Rev. Enferm. UFSM - REUFSM

Santa Maria, RS, v. 9, e67, p. 1-14, 2019

DOI: 10.5902/2179769234944

ISSN 2179-7692

 

Submissão: 13/11/2018    Aprovação: 29/10/2019    Publicação: 25/11/2019rtigo Original                                                                       Submissão: 13/11/2018    Aprovação: 29/10/2019    Publicação: 25/11/2019

Artigo Original      

                               

                               

Significado da maternidade frente às hospitalizações de filhos com doenças crônicas

The importance of motherhood in the hospitalization of children with chronic diseases

Importancia de la maternidad en la hospitalización de niños con enfermedades crónicas


 


Ana Carolina AngoteI

Maria Paula Custódio SilvaII

Débora de Oliveira FerreiraIII

Bethânia Ferreira GoulartIV

Jesislei Bonolo do AmaralV

Divanice ContimVI

 

I Enfermeira, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil. E-mail: anacarolina_angote@hotmail.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4991-894X

II Enfermeira, Especialista em Neonatologia, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil. E-mail: maria_paulacs@hotmail.com; ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8694-1589

III Enfermeira, Especialista em Neonatologia, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil. E-mail:  deboradeoliveiraferreira@hotmail.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3685-0800

IV Enfermeira, Doutora, Docente no Departamento Didático Científico de Enfermagem em Educação e Saúde Comunitária, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil. E-mail: bethaniagoulart@hotmail.com;

     ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2855-6767

V Enfermeira, Doutora, Docente Departamento de Enfermagem na Assistência Hospitalar, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil. E-mail:  jesisleimjlo@gmail.com; ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0591-7972

VI Enfermeira, Doutora, Docente Departamento de Enfermagem na Assistência Hospitalar, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil. E-mail: d.contim@uol.combr; ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5213-1465

 

 

Resumo: Objetivo: descrever os significados da experiência da maternidade frente às hospitalizações do filho com doença crônica. Método: pesquisa de campo, exploratória, de abordagem qualitativa, realizada com seis mães de crianças com doença crônica, na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica de um hospital de ensino. A coleta ocorreu nos meses de fevereiro a maio de 2017, por meio de entrevista semiestruturada e utilizou-se a análise de conteúdo na modalidade temática para tratamento dos dados. Resultados: emergiram três categorias: Sentimentos Ambivalentes manifestados pelas mães; Incertezas da maternidade diante do filho hospitalizado com doença crônica; e Mudança na rotina materna frente à hospitalização do filho com doença crônica. Conclusão: o estudo proporcionou responder a experiência da maternidade do filho com doença crônica manifestada por meio de sentimentos, incertezas e mudanças na rotina familiar, o que permitiu refletir sobre intervenções que possam amenizar as implicações negativas durante todo o período de internação dessas crianças.

Descritores: Maternidades; Hospitalização; Doença crônica, Criança

 

Resume: Objective: To describe the meanings of the experience of motherhood in the hospitalization of children with chronic disease. Method: exploratory field research with a qualitative approach, conducted with six mothers of children with chronic disease, in the Pediatric Intensive Care Unit of a teaching hospital. The collection took place from February to May 2017, through semi-structured interviews and we used content analysis in the thematic modality for data treatment. Results: three categories emerged: Ambivalent feelings expressed by mothers; Uncertainty of motherhood regarding hospitalized child with chronic disease; and Change in maternal routine regarding hospitalization of children with chronic disease. Conclusion: the study provided an opportunity to respond to the experience of motherhood of children with chronic illness manifested through feelings, uncertainties and changes in family routine, which allowed us to reflect on interventions that can alleviate the negative implications throughout the hospitalization period of these children.

Descriptors: Maternities; Hospitalization; Chronic Illness, Child

 

Resumen: Objetivo: Describir los significados de la experiencia de la maternidad en la hospitalización de niños con enfermedades crónicas. Método: una investigación de campo exploratoria con un enfoque cualitativo, realizada con seis madres de niños con enfermedades crónicas, en la Unidad de Cuidados Intensivos Pediátricos de un hospital universitario. La recopilación se realizó de febrero a mayo de 2017, a través de entrevistas semiestructuradas y utilizamos análisis de contenido en modalidad temática para el tratamiento de datos. Resultados: surgieron tres categorías: sentimientos ambivalentes expresados ​​por las madres; Incertidumbre de la maternidad con respecto al niño hospitalizado con enfermedad crónica; y Cambio en la rutina materna con respecto a la hospitalización de niños con enfermedades crónicas. Conclusión: el estudio brindó la oportunidad de responder a la experiencia de la maternidad de niños con enfermedades crónicas manifestadas a través de sentimientos, incertidumbres y cambios en la rutina familiar.

Descriptores: Maternidades; Hospitalización; Enfermedad Crónica, Niño


 


Introdução

A internação de uma criança é considerada uma situação potencialmente traumática e perante o diagnóstico de uma enfermidade crônica, a vida dela e da família passa a ser guiada pela doença e seu tratamento.1 A triáde criança, mãe e família podem experienciar longos períodos de hospitalização, reinternações frequentes, terapêutica agressiva, muitas vezes, com efeitos indesejáveis advindos do próprio tratamento, dificuldades causadas pela separação dos membros da família, interrupção das atividades diárias, limitações na compreensão do diagnóstico, angústia, sofrimento, dor e o medo constante da possibilidade de morte. A família pode ainda vivenciar o desajuste financeiro em consequência da situação.2

A maternidade vivenciada com um filho hospitalizado por doença crônica é marcada por insegurança, sobrecarga e isolamento social. A necessidade de aquisição de saberes e habilidades incorporados na rotina de cuidado da criança podem ocasionar efeitos físicos e psicológicos que influenciam diretamente na qualidade de vida materna, e a apreensão da realidade pode ser ameaçadora e incompreensível.3

            O processo de enfrentamento da doença associado a todo aporte tecnológico, ao qual essa criança será submetida pode gerar distanciamento e sentimentos de exclusão por parte das mães, uma vez que as mesmas sentem-se privadas de experiências fundamentais e definidoras da maternidade.  A rotina do hospital possui dinâmica e lógica diferentes do cotidiano familiar, o que torna difícil a relação segura e necessária entre o binômio, a família e a equipe de saúde.3-4

A permanência da mãe, pai ou responsável pela criança, no hospital para acompanhar a criança durante a hospitalização é garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,5 porém essa convivência tem sido um desafio. Para minimizar esses impactos, são necessárias a inclusão de estratégias que viabilizem arranjos diferenciados voltados para um cuidado terapêutico humanizado, como forma de garantir a manutenção responsável das relações de todos envolvidos.2,4

  A equipe de enfermagem contribui para tornar este processo menos traumático e favorecer a permanência das mães no hospital, estimulando o envolvimento no processo saúde doença-cuidado da criança. Ações dessa natureza constituem-se em fonte de proteção, apoio e segurança para a criança e para a mãe, o que colabora para um enfrentamento da situação de maneira menos sofrida e com respaldo e suporte profissional.3-4

Neste sentido, com a finalidade de compreender as experiências de mães de crianças hospitalizadas com doenças crônicas, com vistas a contribuir com o processo de cuidar e trazer melhorias ao planejamento e à organização da assistência prestada, o presente estudo buscou responder as seguintes questões: Como a mulher vivencia a maternidade diante do filho com doença crônica? Quais são significados atribuídos a essa experiência? E teve como objetivo descrever os significados da experiência da maternidade frente às hospitalizações do filho com doença crônica. 

Método

Pesquisa descritiva, exploratória com abordagem qualitativa. Está última é fundamentada na capacidade interpretativa da realidade observada, para compreensão de significados que os indivíduos constroem com base no que experienciam.6

O estudo foi realizado com mães durante a hospitalização do filho com doença crônica, na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) de um hospital de ensino do interior do Estado de Minas Gerais, Brasil.

As participantes atenderam aos seguintes critérios de inclusão: mães que tivessem filhos internados na UTIP, por mais de três meses, com doenças evitáveis que se tornaram crônicas devido às reintegrações frequentes, afecções perinatais, após tratamento intensivo, clinicamente frágeis, dependentes de cuidados de saúde contínuos e nas necessidades de saúde que afetam sua qualidade de vida. Foram excluídas as mães que apresentavam alguma sintomatologia de desconforto psicológico e as com idade inferior a 18 anos.

As participantes foram abordadas na unidade em estudo, receberam explicação detalhada dos objetivos, procedimentos da pesquisa e foram convidadas a participar. Mediante sua anuência, foi disponibilizado o termo de consentimento livre e esclarecido. As entrevistas foram realizadas de fevereiro a maio de 2017, conforme a disponibilidade das seis mães participantes em uma sala que proporcionava privacidade e sigilo.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada em duas etapas. A primeira composta por dados sóciodemográficos das mães: idade, estado civil, escolaridade, naturalidade e profissão e das crianças: idade, tempo de internação e diagnóstico médico. A segunda etapa foi guiada pela seguinte questão: “Fale para mim como é para você a experiência da maternidade frente às hospitalizações do seu filho com doença crônica?”

Ao término do seu depoimento, foi feita a pergunta: “Você/ senhora gostaria de falar mais alguma coisa?” As entrevistas tiveram cerca de 30 a 45 minutos de duração, sendo finalizadas quando se deu a saturação dos dados, isto é, quando o objetivo foi respondido e verificou-se a redundância nos dados.7 As entrevistas foram gravadas em áudio, com prévia autorização e, após, foram transcritas na íntegra, e armazenadas em banco de dados eletrônico, visando à análise e interpretação.

          Para o tratamento das narrativas resultantes das entrevistas, adotou-se a análise de conteúdo, modalidade temática, que consiste em um agrupamento de técnicas, passando pelas fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Foram realizadas leituras consecutivas, com vistas a sistematizar os dados. Na primeira leitura, efetuou-se o contato exaustivo com o material, sinalizando os pontos de interesse. Os dados importantes foram destacados para garantir que não fossem descartados.8

          Na leitura seguinte, realizou-se a codificação dos dados, organizados segundo unidades de significado, com a finalidade de visualizá-los de forma agrupada, de acordo com os objetivos da pesquisa. Na fase de exploração, os dados foram categorizados. Para garantir o sigilo e confidencialidade das mães, optou-se por substituir o nome das mães por nome de frutas (ameixa, pera, acerola...).

O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos, atendendo a Resolução MS/CNS 466/2012. O projeto foi aprovado em três de maio de 2016 pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com seres humanos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro sob o n° de parecer: 1.527.742 e CAAE: 52981816.6.0000.5154.

 

Resultados

Foram entrevistadas seis mães com idade entre 21 e 44 anos, sendo que quatro eram primíparas e duas multíparas. Quanto à escolaridade, duas possuíam o ensino superior completo, três com ensino fundamental completo e uma superior incompleto. No que tange a profissão, quatro eram do lar, uma estudante e uma fisioterapeuta, três eram solteiras, duas em união estável e uma divorciada. Quanto à caracterização das crianças a idade variou de seis meses a quatro anos e oito meses; o tempo de internação de três meses a três anos e dois meses e os diagnósticos médicos foram três com Tetralogia de Fallot e as demais com Síndrome de Werding-Hoffmann, Hiperplasia adrenal e Atrasia do esôfago.

Dos depoimentos emergiram três categorias temáticas: Sentimentos ambivalentes manifestados pelas mães; incertezas da maternidade diante do filho hospitalizado com doença crônica, Mudança na rotina familiar frente à hospitalização do filho com doença crônica.

 

Sentimentos ambivalentes manifestados pelas mães

Durante a gestação, as mães idealizam que o filho nasça saudável e se desenvolva de forma adequada. No entanto, devido às circunstâncias, o mesmo permanece hospitalizado, o que causa um confronto entre o bebê imaginário e o real, o que pode prejudicar o aprendizado da função materna e proporcionar a vivência de sentimentos contraditórios e ambivalentes muito intensos.  O afastamento dos outros familiares é outra fonte de preocupação das mães nesse contexto. Isto pode ser ilustrado pelos depoimentos a seguir:

 

[...] nenhuma mãe fica feliz [...] de ter um filho dentro da UTI de um hospital [...]. (Ameixa)

 

[...]desde que ela nasceu ela sempre ficou internada por causa dos problemas dela [...]aí ela teve problemas respiratórios e precisou ser intubada, mas é muito ruim ficar nisso, a gente está sempre aqui [...]. (Maçã)

 

 [...]vê seus sobrinhos, seus amigos, todas as crianças em casa, você vê seu filho só hospitalizado não é fácil [...]. (Pera)

 

Incertezas da maternidade diante do filho hospitalizado com doença crônica

As mães de crianças que a manutenção da hospitalização se faz necessária, demonstram sentimentos de incerteza quanto ao futuro dos filhos e, muitas vezes, desenvolvem o desapego. O prognóstico incerto, associado à dependência dos aparatos tecnológicos afastam a possibilidade de cura e podem gerar sentimentos de rejeição e culpa. Os depoimentos a seguir ilustram tais aspectos:

[...]vi a K. no estado que ela estava ai fui rejeitando ela, não fui tendo ela mais como filha, fui tendo como uma pessoa que eu não conhecia, ai eu fiquei depressiva [...]me dava vontade de desistir dela [...]. (Manga)

 

[...] eu tinha desistido tanto dela que eu falei para o pai dela que não vou mais no hospital, ela vai morrer...ai eu fui me distanciando dela [...]. (Goiaba)

 

[...]querendo ou não a gente sabe que uma criança crônica vive no respirador, ela não vai ter uma expectativa de vida que nem uma criança normal [...]. (Pera)

 

Mudança na rotina materna frente à hospitalização do filho com doença crônica

A maternidade diante da doença crônica e da hospitalização modifica bruscamente o cotidiano da mulher. Ter que administrar a rotina hospitalar com trabalho, outros filhos, serviços domésticos é desafiador, o que pode ser exemplificado nos relatos que seguem:

 [...] é uma rotina muito cansativa, porque você nunca pode fazer nada, você nunca pode ter um compromisso com nada sério, você tem que colocar aqui no meio [...]. (Acerola)

 

[...]  fora ela eu tenho mais quatro em casa [...]na parte da manhã é uma correria porque vai para escola, tem que buscar, tem que fazer almoço, deixar tudo arrumado, depois que eu termino de organizar lá em casa é  que eu venho para cá [...]. (Goiaba)

 

 [...] é assim, eu venho aqui todo dia três vezes por dia, todos os dias, o J. tem 6 anos que está internado eu não fiquei nem um dia sem ver ele. Meu marido vem de manhazinha ver ele antes de ir trabalhar, na hora do almoço agora a gente volta, e a tardezinha a gente volta de novo, final de semana que a gente não trabalha a gente fica um período mais longo com ele [...]. (Pera)

 

Discussão       

               A maternidade é uma experiência transformadora na vida da mulher, e tornar-se mãe é preparar-se para enfrentar uma série de etapas e desafios. Desde o planejamento da gestação ou a descoberta de uma iniciam-se as preparações, que envolvem o pré-natal, parto, pós-parto, abordagem psicólogica, física, economia financeira, questões culturais e sociais. O acompanhamento realizado durante a gestação deve prepará-las para assumir essa nova responsabilidade, por meio de informações seguras e intervenções educativas que possibilitem a participação ativa das mesmas em todo o processo.9 Nesse contexto, a gestante espera um recém-nascido (RN) saúdavel, que após o nascimento será levado para casa, a mãe realizará os primeiros cuidados, iniciará amamentação e o apresentará aos demais membros da família.9-10
               No puérperio, as mães encontram-se fragilizadas e, qualquer mudança que ocorra e saia do esperado provocará alterações da sua condição emocional.10 A experiência de um filho com doença crônica muda essa perpectiva sonhada da maternidade, implicando na adaptação da nova rotina e no enfretamento da condição de saúde da criança.4 A necessidade de internação em uma UTIP representa causa de sofrimento e morte.3-4
               Por tratar-se de uma situação inesperada, surgem preocupações que provocam sentimentos ambivalentes bem como situações de inconstâncias emocionais4, como os encontrados na primeira categoria deste estudo. Isso evidencia uma aproximação dos resultados da pesquisa com a produção centífica. O sofrimento psíquico e a ansiedade da mãe são expressos por meio do choro e das sensações de angústia que caracterizam a somatização dos sentimentos vivenciados por ela, devido à dificuldade que enfrenta ao sair de um ambiente familiar no qual era adaptada, para um ambiente estranho, tanto em relação à estrutura física quanto às relações estabelecidas, funcionando como um desabafo.11
               A segunda categoria, Incertezas da maternidade diante do filho hospitalizado com doença crônica, está relacionada ao quadro clínico e à gravidade da condição de saúde da criança. As mães sentem-se incapazes e culpadas por não terem o controle da situação, o que as torna vulneráveis. Associado a isso, o distanciamento que ocorre nos longos períodos de internação promove a quebra do vínculo entre o binômio e reestabelecer esse elo é importante para a continuidade do tratamento. Algumas condições como as malformações congênitas, causam rejeição por não parecerem com o idealizado ou considerado natural. Os inúmeros procedimentos invasivos, múltiplas punções, cirurgias, necessidades de estomas também influenciam nessa percepção. Os primeiros contatos são desconfortáveis e impactantes, pois as mães não estão familiarizadas com os aparatos tecnológicos e termos técnicos usados pelos profissionais, a demora para tocar e pegar na criança contribui com o afastamento.3
               Os aspectos que permeiam a condição de saúde da criança, o ambiente hospitalar, os procedimentos e tecnologias terapêuticas comprometem a proximidade entre mãe e filho, o medo de perder o filho pode levar as mães a se afastarem, como tentativa de fuga da possível perda. As prolongadas hospitalizações limitam a manutenção das atividades rotineiras da criança, como frequentar a escola e brincar. A convivência com outros membros da família fica restrita às visitas e a depender do quadro clínico da criança.10-12 Estudos apontam que quando as mães estão em casa, ficam ansiosas e apreensivas que algo possa acontecer no hospital, existe uma preocupação constante com a situação de saúde do filho.12 Nos casos em que há necessidade de internação desde o nascimento, o estreitamento da relação pode ser ainda maior. As mulheres que têm outros filhos vivenciam um cotidiano cansativo, por buscar atender as demandas de todos, entretanto a condição crônica carece de uma dedicação especial, o que pode prejudicar a atenção fornecida aos outros.4,13

            Nesta perspectiva, a mudança na rotina diária da mãe em decorrência da hospitalização do filho com doença crônica, que emergiu na terceira categoria temática, depende do nível de complexidade e dependência da doença, assim como a existência de uma rede de apoio. Nesse contexto, as mães assumem a maioria das responsabilidades parentais no cuidado com a criança e o pai atua com provedor do lar. O querer estar presente no cuidado do filho hospitalizado remete ao sentimento de culpa, quase sempre presente no processo de adoecimento e na capacidade em desempenhar a maternidade. A alta dependência dos cuidados, não só alteram a rotina como impedem, muitas vezes, que os pais retomem o trabalho ou tarefas cotidianas, o que interfere diretamente na condição financeira familiar.4 As mães que moram em outros municípios sofrem com o deslocamento, estadia e alimentação.

Possuir uma rede social de apoio contribui para que a mãe permaneça acompanhando a criança no hospital. A rede de apoio pode ser formada por familiares, amigos, vizinhos, instituições e profissionais de saúde. Fornecem desde bens materiais, como alimentação e roupa a família, bem como suporte emocional, conforto, motivação e auxiliam com tarefas domésticas e cuidados com os outros filhos.12 Ambientes de convivências dentro das instituições hospitalares podem minimizar as limitações que internação causa na rotina familiar e incentiva que a mães passem maior tempo perto da criança.14

Atender e valorizar as relações e interações com os familiares faz parte da assistência. O profissional de saúde precisam criar estratégias para minimizar o impacto da separação e oferecer apoio psicológico e espiritual. Entretanto, é possível identificar equipes que não estão preparadas para lidar com as famílias. Uma comunicação efetiva, entre a equipe e as mães, que valorize, respeite a opinião do outro e esclareça dúvidas, contribui com a satisfação e com a construção de uma relação de confiança.13 Em um estudo realizado no sul do Brasil, os pais reivindicaram atenção desses profissionais por meio da escuta.14 Uma preocupação das mães e dos familiares é se a equipe possui conhecimento técnico-cientifico para cuidar do filho, mas fornecer carinho, atenção, solicitude e ter paciência também são atributos observados por eles e impactam na relação do cuidado.15 Aqui constata-se a necessidade de se investir, não somente nas tecnologias duras e leve-duras, mas fundamentalmente fortalecer a tecnologia leve como ferramenta crucial no cuidado humanizado e digno.16-17

Permitir e inserir a mãe na rotina de cuidados da criança é essencial para estimular o vínculo familiar.18 O enfermeiro é responsável por elaborar o plano de cuidados do paciente juntamente com os demais profissionais da equipe multiprofissional. O plano deve ser elaborado e executado desde o diagnóstico e admissão na unidade. A partir da construção desse plano, é possível priorizar as necessidades, atender as particularidades e promover a desospitalização, para que a criança possa ter o convívio familiar reestabelecido, desde que sua condição de saúde permita.13,19

Perante o risco iminente de morte que essas crianças enfrentam abordar esse assunto com as mães torna-se necessário. O profissional de saúde deve encoraja-las a falarem sobre suas ansiedades, medos e preocupações para minimizar o sofrimento.19 Criar grupos para que mães possam compartilhar experiências umas com as outras é uma estratégia para oferecer um cuidado humanizado.

 

Conclusão

Por meio desse estudo, foi possível identificar os sentimentos e as necessidades das mães com filhos com doenças crônicas internados na UTIP, possibilitando refletir no significado dessa vivência para cada uma delas, identificado seus receios, expectativas, dores e medos. Os resultados colaboram para repensar a prática das intervenções, de maneira que possam amenizar as implicações negativas durante todo o período de internação das crianças. Considera-se ainda que o processo de tratamento, agravamento, recuperação e prognóstico, que é cercado de incertezas, gera nessas mães um estado constante de alerta, devido à falta de respostas ou perspectivas quanto à condição e duração de vida da criança. O processo de construção de uma filiação nesses casos, por ter como cenário a instituição hospitalar e ser atravessada por seus aparatos, passa pela mediação dos profissionais de saúde de referência.

Como limitação do estudo, considera-se o fato de este retratar uma realidade regional, de modo que não deve ser generalizado. Sugere-se que as novas pesquisas investiguem os sentimentos e impressões de mães por meio de acompanhamento longitudinal para examinar eventuais mudanças na sua dinâmica no decorrer do tempo.

 

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Autor correspondente

Maria Paula Custódio Silva

E-mail: maria_paulacs@hotmail.com

Endreço: Av. Frei Paulino, 410

CEP: 38025180

 

 

Contribuições de Autoria

1 – Ana Carolina Angote

 Planejamento do projeto de pesquisa, obtenção ou análise e interpretação dos dados.

 

2 – Maria Paula Custódio Silva

Interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

 

3 Débora de Oliveira Ferreira

Redação e revisão crítica.

 

4 – Bethânia Ferreira Goulart

Redação e revisão crítica.

 

5 Jesislei Bonolo do Amaral

Redação e revisão crítica.

 

6 Divanice Contim 

Concepção e planejamento do projeto de pesquisa, obtenção ou análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

 

Como citar este artigo

Angote AC, Silva MPC, Ferreira DO, Goulart BF, Amaral JB, Contim D. Significado da maternidade frente às hospitalizações de filhos com doenças crônicas. Rev. Enferm. UFSM. 2019 [Acesso em: Anos Mês Dia]; vol.9 e67: 1-14. DOI:https://doi.org/10.5902/2179769234944