Rev. Enferm. UFSM - REUFSM

Santa Maria, RS, v. 11, e68, p. 1-16, 2021

DOI: 10.5902/2179769263678

ISSN 2179-7692

 

Submissão: 22/12/2020    Aprovação: 22/07/2021    Publicação: 28/09/2021

Artigo Original

 

Avaliação do registro eletrônico de diagnósticos e intervenções de enfermagem em sistema informatizado

Evaluation of the electronic record of nursing diagnoses and interventions in a computerized system

Evaluación del registro electrónico de diagnósticos e intervenciones de enfermería en un sistema informatizado

 

 

Carolina Siqueira Amaral

Sabine de Azevedo

Wagner Longaray de CaldasIII

Emiliane Nogueira de SouzaIV

 

I Enfermeira do Hospital São Francisco da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS, Brasil. Mestre em Enfermagem pela UFCSPA. E-mail: caroamaral@hotmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5470-7461

II Enfermeira, Mestranda em Enfermagem, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail:  sabine.azevedo@ufcspa.edu.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2559-0735

III Enfermeiro do Hospital São Francisco da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: wagcaldas@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0049-3277

IV Enfermeira, Doutora em Ciências da Saúde: cardiologia pela UFRGS. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: emilianes@ufcspa.edu.br, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-3873-4304

 

Resumo: Objetivo: verificar a opinião de enfermeiros acerca do registro eletrônico de diagnósticos e de intervenções de enfermagem em um sistema informatizado no âmbito hospitalar. Método: estudo transversal, realizado com enfermeiros, com dados coletados in loco mediante questionário. Estatística descritiva foi utilizada para análise de dados. Resultados: foram incluídos 87 enfermeiros, dos quais 52,9% estão satisfeitos com o registro eletrônico do Processo de Enfermagem (PE), 47,1% consideram o registro fácil, 58,6% identificam e selecionam os Diagnósticos de Enfermagem (DE) com alguma dificuldade e 60,9% autoavaliam-se com conhecimento regular sobre o uso da taxonomia NANDA-I. A seleção, modificação ou cancelamento e o aprazamento de intervenções foram as dificuldades apontadas.  Conclusão: a maioria dos enfermeiros está satisfeita com o registro eletrônico do PE, apontam a identificação e seleção de DE como a etapa de maior dificuldade e avaliam-se com conhecimento médio acerca da taxonomia. Foram citadas dificuldades na etapa de intervenções de enfermagem.

Descritores: Registros eletrônicos em saúde; Processo de enfermagem; Diagnóstico de enfermagem; Planejamento de assistência ao paciente; Informática em enfermagem

 

Abstract: Objective: to assess the opinion of nurses in regard to the electronic recording of nursing diagnoses and interventions in an information system in the hospital context. Method: cross-sectional study, carried out with nurses using data collected in loco through a questionnaire. Descriptive statistics were used for data collection. Results: 87 nurses were included. From these, 52.9% were satisfied with the electronic records of the Nursing Process (NP), 47.1% believe that registering is easy, 58.6% have some difficulty to identify and select the Nursing Diagnoses (ND), and 60.9% self-evaluate their knowledge about using the NANDA-I taxonomy as regular. The selection, modification, scheduling, or cancellation of interventions were indicated as the most difficult tasks. Conclusion: most nurses are satisfied with the electronic records of the NP. They indicate the selection of the ND as the most difficult stage and evaluate their own knowledge about the taxonomy as medium. The participants mentioned difficulties in the stage of nursing interventions.

Descriptors: Electronic health records; Nursing process; Nursing diagnosis; Patient care planning; Nursing informatics

 

Resumen: Objetivo: verificar la opinión de enfermeros sobre el registro electrónico de diagnósticos e intervenciones de enfermería en un sistema informatizado en el ámbito hospitalario. Método: Estudio trasversal, realizado con enfermeros y con datos colectados in loco por medio de un cuestionario. Se utilizó a la estadística descriptiva en el análisis de los datos. Resultados: 87 enfermeros fueron inclusos. 52,9% de ellos están satisfechos con el registro electrónico del Proceso de Enfermería (PE), 47,1% creen que el registro es fácil, 58.6% tienen alguna dificultad en la identificación y elección de los Diagnósticos de Enfermería (DE), y 60,9% evalúan su conocimiento sobre el uso de la taxonomía NANDA-I como regular. La elección, modificación o cancelación, y la selección de datas para intervenciones fueron las dificultades encontradas. Conclusión: la mayoría de los enfermeros están satisfechos con el registro electrónico del PE, indican que su etapa más difícil es la identificación y selección de DE, y, según su autoevaluación tienen conocimiento medio con respecto a la taxonomía. Citaron dificultades en el estadio de intervenciones de enfermería.

Descriptores: Registros electrónicos de salud; Proceso de enfermería; Diagnóstico de enfermería; Planificación de atención al paciente; Informática aplicada a la enfermería

 

 

Introdução

A Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) é um método de trabalho e um sistema de raciocínio que oportuniza ao enfermeiro reconhecer o contexto em que deve agir, as condições do indivíduo/comunidade, o conhecimento, habilidade e atitudes para o exercício do cuidado, os recursos existentes, a perspectiva cultural e os resultados esperados.1 Para tanto, o Processo de Enfermagem (PE) é um instrumento metodológico que serve para o enfermeiro descrever e ofertar os cuidados necessários para o paciente, buscando favorecer o restabelecimento de sua condição de saúde, no contexto da SAE. O PE é a aplicação do conhecimento no cuidar, guiando o enfermeiro em ações que estão inter-relacionadas por meio das etapas de coleta de dados, diagnóstico de enfermagem, planejamento, implementação e avaliação. Estas devem ser realizadas em todos os ambientes, públicos ou privados, em que ocorra o cuidado profissional de enfermagem.2

Cada instituição de saúde organiza o registro das etapas do PE de acordo com seus recursos, dimensionamento de pessoal e processos assistenciais. Com o avanço da tecnologia da informação no setor saúde, diferentes formas de registros eletrônicos de saúde têm sido discutidas, desenvolvidas e implementadas. Instituições hospitalares têm se utilizado de sistemas informatizados de gestão de dados, em que está o prontuário eletrônico do paciente, no qual as informações relacionadas ao PE são registradas. A forma ou sequência como os dados são inseridos associados a aspectos de usabilidade do sistema podem influenciar no tempo despendido, na quantidade e qualidade da informação registrada.3

Tais registros podem ser em texto livre ou formatos padronizados, como checklists, por exemplo, os quais poderão usar alguma taxonomia ou não. No caso do registro do diagnóstico de enfermagem (DE), a utilização da taxonomia NANDA-I tem sido a mais utilizada no Brasil.4 As intervenções podem ser associadas aos DE, para atender às necessidades de cuidado dos pacientes.

Dispor de recursos tecnológicos para realizar o registro das ações de cuidado pode otimizar o tempo dos envolvidos e, assim, contribuir para uma prática assistencial mais segura, favorecendo a comunicação entre os profissionais atuantes nos serviços.5 A enfermagem deve fazer uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs), para estabelecer no ambiente de cuidado, o PE informatizado, uma vez que ele integra, organiza e garante a continuidade das informações da equipe de enfermagem, permite avaliar a sua eficácia e efetividade, bem como modificá-lo de acordo com os resultados apresentados pelo paciente. Tais ações geram dados para tomada de decisão, relacionada ao cuidado direto e indireto ao paciente, e também relacionada às necessidades de educação continuada, pesquisa e gestão em enfermagem.6-7

Tal integração, entre as TICs e o PE, pode proporcionar efeitos positivos para a enfermagem, tais como o monitoramento da qualidade da assistência, a melhoria do cuidado direto, dos resultados e satisfação do paciente, dos ambientes da prática, o acesso em qualquer lugar e hora aos dados clínicos dos pacientes, a redução do tempo de documentação e registro clínico, o desenvolvimento de sistemas de alertas eletrônicos voltados para a segurança do paciente, entre outros.7-9 Para tanto, é preciso que os enfermeiros sejam adequadamente capacitados e tenham espaço para fornecer seus feedbacks sobre o processo de registro, bem como sobre o sistema em si, a fim de haver melhorias contínuas, atendendo à demanda de usuários. Assim, surge a seguinte questão de pesquisa: qual a opinião de enfermeiros assistenciais sobre o processo de registro eletrônico de etapas do PE em um sistema informatizado? É essencial entender se os enfermeiros estão satisfeitos com a forma de registro e quais fatores estão atrapalhando o pleno exercício das suas atribuições relacionadas aos registros dos cuidados executados. Deste modo, este estudo teve por objetivo verificar a opinião de enfermeiros acerca do registro eletrônico de diagnósticos e de intervenções de enfermagem em um sistema informatizado no âmbito hospitalar.

 

Método

Delineamento do estudo, cenário e participantes

Estudo transversal, realizado em um complexo hospitalar do sul do Brasil, que conta com sete unidades hospitalares e atende usuários do Sistema Único de Saúde e da saúde suplementar, sendo hospital escola para instituições que oferecem graduação em enfermagem e outros cursos da área da saúde. Foram incluídos, neste estudo, enfermeiros com, no mínimo, seis meses de atuação na instituição, em setores onde há o registro eletrônico das etapas do PE de diagnóstico e intervenções de enfermagem no sistema informatizado. Foram excluídos do estudo, enfermeiros residentes e professores de enfermagem de instituições de ensino que desenvolvem seus estágios na instituição. Todos os colaboradores de unidades de internação e de terapia intensiva receberam treinamento sobre o registro eletrônico do PE, ao ingressar na instituição e o realizam cotidianamente em seus locais de trabalho.

O sistema informatizado de gestão disponibilizado na instituição é o Philips Tasy®. Este, dividido por módulos que atendem a todos os setores. O PE está informatizado na interface do sistema Tasy®, denominada SAE, desde 2017, em que há histórico, DE, intervenções (gera a prescrição) e evolução de enfermagem, baseados na taxonomia NANDA-I.10  As etapas de DE, intervenções e evolução devem ser realizadas, no mínimo, uma vez ao dia para cada paciente, de acordo com a regulamentação vigente.2

No sistema informatizado da instituição, a sequência de entrada de dados é a seguinte: uma vez selecionado o paciente, por meio do leito/setor, nome ou número do prontuário/atendimento, o registro é iniciado por meio de uma árvore de raciocínio que apresenta os sistemas orgânicos, em que constam possíveis respostas (sinais e sintomas), apresentadas pelo paciente (características definidoras), as quais devem ser selecionadas para que se abra uma janela com sugestões de DE. Então, seleciona-se um ou mais DE e sua etiologia (fator relacionado), para ser gerada a prescrição de enfermagem, quando se abre uma janela com todas as intervenções associadas aos DE indicados. Devem ser selecionadas aquelas intervenções que atendam às necessidades de cuidado do paciente. A evolução de enfermagem pode ser realizada antes ou após essa etapa, em forma de texto livre, utilizando-se a sequência S (subjetivo), O (objetivo), A (avaliação) e C (conduta).

 

População e amostra

            À época da pesquisa, o número de enfermeiros era de, aproximadamente, 720. A amostra foi calculada com base nessa população, considerando-se uma margem de erro de 8,2% e nível de confiança de 90%, foi necessária a inclusão de 87 participantes. Estes foram selecionados por conveniência, por meio de visita diária (manhã e tarde) da pesquisadora nos setores durante período do estudo. Definiu-se uma amostra mínima de dois participantes por setor.

 

Variáveis

         Para esta etapa, foi elaborado um questionário próprio, pelos pesquisadores, com variáveis relacionadas a dados sociodemográficos, como sexo, idade, formação, tempo de atuação profissional e local de trabalho. Para verificar a opinião dos enfermeiros foram elaboradas questões relacionadas à satisfação geral, à complexidade do registro eletrônico relacionado aos DE e intervenções, à autoavaliação sobre o conhecimento da taxonomia utilizada, sendo estas questões com respostas do tipo likert. Também foram questionadas as etapas de maior dificuldade para manejo dos dados, tanto no registro dos DE quanto das intervenções de enfermagem. O questionário foi aplicado in loco aos enfermeiros participantes do estudo, entre os meses de março e abril de 2019.

 

Análise dos dados

Para análise dos dados, foi elaborado um banco de dados em planilha Excel, em que os dados foram transcritos e exportados para análise, utilizando-se do software Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 18 para Windows, por meio de estatística descritiva. As variáveis categóricas foram apresentadas com frequências absolutas (n) e relativas (%). Já as variáveis contínuas foram apresentadas pela média e desvio padrão ou mediana em intervalo interquartílico. 

 

Aspectos Éticos

            De acordo com a Resolução nº 466, de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de estudo sob o Parecer nº 2.600.376 (16/04/2018). Para aplicação do questionário, foi redigido e entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos participantes.

 

Resultados

Foram incluídos 87 enfermeiros, sendo a maioria do sexo feminino (82,8%), atuantes em unidade de internação clínica (56,3%). Dados demonstrados na Tabela 1.

Tabela 1 - Perfil sociodemográfico e trabalho dos enfermeiros. Porto Alegre, RS, Brasil, 2019. (n=87)

Variáveis

n (%)

Idade*

35 +7,38

Sexo feminino

72 (82,8)

Formação em nível de pós-graduação

 

Especialista

60 (69,0)

Residência

7 (8,0)

Mestrado

7 (8,0)

Nenhuma

13 (15,0)

Tempo de serviço na instituição

2 (0,75-5)

Local de trabalho

 

Unidade de internação

49 (56,3)

Unidade de terapia intensiva

31 (35,6)

Outros

7 (8,0)

*Dado apresentado como média+desvio padrão; Dado apresentado como mediana (percentil 25-75).

 

Quanto à satisfação do enfermeiro em realizar o registro das etapas do PE na interface da SAE no sistema informatizado, observa-se que 46 (52,9%) estavam satisfeitos com o processo de registro (Figura 1).

Figura 1 - Satisfação dos enfermeiros em realizar os registros de enfermagem no sistema informatizado.

 

No que se refere à complexidade acerca do registro eletrônico do PE no sistema informatizado, a Figura 2 demonstra que o maior percentual dos enfermeiros considera o registro fácil 41 (47,1%) (Figura 2).

 

Figura 2 - Complexidade atribuída pelos enfermeiros à realização do registro do PE no sistema informatizado.

 

Em relação ao conhecimento acerca da taxonomia NANDA-I, 53 (60,9%) enfermeiros autoavaliaram-se com conhecimento regular, 17 (19,5%) com bom conhecimento, 12 (13,8%) com conhecimento baixo, 4 (4,6%) com conhecimento muito bom e 1 (1,1%) referiu não conhecer ou não lembrar sobre a temática.

Em relação ao processo de seleção dos DE no sistema, 29 (33,4%) enfermeiros apontam a identificação dos sinais e sintomas na árvore como a etapa de maior dificuldade, seguida pela etapa de seleção dos DE 22 (25,3%).  Dados apresentados na Tabela 2.

 

Tabela 2 - Etapas de maior dificuldade para registro dos diagnósticos de enfermagem no sistema informatizado. Porto Alegre, RS, Brasil, 2020.

 

Etapas

n (%)

Identificar os sinais e sintomas no sistema 

29 (33,4)

Seleção dos diagnósticos de enfermagem

22 (25,3)

Confirmação

15 (17,2)

Substituição ou cancelamento

19 (21,8)

Outra

2 (2,3)

 

No que tange às intervenções de enfermagem realizadas no sistema informatizado, a modificação ou cancelamento de intervenções foi a etapa que 25 (28,7%) enfermeiros apontaram como dificuldade. Oito enfermeiros (9,4%) manifestaram ter nenhuma dificuldade para o registro das intervenções. Dados apresentados na Tabela 3.

 

Tabela 3 – Etapas de maior dificuldade para registro das intervenções de enfermagem no sistema informatizado. Porto Alegre, RS, Brasil, 2020.

 

Etapas

n (%)

Identificação

9 (10,3)

Seleção

15 (17,2)

Confirmação

7 (8,0)

Modificação ou cancelamento

25 (28,7)

Aprazamento

23 (26,4)

 

Discussão

Este estudo apresenta uma avaliação do registro eletrônico do PE em ambiente hospitalar, sob a perspectiva do enfermeiro. Sabe-se que a informatização é uma necessidade, levando-se em conta o volume de dados gerados, bem como o potencial de agilidade, armazenamento e acessibilidade da informação. No entanto, o processo que os envolve, ou seja, como se estruturam as etapas de entrada, seleção e confirmação de dados, bem como aspectos relacionados à usabilidade do sistema e à capacitação dos profissionais, podem influenciar na qualidade da informação. Associada a isso, está a competência profissional em exercitar o raciocínio clínico, caracterizado como um processo dinâmico que orienta a prática dos enfermeiros, bem como para a tomada de decisões complexas sobre a situação clínica do paciente, frente às suas respostas, baseado em dados e conhecimentos para interpretação.6

Não há dúvidas que o registro informatizado do PE apresenta inúmeros benefícios, quando comparado com o registro manual, em formulários impressos. No entanto, é necessário que profissionais que o farão tenham adequado entendimento sobre a estrutura de entrada de dados, bem como as associações passíveis de serem realizadas no sistema, a fim de gerar o mais completo e fidedigno registro para o paciente em dado momento. Tal compreensão, associada à carga de trabalho e à competência profissional em registrar um processo de trabalho, que tem etapas baseadas em taxonomia, pode gerar maior ou menor satisfação. Entender os fatores que contribuem para uma melhor ou pior percepção acerca de determinados processos de trabalho contribui para ações de melhoria contínua no ambiente organizacional.

Quando questionado aos enfermeiros qual o nível de satisfação em realizar o registro eletrônico do PE, pouco mais da metade manifestou-se positivamente. Os demais manifestaram indiferença ou algum grau de insatisfação. Embora não haja consenso sobre o contentamento relacionado ao trabalho de enfermagem na literatura, acredita-se que a satisfação possa ser expressa pela percepção de necessidade contemplada.11 Um estudo que buscou avaliar a usabilidade e as dificuldades no uso dos registros eletrônicos corrobora esse dado, uma vez que o prontuário eletrônico é um recurso que está inserido diariamente na rotina de serviços de saúde e muitos enfermeiros ainda não sentem segurança para utilização ou necessitam de auxílio para acessar comandos básicos e de rotina.12 O uso otimizado do PEP está relacionado com a necessidade contemplada e a aceitação do sistema, bem como com o tempo necessário para o registro dos dados.

            No tocante à complexidade do registro no sistema informatizado, a maioria dos enfermeiros considera fácil. Um quarto da amostra considera difícil ou muito difícil esse registro. Esse dado aponta para uma necessidade de suporte aos profissionais em relação à compreensão do sistema e identificação de fragilidades ou pontos para melhoria, relacionados à sua usabilidade, os quais podem ser identificados junto aos enfermeiros e ao setor de tecnologia da informação. Acredita-se que a ausência de ações de educação continuada acerca dos registros eletrônicos, informando sobre suas atualizações e melhorias, bem como espaços para contribuição dos próprios colaboradores sugerirem modificações ou relatarem inconformidades.

A utilização de um sistema de linguagem padronizada, como a NANDA-I, para registro de DE, pode adicionar qualidade ao registro. Para tanto, requer o entendimento acerca da estrutura de raciocínio para utilizá-la, bem como sua fundamentação conceitual. Neste estudo, a maioria dos enfermeiros autoavaliou-se com médio conhecimento acerca da referida taxonomia. Este aspecto pode ser influenciado pelo conhecimento prévio, cujo início pode ter sido durante a graduação ou na própria instituição, quando do início do registro eletrônico. Para os profissionais que não tiveram contato com taxonomias durante sua graduação, há um desafio maior em desenvolver o raciocínio clínico associado a uma linguagem padronizada, circunstância em que esse conhecimento vai sendo construído com a prática. Já os enfermeiros que aprenderam durante sua formação para que servem e como utilizar taxonomias associadas ao PE, embora já estivessem mais familiarizados com os termos, a utilização em sistemas informatizados, que varia de instituição para instituição, pode causar alguma estranheza.13

Durante a graduação, é interessante oportunizar aos acadêmicos o contato com diferentes formas de registro do PE em sistemas informatizados, a partir dos quais seja possível pensar criticamente acerca da estruturação dos dados.14 A consolidação da execução e do registro do processo de enfermagem depende de fatores, dentre os quais se destaca o conhecimento prévio acerca do seu objetivo e a forma como o profissional se apropria desse saber.15 Se os enfermeiros não compreenderem adequadamente sua estrutura de organização, sua utilização poderá ser um fator dificultador, demandado mais tempo para o registro, com acurácia questionável.

Quanto ao processo de identificação e seleção dos DE, a maioria dos enfermeiros apontou a identificação dos sinais e sintomas como a etapa de maior dificuldade, seguida da etapa de seleção dos DE. Dentre os fatores que contribuem, mencionam-se as diferentes formas para entrada, seleção e confirmação de dados nos sistemas informatizados. As ferramentas de modelagem utilizadas ao desenvolver softwares específicos para a informatização da SAE representam a forma como o sistema irá executar suas funções. Elas também servem de guia para compreender o fluxo da informação e direcionar a construção com vistas a melhorar a qualidade do produto e do processo. É preciso pensar em um fluxo de informação que facilite o uso, a compreensão e a comunicação da equipe, testando-se com os próprios usuários.16

Pesquisas desenvolvidas para examinar o uso do registro eletrônico identificaram alguns problemas na relação homem/máquina, com destaque para a entrada de dados no sistema, a falta de feedback máquina/homem nessa etapa, sistemas que não se adéquam ao hardware, problemas com navegação e excesso de informações na tela ou informações irrelevantes para a prática, que sobrecarregam a documentação e desencadeiam a resistência à utilização.17-18 Além das questões pertinentes ao sistema informatizado, dentre os possíveis fatores que dificultam a SAE, estão a falta de conhecimento, ausência de capacitações oferecidas pelas instituições de saúde, registros inadequados, conflitos de papéis, falta de credibilidade com as prescrições de enfermagem, além da escassez de definição de prioridades organizacionais.19

Importante mencionar a necessidade de ações de educação continuada em serviço, além do estímulo ao profissional para atualização e conhecimento na área. Exemplo de ações que poderão desenvolver o raciocínio clínico associado ao uso de taxonomias são: as discussões de caso clínico, em que um ou mais enfermeiros apresentam o caso e discutem acerca do DE prioritário e as intervenções de enfermagem. Diferentes recursos são utilizados em sessões de casos clínicos, por exemplo, apresentação do caso em si, seguida de uma enquete via software aplicativo em que todos podem participar, por meio do seu celular para escolher e, ao final, ver e discutir o resultado.

No que se refere ao registro das intervenções de enfermagem que vão gerar a prescrição, a maioria dos enfermeiros aponta algum tipo de dificuldade. Dentre elas estão a etapa de seleção, aprazamento e modificação ou cancelamento da ação de cuidado. Tais dificuldades podem acarretar ações desnecessárias, duplicadas e até incoerentes com as necessidades dos pacientes, considerando o tempo disponível do enfermeiro que realiza o registro, assim como sua compreensão acerca da estrutura do sistema e da importância da qualidade do registro. Tendo em vista que os enfermeiros, diariamente, registram a assistência prestada, entende-se que eles podem propor soluções para esses entraves.20 Dentre as possibilidades, destaca-se a criação de grupos de apoio à área de TI da instituição, constituída por profissionais da linha de ponta, que têm por finalidade a revisão de processos informatizados.

            Embora a literatura retrate resultados positivos do uso de ferramentas tecnológicas nos processos assistenciais em saúde, os resultados deste estudo vão ao encontro de dados que apontam a necessidade de uma formação que aborde sistemas informatizados, sistemas de linguagens padronizadas para registro do cuidado profissional e estratégias educacionais em serviço, voltadas aos enfermeiros que oportunize compreensão das ferramentas tecnológicas.21 Do ponto de vista operacional, existe um espaço para melhorias, levando-se em consideração que o PE informatizado representa uma agilidade na busca de informações por paciente, por meio dos registros claros e organizados, contribuindo para uma comunicação integradora entre profissionais.21

Sabe-se que toda ação de cuidado realizada não registrada, é como se não houvesse o cuidado. Além disso, um registro adequado reflete a qualidade da assistência prestada. Destaca-se, ainda, que a utilização de tecnologias em ambiente hospitalar visa à comunicação contínua do cuidado prestado,22 promovendo a integração das condutas realizadas pelas equipes, de modo a facilitar sua incessante implementação.23

Outro aspecto que pode influenciar a qualidade do registro é o dimensionamento de pessoal, uma vez que a carga de trabalho pode acarretar registros superficiais, cujo foco está em dispender o menor tempo possível nessa tarefa. Tal fator pode ter influenciado os resultados (limitações), uma vez que os participantes estavam em horário de trabalho, quando aceitaram participar da pesquisa. Outros fatores relacionados ao processo de registro eletrônico do DE e intervenções poderão ter sido omitidos em virtude do tempo dispendido para preenchimento. Sabe-se que a organização do ambiente de trabalho, as relações pessoais e o posicionamento da gestão contribuem para a heterogeneidade de fatores que influenciam comportamentos e percepções profissionais.

 

Conclusão

            A maioria dos enfermeiros está satisfeita com o registro eletrônico do PE em sistema informatizado e considera-o fácil. No entanto, apontam a identificação e seleção dos sinais e sintomas como a etapa de maior dificuldade, seguida pela etapa de definição dos DE. A autoavaliação sobre o conhecimento para uso da taxonomia NANDA-I foi referida pela maioria como regular. As etapas de maior dificuldade no registro das intervenções de enfermagem são a modificação ou cancelamento e o aprazamento. Assim, evidencia-se a necessidade de estratégias contínuas de educação e apoio ao registro eletrônico das diferentes etapas do PE na instituição, bem como o mapeamento de possíveis melhorias no sistema.

 

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Editora Científica: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago

Editora Associada: Etiane de Oliveira Freitas

 

Fomento / Agradecimento: Convênio Capes/Cofen

 

Autor correspondente:

Sabine de Azevedo

E-mail: sabine.azevedo@ufcspa.edu.br

Endereço: Rua Miraguaí, 505 / Apto 214D / Santa Cruz do Sul – RS CEP: 96835-230

 

 

Contribuições de Autoria

1 – Carolina Siqueira Amaral

Concepção do estudo, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

2 – Sabine de Azevedo

Análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

3Wagner Longaray de Caldas

Coleta, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

4Emiliane Nogueira de Souza

Concepção do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

 

 

Como citar este artigo

Amaral CS, Azevedo S, Caldas WL, Souza EM. Evaluation of the electronic record of nursing diagnoses and interventions in a computerized system Rev. Enferm. UFSM. 2021 [Acesso em: Anos Mês Dia]; vol.11 e: 1-16. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769263678