Rev. Enferm. UFSM - REUFSM

Santa Maria, RS, v. 10, e99, p. 1-17, 2020

DOI: 10.5902/2179769247447

ISSN 2179-7692

 

Submissão: 18/06/2020    Aprovação: 27/10/2020    Publicação: 21/12/2020

Artigo Original

 

Matriz de competências relacionadas aos medicamentos para o enfermeiro em unidade de terapia intensiva*

Matrix of competences related to the medications for the nurse in the intensive care unit*

Matriz de competencias relacionadas a medicamentos para enfermeros de las unidades de cuidados intensivos

 

 

Géssika Moreira BelarminoI

Rogério Dias RenovatoII

 

I Enfermeira. Mestre em Ensino em Saúde, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail: gessikabel@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2023-7430

II Farmacêutico. Doutor em Educação. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail: rrenovato@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5595-6216

Extraído da pesquisa de mestrado “Enfermagem, Medicamentos e UTI: avaliação do ensino híbrido através da sala invertida para estudantes da graduação”, Programa de Pós-Graduação de Ensino em Saúde- Mestrado Profissional, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, defendida no ano de 2020.

 

Resumo: Objetivo: construir uma matriz de competências relacionadas aos medicamentos para o enfermeiro em unidade de terapia intensiva (UTI). Método: pesquisa qualitativa que empregou a técnica do grupo nominal com 21 enfermeiros que trabalham em UTI de hospitais de Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. A coleta de dados ocorreu em 2018. Para subsidiar a análise dos dados de acordo com o conceito de competências, aporte teórico desta pesquisa, foi realizada leitura pormenorizada dos relatórios, blocos de anotações e resultado da técnica em comparação com a literatura pertinente. Resultados: na construção da matriz foram estabelecidas sete competências: autonomia profissional, conhecimentos científicos, conhecimentos da indicação do medicamento, conhecimentos técnicos, educação continuada, nove certos na administração segura de medicamentos e responsabilidade. Conclusão: a matriz de competências poderá subsidiar a implementação de futuras estratégias de aprendizagem com propostas de desenvolvimento das mesmas, tanto no campo profissional como no ensino em suas diferentes esferas.

Descritores: Competência profissional; Unidade de terapia intensiva; Enfermeiros; Cuidados de enfermagem; Conduta do tratamento medicamentoso

 

Abstract: Objective: to build a matrix of competences related to medications for the nurse in the Intensive Care Unit (ICU). Method: a qualitative research study that employed the nominal group technique with 21 nurses working in the ICU of hospitals in Dourados, Mato Grosso do Sul, Brazil. Data collection took place in 2018. In order to support data analysis according to the concept of competences, the theoretical contribution of this research, a detailed reading of the reports, notebooks and the result of the technique was carried out comparing with the relevant literature. Results: seven competences were established in the construction of the matrix: professional autonomy, scientific knowledge, knowledge of drug indication, technical knowledge, continuing education, nine “rights” in the safe administration of medicines and responsibility. Conclusion: the competence matrix may support the implementation of future learning strategies with proposals for their development, both in the professional field and in teaching in its different spheres.

Descriptors: Professional competence; Intensive care unit; Nurses; Nursing care; Medication therapy management

Resumen: Objetivo: construir una matriz de competencias relacionadas con medicamentos para enfermeros de las unidades de cuidados intensivos (UCI). Método: investigación cualitativa que utilizó la técnica del grupo nominal con 21 enfermeros que trabajan en las UCI de hospitales de Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. La recolección de datos se llevó a cabo en 2018. Para instrumentar el análisis de los datos según el concepto de competencias, aporte teórico de esta investigación, se realizó una lectura detallada de los informes, notas y del resultado de la técnica considerando la literatura relevante. Resultados: en la construcción de la matriz se establecieron siete competencias: autonomía profesional, conocimiento científico, conocimiento de la indicación del medicamento, conocimiento técnico, educación continua, nueve pautas en la administración segura de medicamentos y responsabilidad. Conclusión: la matriz de competencias puede apoyar la implementación de futuras estrategias de aprendizaje con propuestas para su desarrollo, tanto en el ámbito profesional como en la docencia en sus diferentes ámbitos.

Descriptores: Competencia profesional; Unidad de cuidados intensivos; Enfermeros; Atención de enfermería; Tratamiento medicamentoso

 

Introdução

O ensino superior, pautado nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), busca oferecer ao estudante, dentro do projeto pedagógico do curso, um perfil geral de competências para a formação. As competências profissionais da enfermagem apontam para o desenvolvimento de capacidades individuais e coletivas para resolver problemas do processo de trabalho, sendo de ordem social, psicológica, assistencial ou gerencial.1

As demandas institucionais em saúde, por sua vez, requisitam profissionais com formação cada vez mais complexa e específica. Assim, o que se observa é a expansão das exigências dos campos de trabalho em saúde requerendo do enfermeiro meios de se capacitar e se especializar, como exemplo, a enfermagem intensiva.2

As competências necessárias e relevantes ao enfermeiro para atuar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) incluem; a valorização do conhecimento técnico e científico, do desenvolvimento de liderança.3 Outras competências identificadas são: o gerenciamento de situações, a tomada de decisões e o trabalho em equipe.4

A terapia medicamentosa na UTI é complexa e erros de medicação, apesar de evitáveis, podem acontecer, em especial por se tratar de pacientes com diferentes graus de criticidade.5 Dessa maneira, é necessário que o enfermeiro esteja munido de conhecimentos específicos acerca dos medicamentos.6

Estudo realizado com enfermeiros que atuam na UTI revelou a insatisfação quanto ao preparo acadêmico, no que diz respeito à capacitação em temas como farmacologia,7  podendo contribuir e propiciar dificuldades de atuação junto ao paciente e, consequentemente, potencializar os riscos de erros. A lacuna do fator conhecimento8 e a escassez de oportunidades de treinar e adquirir competências relacionadas aos medicamentos também foram mencionados.9

O mapeamento de competências pode ser obtido por meio de uma matriz com a finalidade de fundamentar o planejamento de ações educativas frente às lacunas do ensino.2 A pesquisa que realizou essa estratégia com enfermeiros em emergência, verificou o potencial do seu emprego em poder orientar a prática profissional em nível de excelência, provendo direcionamento para o aprimoramento da enfermagem.10

Portanto, este estudo traz contribuições ao processo formativo do enfermeiro em espaços da graduação, pós-graduação e serviços de saúde, ao estabelecer articulação entre a prática profissional e a educação em enfermagem. Não obstante, a presente pesquisa ancorou-se na seguinte questão: De acordo com o enfermeiro que trabalha na UTI, quais são as competências consideradas relevantes para garantir a assistência de enfermagem segura relacionada a medicamentos? Para elucidar a indagação, esta investigação apresentou como objetivo construir uma matriz de competências relacionadas aos medicamentos para o enfermeiro em UTI.

                                                                                             

Método

Pesquisa qualitativa que empregou a técnica do grupo nominal (TGN) como referencial metodológico para a coleta de dados. A TGN é um método de consenso para geração de ideias que amplia a possibilidade de discussão cara-a-cara em pequenos grupos formados por, no mínimo, quatro pessoas com pelo menos um traço em comum. Ela é dividida em quatro etapas: geração silenciosa (produção de ideias individuais), compartilhamento de ideias  (round robin), esclarecimento (discussão aberta sem julgamento de valores) e ranking (votação), podendo ser adaptada para as realidades em questão.11

O conceito de competência, adotado como aporte teórico, foi a capacidade de execução de tarefas de maneira flexível, inteligente e resolutiva. Estas tarefas estão relacionadas às especificações de uma ocupação ou desempenho profissional claramente definido em um contexto real de aplicação.12 A matriz deste conceito é o conjunto de indicadores que serve como ferramenta utilizada no processo de ensino para nortear os objetivos de aprendizagem esperados, além de possibilitar o desempenho e avaliação das mesmas.13

A coleta de dados foi realizada com enfermeiros que atuam na UTI do município de Dourados, no Estado de Mato Grosso do Sul (MS), Brasil, macrorregião referência no atendimento à saúde para a região Sul do Estado. No momento da pesquisa, o município apresentava dois hospitais públicos e quatro privados que possuíam o serviço de UTI geral adulto, contabilizando um total de 68 leitos e população elegível de trinta e seis enfermeiros. Destes, não foi possível realizar a pesquisa em duas instituições, uma delas por não somar o número mínimo de enfermeiros que aceitassem participar do estudo e, assim viabilizasse a aplicação da técnica de coleta de dados, e outra por não aceitar a realização de pesquisa envolvendo os colaboradores. 

Os hospitais participantes foram identificados como: A, B, C e D, assegurando o sigilo e o anonimato. Deles, o total de enfermeiros era de vinte e quatro profissionais, sendo quatro do hospital A, seis do B, seis do C e outros oito do D. Todos foram convidados formalmente para a participação na pesquisa via chefia imediata. Para escolha dos participantes foi utilizada a técnica de amostragem intencional, com amostra não probabilística. Foram incluídos na pesquisa enfermeiros que trabalhavam na linha adulto de assistência na UTI, com atuação mínima de três meses no setor. Assim, os participantes inseridos neste estudo foram 21 enfermeiros, sendo quatro vinculados ao hospital A, seis ao B, outros seis ao C e cinco ao D. Não participaram três enfermeiros, visto que no momento da coleta de dados estavam afastados de suas atividades pelos seguintes motivos: um por licença e dois por férias, sendo este o único critério de exclusão.

A coleta dos dados ocorreu entre os meses de outubro e dezembro de 2018. A TGN foi aplicada em um único encontro por hospital, na sala de reuniões das instituições de serviço dos participantes, em dias e horários previamente concordados. A duração média dos encontros foi uma hora e trinta minutos e conduzidos pela pesquisadora coordenadora que também atua como enfermeira em um dos hospitais participantes, o que facilitou as discussões e a manutenção do foco. Previamente à TGN, foi aplicado um questionário com as seguintes variáveis: idade, qualificação, tempo de formação, tempo de atuação na UTI e número de vínculos empregatícios.

Antes da realização da TGN, os participantes receberam um material de apoio para leitura prévia, via correio eletrônico, acerca do conceito de competências, com o intuito de proporcionar clareza conceitual. Para sua aplicação, utilizou-se a seguinte pergunta norteadora: Quais competências devem ter um enfermeiro para garantir uma assistência medicamentosa com segurança na UTI?

No início da TGN, os participantes responderam à pergunta norteadora em blocos de anotações (geração silenciosa), na sequência, as ideias foram expostas ao grupo (compartilhamento de ideias). Cada participante teve a oportunidade de se posicionar quanto às suas ideias, explicar e defendê-las (esclarecimento). Após a essa etapa, todas as competências escolhidas pelo grupo foram lançadas em uma planilha para votação (ranking), sendo selecionadas por seu grau de importância, possibilitando, ao término da aplicação da técnica, reconhecer as competências mais votadas pelo grupo, definindo o ranking final.

Além dos dados coletados durante a TNG, foram elaborados mais dois relatórios, um realizado pela pesquisadora coordenadora e outro por um relator de apoio que teve a função de observador os encontros. Para subsidiar as análises dos dados, conforme o conceito de competência selecionado, foi realizada uma leitura pormenorizada dos relatórios, dos blocos de anotações e o resultado final do ranking, em comparação com literatura pertinente. Para cada competência da matriz foram listadas suas respectivas características definidoras e seus atributos vieram das discussões durante a aplicação da TNG.

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ademais, sinaliza-se que foram atendidos os padrões éticos exigidos (Resoluções 466/2012 - 510/2016 - 580/2018, do Ministério da Saúde). A pesquisa foi submetida à autorização dos hospitais e ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de MS, e aprovada sob o número: 2.940.380 e CAAE: 97936818.8.0000.8030

 

Resultados

Dentre os 21 enfermeiros participantes, dezoito eram do sexo feminino e três do masculino, com variação de 23 a 44 anos. Referente às titulações, oito eram enfermeiros intensivistas, nove estavam cursando algum programa de pós-graduação lato sensu. Quanto ao tempo de formação, treze eram graduados há pelo menos dez anos e o tempo de atuação na UTI variou entre o mínimo de três meses e o tempo superior de onze anos. Quanto ao número de vínculos empregatícios, cinco enfermeiros possuíam um segundo vínculo, sendo três em instituição pública e dois em instituição privada.

Durante a coleta de dados, onze competências foram elencadas. No Quadro 1 são apresentadas as três que formaram o topo do ranking em cada hospital participante. A partir do ranking final, as principais competências e características definidoras que formaram a matriz estão apresentadas no Quadro 2.

 

Quadro 1 - Ranking final da aplicação da técnica de grupo nominal

 


Hospital

Competência

A

1o - Conhecimentos da indicação do medicamento

2o - Responsabilidade

3º- Conhecimentos técnicos

B

1º - Conhecimentos científicos

2º- Conhecimentos técnicos

3º-  Nove certos na administração segura de medicamentos

C

1º -  Responsabilidade

2º-  Autonomia profissional

3º -  Educação continuada

D

1º- Nove certos na administração segura de medicamentos

2º - Educação continuada

3º- Autonomia profissional

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quadro 2 – Matriz de competências relacionadas aos medicamentos para enfermeiro em unidade de terapia intensiva


Competências

Características definidoras

 

Autonomia profissional

-Tomada de decisões embasada em conhecimentos científicos;

-Recusar fazer algo que coloque em risco a vida do paciente;

-Ser crítico;

-Manejo de medicamentos.

Conhecimentos científicos

-Conhecimentos de farmacologia;

-Conhecimento dos medicamentos mais usadas: drogas vasoativas, sedativos;

-Reconhecer a agir diante de efeitos adversos.

Conhecimentos da indicação do medicamento

-Correlacionar à clínica do paciente;

-Conhecer os medicamentos que serão administrados;

-Conhecer as diferentes patologias.

Conhecimentos técnicos

-Desenvolver habilidades / técnica correta;

-Agilidade e autocontrole no caso de PCR*.

Educação continuada

-Promover educação em serviço;

-Treinar e orientar a equipe sempre que necessário;

-Buscar sempre se atualizar.

Nove certos na administração segura de medicamentos

-Vias de administração;

-Atenção na manipulação dos medicamentos

-Manusear bombas de infusão;

-Conhecer as diluições dos medicamentos mais usados;

-Dupla checagem no preparo e administração dos medicamentos;

-Observar atentamente as prescrições médicas;

-Conhecer os principais dispositivos de administração de medicamentos utilizados em UTI.

Responsabilidade

-Orientar a equipe; Ser proativo;

-Saber se comunicar com todos integrantes da equipe multiprofissional;

-Refletir sobre o cuidado prestado ao paciente- conduta ética;

-Assumir os erros;

-Saber trabalhar em equipe.

*Parada cardiorrespiratória

 

Embora a TGN tenha ocorrido em 4 hospitais diferentes, a matriz conta com 7 competências, com a intenção de contemplar o maior número possível de competências que disputaram o ranking final durante a coleta de dados. Na matriz, todo o conjunto de características definidoras comunicam para uma necessidade contínua do desenvolvimento dos saberes com relação aos medicamentos, no empenho de conferir competências profissionais para a tomada de decisão precisa, segura e com responsabilidade.

 

 

Discussão

A predominância de mulheres neste estudo decorre de uma característica evidenciada historicamente na enfermagem. Além disso, os participantes da pesquisa, de modo geral, encontram-se na fase de formação e de maturidade profissional, buscando se qualificar no mundo do trabalho, obtendo experiências em setores específicos, como a UTI e, assim configurar-se com mais solidez em uma área de atuação. Em um estudo que analisou os aspectos sociodemográficos da enfermagem no Brasil, verificou-se que 78,1% da população de enfermeiros estudada, encontra-se nestas fases da trajetória profissional.14

Os resultados possibilitaram observar que a TGN contribuiu para que pontos de convergências fossem destacados, mesmo em face de uma população com diferente faixa etária, tempo de formação e titulações. Embora trabalhassem em instituições distintas, as discussões dos participantes permearam linhas de raciocínio e entendimento similares, em relação às competências profissionais do enfermeiro na UTI, frente aos medicamentos.

Os participantes consideraram o trabalho do enfermeiro de grande representatividade e importância diante da complexidade dos medicamentos. Sua função se destaca por ser o responsável pela coordenação dos cuidados, aprazamento das prescrições médicas, orientações à equipe de enfermagem e a própria administração de medicamentos em determinadas situações.15

Mesmo nas similaridades, é possível inferir algumas características particulares de cada instituição. No Quadro 1, os hospitais A e B seguem um pensamento científico e tecnicista, voltado para um saber concreto (conhecimento científico, conhecimento técnico, nove certos na administração segura de medicamentos, indicação do medicamento). Já os hospitais C e D estão direcionados a identidade profissional, o ethos do enfermeiro (autonomia, educação continuada, responsabilidade).

Reconhecida na matriz deste estudo, a competência autonomia profissional, componente imprescindível da identidade do enfermeiro, é uma conquistada diária na busca de espaço, reconhecimento social e privilégios de domínios profissionais.16 Esta competência fala a respeito do empoderamento da profissão, ao passo que gera na equipe multiprofissional respeito com relação ao enfermeiro, pelo seu trabalho, não livre de suas responsabilidades. O profissional deve tratar cada paciente e seu cuidado com as peculiaridades que lhe cabem, exercendo, assim, sua autonomia no manejo dos medicamentos administrados e, portanto, se posicionar com papel significativo na prevenção de erros e possíveis consequências clínicas.17

A competência conhecimentos científicos também foi elencada na matriz. Este é um requisito importante para o enfermeiro que está envolvido com os medicamentos.18 A falta dele pode refletir de forma negativa no cuidado ao paciente crítico. O entendimento sobre a farmacologia dos medicamentos se relaciona com o seu mecanismo de ação e o enfermeiro que adquire tais conhecimentos, unidos às especificidades da situação clínica do paciente, estará apto para planejar e organizar a execução da prescrição da assistência de enfermagem.19

O desenvolvimento da seguinte competência mencionada articula-se à discussão anterior e denomina-se Conhecimento da indicação do medicamento. Em meio aos debates desta competência, foi abordada a necessidade do enfermeiro de conhecer o medicamento a ser administrado em uma realidade contextual, tendo em vista a situação clínica atual do paciente assistido.

 O enfermeiro de UTI precisa deter conhecimentos farmacológicos específicos dos medicamentos, principalmente daqueles de alta vigilância, além de um raciocínio clínico contextual do paciente, que repercutirá na tomada de decisão para as intervenções de enfermagem.20 Este conhecimento promove assistência adequada e de qualidade, visando aos princípios propostos pela segurança do paciente.21

A seguinte competência é o Conhecimento técnico. Os participantes observaram que muitas vezes os procedimentos realizados inadequadamente pelos profissionais da área de enfermagem, com relação ao manejo dos medicamentos, podem levar a uma assistência de risco ao paciente e ao próprio enfermeiro.

O estudo observacional na UTI, que avaliou as práticas de segurança do paciente durante a administração de medicamentos pela enfermagem, concluiu que os profissionais não executavam em conformidade as estratégias protocoladas, comprometendo toda a ação executada. As justificativas para a não adesão eram: curto tempo para executar as tarefas, o esquecimento, a distância da pia (no caso da higienização das mãos), a falta de observação de atitudes para assistência segura, a escassez de recursos humanos, o desconhecimento.22 Em sintonia, outra pesquisa identificou que 98,8% dos profissionais não aderiram ao procedimento de higienização das mãos durante o manuseio e administração dos medicamentos, bem como a não rotulagem dos medicamentos a serem administrados.5

Das características definidoras que foram citadas nesta competência, merecem destaque o conhecimento das diluições dos medicamentos mais usados na UTI e a observação atenta às prescrições médicas. Estes são indicadores que interferem na segurança do paciente, ao passo que um cálculo errado pode colocar em risco a assistência prestada. Um estudo que observou enfermeiros de três hospitais finlandeses, demonstrou que as competências em cálculo de medicamentos é uma das principais dificuldades apresentadas.23

Ações educativas dentro do processo de trabalho são importantes6 e vêm em consonância com a próxima competência da matriz, a educação continuada. Nas discussões, os participantes comentaram sobre a preocupação com a necessidade de atualizações e especializações na área hospitalar. Dado esse que se assemelha com outros estudos realizados com enfermeiros que trabalham na UTI e que a consideram uma competência essencial.18-19

A educação continuada emerge nas discussões, colocando o enfermeiro em posição de destaque, uma vez que ele é responsável por identificar as necessidades da equipe, criar estratégias educativas e compartilhar os seus conhecimentos. Uma pesquisa que revela a repercussão da educação continuada na UTI, concluiu que essa ação é capaz de gerar mudanças importantes no processo de trabalho e constitui-se em uma oportunidade para capacitação e atualização, proporcionando melhoria na qualidade da assistência e segurança do paciente.24

Um estudo que buscou compreender a formação dos enfermeiros que trabalham na UTI, demonstrou por parte dos pesquisados o quanto eles entendem a importância desse processo de educação no trabalho. Os dados evidenciaram valores de bem-estar, satisfação e motivação dos enfermeiros em buscar a melhora de sua performance profissional.25

Os nove certos na administração segura de medicamentos, foram contemplados como uma das competências desta matriz, visto que a enfermagem atua diretamente na administração dos medicamentos, requerendo de seus profissionais o máximo de atenção sobre esse procedimento, com o objetivo de prevenir erros de medicação nesta etapa.8 Essa sequência de estratégias buscam minimizar os riscos de erros de medicação, sendo eles: paciente certo, medicamento certo, via certa, hora certa, dose certa, registro certo, ação certa, forma certa e resposta certa. Segui-los pode se tornar a potencial barreira para os eventos não desejáveis.26

A responsabilidade, escolhida como uma competência, foi citada em todos os grupos de enfermeiros entrevistados, com várias características descritas na matriz. Considera-se que todas elas se entrelaçam e dependam uma da outra para se complementarem. Observou-se nos depoimentos que a responsabilidade vai além do ser enfermeiro, mas um profissional responsável por uma equipe, em que precisa exercer seu papel de liderança, com boa comunicação, ser ético diante de diferentes situações que podem ocorrer em seu momento de trabalho.

A liderança é uma competência requerida para todo enfermeiro e, apesar de não compor a matriz deste estudo, foi uma temática que permeou as discussões durante as coletas de dados.17 Assim como a boa comunicação também é identificada como competência diária no cuidado de enfermagem, por essa ação, traduz segurança e conforto para o paciente, assim como toda a equipe profissional.21,27 Uma pesquisa concluiu que conhecer e envolver o paciente em seus cuidados com informações claras e coerentes, é uma estratégia de segurança na administração de medicamentos.28Ações como esta aumentam a valorização do paciente como corresponsável pelo seu cuidado.29

O bom relacionamento com a equipe multiprofissional exposto no presente estudo como uma das características definidoras da competência de responsabilidade, visa, colaborativamente, servir como barreira para o erro em medicamentos. Essa potência que se tem no envolvimento interdisciplinar para melhoria da segurança em medicamentos é relatada.29-30

Com relação à atuação ética do enfermeiro frente aos medicamentos, em casos de eventos de erros ocorridos em sua administração, um estudo demonstrou medidas à serem adotadas, incluindo a tomada de decisão em relação às intercorrências com o paciente (avaliando e controlando os efeitos adversos); ações educativas com a equipe de enfermagem; registro do erro.6  Nas literaturas disponíveis são citadas outras competências do enfermeiro que trabalha na UTI: Trabalho em equipe, relacionamento interpessoal, planejamento, organização, equilíbrio emocional gestão de situações.3-4

Como limitação de pesquisa, apresenta-se o fato do estudo ter sido realizado em serviços de uma realidade local, sendo recomendada a realização de investigações em outras cidades e regiões. As evidências desta pesquisa, a partir da matriz de competência, fornecerão contribuições para o ensino de enfermagem, ao proporcionar subsídios teóricos para as discussões sobre a melhoria, tanto nos processos de aperfeiçoamento profissional, como na formação e inserção destes elementos no currículo dos estudantes de enfermagem.

 

 

Conclusão

A matriz foi estabelecida com sete competências: Autonomia Profissional, Conhecimentos Científicos, Conhecimentos da indicação do medicamento, Conhecimentos Técnicos, Educação Continuada, Nove certos na administração segura de medicamentos e Responsabilidade. Apesar de apresentar resultados de um grupo específico, a matriz de competências relacionada aos medicamentos para o enfermeiro em UTI, oportuniza o exercício da autorreflexão e ressignificações da responsabilidade profissional, conforme demandas locais e regionais.

A construção desta matriz de competências pode subsidiar a implementação de estratégias de ensino e aprendizagem, quer no campo profissional por meio da educação permanente em saúde, quer na graduação e pós-graduação relacionadas à educação em enfermagem. Por se tratar de uma pesquisa realizada em serviços intensivos de assistência ao paciente adulto de uma localidade e com grupos específicos de enfermeiro, seus achados estão circunscritos à realidade local. Recomenda-se a realização de investigações em outros espaços para delimitar em perspectivas gerais as competências relacionadas aos medicamentos para o enfermeiro na UTI.

 

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Editor Científico: Tânia Solange Bosi de Souza Magnago

Editor Associado: Rhanna Emanuela Fontenele Lima de Carvalho

 

 

Fomento / Agradecimento: Agradecemos à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino em Saúde, Mestrado Profissional (PPGES). Instituições hospitalares participantes.

 

 

Autor correspondente

Géssika Moreira Belarmino

E-mail: gessikabel@hotmail.com

Endereço: R: Maria de Carvalho, Jardim água boa, 1630    CEP: 79812-010

 

 

Contribuições de Autoria

 

1 –Géssika Moreira Belarmino

Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

 

2 – Rogério Dias Renovato

Concepção ou desenho do estudo/pesquisa, análise e/ou interpretação dos dados, revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

 

 

Como citar este artigo

Belarmino GM, Renovato RD. Matriz de competências relacionadas aos medicamentos para o enfermeiro em unidade de terapia intensiva*. Rev. Enferm. UFSM. 2020 [Acesso em: Anos Mês Dia];vol.10 e99: 1-18. DOI:https://doi.org/10.5902/2179769247447