades para o melhor manejo das demandas do DM1, tais como, adequada automonitorização da glicose sérica, diretamente relacionada à manutenção da normoglicemia. A glicemia é verificada pelos testes de glicose capilar, que permitem informações úteis para manter e gerir o estado glicêmico. Com esses resultados pode-se planejar o manejo da doença, alterações no mapa alimentar diário e readequação do cálculo das dosagens de insulina.4 Condição que desafia os profissionais de saúde a conceberem estratégias que auxiliem no alcance e manutenção das metas glicêmicas seguras.

Na publicação “Padrões de Cuidados Médicos em Diabetes”,5 encontra-se a recomendação de apoio a iniciativas educativas que visem o autocuidado como forma de autogerenciamento/manejo do diabetes para crianças e adolescentes. Aconselhou-se a educação individualizada, culturalmente apropriada, tanto no processo de diagnóstico, quanto no cuidado rotineiro pressupondo-se que não importa o quão sólido seja o regime médico, esse só será eficaz se a família e/ou os indivíduos afetados forem capazes de implementá-lo.5

A exemplo dessas iniciativas, cita-se o uso do brinquedo terapêutico para ensinar a insulinoterapia,6 como de games direcionados ao DM1 com o fim de influenciar os comportamentos e preferências e contribuir para o manejo da doença.7-8 Outra estratégia, que usa a tecnologia robótica, é a criação de uma robô afetiva, autônoma, cognitiva e motivacional com "diabetes robô", objetivando apoiar a percepção de autoeficácia e bem-estar emocional de crianças com diabetes.9

Robin, a criança-robô, oferece experiências positivas de domínio do controle do diabetes em um contexto de interação lúdica, mas realista e natural. Para tanto, o uso do lúdico no manejo da DM1 é ferramenta que contribui para reduzir o estresse, auxiliando para que as tensões do sofrimento do convívio com o DM1 em seu cotidiano sejam minimizadas e consigam assumir o controle da situação e resgatar sua autonomia mesmo frente a condição crônica.9

Na atualidade há diferentes estratégias para o desenvolvimento de atividades de autocuidado direcionadas ao Diabete Mellitus, desde as que demandam mediação com aparatos tecnológicos, como telefone, softwares, até instrumentos para avaliar conhecimentos e atitudes dos mesmos sobre as diferentes características da doença, como os Questionários do Conhecimento (DKN-A) e Questionário de Atitudes Psicológicas do Diabetes (ATT), recursos que podem auxiliar na construção de estratégias educativas para o autocuidado, de forma individualizada e potencializando a instrumentalização para o enfrentamento da doença.10-12

Neste contexto, atividades de educação em saúde pautadas nas necessidades dos sujeitos, oferecidas de forma dialógica, participativa e sistematizada podem ser positivas. E dessa forma, resultam em melhores níveis de conhecimento de crianças e adolescentes sobre o adequado manejo da doença, promovendo a capacidade de autocuidado, como exemplo na aplicação de insulina.3 Objetivou-se apresentar as repercussões de uma prática de educação em saúde para o autocuidado e manejo da Diabetes Mellitus tipo 1 entre crianças.

 

Método

Estudo qualitativo, do tipo pesquisa participante, que empregou o grupo focal, que combina elementos de entrevista em profundidade com a observação participante, como técnica de coleta de dados. Na pesquisa participante há interação entre pesquisador e participantes, em uma relação interativa e ativa, de modo que os envolvidos possam modificarem suas práticas pelo aprendizado, mediante construção dialógica de saberes.13 Empregou-se também descrição quantitativa de dados relativos ao perfil glicêmico das crianças em estudo.

Para serem incluídas no estudo, as crianças deveriam ter o registro no prontuário de pelo menos 60 dias da data da inclusão na investigação dos índices glicêmicos (glicemia de jejum e hemoglobina glicada - Hb1Ac). Assim como, ter consulta agendada para o período de coleta de dados, sendo excluídas aquelas que não compareceram a consulta agendada no dia dos encontros do grupo focal. Os familiares incluídos no estudo foram aqueles que acompanhavam a criança as consultas no ambulatório e referiram ser o seu principal cuidador, sendo excluídos aqueles que não compareceram a todos os encontros da atividade educativa. Dessa forma, incialmente foram incluídas na investigação seis crianças e seus familiares, totalizando 12 participantes. Contudo, ao longo dos sete encontros de atividades educativas houveram desistências, obtendo-se no final a participação de oito pessoas no grupo focal. Desse total, quatro eram crianças de oito a 12 anos completos com DM1, usuárias do ambulatório de endocrinologia de um hospital universitário e quatro familiares responsáveis. Salienta-se que o grupo focal foi desenvolvido no próprio ambulatório, na sala de reuniões agendada previamente.

As crianças e seus familiares foram abordados na consulta de rotina do ambulatório, quando foram orientados dos objetivos da pesquisa, momento em que criança e acompanhante assinaram os Termos de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) e de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respectivamente. Aplicou-se formulário estruturado, o qual foi preenchido antes de iniciarem as atividades de educação em saúde e após os 90 dias do término da prática educativa.

O referido formulário foi elaborado pelos pesquisadores, preenchido pela pesquisadora principal em entrevista com a criança ou cuidadores. Este instrumento continha 20 questões abertas, sobre as dificuldades no manejo do DM1 pela criança e seus familiares, acerca da compreensão sobre a doença, quem ofertou e quais informações receberam sobre o DM1, suporte para realização dos cuidados que a doença requer. Hábitos após a descoberta da DM1, o que é mais difícil para a criança e para o familiar no manejo da DM1, insulinoterapia e seu manejo, controle glicêmico, reconhecimento de situações de hipo ou hiperglicemia e como reage frente a essas situações, dietoterapia e atividade física. Ainda, contemplava dados sociodemográficos, composição do perfil do DM1 e os parâmetros glicêmicos: glicemia de jejum e HbA1c (prontuários das crianças) e glicemia média semanal – GMS (do mapa de glicemia capilar realizado em casa).

A educação em saúde desenvolveu-se por meio de atividades educativas realizadas no grupo focal, uma técnica de pesquisa que coleta dados pela abordagem de tema específico com pequeno grupo de pessoas.14 O grupo foi conduzido por um moderador auxiliado por dois observadores, que por meio da observação participante analisavam atitudes e linguagens verbais e não verbais dos participantes e registravam os dados em diário de campo,15 cujas observações constituíram parte da interpretação desta pesquisa. Ressalta-se que neste manuscrito os dados não verbais não foram analisados, pois referiam-se ao aspecto da interação entre cuidador e criança, analisado e apresentado em outro artigo. Os relatos verbais gravados em áudio e vídeo, compuseram os dados das entrevistas guiadas pelas questões norteadoras dos três primeiros encontros: 1. Conte-nos como é viver com diabete na sua idade (criança)? Como foi para a senhora e sua família descobrir que ela tinha diabetes (cuidador)? 2. Conte-nos um pouco do seu dia a dia depois de descobrir a diabetes (criança e cuidador)? 3. Fale um pouco do que você sabe sobre a diabetes (criança e cuidador)?

As atividades educativas desenvolveram-se pautadas no diálogo, participação e partiram da realidade vivenciada pelas crianças e suas famílias, como postula o método Freireano adotado neste estudo,16 orientadas em seu conteúdo pelos temas de manejo do DM1 descritos em cartilha educativa,17 validada e direcionada ao preparo da criança com diabetes. Esta foi disponibilizada no primeiro encontro às crianças e a suas famílias como material de apoio e consulta no domicílio. Empregou-se metodologia lúdica adequada à idade para desenvolver a educação em saúde por meio de dinâmicas de grupo e tecnologias educativas criadas pelos pesquisadores para abordar por exemplo, a fisiopatologia do Diabetes, em que foi criado o “Caminho da glicose” a partir de materiais escolares e brinquedos para simular a saída da glicose (representada por carrinhos menores) da corrente sanguínea (tubo de papelão) e o transporte da glicose pela insulina (representado por um carrinho maior) para dentro da célula (caixinha de papelão) (Figura 1).

Texto, Quadro de comunicações

Descrição gerada automaticamente

Figura 1 – Caminho da glicose. Fonte: Arquivos do autor

A educação em saúde aconteceu por três meses, com frequência quinzenal, totalizando sete encontros educativos, com duração de aproximadamente noventa minutos cada. O primeiro encontro teve como objetivo apresentação, integração e envolvimento dos participantes; levantamento da percepção acerca da doença. Os demais ocorreram de acordo com os temas contidos na cartilha: DM1 e seus sintomas; Autocuidado e aplicação de insulina; Alimentação; Glicemia capilar; Atividade física e Complicações do DM1.

Ao término do período das atividades educativas e, em até 180 dias após, quando as crianças retornam ao ambulatório para consulta agendada, coletaram-se os parâmetros glicêmicos do prontuário das crianças. Assim, o período total de coleta de dados foi de março a agosto de 2017.

Os dados do grupo focal foram gravados em áudio e vídeo, transcritos na íntegra e sistematizados pela análise de conteúdo, utilizando-se do software NVivo para codificação. A homogeneidade; exaustividade; exclusividade; objetividade e adequação ou pertinência auxiliaram na construção das categorias empíricas na análise de conteúdo, na modalidade temática.18

A análise deu-se pela triangulação de fontes (grupo focal, observação participante e dados do formulário estruturado).19 As informações coletadas por meio do formulário estruturado foram descritas qualitativamente, no formato de conto do caso de cada criança com DM1 e seu familiar, compondo parte dos dados que geraram as categorias temáticas do estudo. As análises dos resultados bioquímicos dos testes tradicionais foram balizadas pelas diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabete. O resultado da GMS foi estimado a partir do registro do mapa de glicemia capilar realizado pela criança em casa, para qual foi realizada média aritmética, calculado pela soma dos resultados registrados diariamente e dividido pelo número de aferições realizadas, na semana anterior à primeira coleta de dados e ao retorno dos 90 dias e 180 dias por meio dos glicosímetros de cada criança. Estes dados são apresentados de forma descritiva no estudo.

Com base nos dados obtidos nas entrevistas transcritas e nas observações no grupo focal, bem como pelas informações descritas no formulário de coleta de dados, fez-se o agrupamento em conjunto de dados qualitativos, procedendo-se a codificação e análise desse material, elaborando-se as seguintes categorias temáticas: Autocuidado e atividades rotineiras no convívio com o DM1; Educação em saúde e as mudanças no manejo do DM1.

Para garantir o anonimato, criança e acompanhante escolheram nomes fictícios, a saber: Sara (12 anos), Fernanda (44 anos); Maitê (nove anos), Maria1 (52 anos); Adriana (11 anos), Maria2 (46 anos); Gabriela (oito anos), Evelin (44 anos).

A pesquisa foi conduzida de acordo com os padrões éticos requeridos e disposto na Resolução 466/2012 – 510/2016 – 589/2018, do Ministério da Saúde, sendo aprovada por Comitê de Ética sob protocolo 59413816.0.0000.0107, parecer nº 1.836.139, em 25 de novembro de 2016.

 

Resultados

Caracterização dos participantes

         No Quadro 1, apresentam-se as características de cada díade criança-cuidador.

Quadro 1 – Características sociodemográficas e clínicas de crianças e cuidadores. Cascavel, PR, 2017.

Características

Criança

Cuidador

Sara (criança) - Fernanda (mãe)

12 anos, 7º ano EF* I, descobriu DM1 há três meses, em consulta de rotina na unidade de saúde

44 anos, RF** 3 SM***, casada

Adriana (criança) – Maria2 (avó)

11 anos, 5º ano EF I, descobriu o DM1 aos três anos em uma cetoacidose diabética, quando foi hospitalizada na unidade de terapia intensiva

46 anos, casada, sem RF fixa, saiu do emprego para cuidar da neta, assumiu a guarda aos três anos da menina, pois a mãe era adolescente e não conseguia manejar o problema

Maitê (criança) – Maria (avó)

9 anos, 4º ano EF I, descobriu DM1 há 6 anos, quando fez cetoacidose diabética e foi hospitalizada

52 anos, RF 2 a 3 SM, cuida da neta enquanto pais trabalham

Gabriela (criança) – Evelin (mãe)

8 anos, 3º ano EF I, há um ano e 10 meses descobriu a DM1

44 anos, casada, RF 2 a 3 SM,

Legenda: *EF = Ensino Fundamental; **RF = Renda Familiar; ***SM = Salários Mínimos

         As crianças e seus cuidadores se caracterizam por mulheres, configurando-se em cuidadoras as próprias mães ou as avós das crianças. A descoberta do DM1 para duas das participantes foi em uma situação de agudização do quadro que desencadeou uma cetoacidose diabética, devido ao descontrole glicêmico. Estes dados apontam para a reflexão de como a condição na infância e percebida pelos profissionais da atenção básica, em ambos os casos as crianças foram hospitalizadas devido a não identificação precoce da hiperglicemia.

         As categorias temáticas incorporam o manejo da DM1 antes e após a atividade educativa, pois os dados do formulário aplicado antes e após essa atividade foram incluídos no corpus de análise para elaboração das categorias temáticas.

Autocuidado e atividades rotineiras no convívio com o DM1

As modificações que a doença crônica impõe na vida da criança e família exigem readaptações e estratégias de enfrentamento, neste estudo, as crianças utilizam esquemas de insulina de longa duração e ação rápida, conforme o teste de glicemia capilar. Contudo, o rodízio dos locais de aplicação não era rotina para todas.

Sara se aplica sozinha desde o dia que começou a tomar insulina, não me deixa dar, nem o pai dela e faz tudo certinho. (Fernanda, mãe da Sara)

Aprendi a aplicar [insulina] na minha boneca, tenho uma boneca, eu tinha uma seringa de mentira, virava ela e colocava. (Adriana, 11 anos)

E também, onde aplicar, a gente não sabia onde aplicar, só sabia que era aqui na perna, e na barriga, mas eu não sabia que podia aplicar no bumbum. (Evelin, mãe da Gabriela)

Concomitante à terapia intensiva de insulina e rotina de testes, o cuidado com a dieta se constitui em desafio para crianças e família. Questionadas se seguiam a dieta indicada para o DM1, relataram conseguir completamente, parcialmente ou não logravam obedecer, consumindo doces uma vez por semana e até diariamente. Os riscos de má alimentação não eram de conhecimento de todas, mas citaram complicações como cegueira, alterações nos órgãos e internações.

Quando descobri que tinha diabetes, fui aprendendo como cuidar da alimentação, fiquei sabendo que não pode ficar comendo doce porque prejudica órgãos, traz cegueira, pode amputar a perna e todo dia tem que aplicar insulina conforme você vai comer e também fazer o teste [HGT – hemo glicoteste], e sempre estar controlando para seguir controlada a doença. (Sara, 12 anos).

Foi mudado tudo, a alimentação [...] começamos a comer arroz integral, depois desistimos, só comia arroz branco, arroz e feijão normal, quando estava subindo muito a noite, nós tiramos o arroz branco e colocamos o integral, parou de subir [...]. (Evelin, mãe da Gabriela).

A prática de algum tipo de atividade física, como andar de bicicleta, natação, recreação foram comuns entre as crianças. Reconheceram a importância e revelaram os benefícios, como manutenção da glicemia, necessidade de menores doses de insulina, redução da ansiedade.

[...] se você fizer atividade física vai ajudar a controlar o peso, a glicose [...] e não precisa ficar tomando toda a hora insulina. (Sara, 11 anos)

Ela [Gabriela] faz exercício de manhã e no dia que faz, aplica menos insulina, por exemplo, os carboidratos dela a cada 20 ela toma uma unidade [...]. Ela tem menos vontade de comer, o dia que ela faz exercício [...] e não fica ansiosa. (Evelin, mãe da Gabriela)

Essa aqui [Adriana] chega da escola, já ataca a geladeira, daí eu faço ela pegar a bicicleta e sair [...] então quando está mais ou menos controlada [glicemia] com o exercício, come menos e bebe menos água. (Maria2, avó da Adriana)

No caso em estudo, duas crianças, cujos contextos familiares eram desfavorecidos tinham dificuldade de autocuidado e controle glicêmico. Em um dos casos, a mãe tinha resistência para a aceitação da doença; uma criança vivenciava as mudanças da pré-adolescência, residindo com a avó, com quem tinha uma relação conflituosa e seus pais estavam privados de liberdade. Neste último caso, durante as atividades educativas, o conflito era explícito, quando a avó expressava incapacidade de assumir o cuidado da neta que, segundo ela era indisciplinada. A adesão ao tratamento e aos cuidados que demanda o DM1 nem sempre é totalmente efetiva, pois depende, além da atuação dos profissionais de saúde, da decisão dos sujeitos, afetada por múltiplos determinantes cumprindo remeter a explicação à determinação da saúde.

Educação em saúde e as mudanças no manejo do DM1

Com a descoberta do diabetes, as famílias comumente recebem orientações sobre como lidar com a nova condição, como mudança nos hábitos alimentares, cuidados necessários para prática de atividades físicas, manuseio do glicosímetro e da insulina. Porém, as práticas executadas pelos participantes eram diferentes, mesmo todas as crianças sendo acompanhadas em um mesmo serviço de referência. Relataram divergências nas orientações recebidas pelos profissionais de saúde sobre conservação da insulina, limpeza do local de aplicação e aplicação.

A gente sempre carrega no gelo [a insulina], o médico fala que acima de [...] 23ºC, ela pode contaminar [...] em casa fica direto na geladeira dentro de um potinho, só tira para tomar. (Maria2, avó da Adriana)

Quando vou para a escola, pego uma caixa de gelo, a caixinha da insulina e enrolo em uma toalhinha, fica gelado o dia inteiro. (Sara, 12 anos)

Quando vamos retirar lá [regional de saúde], o enfermeiro disse para gente que pode deixar [insulina] na sombra [sem gelox], em casa deixa fora da geladeira, para vir buscar a gente traz o gelo, daí depois quando começa a usar, é fora do gelo. (Evelin, mãe da Gabriela)

Eu passo um pouco de água para limpar [o local de aplicação]. (Maitê, nove anos)

Tem que usar outro algodão? É que eu costumo deixar um potinho tampado com o algodão com álcool, daí ela usa três, quatro dias aquele [mesmo algodão], ela passa aquele e põe ali [no potinho] de novo, a não ser que saia sangue no algodão, daí joga fora. (Maria2, avó da Adriana)

Tinham duas enfermeiras que ensinaram [aplicar a insulina], tinha uma da Unidade de Terapia Intensiva, e a outra lá [regional de saúde], uma falava que tinha que fazer chãozinho [prega na pele, pinçando o músculo], a outra falava que não. Daí eu falei, a cabeça da gente vira um nó. E também a gente não sabia onde aplicar, só sabia que era aqui na perna, e na barriga. (Evelin, mãe da Gabriela)

As informações também destoaram sobre o descarte do material perfurocortante:

[...] quando eles me ensinaram a aplicar [insulina], perguntei onde que joga isso, falaram: vai no posto de saúde, têm os coletores. (Evelin, mãe da Gabriela)

A gente joga [as agulhas] no lixo da cozinha. Mas vai colocar aonde? [...]. Nunca falaram para gente levar lá [Unidade Básica de Saúde] [...] lá na regional [de saúde] eles tinham que falar isso para gente, e olha que faz oito anos que eu pego lá. (Maria2, avó da Adriana)

Após as atividades de educação em saúde, os participantes relataram as mudanças que ocorreram no cotidiano da família e no manejo da doença.

Algumas coisas [mudaram], tipo, a maquininha [HGT] que eu não fazia da maçã [código do HGT para registrar a glicemia antes/após alimentação] [...] a gente ter um compromisso [meta] de tentar controlar certinho [alimentação], frutas, que eu não comia [agora come], dos exercícios [como fazer corretamente]. (Sara, 12 anos)

Para mim mudou bastante coisa, tipo, eu fazia bem pouca educação física, agora eu estou fazendo mais, correndo mais, e também o negócio do compromisso, de cumprir uma meta, agora eu dou meu melhor. (Adriana, 11 anos)

O que eu mais percebi na mudança da Sara foi ela pedir, quando come alguma coisa que ela sabe que vai fazer mal, pedi para mim: mãe, eu posso comer isso aqui? [...]. Controla os carboidratos, não deixa de comer, mas começou a controlar mais. [...] frutas, que era ruinzinha para comer, melhorou bastante. (Fernanda, mãe da Sara)

[...] ela consegue controlar mais, até no comer, pergunta para a gente se pode, e antes [de comer] quando está fazendo contagem do carboidrato fala: mãe, posso comer tal coisa, uma fruta, ou um iogurte? Aquela coisa que você incluiu na hora do carboidrato [como realizar a contagem], eu acho que foi bem proveitoso […]. (Evelin, mãe da Gabriela)

Questões referentes ao manejo da doença, após a educação em saúde, foram complementadas com as entrevistas pelo formulário após a atividade educativa, as quais estão descritas a seguir, juntamente com os resultados glicêmicos iniciais e após o término das atividades.

Sara manteve a quantidade de insulina diária e a auto aplicação. Manteve a dieta e acrescentou os riscos da má alimentação, argumentando que se manter elevada a glicemia, o pâncreas piora, resultando em complicações nos órgãos. Reconheceu os benefícios da atividade física como no controle da doença, ajuda o pâncreas a produzir insulina e evita complicações.

Maitê conseguiu fazer a auto aplicação da insulina a partir do que aprendeu e praticou nos encontros, mas quando os pais estão em casa prefere que eles façam. A dose diária de insulina aumentou. Ainda segue a dieta parcialmente, mas soube reconhecer mais riscos da má alimentação como perda da visão e problemas renais. Na atividade física, após as atividades educativas no grupo, aumentou a prática de duas a três vezes na semana para seis a sete vezes.

Adriana afirmou que passou a comer menos e a realizar mais exercícios. A dose de insulina diária aumentou, anteriormente não realizava o rodízio para aplicação de insulina, agora realiza às vezes e justifica dizendo que alguns lugares doem. Reduziu a ingestão de doces semanalmente, afirma que não seguir a dieta pode resultar em cegueira, amputação de membros. Soube reconhecer os benefícios da atividade física, como baixar a glicemia e manter o DM controlado.

Gabriela, agora realiza a auto aplicação da insulina, tarefa antes dividida com os pais, houve diminuição de dose. Manteve-se seguindo parcialmente a dieta, mas passou a consumir doces semanalmente; reconheceu os riscos da má alimentação como cegueira e ferida no pé. Continuou com os exercícios físicos e relacionou esta prática com melhora da circulação e diminuição do peso.

A glicemia de jejum e a GMS reduziu em 50% das crianças, quando comparados ao início das atividades educativas com os 90 dias e ao término das intervenções; a glicemia de jejum reduziu para todas aos 90 dias, contudo apresentou aumento entre esse período e os 180 dias. Não foi possível a coleta da GMS nesse período, visto que os sujeitos não tinham o registro do mapa de glicemia capilar. A HbA1c apresentou redução em todas as crianças aos 90 dias e aumento em até 180 dias do término das intervenções (Quadro 2). A evidência de redução dos valores pode ter se dado em conjunto, pelo aumento da dose de insulina lenta diária em duas das quatro crianças.

Quadro 2 - Evolução dos índices glicêmicos das crianças. Paraná, Brasil, 2017.

 

INÍCIO

90 DIAS

180 DIAS

Glicemia jejum

Hba1c

GMS

Glicemia jejum

Hba1c

GMS

Glicemia jejum

Hba1c

 

GMS

Sara

117

7

159,25

175

6,8

*

185

7

*

Maitê

204

9,1

251,24

121

6,7

197,07

161

8,6

*

Adriana

438

12,1

337,54

136

10,6

284,5

154

10,8

*

Gabriela

153

7,3

137,65

171

6,9

168,67

311

7,5

*

Legenda: Glicemia expressa em mg/dL; HbA1c apresentada em %. * indicando quando não houve registro do dado.

 

A utilização da cartilha educativa direcionada a crianças com diabetes como recurso pedagógico, demonstrou que o lúdico facilita o processo de aprendizagem.

É boa, a gente pode tirar as dúvidas e também é bom porque da criança ela está explicando tudo certinho. (Sara, 12 anos)

Consegui aprender bastante com ela [cartilha]. (Maitê, nove anos)

Ajuda, que na dúvida, a gente recorre a ela [cartilha]. (Evelin, mãe da Gabriela)

Eu sou muito esquecida [...] aí vejo ela [cartilha] como uma receita de bolo, se eu tenho alguma dúvida, vou nela de volta, então tenho como uma relíquia. (Maria2, avó da Adriana)

As crianças e familiares descreveram a cartilha como material de apoio a ser utilizado em casa, caso surjam dúvidas.

Discussão

Os dados deste estudo apontaram que a educação em saúde trouxe benefícios para os participantes, no sentido de aprimorar seu conhecimento sobre a doença. Com vistas a independência da criança e familiares, os profissionais de saúde devem favorecer oportunidades de aprendizagem para que desenvolvam habilidades de autocuidado para aplicação de insulina, monitorização da glicemia capilar, controle da alimentação e atividade física. Contudo, a prática educativa deve considerar a fase do desenvolvimento cognitivo em que a criança se encontra para adaptar os métodos para implementar a educação em saúde e favorecer a compreensão da criança.

Crianças de sete a 12 anos podem assumir progressivamente suas tarefas diárias relacionadas ao DM1, com supervisão e apoio de adultos capacitados. Nesta faixa etária, alcançam o desenvolvimento operacional concreto, começam a desenvolver a lógica e adquirem a habilidade de realizar operações mentais silenciosas. A partir da compreensão de regras sobre objetos internos e suas relações, podem ser instruídas sobre o que é sua doença e aprender a desenvolver as atividades específicas e invasivas, como verificação da glicemia capilar e aplicação de insulina.20

Assumir responsabilidade própria nos papéis de autocuidado inerentes ao manejo da doença requer grau de maturidade e desenvolvimento cognitivo.21 Para distinguir entre o real e o imaginário, a criança nessa fase busca recursos na sua inteligência emocional, procurando motivar a si mesma, mesmo diante das frustrações, tenta controlar impulsos pela canalização das emoções para outras situações que lhe deem prazer.

A restrição na quantidade e na variedade dos alimentos, o desejo de consumi-los e a culpa por não resistir tornam-se barreiras para o autocuidado. Apesar das dificuldades, o controle dietético é responsabilidade que crianças devem começar a assumir gradativamente, dividindo-as com seus pais e, com o tempo, sob a própria responsabilidade.22

A afirmação do não cumprimento das restrições deve alertar, pois são crianças que interagem continuamente com os serviços de saúde e, mesmo assim, o autocuidado alimentar não é seguido. Como se observou, as famílias do estudo, embora não fossem de nível socioeconômico elevado, tinham condições de selecionar os alimentos a consumir, pois estavam esclarecidas. O que justifica então a não realização da dieta adequada à doença? Outros aspectos influenciam as decisões de adesão ao tratamento e cuidados como a dieta, os conflitos familiares e nestes casos, os limites da ação educativa são evidentes, pois não superam as vivências conflituosas do cotidiano. Evidências apontam que perturbações na vida familiar têm sido relacionadas a um funcionamento emocional e comportamental mais disperso e à baixa adesão aos regimes médicos.23-24 A prática de atividade física foi mencionada pelas participantes como algo incorporado no cotidiano e seus efeitos aumentam o gasto calórico, reduzem a resistência insulínica e mantem adequada gestão do peso corporal, fornecendo resultados positivos à saúde de toda família quando compartilhada.1

Conhecer o manejo do DM1 pode permitir a equipe de saúde, intervenções adequadas e direcionadas às vulnerabilidades da criança e família. Considerando que o DM1 representa uma patologia de grande morbimortalidade em todo mundo, a prática de educação em saúde constitui ferramenta que pode ser utilizada no ensino de crianças com doenças crônicas. Portanto, os profissionais de saúde devem estar preparados para avaliar os fatores educacionais, comportamentais, emocionais e psicossociais que interferem no desenvolvimento do plano de tratamento e devem desenvolver um trabalho com a criança e a família, para superar barreiras e prepará-los para assumirem o autocuidado.5,25

Programas de educação em saúde, construídos de maneira interativa e planejada, recreativos e criativos conforme especificidades do grupo alvo, contribuem para melhores níveis de conhecimento; estimular hábitos saudáveis que mediante adequada alimentação e atividade física; aumentam a autonomia dos envolvidos com aquisição de conhecimentos das técnicas específicas de controle do DM repercutindo em efeitos psicológicos positivos.3

O cuidado nesse contexto deve ser centrado na família e na criança, cujo envolvimento nos programas faz-se imprescindível.26 Para a família, o processo de descoberta da doença e a necessidade de aprender as práticas que envolvem o manejo da DM1 constituem-se em momento complexo, que pode ser dificultado por discrepância de informações prestadas pelos profissionais da saúde, o que resulta em agravos à saúde da criança por erros de técnicas de conservação, manipulação, preparo ou administração do medicamento. A sistematização das informações, a verificação do adequado entendimento do usuário e o acompanhamento das orientações prestadas são essenciais para a minimização destes erros.

As repercussões de um programa educativo para crianças com diabetes resultam de quatro fases do processo de aprendizado: resultados imediatos (aumento do conhecimento acerca da doença); intermediários (desenvolvimento de atitudes que promovam mudanças de comportamentos); pós-intermediários (melhora clínica e metabólica) e de longo prazo (melhora do estado de saúde e qualidade de vida, minimizando as complicações).27

Quando se reaplicou o formulário após a educação em saúde, identificou-se mudanças no cotidiano da família, no manejo do DM1 e no conhecimento acerca da doença. Pode-se, portanto, entender que as atividades educativas desenvolvidas alcançaram o estágio dos resultados imediatos e intermediários. A prática de atividade física já era parte do cotidiano das crianças e se mostrou alternativa eficaz como incentivo ao autocuidado e redução de complicações agudas e crônicas. Estudo evidenciou correlações estatisticamente significativas,3 antes e após intervenção educativa com crianças entre quatro e 14 anos foram alcançando melhora nas variáveis de conhecimento nutricional e na prática de exercício físico. Observaram que a maioria dos participantes alcançou a independência no manejo do DM requerendo auxílio somente os de menor idade.

Observou-se resistência à restrição de alimentos energéticos extras, os quais foram relacionados ao mau controle glicêmico em curto prazo. Possivelmente, o tempo de atividade educativa não foi suficiente para alcance os resultados pôs-intermediários, em que mudanças de hábitos alimentares e nos níveis glicêmicos poderiam ser alcançados, fatores justificados pela falta de acompanhamento com equipe interdisciplinar.

As metas glicêmicas para DM1 são as mesmas para todos os grupos etários pediátricos, correspondendo a 90-130 mg/dL antes das refeições, 90-150 mg/dL durante a noite e HbA1c < 7,5%. Valores menores de HbA1c (7,0%) podem ser considerados, quando não há hipoglicemia excessiva.1 Nas glicemias de jejum avaliadas no início do estudo, apenas Sara encontrava-se dentro dos parâmetros ideais. Aos 90 dias após a intervenção, Maitê obteve valor satisfatório e aos 180 dias nenhuma criança apresentou glicemia de jejum dentro dos parâmetros desejados. Com relação a Hba1c, Sara e Gabriela tinham resultados adequados. Aos 90 dias somente Adriana não alcançou o valor ideal e, em até 180 dias, novamente Sara e Gabriela se encontravam com resultados preconizados para faixa etária.

Resultados similares foram encontrados em estudo de revisão integrativa mostrando que naqueles com 13 anos ou menos,28 não houve associação significativa com o manejo do DM e redução de índices glicêmicos. Na análise da influência de um programa educativo estruturado associado ao suporte ao longo do primeiro ano após diagnóstico do DM1 em crianças, após um ano de intervenção, evidenciou melhoras no controle glicêmico de curto prazo, mas este efeito pode não persistir após a interrupção do treinamento intensivo.29

A utilização de recursos lúdicos, a cartilha educativa, a linguagem apropriada à idade e o compartilhamento de experiências propiciado pelo grupo focal, mediante o diálogo e participação no processo de construção de suas percepções sobre o viver com DM1, configuram-se em alternativas favoráveis ao sucesso da educação em saúde. Um manual educativo favorece o processo educacional pela transformação do abstrato na construção do espaço imaginário infantil, de forma descontraída, possibilitando interações socioeducativas, entre as crianças e entre as famílias como material de apoio no domicílio.30

Materiais educativos devem facilitar o trabalho da equipe de saúde na comunicação, subsidiando a informação verbal dos profissionais de saúde às crianças e familiares e nas orientações a serem realizadas sobre os cuidados de forma sistematizada, o que contribui para reduzir o risco de explicações divergentes. Sendo importante, que não seja somente entregue o material impresso, mas que a comunicação entre os pares seja eficiente, com trocas de experiências, nas quais os participantes sejam ativos no processo de construção de seu conhecimento.14

O aprender brincando na educação em saúde com a criança com Diabete Mellitus age como recurso terapêutico e interfere no entendimento sobre o DM. Outras atividades lúdicas como jogos, desenhos, internet, livros, entre outros podem ser utilizados, visto que colaboram no ensino e na compreensão do diabetes tanto pelas crianças como pelos familiares.20 Os profissionais de saúde, portanto, devem estar atentos quanto à implementação de atividades lúdicas para trabalhar a educação em saúde, em prol da aproximação com a criança, atenuando seus medos e anseios, aumentando a comunicação (dialogicidade), que pode fortalecer o vínculo, promover a confiança na equipe e aumentar a compreensão das informações ofertadas.8

Não obstante, é imprescindível a continuidade dos programas de educação em saúde ao longo da vida dessas crianças, uma vez que, com o passar do tempo, se as experiências não são repetidas, os conhecimentos necessários são esquecidos.27 Desse modo, alcançar e manter níveis glicêmicos ideais entre crianças e adolescentes diabéticos exige adequado acompanhamento da saúde em longo prazo, considerando-se, além do tratamento medicamentoso, a educação em saúde mediada por metodologias apropriadas.

Ressalta-se, que para as crianças com diabetes e seus familiares, a opção pelo não envolvimento com as ações de informação e educação em saúde não está dada. Observa-se que elas não alcançam todas as crianças da mesma forma, o que pode ocorrer pela falta de padronização das atividades educativas no serviço de saúde, pelas particularidades das crianças e seus familiares.

Cumpre articular as necessidades individuais às complexas relações entre indivíduos e comunidades. Por vezes, as dificuldades de adesão podem revelar os enfrentamentos necessários na organização do processo de trabalho das equipes conformando as orientações, mas precisa-se reconhecer que as mudanças são lentas, graduais e com possibilidades de avanços e retrocessos.

            Encontram-se como limitações deste estudo, o número de crianças com DM1 que participaram, por se tratar de uma investigação longitudinal, em que se realizou o seguimento dos participantes com sete encontros. Nesse desenho de estudo, a perda no seguimento é uma característica comum. Assim, houve a descontinuidade de crianças e seus familiares, que argumentavam dificuldade financeira para se deslocarem.

 

Conclusão

A educação em saúde para o manejo da DM1 na infância, mediada por cartilha educativa desenvolvida para crianças com diabetes, associada à abordagem lúdica, demonstrou repercussões positivas, principalmente aquelas relativas ao aprendizado acerca da fisiopatologia do diabetes, à autoaplicação da insulina, à prática de atividades físicas, bem como, a identificação de complicações da não adesão a alimentação adequada. Estes dados podem servir de suporte a estudos futuros que utilizem outras estratégias pedagógicas de educação em saúde como ferramentas para manutenção da normoglicemia e adequado manejo do DM1 na infância.

 

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Editora Científica Chefe: Cristiane Cardoso de Paula

Editora associada: Aline Cammarano Ribeiro

 

Autor correspondente

Claudia Viera

E-mail: clausviera@gmail.com

Endereço: Rua Universitária, 1669, Cascavel, Paraná CEP: 85807240

 

 

Contribuições de Autoria

 

1 – Thaís Schmidt Vitali Hermes

Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados.

 

2 – Rosa Maria Rodrigues

Análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

3 – Luciana Mara Monti Fonseca

Revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

4 – Beatriz Rosana Goncalves de Oliveira Toso

Revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

5 – Solange Reis Conterno

Revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

6 – Claudia Silveira Viera

Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito.

 

 

Como citar este artigo

Hermes TSV, Rodrigues RM, Fonseca LMM, Toso BRGO, Conterno SR, Viera CS. Effects of educational practice on self-care and management of Type 1 Diabetes Mellitus in childhood. Rev. Enferm. UFSM. 2021 [Accessed in: Year Month Day]; vol.11 e50: 1-21. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769264013