Rev. Enferm. UFSM - REUFSM

Santa Maria, RS, v. 10, e59, p. 1-18, 2020

DOI: 10.5902/2179769240085

ISSN 2179-7692

 

Submissão: 19/09/2019    Aprovação: 07/05/2020    Publicação: 16/07/2020

Artigo Original 

 

Percepções da equipe acerca da implantação de protocolo de atenção materno infantil em HIV

Staff’s perceptions of the implementation of protocol for maternal-child care in HIV

 

Percepciones del equipo sobre la implementación de un protocolo para el cuidado materno-infantil del VIH

 

 

Jeniffer Stephanie Marques HilárioI

Luana Matos Silva AraújoII

Jaqueline Silva SantosIII

Maria Ambrosina Cardoso MaiaIV

Tânia Maria Delfraro CarmoV

Raquel Dully AndradeVI

 

I Enfermeira. Mestranda na Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: jsmhilario@outlook.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5541-6546

II Enfermeira. Mestra em Ciências. Doutoranda na Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: luana.araujo@uemg.br; ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7752-0627

III Enfermeira. Doutora em Ciências. Pós-doutoranda na Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: jaque_fesp@hotmail.com; ORCID: http://orcid.org/0000-0002-7543-5522

IV Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade do Estado de Minas Gerais/Unidade Passos. Passos, Minas Gerais, Brasil. E-mail: ambrosinacardoso@yahoo.com.br; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1658-6398

V Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Universidade do Estado de Minas Gerais/Unidade Passos. Passos, Minas Gerais, Brasil. E-mail: tania.carmo@uemg.br; ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8067-2285

VI Enfermeira. Pós-doutora. Docente da Universidade do Estado de Minas Gerais/Unidade Passos. Passos, Minas Gerais, Brasil. E-mail: radully@gmail.com; ORCID:  http://orcid.org/0000-0002-1515-098X

 

Resumo: Objetivo: conhecer as percepções da equipe de saúde sobre o protocolo de atenção materno infantil implantado em um serviço escola de referência regional para HIV. Método: estudo descritivo com abordagem qualitativa, realizado em 2017, no interior de Minas Gerais, Brasil, com a participação dos 10 membros da equipe do serviço escola. O grupo focal foi utilizado para a coleta de dados, e as informações coletadas foram analisadas mediante análise temática indutiva. Resultados: os relatos foram organizados em temas que retratam aspectos das mudanças realizadas no serviço, contribuições do protocolo para a organização dos processos de trabalho e a integralidade da atenção a clientela materno infantil, bem como destacam fatores imbricados na implantação que agiram como facilitadores ou dificultadores deste processo. Conclusão: as percepções da equipe apontaram para o reconhecimento das potencialidades do protocolo implantado para o cuidado à mulher e à criança, no cenário do HIV.

Descritores: Protocolos; Soropositividade para HIV; Saúde da mulher; Saúde da criança; Enfermagem materno-infantil

 

Abstract: Objective: to understand the health staff’s perceptions of the protocol of maternal-child care implanted in a teaching service of regional reference for HIV. Method: descriptive study with a qualitative approach, carried out in 2017, in the countryside of Minas Gerais, Brazil, with the participation of 10 staff members at the teaching service. The focus group was used for data collection, and the information collected was analyzed using inductive thematic analysis. Results: the reports were organized in themes that portray aspects of changes performed in the service, contributions of the protocol to the organization of work processes and the integrality of the maternal-child clientele, in addition to highlighting factors intertwined in deployment that acted as facilitating or hindering factors in this process. Conclusion: the staff’s perceptions pointed to the recognition of the potential of the protocol deployed for the care with women and children in the scenario of HIV.

Descriptors: Protocols; HIV Seropositivity; Women’s Health; Child Health; Maternal-Child Nursing

 

Resumen: Objetivo: conocer las percepciones del equipo de salud sobre el protocolo de atención materno-infantil implantado en un servicio escuela de referencia regional para el VIH. Método: se realizó un estudio descriptivo con abordaje cualitativo, realizado en 2017, en el interior de Minas Gerais, Brasil, con la participación de 10 miembros del equipo de servicio escuela. El grupo de enfoque fue utilizado para la recolección de datos, y la información recogida fue analizada utilizando análisis temático inductivo. Resultados: los informes fueron organizados en temas que retratan aspectos de cambios realizados en el servicio, las contribuciones del protocolo para la organización de los procesos de trabajo y la integralidad de la clientela materno-infantil, así como destacan los factores interrelacionados en la implementación que actuaron como facilitadores o dificultadores en este proceso. Conclusión: la percepción del equipo señaló el reconocimiento del potencial del protocolo implementado para la atención a mujeres y niños, en el escenario del VIH.

Descriptores: Protocolos; Seropositividad para VIH; Salud de la Mujer; Salud del Niño; Enfermería Maternoinfantil

 

 

Introdução

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), considerada uma pandemia,1 ainda é uma realidade vivenciada2 por muitas mulheres. De acordo com Boletim Epidemiológico HIV e Aids do Ministério da Saúde brasileiro,3 no período de 2007 a junho de 2019 foram detectados 93.220 casos em mulheres, que corresponde a 31,0% das notificações no Sinan. Entre as formas de transmissão, encontra-se a da mãe soropositiva para o feto, conhecida como transmissão vertical (TV).1 No Brasil, ao longo do tempo, foram propostas e adotadas estratégias para a prevenção da transmissão vertical do HIV da mãe para a criança.4

A prática dos profissionais de saúde para a prevenção da TV deve ser embasada em evidências científicas atualizadas.1 Considerando que, na gestação, o diagnóstico tardio do HIV pode resultar em dificuldades para a profilaxia, ações direcionadas ao diagnóstico precoce devem ser realizadas, como busca ativa das gestantes e garantia de acesso a exames anti-HIV no primeiro trimestre gestacional.2 A carga viral detectável ou desconhecida no momento do parto também pode associar-se a elevação do risco de transmissão.5 Assim, a identificação precoce da soropositividade para o HIV é uma medida importante para a prevenção da TV.1

Após o nascimento, há continuidade dos cuidados para profilaxia da transmissão do HIV, como a não amamentação, a medicação para a criança e o acompanhamento da saúde infantil.6 Além desses cuidados específicos, é importante que os profissionais dos serviços de saúde se atentem para a realidade vivenciada pela mulher soropositiva,7 buscando identificar suas vivências, comportamentos, sentimentos, bem como sua rede de apoio. Uma assistência segura e de qualidade deve ser garantida1 sendo o cuidado individualizado, humanizado, integral e resolutivo.7

Em função disso, a atenção dos profissionais de saúde deve ser continuada, com ações de planejamento reprodutivo, acompanhamento durante o período gravídico-puerperal, e cuidados direcionados à saúde da mulher e da criança.  As vulnerabilidades individuais e sociais devem ser consideradas nas intervenções de planejamento reprodutivo.8 No que concerne à concepção, as orientações sobre estratégias a serem adotadas para a redução da transmissão vertical do HIV devem ser contínuas, ocorrendo desde o período do planejamento reprodutivo e perpassar pelo pré-natal, parto e puerpério.8 No Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais8 são apontadas e discutidas estratégias para o planejamento reprodutivo na concepção, no cenário do HIV. Destarte, dependendo da situação das parcerias sexuais (sorodiferentes ou soroiguais), é importante que a equipe de saúde considere a possibilidade de utilização de algumas estratégias de concepção, como exemplo, a autoinseminação vaginal programada quando a mulher for positiva e o homem negativo para o HIV.8

Assim, no cenário do HIV, deve-se considerar os vários determinantes do processo saúde-doença imbricados na atenção à clientela materno infantil nos serviços. Logo, emergem as potencialidades da utilização de protocolos, considerando que podem favorecer cuidados padronizados e oportunos, baseados nas necessidades dos pacientes.9

O protocolo pode funcionar como uma ferramenta para a ampliação dos cuidados ao usuário,10 o que aponta a importância da utilização adequada.5 Para pacientes vivendo com HIV, por exemplo, um protocolo para manejo nutricional foi proposto em estudo desenvolvido no Chile.9

A literatura aponta que a implantação de protocolo em serviço de saúde pode contribuir para a atenção a pessoa com HIV.11  Na atenção à saúde da mulher que vive com HIV, por exemplo, a padronização foi vislumbrada pela equipe de saúde como uma possibilidade de fortalecimento do serviço ofertado, em busca de uma assistência integral e resolutiva a esse público.11

Apesar dos benefícios, a implantação de protocolos em serviços de saúde pode apresentar barreiras, sendo necessária a construção de estratégias de implementação.10 Compreende-se, portanto, que esse processo em serviços de saúde deva ser conhecido e avaliado, buscando o levantamento de percepções da equipe de saúde e a identificação de possíveis entraves. O entendimento é que a equipe exerce papel fundamental no processo de construção e implantação do protocolo, pois conhece as características e necessidades da clientela, a rotina do serviço e as possíveis estratégias para adequar os procedimentos de acordo com recursos e infraestrutura disponível.

Indubitavelmente, a avaliação do protocolo é necessária para o aprimoramento e deve buscar o envolvimento de toda a equipe de saúde.9 Assim, o presente estudo norteou-se pela questão de pesquisa: qual a percepção da equipe de saúde sobre o protocolo de atenção materno infantil implantado em serviço de saúde escola de referência regional para HIV? Por conseguinte, o objetivo do presente estudo foi conhecer as percepções da equipe de saúde sobre o protocolo de atenção materno infantil implantado em um serviço escola de referência regional para HIV.

 

Método

Estudo descritivo com abordagem qualitativa desenvolvido, no ano de 2017, em serviço escola de referência regional para HIV no interior de Minas Gerais, Brasil. A realização deste ocorreu um mês após a elaboração e implantação do Protocolo de Atenção Materno Infantil, construído por meio de pesquisa-ação.

Essa ferramenta foi elaborada da seguinte forma: inicialmente as investigadoras realizaram buscas em documentos governamentais do Brasil sobre a atenção ao público materno-infantil no cenário do HIV. Posteriormente, foram feitas reuniões com a equipe de saúde do serviço escola para levantamento das condutas realizadas e mediação de discussões sobre as adequações possíveis. O protocolo materno infantil elaborado aborda os seguintes temas centrais: Planejamento Reprodutivo, Atenção Preconcepção, Cuidados com a Gestante e a Mãe, Cuidados com o Recém-nascido, Cuidados com a Criança até os dois anos de idade. Após a elaboração, foi implantado nesse serviço. Assim, o protocolo foi embasado em documentos governamentais sobre a temática e construído de forma conjunta com a equipe, considerando as particularidades do serviço escola de referência regional para HIV.

A equipe do serviço escola era composta por 10 membros e todos aceitaram participar da pesquisa. Destes membros, dois eram enfermeiros, um técnico de enfermagem, um médico infectologista, um nutricionista, um farmacêutico e quatro acadêmicos estagiários (três do curso de enfermagem e um do curso de nutrição). Como critério de seleção, definiu-se: membro da equipe de saúde que atuava diretamente com o público materno-infantil.

Para a coleta de dados foi utilizado o grupo focal, método qualitativo que contribui para os processos de comunicação entre os integrantes do grupo.10 A técnica do grupo focal funciona como espaço frutífero para estímulo à debates problematizadores, reflexão crítica e trocas de experiências.12

A reunião do grupo focal ocorreu em uma sala do serviço escola, com as cadeiras organizadas em roda, em dia e horário acordado com todos os membros da equipe. Assim, participaram do grupo focal 12 pessoas, sendo 10 membros da equipe do serviço escola e dois pesquisadores. Entre os pesquisadores, um desempenhou o papel de moderador e o outro o de observador.

O moderador e o observador acolheram os membros da equipe. O moderador explicou o objetivo do grupo focal e os procedimentos éticos, havendo leitura, distribuição e resposta a indagações dos participantes referentes ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O observador recolheu uma via do TCLE assinada pelos participantes. Em seguida, o moderador iniciou o grupo focal com a seguinte questão norteadora central “Como tem sido o processo de implantação do protocolo de atenção materno infantil no serviço escola?” Por conseguinte, o moderador conduziu as discussões do grupo focal.

A reunião do grupo focal teve duração de 50 minutos, sendo o áudio gravado e, posteriormente, transcrito e analisado pelos pesquisadores. A análise dos relatos dos participantes ocorreu por meio da análise temática indutiva, que consiste em processo de codificação orientado pelos próprios dados coletados.13 Para a análise, o conteúdo da reunião do grupo focal foi transcrito e organizado em um arquivo. Em seguida, duas investigadoras realizaram leitura exaustiva desse material para familiarização. Posteriormente, foi iniciado o processo de codificação, com destaque de palavras, expressões e/ou frases. Nesse processo, emergiram três temas iniciais, que, após, análise criteriosa, foram reagrupados em dois temas.

O estudo atendeu aos preceitos éticos constantes na Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466 de 2012. Para manter o sigilo e não identificação dos participantes, os mesmos foram denominados como P1, P2, P3, ..., P10. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino Superior de Passos - FESP/MG, com parecer número 1.838.145, em 21 de novembro de 2016.

 

Resultados

 

As falas dos participantes foram organizadas nas seguintes categorias temáticas: O protocolo como ferramenta de fortalecimento do cuidado à clientela materno infantil no contexto do HIV; Implantação do protocolo no serviço escola de referência regional para HIV: facilidades e dificuldades vivenciadas, que se encontram apresentados a seguir:

 

O protocolo como ferramenta de fortalecimento do cuidado à clientela materno infantil no contexto do HIV

 

A percepção de membros da equipe de saúde sobre o protocolo elaborado mostrou-se positiva, com reconhecimento das potencialidades desta ferramenta para a organização dos processos de trabalho e para respostas a demandas de usuários que vivem com HIV do serviço de saúde escola: 

 

Estávamos precisando de um protocolo assim, para dar um direcionamento na equipe de como lidar com essa clientela no serviço, e oferecer um respaldo tanto para nós da equipe, quanto para a mãe e o filho. (P8)

         

Eu acho que quando vier um casal, a mulher querendo ser mãe a gente já vai estar preparado para lidar com a situação e ajudar. (P7)

 

Temos um caso aqui no serviço que poderemos resolver com este protocolo, vai ajudar muito o casal a conseguir ter um filho. (P1)

           

            No atendimento da clientela materno infantil no contexto do HIV, os participantes enfatizaram possíveis contribuições do protocolo para o conhecimento da realidade vivenciada pelo sujeito, a criação de laços de confiança e a integralidade na atenção prestada pela equipe de saúde:

 

Uma das vantagens do protocolo é proporcionar a mãe e o filho uma atenção integral e assim, melhorar sua saúde, promover educação e resolutividade para os problemas do dia a dia. (P1)

 

[...] eu achei interessante, principalmente, para aproximação dos profissionais, do serviço, da equipe com essa clientela, criando laços de confiança, conhecendo a realidade de cada um, as dificuldades, as necessidades, para podermos intervir, solucionar. (P4)

 

Acho que com este protocolo, as mães e seus filhos do serviço estarão recebendo mais atenção. Desde o planejamento reprodutivo poderemos acompanhar a evolução, encontrando as dificuldades e tentando solucioná-las. (P9)

 

            O direcionamento do olhar para as demandas de saúde da mãe vivendo com HIV e da criança exposta ao HIV, bem como as questões concernentes a melhorias no serviço de saúde e à satisfação de profissionais e usuários também foram abordadas:

 

O protocolo é ótimo, pois, ele engloba o cuidado da mãe e do seu filho. Desde a saúde da mãe até o desenvolvimento da criança exposta ao HIV. Isso vai trazer muitos benefícios para a saúde dessa clientela e para a melhoria do serviço. (P3)

 

[...] é muito bom poder consultar no protocolo as vacinas da criança, as principais dificuldades que a mãe possa ter no cuidado com o seu filho e com a sua saúde, proporciona maior resolutividade frente a esses casos. (P4)

 

[O protocolo] traz respaldo, comprometimento da equipe para esta clientela, no cenário do HIV. Mostrou-nos como podemos e precisamos lidar com a mãe e o seu filho, mudando totalmente o cuidado que temos com eles, promovendo atenção e satisfação dos profissionais e da clientela. (P8)       

 

Nesta categoria temática foi evidenciado que o protocolo contribuiu para organização do processo de trabalho, para maior aproximação e vinculação entre a equipe do serviço e os usuários, e para respostas condizentes às necessidades de saúde das pessoas que vivem com HIV, funcionando como um norteador de condutas e ações voltadas à clientela materno infantil.

 

 

 

Implantação do protocolo no serviço escola de referência regional para HIV: facilidades e dificuldades vivenciadas

 

            A implantação de um protocolo no serviço de saúde especializado em HIV pode ser imbricada por fatores facilitadores e dificultadores desse processo. A adequação do protocolo elaborado para a realidade do serviço, com possíveis contribuições para o atendimento da mãe e do seu filho, foi uma das facilidades encontradas:

 

O protocolo irá facilitar o nosso serviço, saberemos lidar com a clientela materno infantil no contexto do HIV, observar o prontuário da mãe e do filho, dar uma lida nos pontos mais importantes e assim, iremos saber lidar com cada tipo de situação (P3)

           

Questões referentes ao acesso e ao conhecimento do protocolo por todos os membros da equipe, bem como ao uso dessa ferramenta como um disparador de discussões referentes à assistência prestado no serviço de saúde, foram citados:

 

O acesso ao protocolo é fácil, primeiro teve uma reunião explicando sobre o protocolo e quem iria atender, entregaram para todos os profissionais do serviço uma cópia, fui muito bem direcionado. (P5)

 

Todos tiveram acesso aos documentos, eu achei muito interessante a iniciativa. (P7)

 

O protocolo trouxe muito conhecimento para o serviço, para a equipe. Podemos debater com todos sobre a assistência que oferecemos e como podemos melhorar. Assim, fazendo com que nós profissionais do serviço, possamos intervir de maneira mais eficaz e ter mais resultados positivos. (P10)

 

            Algumas dificuldades encontradas na implantação do protocolo foram apontadas. A resistência quanto a utilização do protocolo por integrantes da equipe do serviço escola, com possíveis repercussões negativas na assistência prestada à clientela materno infantil, aparece nos relatos:

 

Tivemos um caso aqui que o casal queria ter filhos, são sorodiscordantes, somente o homem é HIV positivo. Mandamos para o médico e ele não soube lidar, descartou a possibilidade de a mulher engravidar, que não podia, que seria um erro. Os dois saíram acabados daqui. (P2)

 

É complicado disso do médico, ele não é habilitado para o acompanhamento e mesmo assim não procura saber, se orientar. Vamos até passar a função de orientação desse casal ou mulher para uma das médicas daqui, e ficar vendo de perto esse tratamento. (P1)

[...] os médicos possuem uma resistência muito grande, estamos realizando uma capacitação sobre a nova PrEP [Profilaxia Pré-Exposição] e chamamos eles, aos poucos estamos conseguindo nos comunicar com eles e chamando a atenção para este protocolo, a importância dele no serviço e quem vai beneficiar. (P7)

 

O não comparecimento da clientela materno infantil no contexto do HIV para os atendimentos no serviço escola também apareceu como uma dificuldade:

 

Não sabemos como vamos trazer esses pacientes para realizarmos essa consulta, temos só que planejar isso, desde a abordagem. (P4)

 

A maioria não aparece por falta de adesão ao tratamento, possuem vergonha e medo das pessoas descobrirem que estão vivendo com HIV. (P8)

 

            Outros fatores dificultadores que apareceram nos relatos referem-se à grande demanda de atendimentos, ao tamanho reduzido da equipe do serviço escola, e à entraves no processo comunicativo entre membros da equipe: 

                                                        

A nossa equipe infelizmente é muito pequena, a gente retornou com a demanda de testagem, então estamos correndo o tempo inteiro. Fica um pouco difícil de ter tanta atenção à essa clientela, mas iremos resolver isso. (P8) 

 

[...] uma dificuldade que estamos conseguindo driblar, eles [médicos] nos parecem mais ativos, e comunicativos com a equipe, temos muito que melhorar, mas já demos um passo muito grande. (P2)

 

Nesta categoria temática observou-se que a implantação do protocolo foi um processo delicado, permeado por fatores facilitadores e dificultadores. Algumas particularidades desta ferramenta, como a adequação à realidade do serviço e a acessibilidade, funcionaram como facilitadores. As dificuldades abarcaram questões relacionadas tanto à equipe, como entraves no processo comunicativo e certa resistência à utilização do protocolo, quanto aos usuários como o não comparecimento aos atendimentos.

 

Discussão

 

A implantação de um protocolo no serviço de saúde é um processo que demanda compromisso e envolvimento dos integrantes da equipe e da clientela atendida para sua efetivação. Compreende-se que protocolos podem propiciar melhores condições para o cuidado do usuário de acordo com a demanda apresentada14 e funcionar como uma ferramenta para o fortalecimento da atenção à clientela materno infantil.

Conforme mostram resultados de um estudo sobre a incidência de casos de transmissão vertical desenvolvido em um serviço escola referência para HIV, é necessário um olhar direcionado para a sistematização das práticas relacionadas a atenção materno infantil.2 Assim como observado nos relatos, o protocolo pode ser reconhecido como um instrumento que direciona o cuidado qualificado.11,15 Nesse sentido, os membros da equipe apontaram possíveis contribuições do protocolo para a organização dos processos de trabalho no serviço escola, com reflexos na integralidade do cuidado à mulher e à criança. 

As contribuições do protocolo para a ampliação do olhar dos integrantes da equipe para as diferentes demandas apresentadas pela clientela materno infantil, com respostas condizentes com a realidade vivenciada por esse segmento também foram apontadas. É importante pontuar que a construção de espaços de diálogo pode favorecer o levantamento de necessidades.6 Além disso, a formação de vínculos com os usuários do serviço de saúde também pode contribuir para um cuidado integral.4

Como evidenciado nos relatos dos membros da equipe do serviço escola, as ações devem ser contínuas, sendo iniciadas no planejamento reprodutivo, considerando demandas e necessidades da mulher e/ou casal. Sabe-se que o diagnóstico da soropositividade para o HIV pode ocorrer, muitas vezes, durante o período gestacional.7 Para a redução da transmissão vertical, o pré-natal surge como um momento oportuno.1

Durante a gestação, o controle inadequado da carga viral materna pode apontar riscos de transmissão do HIV para a criança.5 Destarte, é importante controle adequado durante a gestação, com diagnóstico e tratamento precoce.5 Estudo6 mostra comprometimento do casal com o tratamento e os cuidados durante o pré-natal e o parto, buscando não a transmissão vertical do HIV para a criança.

No que concerne as condutas profiláticas, as ações de aconselhamento à mulher devem ser realizadas.2 As ações educativas também se mostram importantes,7 assim como a terapia antirretroviral pediátrica, ao possibilitar a não infecção do feto.16 Por conseguinte, observa-se a necessidade de envolvimento do profissional de saúde buscando uma assistência humanizada e garantidora de direitos sexuais e reprodutivos.

Há de se reconhecer que as políticas públicas para controle da transmissão vertical do HIV devem ser fortalecidas.17 Entre as ações, aponta-se a captação precoce da gestante pelos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) e a capacitação em aconselhamento e manejo clínico dos profissionais de saúde que prestam atenção à gestante e à parturiente.17

Assim, ações voltadas ao diagnóstico do HIV e início precoce do acompanhamento pré-natal mostram-se importantes,7 bem como a utilização de ferramentas que possam fortalecer os processos de cuidado, como os protocolos. Para a realização destas ações de cuidado, deve ser reforçada a necessidade de a equipe de saúde ter proximidade e vínculo com a mulher e/ou casal. Aqui, emerge as potencialidades do trabalho integrado do serviço escola com outros pontos de atenção à saúde materno infantil do município. Isso mostra que os diferentes pontos da rede de atenção à saúde (APS, serviço de referência e maternidade) devem estar articulados,2 buscando uma assistência integral.

A integralidade na assistência à mulher e à família é sinalizada como essencial para a prevenção da transmissão vertical, sendo as ações estruturadas e desenvolvidas nos diferentes momentos de atenção, contemplando desde o período pré-concepcional até o pós-natal.2 A necessidade de garantia da integralidade na atenção foi um aspecto destacado em relatos de membros da equipe do serviço escola.

Em algumas colocações os participantes citaram a possibilidade de levantamento de demandas do usuário, por meio da utilização do protocolo. Considerando a complexidade envolvida no processo de maternidade no cenário da soropositividade para o HIV, o conhecimento das necessidades da mulher emerge como essencial, pois ela pode apresentar sentimentos e emoções que devem ser reconhecidos e abordados pelos profissionais de saúde, atrelados, por exemplo, a impossibilidade de amamentar, que pode ocasionar dificuldades e tristeza.6

Apesar do reconhecimento das contribuições do protocolo, os participantes desse estudo apontaram dificuldades para a implantação, como a resistência do profissional médico para a utilização dessa ferramenta. Nesse cenário, foi citada a condução de um caso referente a possibilidade de gestação de um casal sorodiscordante. A construção de relações de confiança com as pessoas que vivem com HIV,18 assim como a qualificação do profissional de saúde, mostram-se importantes nos momentos de atenção ao ciclo gravídico-puerperal.

Essas dificuldades encontradas na implantação do protocolo direcionam para a necessidade de fortalecimento dos processos comunicativos entre os membros da equipe de saúde. Resultados de um estudo11 reforçaram a importância de comprometimento dos profissionais de saúde e de trabalho em equipe para a efetivação do protocolo.

A literatura aponta que o desconhecimento da equipe de saúde sobre o protocolo pode emergir como uma barreira.10 No serviço de saúde escola, conforme relatado por participantes, o protocolo foi divulgado e encontra-se acessível a todos os membros da equipe, o que funcionou como um facilitador do processo de implantação. 

Outras dificuldades referentes ao comparecimento da clientela materno infantil no serviço de saúde foram mencionadas. As pessoas soropositivas ainda podem enfrentar estigma associado ao vírus HIV.19-20 Assim, a ausência de confiança na equipe de saúde aparece como uma dificuldade.20 Estudo realizado em Moçambique aponta a discriminação como um dos motivos do abandono do tratamento.19 O abandono do tratamento antirretroviral surge como um problema complexo19 a ser enfrentado pelos profissionais atuantes em serviços de saúde. Nessa conjuntura, o protocolo pode contribuir para a reorganização dos processos de acolhimento desses usuários.

Diante dos resultados do presente estudo, apreende-se que diferentes fatores se encontram imbricados no processo de efetivação de um protocolo no serviço de saúde, como abarcar necessidades dos usuários, atender as expectativas dos profissionais de saúde e ser construído de acordo com a realidade do serviço.14 Outrossim, o cuidado deve ser construído para promover a participação e o empoderamento.6 A criação de vínculos também aparece como uma estratégia que pode favorecer a qualidade de vida dos usuários.20 Nesse sentido, os profissionais de saúde ao utilizarem o protocolo, ferramenta para organização do processo de trabalho e gestão do cuidado no serviço de saúde,11 devem buscar o desenvolvimento de ações de promoção da saúde, considerando a importância do envolvimento, da participação e do empoderamento da mulher.7

 

Conclusão

 

As percepções da equipe apontaram para o reconhecimento das potencialidades do protocolo para a atenção à mulher e à criança, bem como para a necessidade de integração e articulação do cuidado, fortalecimento do vínculo e dos processos comunicativos no serviço de saúde estudado.

Os resultados sugerem que a enfermagem, como integrante da equipe de saúde, pode contribuir para a organização da assistência à mulher e à criança no cenário do HIV, por meio da implantação de protocolos, realizando e intermediando ações de fomento ao diálogo, ao vínculo e a corresponsabilização pelo cuidado.

Como limitações, o presente estudo retrata uma realizada contextualizada, o que impossibilita a generalização dos resultados alcançados. Acredita-se que outras investigações qualitativas, voltadas para o levantamento de percepções de usuários dos serviços de saúde, como as mulheres que vivem com HIV, sobre o processo de implantação de protocolos, contribuam para a ampliação do olhar sobre esse objeto de estudo.

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Autor correspondente

Jeniffer Stephanie Marques Hilário

E-mail: jsmhilario@outlook.com

Endereço: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Campus Universitário – Bairro Monte Alegre. Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.

CEP: 14040-902.

 

 

Contribuições de Autoria

1 – Jeniffer Stephanie Marques Hilário

Contribuições: Concepção e planejamento do projeto de pesquisa; obtenção, análise e interpretação dos dados.

 

2 – Luana Matos Silva Araújo

Contribuições: Análise e interpretação dos dados.

 

3 – Jaqueline Silva Santos

Contribuições: Análise e interpretação dos dados; redação científica e revisão crítica.

 

4 – Maria Ambrosina Cardoso Maia

Contribuições: Redação científica e revisão crítica.

 

5 – Tânia Maria Delfraro Carmo

Contribuições: Análise e interpretação dos dados.

 

6 – Raquel Dully Andrade

Contribuições: Concepção e planejamento do projeto de pesquisa; análise e interpretação dos dados; redação científica.

 

 

Como citar este artigo

Hilário JSM, Araújo LMS, Santos JS, Maia MAC, Carmo TMD, Andrade RD. Percepções da equipe acerca da implantação de protocolo de atenção materno infantil em HIV. Rev. Enferm. UFSM. 2020 [Acesso em: Anos Mês Dia]; vol.10 e59: 1-18. DOI:https://doi.org/10.5902/2179769240085