Rev. Enferm. UFSM - REUFSM

Santa Maria, RS, v. 9, e42, p. 1-16, 2019

DOI: 10.5902/2179769226945

ISSN 2179-7692

 

Submissão: 07/05/2017    Aprovação: 14/08/2019    Publicação: 14/10/2019

Artigo Original  

 

Padrão de consumo de álcool entre trabalhadores de um colégio técnico-agrícola:  estudo transversal

Pattern of alcohol consumption among workers of a technical-agricultural college:  transversal study

Patrón de consumo de alcohol entre los trabajadores de una escuela técnica agrícola: investigación transversal

 


Lorena Sousa SoaresI

Manuela Paz Melo e SilvaII

Ruth Cardoso RochaIII

Grazielle Roberta Freitas da SilvaIV

Lídya Tolstenko NogueiraV

Maria do Livramento Fortes FigueiredoVI

 

I Enfermeira. Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Professora adjunta nível I do curso de Medicina da Universidade Federal do Piauí, Parnaíba, Piauí, Brasil. 

 E-mail: lorenacacaux@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0050-3957

II Enfermeira. Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Floriano, Piauí, Brasil. E-mail: manu_pms16@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0766-2467

III Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Docente do Curso de Enfermagem (Campus Amílcar Ferreira Sobral) Universidade Federal do Piauí.

    Floriano, Piauí, Brasil. E-mail: ruthbioenf@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6702-6844

IV Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do curso de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Teresina, Piauí, Brasil.

   E-mail:grazielle_roberta@yahoo.com.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0402-6801

V Doutora em Enfermagem. Professora Associada, Departamento de Enfermagem. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Teresina, Piauí, Brasil.

   E-mail: lidyatn@gmail.com. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4918-6531

VI Enfermeira. Doutora. Professora da Graduação e Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: liff@ufpi.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4938-2807

 

 

Resumo: Objetivo: traçar o padrão de consumo de álcool entre trabalhadores de um colégio técnico-agrícola de uma cidade nordestina brasileira. Método: pesquisa quantitativa, transversal e descritiva com 30 trabalhadores, com amostragem censitária. Elencou-se como critérios de elegibilidade: ser servidor público concursado na instituição e com vínculo empregatício de, pelo menos, seis meses. A coleta ocorreu por meio da aplicação do Teste para Identificação de Problemas relacionados ao Uso de Álcool e os dados foram analisados por meio de estatística descritiva. Resultados: verificou-se que 73% dos trabalhadores consumiram álcool nos últimos 12 meses; que o maior padrão de consumo de risco e nocivo ocorreu entre homens, com idades entre 30 e 39 anos, casados, com pós-graduação completa, com renda entre três e cinco salários mínimos. Conclusões: o padrão de consumo de álcool identificado foi de que os participantes consumiram bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses com padrão de risco e nocivo.

Descritores: Alcoolismo; Transtornos Relacionados ao Uso de Álcool; Saúde do trabalhador; Enfermagem do trabalho

 

Abstract: Objective: to draw the pattern of alcohol consumption among workers of a technical-agricultural college in a Brazilian northeastern city. Method: a quantitative, transversal and descriptive research with 30 workers, with census sampling. It was listed as eligibility criteria: to be a public servant who has been a bankrupt in the institution and who has been employed for at least six months. The collection took through the application of the Test for Identification of Problems related to the Use of Alcohol and the data were analyzed by means of descriptive statistics. Results: it was found that 73% of the workers have used alcohol in the last 12 months, above the national average. That the highest pattern of risk and harmful consumption occurred among men, aged between 30 and 39 years, married, with a full postgraduate studies, with income between three and five minimum wages. Conclusion: the pattern of alcohol consumption identified was that the participants consumed alcoholic beverages in the last 12 months with a risk and harmful pattern.

Descriptors: Alcoholism; Alcohol-Related Disorders; Occupational Health; Occupational Health Nursing

 


 

Resumen: Objetivo: dibujar el patrón de consumo de alcohol entre los trabajadores de una escuela técnica agrícola, en una ciudad del nordeste brasileño. Método: se realizó una investigación cuantitativa, transversal y descriptiva con 30 trabajadores, con muestreo censal. Se definió como criterios de elegibilidad: ser servidor público concursado en la institución y con vínculo laboral de al menos seis meses. La recolección ocurrió mediante la aplicación de la prueba para Identificación de Problemas relacionados con el consumo de alcohol y los datos fueron analizados mediante estadística descriptiva. Resultados: se encontró que el 73% de los trabajadores han usado alcohol en los últimos 12 meses, por encima de la media nacional; el mayor patrón de consumo de riesgo y perjudicial ocurrió entre los hombres, de edades comprendidas entre 30 y 39 años de edad, casados, con estudios de postgrado completo, con ingreso mensual entre tres y cinco salarios mínimos. Conclusión: el patrón de consumo de alcohol identificado fue que los participantes consumieron bebidas alcohólicas en los últimos 12 meses con un patrón de riesgo y perjudicial.

Descriptores: Alcoholismo; Transtornos Relacionados con Alcohol; Salud Laboral; Enfermería del Trabajo.

 

Introdução

Estima-se que o consumo abusivo de bebidas alcoólicas é responsável por 3,8% do índice de mortalidade mundial, ocupando a terceira posição entre os principais fatores de risco de saúde no mundo. Além disso, considera-se o alcoolismo um dos principais fatores de risco para transtornos neuropsiquiátricos, dependência, depressão, ansiedade e doenças não-transmissíveis, como neoplasias e doenças cardiovasculares.1

Dados revelam que o consumo de álcool no Brasil supera a média mundial, enquanto o consumo médio para pessoas acima de 15 anos é de 6,2 litros por ano, no Brasil, corresponde a 8,7 litros por pessoa anualmente. Além disso, o país apresenta taxas de consumo superiores a mais que 140 países, ocupando a 53ª entre os que mais consomem álcool no mundo. As projeções para o ano de 2025 é de que o consumo voltará a aumentar, chegando a 10,1 litros por ano por pessoa. Nesse sentido, a taxa mundial de pessoas que já fizeram, em algum momento da vida, uso excessivo de bebidas alcoólicas é de 7,5% e já no Brasil, esse percentual ascende para 12,5%, índice de 5% a mais em relação à taxa global.2

No que diz respeito ao ambiente laboral, outros pesquisadores corroboram que o alcoolismo é mundialmente considerado um problema de saúde pública, caracterizado pelo prejuízo na qualidade de vida, sendo a terceira causa de absenteísmo no trabalho, a causa mais frequente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho e a oitava causa de concessão de auxílio-doença pela Previdência Social brasileira.3 Acarreta, sobretudo, atrasos, presenteísmo, desperdícios de materiais, conflitos com colegas de trabalho, reações exageradas e agressivas às críticas, sonolência e queda da produtividade. Isto pode implicar em comprometimento na quantidade e qualidade do serviço prestado pelo trabalhador, equipe de trabalho e empresa.4-5

Um estudo realizado na região nordeste do Brasil mostrou o perfil sociodemográfico de dependentes de bebidas alcoólicas atendidos por um Centro de Atenção Psicossocial e identificou que 88,9% eram do sexo masculino; 50,2% solteiros; 87,6% com idade entre 19 e 59 anos e 48,6% empregados. Estes dados assinalam que a faixa etária (19 a 59 anos) em que o abuso de álcool é predominante, coincide com a idade produtiva do indivíduo, ou seja, o período no qual está inserido no mercado de trabalho. Aponta-se ainda que quase metade da amostra possuía vínculo empregatício, o que potencializa a relação entre alcoolismo e trabalho.6

A partir do exposto elaborou-se a seguinte questão: Como se apresenta o padrão de consumo de álcool entre trabalhadores de um colégio técnico-agrícola de uma cidade nordestina brasileira? Assim, o objetivo é traçar o padrão de consumo de álcool entre trabalhadores de um colégio técnico-agrícola de uma cidade nordestina brasileira.

Método

Trata-se de uma pesquisa quantitativa, transversal, descritiva, realizada num colégio técnico-agrícola localizado dentro de um campus universitário do nordeste brasileiro. O colégio tem 30 anos de funcionamento e oferece os cursos de técnico em enfermagem, técnico em agropecuária, técnico em informática e técnico em vigilância sanitária, além do ensino médio regular.

A população do estudo foram todos os funcionários técnicos-administrativos e os professores que totalizavam 58 indivíduos, sendo que 22 eram técnicos-administrativos e 36 professores. Para seleção dos participantes foi utilizada a amostragem censitária e a amostra foi composta por 30 trabalhadores, pois foram excluídos 28 indivíduos que não seguiam os critérios de elegibilidade: ser servidor público concursado na instituição e com vínculo empregatício de, pelo menos, seis meses.

O período da coleta dos dados foi de setembro a novembro de 2015 e ocorreu por meio da aplicação de questionário individual, anônimo, autoaplicável e padronizado denominado “Teste para identificação de Problemas Relacionados ao Uso de Álcool” (AUDIT). 7-8

Tal questionário é de domínio público e consiste em dez questões a respeito do uso de bebidas alcoólicas no último ano, sintomas de dependência e problemas relacionados ao álcool. Cada questão do instrumento oferece um grupo de respostas com pontuação de 0 a 4. Nele são identificadas linhas de risco por meio de escores quantitativos: o uso de baixo risco representa a zona I com pontuação de 0 a 7; o uso de risco (zona II) para os que atingem pontuação entre 8 e 15; o uso nocivo ou zona III, para pontuações entre 16 e 19; e os sintomas de dependência que contemplam a zona IV com pontuação entre 20 ou mais.9

Além do escore do AUDIT, foram coletadas as seguintes variáveis: sexo, faixa etária, cor da pele autorreferida, escolaridade, situação conjugal, renda, religião, dados referentes ao perfil sócioeconômico e tempo de serviço na instituição; cargo de chefia e tempo no cargo de chefia e horário de trabalho e referentes ao perfil ocupacional no momento da coleta dos dados.

Os funcionários técnicos-administrativos e os professores foram convidados a participar voluntariamente do estudo. Antes da coleta, os participantes foram esclarecidos quanto aos objetivos do estudo, as etapas da pesquisa e seus benefícios previstos tanto no âmbito individual quanto coletivo, potenciais riscos e, por fim, foi solicitada assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). A coleta foi individual, privativa e ocorreu no próprio local de trabalho. A pesquisadora não interviu nas respostas dos mesmos, permaneceu próximo aos participantes apenas para esclarecer alguma dúvida que poderia surgir em relação às perguntas do questionário aplicado. Logo após, os questionários foram recolhidos, ficando sob responsabilidade da pesquisadora.

Os dados coletados foram agrupados e organizados em um banco digitado no Microsoft Office Excel. As análises descritivas consideraram frequências absolutas (n) e relativas (%).

O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Piauí (CEP/UFPI), com número de processo 1.214.351 em 2015 e a pesquisa foi conduzida de acordo com aspectos éticos e legais estabelecidos na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Ética e Pesquisa em Seres Humanos.

 

Resultados

A amostra total do estudo foi composta por 30 trabalhadores. Constatou-se que dos integrantes da pesquisa, 53,3% eram do sexo feminino, com faixa etária majoritária entre 40 e 49 anos. Quanto a cor autorreferida, 43,3% apresentaram cor pardas; 53,3% eram casados, 63,4% recebiam entre três e cinco salários mínimos; 90% eram católicos e 70% dos participantes conclui a pós-graduação completa. A caracterização do perfil socioeconômico destes trabalhadores é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1: Distribuição das variáveis socioeconômicas dos participantes do estudo. Floriano, Brasil, 2015.

Variáveis

n=30

%

 

Sexo

Masculino

 

14

 

46,7

 

Feminino

16

53,3

 

Faixa etária (anos)

 

 

 

19 a 29

6

20,0

 

30 a 39

7

23,3

 

40 a 49

8

26,7

 

50 a 59

4

13,3

 

>60

5

16,7

 

Cor autorreferida

 

 

 

Negro

6

20,0

 

Parda

13

43,3

 

Branca

9

30,0

 

Amarela

2

6,7

 

Escolaridade

 

 

 

 Ensino fundamental completo

1

3,3

 

Ensino superior incompleto

2

6,7

 

Ensino superior completo

4

13,3

 

Pós-graduação incompleto

2

6,7

 

Pós-graduação completo

21

70,0

 

Situação conjugal

 

 

 

Casado

16

53,3

 

Separado

2

6,7

 

Viúvo

3

10,0

 

Solteiro

9

30,0

 

Renda per capita

 

 

 

Um a três salários mínimos (724,00)

7

23,3

 

Entre três e cinco salários mínimos (724,00)

19

63,4

 

Entre cinco e dez salários mínimos (724,00)

4

13,3

 

Religião

 

 

 

Católica

27

90,0

 

Outras

3

10,0

 

 

Quanto ao perfil ocupacional, observa-se que 50,0% dos participantes referiu tempo de serviço de até 5 anos; 73,3 % referiram não exercer cargo de chefia no período da coleta de dados. Dos 8 participantes que exerceram cargo de chefia, 75% destacou que trabalhou neste cargo por até 5 anos. Quanto ao horário de trabalho, 76,7% referiu ser diarista, conforme Tabela 2.

Tabela 2: Distribuição das variáveis ocupacionais dos participantes do estudo. Floriano, Brasil, 2015.

Variáveis

n=30

%

Tempo de serviço (anos)

 

 

Até 5 anos

15

50,0

6 a 10 anos

4

13,3

11 a 20 anos

2

6,7

21 a 30 anos

3

10,0

>31 anos

6

20,0

Cargo de chefia (na instituição)

 

 

SIM

8

26,7

NÂO

22

73,3

Tempo de chefia  (na instituição)

 

 

Até 5 anos

6

75,0

6 a 10 anos

2

25,0

Horário de trabalho

 

 

Diarista

23

76,7

Matutino ou diurno

4

13,3

Noturno

3

10,0

 

A Tabela 3 mostra a descrição do AUDIT quanto à quantidade e à frequência de consumo de álcool pelos trabalhadores e observou-se que 66,7% afirmaram ter consumido bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses, sendo que 33,3% dos trabalhadores eram abstêmios. Não se obteve, entre os participantes, padrão de consumo de provável dependência. O consumo de bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses foi mais frequente mensalmente ou menos (23,3%) e de duas a quatro vezes por mês (23,3%), ou seja, os valores se equipararam.

Tabela 3: Distribuição do padrão do consumo de álcool dos participantes do estudo. Floriano, Brasil, 2015.

Variáveis

n=30

%

Padrão de Consumo de álcool

 

 

Abstêmios (abstêmios sem o baixo risco)

10

33,3

Consumo de baixo risco*

12

40,0

Consumo de risco

7

23,3

Consumo nocivo

1

3,4

Provável dependência

0

0,0

Frequência de Consumo

 

 

Nunca(abstêmios total)

11

36,7

Mensalmente ou menos

7

23,3

2 a 4 vezes por mês

7

23,3

2 a 3 vezes por semana

3

10,0

4 ou mais vezes por semana

2

6,7

Legenda:* padrão de consumo sem os abstêmios.

 

Quanto ao consumo de álcool de acordo com o escore AUDIT dos participantes, contatou-se nesta pesquisa que 26,7% obtiveram um padrão de consumo de álcool de risco e nocivo (Tabela 4).

Tabela 4: Distribuição do consumo de álcool de acordo com o escore do AUDIT dos participantes do estudo. Floriano, Brasil, 2015. 

 Classificação

n=30

%

Consumo de baixo risco(<8 AUDIT)

22

73,3

Consumo de risco e nocivo (≥ 8 AUDIT)

8

26,7

 

Conforme a Tabela 5, 67,7% dos trabalhadores responderam às perguntas do questionário AUDIT, relacionadas com o uso e abuso de álcool (baixo risco, risco e nocivo), sendo que foram excluídos dessa análise os servidores que responderam não ter consumido álcool nos últimos 12 meses.

Dessa forma, 45% dos trabalhadores não conseguiram parar de beber e 20% deixaram de fazer o esperado devido à bebida. Em relação à necessidade de bebida pela manhã para poder sentir-se melhor após ter bebido bastante na noite anterior, 100% dos trabalhadores responderam nunca, 25% já sentiram remorso após ter bebido e 25% foram incapazes de lembrar o que aconteceu devido à bebida.

 

Tabela 5: Distribuição da frequência e consequências do consumo de álcool dos participantes do estudo. Floriano, Brasil, 2015.

Variáveis

n=20

%

Frequência de beber sem conseguir parar

 

 

Nunca

 11

55,0

Menos que uma vez ao mês

6

30,0

Mensalmente

1

5,0

Semanalmente

0

0,0

Diariamente ou quase diariamente

2

10,0

Deixou de fazer o esperado devido à bebida

 

 

Nunca

16

80,0

Menos que uma vez ao mês

4

20,0

Mensalmente

0

0,0

Semanalmente

0

0,0

Necessidade de bebida pela manhã

 

 

Nunca

20

100,0

Menos que uma vez ao mês

0

0,0

Mensalmente

0

0,0

Semanalmente

0

0,0

Sentimento de remorso após ter bebido

 

 

Nunca

15

75,0

Menos que uma vez ao mês

4

20,0

Mensalmente

1

5,0

Semanalmente

0

0,0

Incapacidade de lembrar o que aconteceu na noite anterior por causa da bebida

 

 

Nunca

15

75,0

Menos que uma vez ao mês

4

20,0

Mensalmente

1

5,0

 

Além dos dados elencados nas tabelas no que se refere ao consumo de dose em um dia típico, foi verificado que 40% dos participantes consumiram três ou quatro doses. Destaca-se a frequência com que esses servidores consumiram cinco ou mais doses de uma vez, já que 70% referiram esse consumo com alguma frequência, dentre os quais, 50% afirmaram consumir cinco ou mais doses menos do que uma vez ao mês.

 

Discussão

A proporção de homens e mulheres no estudo foi quase equivalente, reforçando a participação das mulheres no mercado de trabalho, assumindo o papel de mantenedora da casa e das despesas domésticas. Este dado contrapõem às antigas representações sociais engendradas pelo capital simbólico que definiam que a mulher era menos capaz, o sexo frágil, que precisava de protetor, enquanto aos homens eram atribuídos a força e o poder de proteção, afirmando-os superiores.10-11 A realidade atual mostra-se muito diferente, mesmo com todos os preconceitos ainda existentes de inferioridade, as mulheres tornam-se essenciais no ambiente laboral, pois sua organização, criatividade, postura, responsabilidade e, até mesmo sua sensibilidade, passam a ser cada dia mais valorizadas.11

A amostra foi composta, em sua maioria, por trabalhadores com idade entre 40 e 49 anos e casados. Esses resultados corroboram com outros estudos9,12 que ressaltam ainda que esta população também se afirma com a maior taxa de absenteísmo aumentando, desta forma, a procura pelos serviços de atendimento à saúde do trabalhador, devido as complicações de saúde acarretadas pela idade.

No que se refere à escolaridade, observou-se que a maioria dos participantes apresentava pós-graduação completa, seguidos pelo que tinham ensino superior completo. Este dado que contata que a maioria dos técnicos administrativos cursou ensino superior. Constatou-se ainda que a maioria desses servidores tinha renda per capita entre três e cinco salários mínimos (63,4%), ou seja, parte majoritária dos trabalhadores apresentavam baixa renda em comparação com sua escolaridade, fato que remete à desvalorização do trabalhador, já que, a maioria desses servidores tem pós-graduação como, por exemplo, mestrado e doutorado. Dados semelhantes foram encontrados por outro autor, 9 no qual a renda per capita entre os trabalhadores de uma universidade do Rio de Janeiro foi de um a cinco salários mínimos.

Quanto as variáveis ocupacionais, os resultados condizem com um estudo realizado em 2010, que apresentou predomínio de servidores de uma universidade com menos de cinco anos de trabalho.13 Com isso percebe-se que, enquanto alguns têm pouco tempo de serviço e ainda estão se adaptando as demandas do emprego, a outra metade já tem muitos anos de atividades prestadas, por conta disso e da idade podem estar mais propensos a problemas relacionados ao trabalho. Quando indagados sobre cargo de chefia no momento da coleta dos dados, os resultados encontrados são reafirmados por outros pesquisadores,1 que verificaram em seu estudo realizado que a maioria dos servidores, 69,6%, eram diaristas.

Alguns estudos11,14-15 apresentam uma proporção entre 40% e 50% de abstêmios, entre eles estudo realizado no Rio de Janeiro com o objetivo de descrever e discutir a prevalência e padrão de consumo de álcool e drogas entre profissionais de saúde, estudo com objetivo de realizar levantamento de licenças médicas na UFRJ, além de uma pesquisa para o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas no ano de 2012. Neste contexto, o estudo em tela reforça a necessidade de serviço direcionado à saúde do trabalhador, já que a proporção de consumo atingiu padrões acima da média nacional, discordando de percentuais observados em outras publicações .16-17

São vários os fatores relacionados a esse aumento, dentre os quais se destacam a influência da propaganda de bebidas alcoólicas na indução deste consumo no Brasil. Estas destacam-se pela qualidade e criatividade, e associam situações prazerosas e alegres ao consumo de álcool; em que os ambientes sempre estão permeados por belas mulheres, homens realizados e situação de descontração. Tudo isso denota um poder atrativo, que induz a população a seguir em busca dessas situações sugeridas como ideais.4

Em uma pesquisa sobre depressão, estresse, ansiedade e uso de álcool entre 1.239 trabalhadores da categoria técnico-administrativa de uma universidade pública do interior do Estado de São Paulo, afirmaram que os problemas autorreferidos por uso de bebida alcoólica apresentaram associação significativa com a depressão.12 Os trabalhadores que referiram ter tido problemas decorrentes do uso de álcool apresentaram 2,76 vezes mais chances de depressão em relação aos sujeitos que não referiram essa situação.

Os resultados evidenciam que 10% dos trabalhadores consumem cinco ou mais doses de álcool, em uma ocasião, mensalmente. O consumo de bebidas alcoólicas em grande quantidade em uma única ocasião é chamado internacionalmente de bingedrinking e no Brasil, denomina-se “beber pesado episódico”. Esse tipo de comportamento é bastante perigoso, tanto para quem o praticam, quanto para as pessoas a sua volta. Este fato está intimamente atrelado à embriaguez, maior causa de danos associados ao consumo, dentre eles, acidentes automobilísticos, brigas e maior vulnerabilidade ao sexo desprotegido e às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).2

Na maioria das vezes, os trabalhadores dependentes de bebidas alcoólicas não procuram os serviços de atendimento ao trabalhador e sim as unidades de emergência já no quadro avançado da dependência, principalmente pelo fato de que, no atendimento de emergência, em geral a anamnese não identifica os aspectos laborais. A negação da dependência pode ser um dos motivos da falta de procura dos serviços de Saúde do Trabalhador. Outro fator importante é a subnotificação diagnóstica do alcoolismo crônico relacionado ao trabalho, realidade que o preconceito social estimula o mascaramento. O trabalhador pode ser afastado do trabalho após algum tempo, devido a complicações do álcool no organismo e pode vir a ser precocemente aposentado por invalidez.1,14,18

É indispensável que a sociedade e, especialmente, os profissionais de saúde desprendam-se dos estigmas sociais ligados ao consumo excessivo de álcool, deixando de tratar o alcoolismo como desvio do comportamento, ato voluntário, amoral e incorreto e passam enxergá-lo como a doença que necessita de tratamento especializado, apoio social e familiar.19

Outros dados deste estudo relacionam-se com a proporção de trabalhadores que afirmaram não conseguir parar de beber uma vez tendo iniciado o consumo (45%), reafirmando o grau de descontrole frente ao consumo de álcool. Esse padrão de descontrole chama atenção para as consequências agudas e crônicas dessa situação, dentre as quais pode-se citar a dependência, mesmo que não se tenha atingido um padrão de consumo para provável dependência.20

Apesar dos resultados não apontarem percentuais para prejuízos causados a si e a outrem pelo consumo de bebidas alcoólicas e necessidade de bebida pela manhã, 20% dos trabalhadores que consumiam álcool afirmaram ter deixado de fazer o esperado devido a bebida, pelo menos, uma vez ao mês. Essa pergunta está intimamente relacionada ao absenteísmo, já que o abuso de bebidas alcoólicas é um dos principais motivos para absenteísmo e acidentes de trabalho.14

Outro dado relevante refere-se à incapacidade de lembrar o que aconteceu na noite anterior devido à bebida, de modo que 25% dos servidores que consumiam álcool relataram com alguma frequência nos últimos 12 meses, a incapacidade de lembrar o que aconteceu. Este é um dado bastante preocupante, pois aumenta significativamente as chances de adquirir uma IST, entre elas o HIV/AIDS, assim como gravidez indesejada.2

Este valor é duas vezes maior que o encontrado em um estudo entre os servidores de uma universidade no Rio de Janeiro em 2012, onde 32,5% da população amostral afirmaram consumir cinco ou mais doses, com alguma frequência.9

 

Conclusões

O padrão de consumo de álcool entre trabalhadores de um colégio técnico-agrícola de uma cidade nordestina brasileira identificado foi de que os participantes consumiram bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses com padrão de consumo de risco e nocivo, entretanto, não se obteve entre a amostra padrão de consumo de provável dependência.

Entre as limitações desta pesquisa, destaca-se a falta de um número maior de participantes disponíveis e que se enquadrassem nos critérios delineados. Além disso, este estudo foi construído com dados de um contexto específico de uma região do Brasil sugerindo-se que deva ser desenvolvido em outras regiões.

Tendo em vista os resultados, faz-se necessário a implementação de um setor de assistência à saúde do trabalhador nesta instituição, com atendimento multiprofissional especializado, com profissionais capacitados para lidar com este e outros tipos de problemas de saúde que atingem o trabalhador, assim como, stress; desmotivação profissional que pode levar a depressão e sobrecarga de trabalho pois todos esses fatores, de alguma forma, podem estar relacionados ao uso de álcool de outras drogas.

Deve-se considerar também que ainda há muito a ser feito, principalmente, no âmbito nacional, no que tange à sensibilização da população sobre as consequências, a curto e longo prazo desse consumo, como: mudança da expectativa que a bebida está relacionada com o bem-estar e a interação social; fomentar-se uma maior divulgação das propagandas educativas sobre o risco do consumo de bebidas alcoólicas e uma fiscalização contínua desse uso, sobretudo entre a população menor de 18 anos de idade.

 

Referências

1. Brites RMR, Abreu AMM. Padrão de consumo de bebidas alcoólicas entre trabalhadores e perfil socioeconômico.  Acta Paul Enferm. 2014 [acesso em 2015 mar 15];27(2):93-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002014000200002&lng=en.  http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400018

2. Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório Mundial Sobre Álcool e Saúde. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2014 [acesso em 2015 mar 15]. Disponível em: http://www.cisa.org.br/artigo/4429/relatorio-global-sobre-alcool-saude-2014.php

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Autor correspondente

Lorena Sousa Soares

E-mail: lorenacacaux@hotmail.com

Endereço: Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Velloso. Avenida São Sebastião, 2819. Parnaíba-PI

CEP: 64.202-020

 

Contribuições de Autoria

1 – Lorena Sousa Soares

Contribuições: concepção e planejamento do projeto de pesquisa; obtenção ou análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica.

2 – Manuela Paz Melo e Silva

Contribuições: concepção e planejamento do projeto de pesquisa, obtenção ou análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

3 Ruth Cardoso Rocha

Contribuições: análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

4 Grazielle Roberta Freitas da Silva

Contribuições : análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

5 Lídya Tolstenko Nogueira

Contribuições : análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

6 Maria do Livramento Fortes Figueiredo

Contribuições: análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

 

 

Como citar este artigo

Soares LS, Silva MPM, Rocha RC. Silva GRF, Nogueira LT, Figueiredo MLF. Padrão de consumo de álcool entre trabalhadores de um colégio técnico-agrícola:  estudo transversal. Rev. Enferm. UFSM. 2019 [Acesso em: Anos Mês Dia];vol e42: 1-16. DOI:https://doi.org/10.5902/2179769226945