Rev. Enferm. UFSM - REUFSM

Santa Maria, RS, v. 10, e3, p. 1-16, 2020

DOI: 10.5902/2179769233504

ISSN 2179-7692

 

Submissão: 06/07/2018    Aprovação: 25/10/2019    Publicação: 07/01/2020

Artigo Original 

 

Insuficiência cardíaca: avaliação e comparação do conhecimento da doença em pacientes ambulatoriais x hospitalizados

Heart failure: assessment and comparison of disease knowledge in outpatient vs. hospitalized patients

Insuficiencia cardíaca: evaluación y comparación del conocimiento de la enfermedad en pacientes ambulatorios versus pacientes hospitalizados

 


Jalusa Löbel da LuzI

Priscila Freitas KuczynskiII

Maria Antonieta MoraesIII

Juliane Araújo RodriguesIV

Marco Aurélio Lumertz SaffiV

Karen Brasil RuschelVI

 

I Enfermeira Assistencial. Fundação de Saúde Pública de Novo Hamburgo – RS, Brasil.   E-mail: jalusalobel@hotmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0538-3314

II Enfermeira Assistencial. Hospital Nossa Senhora Aparecida – Camaquã, RS, Brasil. E-mail: prika_Donfa@hotmail.com, ORCID:  https://orcid.org/0000-0001-9865-8369

III Enfermeira. Doutora. Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia (ICFUC) - Porto Alegre, RS, Brasil.  E-mail: antonieta_moraes@uol.com.br; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1559-1056

IV Enfermeira. Mestre. Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia (ICFUC) -Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: juliane_a.r@hotmail.com, ORCID:  https://orcid.org/0000-0003-2592-4157

V Enfermeiro. Doutor. Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) - Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: marco.saffi@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8232-3310

VI Enfermeira. Doutora. Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS) / Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA); Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia (ICFUC) - Porto Alegre, RS, Brasil.

    E-mail: karenbruschel@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0812-920X

                                                                  

 

Resumo: Objetivo: avaliar e comparar o conhecimento da doença entre os pacientes com Insuficiência Cardíaca (IC) em um hospital especializado em cardiologia. Método: trata-se de um estudo transversal. Foi aplicado um questionário de conhecimento da doença validado, além de dados sociodemográficos e um questionário de avaliação cognitiva. Os pacientes foram divididos em dois grupos, os do ambulatório de IC (GA) e os hospitalizados nas unidades de internação clínica (GI). Os pacientes que somaram entre 51-57 pontos (escore) tiveram classificação ótima de conhecimento. Resultados: a amostra foi de 98 pacientes, 49 no GA e 49 no GI, maioria do sexo masculino, idade média de 62 ± 14 anos. No GA, 51% apresentou nível aceitável de conhecimento e no GI, 55% apresentou pouco conhecimento. Conclusão: o conhecimento da IC entre pacientes ambulatoriais e internados foram diferentes e subótimos. Atividades de educação desenvolvidas pela equipe multiprofissional podem contribuir para melhor conhecimento da doença.

Descritores: Insuficiência cardíaca; Conhecimento; Enfermagem

 

Abstract: Objective: to evaluate and compare the knowledge of the disease among patients with heart failure (HF) in a hospital specialized in cardiology. Method: this is a cross-sectional study. A validated questionnaire about knowledge of disease was applied, as well as sociodemographic data and a cognitive assessment questionnaire. The patients were divided into two groups, those of the HF outpatient clinic (OC) and those hospitalized in the inpatient units (IU). Patients who scored between 51-57 points (score) had a great knowledge rating. Results: the sample was 98 patients, 49 in OC and 49 in IU, mostly male, mean age 62 ± 14 years. In OC, 51% had acceptable level of knowledge and in IU, 55% had poor knowledge. Conclusion: the knowledge of HF among outpatients and inpatients was different and suboptimal. Education activities developed by the multiprofessional team can contribute to better knowledge of the disease.

Keywords: Heart Failure; Knowledge; Nursing

 

Resumen: Objetivo: evaluar y comparar el conocimiento de la enfermedad entre pacientes con insuficiencia cardíaca (IC) en un hospital especializado en cardiología. Método: este es un estudio transversal. Se aplicó un cuestionario validado de conocimiento de la enfermedad, así como datos sociodemográficos y un cuestionario de evaluación cognitiva. Los pacientes se dividieron en dos grupos, los de la clínica ambulatoria de IC (CA) y los hospitalizados en las unidades de hospitalización (UH). Los pacientes que obtuvieron entre 51-57 puntos (puntuación) obtuvieron una calificación de conocimiento óptima. Resultados: la muestra fue de 98 pacientes, 49 en CA y 49 en UH, en su mayoría hombres, edad media 62 ± 14 años. En CA, el 51% tenía un nivel de conocimiento aceptable y en UH, el 55% tenía poco conocimiento. Conclusión: el conocimiento de la IC entre pacientes ambulatorios y pacientes internos fue diferente y subóptimo. Las actividades educativas desarrolladas por el equipo multiprofesional pueden contribuir a un mejor conocimiento de la enfermedad.

Descriptores: Insuficiencia Cardíaca; Conocimiento; Enfermería


 

 

Introdução   

            A Insuficiência Cardíaca (IC) é o estágio final da maioria das doenças cardiovasculares, sendo comumente descrita como a falência da bomba cardíaca e como uma doença de alto custo hospitalar.1 Números recentes da American Heart Association (AHA) estimaram que 6,5 milhões de americanos com idade superior a 20 anos foram diagnosticados com IC, no período entre 2011 a 2014. Projeções mostram que esta prevalência aumentará 46% até o ano de 2030.2 No Brasil, pacientes com IC aguda apresentam uma mortalidade intra-hospitalar de aproximadamente 13%.3

            As elevadas taxas de readmissão hospitalar por exacerbação da IC poderiam ser minimizadas por meio de estratégias de educação em saúde. Estas, englobam medidas de intervenção não farmacológicas que visam a melhora do conhecimento e do autocuidado da doença.4 Em diferentes cenários (orientações em ambulatório, no domicílio, por telefone ou a beira do leito nas unidades de internação), as intervenções educacionais de forma multiprofissional tem sido bastante utilizadas, buscando reduzir a não-adesão ao tratamento,  o número elevado de internações hospitalares e as comorbidades associadas à IC.5 A visita domiciliar e o contato telefônico são intervenções alternativas já estabelecidas na literatura que melhoram estes escores.6

Este esforço conjunto, paciente e equipe multiprofissional pode contribuir para uma qualidade de vida melhor, ou ao menos a manutenção de um comportamento adequado de saúde. Entretanto, mesmo em hospitais de referência há lacunas relativas à prescrição e orientação sobre restrição hídrica e de sal, controle do peso, reconhecimento precoce de sinais e sintomas de descompensação da IC, o que impacta diretamente no conhecimento e adesão ao tratamento.7

A educação em saúde pode ser definida como um processo pelo qual o profissional de saúde transmite aos pacientes informações que irão alterar o seu comportamento de saúde ou melhorar o seu estado.8 Assim, a implementação de atividades de educação aliadas ao tratamento farmacológico otimizado, procuram reduzir as taxas de admissão e readmissão hospitalar que seguem elevadas ao longo dos anos.9

Entretanto, nos diferentes cenários hospitalares em que os pacientes com IC circulam como ambulatório multidisciplinar específico, onde as orientações são sistematizadas por meio de protocolos definidos, e durante a hospitalização por descompensação da doença. Questiona-se  há diferença no conhecimento da doença entre estes pacientes?     

            Nessa perspectiva, este estudo foi desenvolvido com o intuito de avaliar e comparar o conhecimento da doença entre os pacientes com Insuficiência Cardíaca (IC) em um hospital especializado em cardiologia.

                                                    

Método

Trata-se de um estudo transversal, prospectivo, realizado no ambulatório de IC e nas unidades de internação clínica de um hospital especializado em cardiologia, no período de novembro de 2015 a abril de 2016.

Os pacientes foram divididos em dois grupos. Grupo ambulatorial (GA) e grupo internação (GI). Foram incluídos pacientes com diagnóstico de IC, de ambos os sexos, maiores de 18 anos.  No GA, os pacientes estavam em acompanhamento no ambulatório de IC da instituição e havia no prontuário o registro da presença no ambulatório em pelo menos duas consultas. Os pacientes do GI estavam hospitalizados nas unidades de internação clínica, tendo diagnóstico de IC há no mínimo um ano da admissão.

Foram excluídos os pacientes hospitalizados que realizavam acompanhamento no ambulatório e/ou em condição clínica instável no momento da alocação no estudo. Além disso, pacientes com sequelas neurológicas ou déficit congnitivo impossiblitado de responder aos questionários também foram excluídos.  Os pacientes foram convidados aleatoriamente a participar do estudo de forma individual pelas pesquisadoras, de segunda a sexta para o GI e uma vez na semana no ambulatório de IC.

Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram coletados dados clínicos e demográficos, incluindo a avaliação da classe funcional pela New York Heart Association (NYHA), aplicado o questionário de avaliação cognitiva (Mini-Mental State - MMSE)10 e o questionário de conhecimento para pacientes com IC.11

A classificação funcional de acordo com a NYHA foi utilizada para descrever a gravidade dos sintomas da IC. Ela se baseia na capacidade do paciente em tolerar o exercício e varia desde a ausência de sintomas até a presença de sintomas em repouso (I-IV). Pacientes em classe I estão assintomáticos, pacientes em classe II apresentam sintomas leves, classe III estão com sintomas moderados e classe IV tem sintomas graves.5

O MMSE é uma escala de avaliação cognitiva amplamente utilizada, validada e adaptada para a população brasileira Estratificada em vários domínios, este instrumento quantifica as questões do seu escore que pode variar entre 0 - 30 pontos. O ponto de corte de declínio cognitivo é de 23/24 pontos. O estudo utilizou esta escala para controlar um possível fator de confusão na análise do conhecimento.12

O questionário de avaliação de conhecimento, foi construído e validado por pesquisadores da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),11 sendo composto por 19 questões, contendo quatro alternativas de múltipla escolha, sendo uma resposta correta; uma incompleta; uma errada e uma alternativa com a opção “não sei”.

A pontuação do questionário é realizada da seguinte forma:

·        “0” para as alternativas erradas e não sei

·        “1” ponto para a alternativa incompleta

·        “3” pontos para a alternativa correta

Seguindo esse critério, o escore máximo fica entre 51 - 57 pontos, classificados como ótimo conhecimento. O índice de acerto mínimo (< 17) são classificados como conhecimento insuficiente.

O Quadro 1 demonstra a classificação do nível de conhecimento.

Soma dos Escores

%

Classificação

51 – 57

90 - 100

Ótimo

40 – 50

70 - 89

Bom

29 – 39

50 - 69

Aceitável

17 – 28

30 - 49

Pouco conhecimento

< 17

<30

Conhecimento insuficiente

Quadro 1 - Classificação do nível de conhecimento do paciente segundo escore.

 

Os dados foram analisados através de estatística descritiva e analítica, utilizando o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão para aquelas com distribuição normal ou com mediana e percentis 25-75 para distribuição não normal.

As variáveis categóricas foram descritas com frequências absolutas (n) e relativas (%). As comparações entre os grupos foram realizadas utilizando o Teste t para dados independentes de variáveis contínuas e o Teste qui-quadrado ou Teste exato de Fisher para valores categóricos. Para análise das variáveis “escolaridade” e “avaliação cognitiva” foi realizada a regressão linear múltipla.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição, sob o número CAAE 5123/15, em 1 de outubro de 2015, de acordo com a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Resultados

      No total 98 pacientes foram analisados, sendo 49 no GA e 49 no GI, dois pacientes se recusaram a participar. A maioria do sexo masculino, com idade média de 62±14 anos. A classe funcional foi estratificada de acordo com a NYHA. No GA a classe I mostrou-se mais prevalente correspondendo a 47% da amostra, enquanto 61% do GI apresentavam-se na classe funcional III. Em relação à avaliação cognitiva, 76 pacientes nos dois grupos, apresentaram escores inferiores ao ponto de corte (<24 pontos), no entanto não diferentes estatisticamente (P=0,146). As demais características estão demonstradas na Tabela 1.

 

Tabela 1 – Características demográficas e clínicas dos pacientes do Grupo Ambulatorial e Grupo Internação. Porto Alegre, RS, 2016.

Características

Grupo Ambulatorial

n=49

Grupo Internação

n=49

P

Idade, anos*

57±13

66±13

0,002

Sexo, masculino

37(75)

32(65)

0,269

Escolaridade (anos de estudo)

8

 

> 8

 

34(69)

 

15(31)

 

38(78)

 

11(22)

0,360

 

 

Tempo diagnóstico, anos

1-2

2-5

> 5

 

7(14)

10 (20)

32(65)

 

5(10)

13(26)

31(63)

0,691

 

 

 

Classe Funcional

 

 

<0,001

I

23(47)

0(0)

 

II

12(24)

8(16)

 

III

14(29)

30(61)

 

IV

0(0)

11(22)

 

Fração de ejeção do VE (%)*

45+20

42+17

0,489

Avaliação cognitiva (<24 pontos)

35(71)

41(84)

0,146

Comorbidades

Hipertensão Arterial Sistêmica(HAS)

 

35(71)

 

41(84)

 

0,146

Diabetes Mellitus(DM)

18(37)

23(47)

0,306

Infarto Agudo do Miocárdio

14(29)

12(24)

0,647

Dislipidemia

12(24)

18(24)

0,188

Doença Arterial Coronária

11(22)

12(24)

0,812

Fibrilação Atrial

8(16)

8(16)

1,000

Acidente Vascular Encefálico

7(14)

5(10)

0,538

Obesidade

6(12)

7(14)

0,766

Depressão

6(12)

9(18)

0,400

Insuficiência Renal

5(10)

8(16)

0,372

Doença Pulmonar Obstrutiva

2(4)

6(12)

0,140

* Média ± desvio-padrão; n (%); Teste x2 de Pearson (Qui-quadrado). VE: ventrículo esquerdo. Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

 

            Na avaliação do conhecimento da doença, o escore do GA foi considerado “aceitável” na maioria dos pacientes incluídos (51%), em contrapartida, no GI 55% da amostra apresentou o escore de “pouco conhecimento” (Figura 1).

Teste x2 de Pearson (Qui-quadrado). Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

Figura 1 – Escores de conhecimento da doença para pacientes com IC. Porto Alegre, RS, 2016.

 

            Na tabela 2 são explorados os resultados dos pacientes estratificados por escolaridade e os escores de conhecimento da doença, independente do grupo de alocação. No grupo <8 anos o escore “pouco conhecimento” apresentou uma prevalência de 43%, enquanto que no grupo >8 anos 54% da amostra foi qualificado no escore “bom”.

 

Tabela 2 – Escores de conhecimento da doença de acordo com os anos de estudo. Porto Alegre, RS, 2016.

Escore*

 

Escolaridade

 (<8 anos de estudo)

n=72

Escolaridade

 (>8 anos de estudo)

n=26

 

Ótimo (> 50)

0(0)

1(4)

 

Bom (40 - 50)

6(8)

14(54)

 

Aceitável (29 - 39)

29(40)

7(27)

 

Pouco conhecimento (17 - 28)

31(43)

4(15)

 

Insuficiente (< 17)

6(8)

0(0)

 

P

 

 

<0,001

    *n (%); Teste x2 de Pearson (Qui-quadrado).

               

Os pacientes com declínio cognitivo (< 24 pontos), avaliado pelo questionário MMSE apresentaram uma média de 29+10 pontos no escore de conhecimento da IC. Os com pontuação > 24, a média foi de 35+8 pontos (P=0,010). Dados na figura 2.

 

Teste t. Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

Figura 2 – Escores de conhecimento da doença para pacientes com IC de acordo com a avaliação cognitiva. Porto Alegre, RS, 2016.

 

            A regressão linear múltipla foi utilizada para verificar se as variáveis “escolaridade” e “avaliação cognitiva” estão relacionadas com o “grupo do estudo”. A análise resultou em um modelo estatisticamente significativo [F(3,94) = 27,949; P<0,001; R2 = 0,471]. A “escolaridade”  (ß = 0,454; t = 6,018; P<0,001) e a “avaliação cognitiva” (ß = 0,169; t = 2,232; P<0,028) são previsores do “grupo de estudo”. A equação que descreve esta relação é:  grupo de estudo= 20,331 + 4,169.(avaliação cognitiva) + 10,553.(ano de estudo).

 

Discussão

            Este estudo avaliou e comparou o conhecimento dos pacientes com IC a cerca de sua doença em um hospital especializado em cardiologia. Demonstrou-se que os pacientes que foram acompanhados no ambulatório de IC apresentaram melhor conhecimento em relação aos que estavam internados por descompensação da doença. Esses resultados confirmam os dados da literatura de que o seguimento e orientação por equipe especializada em ambulatório de cardiologia apresentam melhor desempenho quanto ao conhecimento da IC e autocuidado.13

            Segundo o estudo que revisou os cenários de educação para pacientes com IC, o processo educativo pode ocorrer durante a internação, nas atividades ambulatoriais ou no domicilio, sendo trabalhada de forma separada ou associada, pois o foco é minimizar a exacerbação da doença, as taxas de reinternações, melhorar a qualidade de vida e o autocuidado. Porém, os dados da literatura apontam que ainda não há estudos  definitivos que assegurem qual o cenário ideal para realizar as atividades educativas em pacientes com IC.14

            Resultados de um outro trabalho com população e desenho semelhante ao estudado, porém, com uma amostra inferior, evidenciou que 40% dos pacientes não sabem o que é IC. Além disso, um terço desta amostra já tinham ouvido falar na doença antes do diagnóstico.15 Estes resultados ficam mais robustos quando avaliaram-se os pacientes idosos e com um baixo nível de escolaridade, em que percebeu-se que estas variáveis podem contribuir negativamente no conhecimento da doença, assim como nos comportamentos de autocuidado e qualidade de vida.16-17

            No presente estudo, a maioria dos pacientes apresentaram um tempo de escolaridade < 8 anos. Quando comparados àqueles com maior grau de ensino (>8 anos de estudo), estes revelaram melhores escores de conhecimento. Nesta mesma linha, os pacientes com declínio cognitivo, independente do grupo que foram alocados mostraram um escore de conhecimento significativamente pior.

            O baixo nível de instrução e a baixa renda apresentam-se como fatores de risco e/ou agravantes tanto para a descompensação da IC quanto para a reinternação hospitalar.18 Apesar disso, estratégias de intervenção educativa sistemática de enfermagem mostram-se eficazes na redução destes desfechos no cenário da IC.19 Por exemplo, um ensaio clínico randomizado conduzido com pacientes hospitalizados por descompensação da IC e com diagnóstico de déficit cognitivo leve,  apresentou escores de conhecimento da doença significativamente aumentados no grupo intervenção em 30 dias após a alta (Intervenção=11,27 para 11,85 vs. Controle=11,21 para 11,22; P<0,001).20

            Em outro estudo que comparou pacientes que receberam uma intervenção com estratégias sistemáticas e individualizadas versus pacientes que receberam orientação usual, foi demonstrada uma tendência de que o modelo aplicado de promoção da educação em saúde seja eficaz no alívio dos sintomas de depressão, aprimorando o automonitoramento e melhorando a qualidade de vida de pacientes idosos com ICC.21 Contudo, há lacunas neste cenário que não estabelecem a intensidade, a frequência e a duração destas intervenções.

            Na análise multivariada, somente as variáveis “escolaridade” e “avaliação cognitiva” permaneceram associadas ao grupo de estudo. Na comparação, um estudo que avaliou os aspectos comportamentais na IC (adesão, estilo de vida, controle da dieta), apenas a restrição de líquidos e o controle do peso foram relacionados a mais conhecimento da doença.22

Um aspecto a ser observado e que está interligado a diminuição cognitiva, é a maior idade dos pacientes no grupo internação. Em registro brasileiro de IC, publicado no Brasil,3 os resultados apontam para uma população admitida nos hospitais por descompensação da doença predominantemente idosa nas regiões sul e sudeste do país. Associado ao menor nível de conhecimento da doença neste grupo, também observou-se um percentual elevado de pacientes com HAS e DM, dado este que se assemelha com os encontrados no registro brasileiro de IC.

Considerando este cenário de pacientes idosos, que apresenta comprometimento cognitivo, tem múltiplas comorbidades o que acarreta em uma polifarmácia, a necessidade de um manejo de enfermagem com diferentes estratégias educativas e que contemple todos estes fatores se faz necessária.

O paciente com IC deve ser considerado complexo e que requer um plano de cuidados individualizado, incluindo a familia e os cuidadores como partes do processo, independentemente do local onde será atendido.

 

Conclusão

            Os resultados do presente estudo revelaram que os escores de conhecimento da IC entre pacientes pertencentes a um ambulatório especializado foram superiores aqueles internados por descompensação. Embora o conhecimento seja sub-ótimo no grupo ambulatorial, sugere-se que atividades de educação desenvolvidas pela equipe multiprofissional seja sistemática e contínua. Assim, a possibilidade de melhora no conhecimento da doença torna-se mais promissora. A análise do perfil da população estudada tanto no nível educacional quanto no grau cognitivo mostrou-se significativamente diferente quando os escores de conhecimento da doença foram avaliados.

            O enfoque das intervenções de enfermagem visando mudanças comportamentais de autocuidado, adesão e conhecimento devem estar presentes na prática clínica do enfermeiro, independente do local de atuação.  Durante a hospitalização os pacientes devem ser abordados quanto ao conhecimento da doença, orientação para auto-cuidado e preparo para a alta-hopitalar logo após estabilização do quadro agudo.

Este estudo teve algumas limitações, que devem ser mencionadas. Tratou-se de um estudo transversal com número pequeno de pacientes, sugere-se que novas pesquisas sejam desenvolvidas com delineamento mais robusto para sugerir intervenções efetivas para a prática clínica. Além disso, na aplicação do questionário aos pacientes hospitalizados, identificaram-se limitações do instrumento a esta população. O questionário se torna extenso para os pacientes com condição clínica comprometida, principalmente para os pacientes mais sintomáticos, em classe funcional III e IV (NYHA).

 

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Autor correspondente

Dr.ª Karen Brasil Ruschel

E-mail: karenbruschel@gmail.com

Endereço: Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS)/Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Avenida Ramiro Barcelos, 2350 – Porto Alegre, RS

CEP: 90035-903

 

 

Contribuições de Autoria

1 – Jalusa Löbel da Luz

Contribuições: concepção e planejamento do projeto de pesquisa, obtenção dos dados, redação do artigo.

 

2 – Priscila Freitas Kuczynski

Contribuições: concepção e planejamento do projeto de pesquisa, obtenção dos dados, redação do artigo.

 

3 – Maria Antonieta Moraes

Contribuições: planejamento do projeto de pesquisa, interpretação dos dados, revisão crítica do artigo.

 

4 – Juliane Araújo Rodrigues

Contribuições: concepção e planejamento do projeto de pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação do artigo.

 

5 – Marco Aurélio Lumertz Saffi

Contribuições: planejamento do projeto de pesquisa, interpretação dos dados, revisão crítica do artigo.

 

6 –Karen Brasil Ruschel

Contribuições: concepção e planejamento do projeto de pesquisa, análise e interpretação dos dados, revisão crítica do artigo.

 

 

Como citar este artigo

Luz JL, Kuczynski PF, Moraes MA, Rodrigues JA, Saffi MAL, Ruschel KB. Insuficiência cardíaca: avaliação e comparação do conhecimento da doença em pacientes ambulatoriais x hospitalizados. Rev. Enferm. UFSM. 2020 [Acesso em: Anos Mês Dia];vol.10, e3: 1-16. DOI:https://doi.org/10.5902/2179769233504