HOMESCHOOLING NO BRASIL E O ACESSO ÀS TECNOLOGIAS HOJE: INCLUSÃO OU EXCLUSÃO?

 

Dâmaris Ramson Fuhrmann Seling

Universidade Federal de Santa Maria

damarisfuhrmann@gmail.com

Vanessa Ribas Fialho

Universidade Federal de Santa Maria

vanessafialho@gmail.com

Jerônimo Siqueira Tybusch

Universidade Federal de Santa Maria

jeronimotybusch@ufsm.br

Alan Ricardo Costa

Universidade Federal de Roraima

alan.dan.ricardo@gmail.com

 

Resumo: Este artigo aborda o homeschooling no Brasil nos dois primeiros anos do período pandêmico de COVID-19 (2020 e 2021). Na pandemia, as tecnologias se tornaram a principal forma de acesso dos alunos aos conteúdos escolares, devido à implementação do Ensino Remoto Emergencial. Contudo, a falta de recursos tecnológicos dificultou a continuidade dos estudos de uma parcela significativa de estudantes. Assim, nosso objetivo com este artigo é refletir sobre a educação domiciliar na perspectiva da exclusão/inclusão digital, considerando em que medida o homeschooling pode ser uma prática inclusiva no Brasil. Para tanto, em termos metodológicos, desenvolvemos o presente trabalho, de caráter qualitativo e teórico-argumentativo. Para embasar as discussões propostas, recorremos a uma revisão bibliográfica, analisando diferentes perspectivas e contrapondo opiniões que contribuem para as reflexões voltadas à educação e, em especial, à exclusão e inclusão digital na atualidade. Como resultado deste estudo, apontamos para um entendimento de que a educação domiciliar pode trazer prejuízos para o desenvolvimento dos estudantes, visto que, entre outros fatores, a socialização deles pode ser prejudicada. Nesse viés, enfatiza-se ainda mais (1) a necessidade de investimentos para aprimorar a qualidade do ensino nas instituições públicas brasileiras e (2) a atenção que a sociedade carece para amenizar as desigualdades sociais, que têm reflexo também no acesso à educação de uma parcela significativa da população.

Palavras-chave: Educação Domiciliar; Tecnologias; COVID-19.

 

HOMESCHOOLING IN BRAZIL AND THE ACCESS TO TECHNOLOGIES TODAY: INCLUSION OR EXCLUSION?

 

Abstract: This article addresses the homeschooling theme in Brazil during the first two years of the COVID-19 pandemic period (2020 and 2021). During the pandemic, technological options have become the main way for students to access school content, due to the implementation of Emergency Remote Teaching. However, the lack of technological resources made it difficult for a significant part of students to continue their studies. Thus, our objective with this article is to ponder on homeschooling from the perspective of digital exclusion/inclusion, considering the extent to which homeschooling can be an inclusive practice in Brazil. In order to do that, in methodological terms, we developed this qualitative and theoretical-argumentative research. To support the proposed discussions, we resorted to a bibliographic review, analyzing different perspectives and opposing opinions that contribute to reflections on education and especially on digital exclusion and inclusion today. As a result of this study, we understand that home education can harm the development of students, since, among other factors, their socialization can be impaired. After this reflection, we emphasize even more (1) the need for investments to improve the quality of education in Brazilian public institutions and (2) the attention that society needs to have to reduce social inequalities that also reflect on access to education for a significant part of the population.

Keywords: Home Education; Technologies; COVID-19.

 

Considerações iniciais

 

Em 2019 surgiram os primeiros casos de contaminação do Novo Coronavírus (COVID-19), doença infecciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2, em Wuhan, China (ARAÚJO, 2021). Com a globalização, não demorou para a contaminação alcançar nível global e, no primeiro trimestre de 2020, chegar ao Brasil, afetando diversos setores da sociedade, impactando diretamente a educação (RIBEIRO, 2021; RODRIGUES, no prelo). Aulas presenciais foram suspensas em todas as etapas de ensino das instituições brasileiras a partir do dia 17 de março de 2020, devido à disseminação do vírus no país. Com essa decisão, profissionais da educação precisaram encontrar diferentes formas de continuar as atividades pedagógicas. Nesse contexto, o Ensino Remoto Emergencial (ERE) foi autorizado, primeiramente para o Ensino Superior; posteriormente, para a Educação Básica. A partir desse cenário, acentuou-se a questão da desigualdade no acesso aos conteúdos escolares, e a questão da qualidade da educação brasileira se complexificou em várias realidades.

Nesse mesmo panorama, no Brasil, o Projeto de Lei 3262/19, das deputadas Chris Tonietto (PSL-RJ), Bia Kicis (PSL-DF) e Caroline de Toni (PSL-SC), que consiste em uma proposta de homeschooling (educação domiciliar), foi levado à votação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados (VALADARES, 2021). Em suma, a proposta muda o Código Penal, não aplicando penalidade de crime de abandono intelectual aos pais/responsáveis que possibilitarem a modalidade de educação domiciliar ao filho em idade escolar. Qual será o posicionamento da comunidade acadêmica sobre essa proposta? De que forma trabalhos acadêmicos estão contribuindo com as discussões que podem se popularizar a partir da circulação em universidades, escolas e instituições educacionais em geral?

Cumpre elucidar: este não é um debate novo ou recente, mas, em razão da pandemia de COVID-19, as discussões ganham novos contornos sociais (SANTOS; CAVALCANTE, 2022). Ademais, esse novo cenário demanda de pesquisadores, docentes e acadêmicos em geral um posicionamento. Partimos do pressuposto, portanto, que o professor deve assumir-se enquanto sujeito político (FREIRE, 1996; 2018; LEFFA, 2016; COSTA et al., 2020) e, assim, posicionar-se sobre os rumos da docência no Brasil em todas as suas dimensões e possibilidades.

Haja vista todo o exposto, este artigo tem como objetivo problematizar a educação domiciliar na perspectiva da exclusão/inclusão digital no Brasil a partir das experiências dos tempos pandêmicos. Pretendemos responder à seguinte questão: em que medida o homeschooling pode ser considerado como uma prática inclusiva no Brasil atual? Para tanto, em termos metodológicos, desenvolvemos o presente trabalho, de caráter teórico-argumentativo e abordagem qualitativa. Não foi necessário realizar uma pesquisa de estado da arte ou de revisão sistemática, haja vista que estudo prévio (SANTOS et al., 2022) já deu conta do referido levantamento sobre pesquisas no Brasil em bases de dados como ANPEd, CAPES e BDTD. Partimos do trabalho de Santos et al. (2022) para enfocar a questão da desigualdade social subjacente ao ensino domiciliar e, visando embasar teoricamente as discussões propostas, recorremos à literatura da área, analisando diferentes perspectivas e contrapondo opiniões que contribuem para as reflexões voltadas à exclusão/inclusão digital na educação contemporânea. Recorremos mais pontualmente, portanto, aos referenciais sobre educação domiciliar e ERE, bem como estudos que versam sobre a sociedade informacional em rede. No artigo, apresentamos considerações sobre o uso das tecnologias na educação, aspectos legais do homeschooling e reflexões sobre sua (in)viabilização, com foco no cenário educacional brasileiro afetado pela pandemia de COVID-19.

Para fins de organização, depois desta seção introdutória, apresentamos uma seção que trata das Tecnologias no Ensino Remoto Emergencial, na qual tratamos das conexões entre leis, resoluções, tecnologias educacionais e práticas no ERE. Na sequência, aprofundamos o debate sobre Inclusão ou exclusão digital e, em seguida, sua correlação com o conceito de homeschooling. Nas seções seguintes, Sobre a (in)viabilização do homeschooling e Oposição ao homeschooling, ressaltamos alguns dos principais pontos de críticas à referida modalidade: as questões de desigualdade social, agravadas durante a pandemia, e a problemática da falta de interação com a sociedade, fundamental para o pleno desenvolvimento dos aprendizes no Ensino Fundamental e Médio. Finalizamos este artigo apresentando nossas Considerações finais e nosso posicionamento contrário ao ensino domiciliar no Brasil.

 

Tecnologias no Ensino Remoto Emergencial

 

Durante o ERE, as Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC) tornaram-se ainda mais populares no processo de ensino e de aprendizagem, especialmente no caso das aulas que aconteceram de forma síncrona ou assíncrona (RODRIGUES no prelo). As aulas remotas, segundo o Parecer CNE/CP Nº 5/2020, que trata da reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia da COVID-19, consistem na realização de atividades escolares de forma não presencial. Inicialmente, elas tinham o caráter emergencial, mas, com o aumento do número de casos e mortes por conta da contaminação com o vírus, muitas instituições não retornaram às aulas presenciais em 2020 (SILVA, no prelo).

A Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 2020, estabeleceu normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública, prevendo que as instituições de ensino em todo o país mantivessem as aulas remotas enquanto fosse necessário. A Resolução CNE/CP Nº 2, de 10 de dezembro de 2020, artigo 21, propôs que as atividades não presenciais, síncronas ou assíncronas regulares, on-line, fossem desenvolvidas “de acordo com a disponibilidade tecnológica e familiaridade do usuário”. Muitas famílias, todavia, não contavam com os recursos tecnológicos necessários para as aulas remotas. Tal contexto, segundo especialistas, agravou os índices de evasão escolar e prejudicou a qualidade do ensino remoto, especialmente para alunos de baixa renda. Pesquisa do Instituto Anísio Teixeira (INEP, 2021) confirma tal informação: os dados levantados mostram que, na rede pública, 98,4% das escolas federais, 97,5% das municipais e 85,9% das estaduais ficaram fechadas em 2020. Na rede privada este número ficou em torno de 70,9%.

Conforme a análise, escolas e profissionais da educação buscaram a comunicação dos professores com os alunos através de e-mails, telefones, redes sociais e aplicativos de mensagens, além das aulas síncronas e assíncronas. Aos alunos que não possuíam estes recursos foi dada a possibilidade de retirar materiais impressos nas escolas, sendo esta a opção para a maioria dos estudantes das escolas públicas (SILVA, no prelo). O levantamento do INEP também identificou a dificuldade de alguns responsáveis em auxiliar nas atividades escolares, buscando orientação dos professores através de aplicativos de interação ou telefonemas. A dificuldade de acesso e de estudar remotamente agravou os números da evasão escolar, principalmente de alunos oriundos de famílias de baixa renda.

O ERE foi uma situação imposta pela pandemia de COVID-19 (COSTA; FIALHO, 2022; RODRIGUES, no prelo; FIALHO; COSTA; BEVILÁQUA, no prelo), na qual os professores tiveram que transferir e transpor “metodologias e práticas pedagógicas típicas dos territórios físicos de aprendizagem” (MOREIRA; HENRIQUES; BARROS, 2020, p. 352). Os estudantes também se viram impactados por um ensino mediado pelas tecnologias digitais, quando possível, independentemente de suas condições de aprendizagem neste formato. Cumpre destacar que, com relação ao uso de tecnologias para ensinar, é importante pensarmos em dar um passo adiante ao ERE em direção a “uma educação digital em rede de qualidade” (MOREIRA; HENRIQUES; BARROS, 2020, p. 352).

De modo geral, uma educação digital em rede (CASTELLS, 1999; 2003; COSTA, 2016) prima pela promoção de “práticas pedagógico-didáticas ativas e construtivistas, que sustentem um conhecimento coletivo e uma aprendizagem colaborativa” (MOREIRA; HENRIQUES; BARROS, 2020, p. 355). Nesse sentido, para que tenhamos uma educação digital de qualidade e em consonância com os recursos digitais em rede atuais, precisamos ter

envolvimento profundo dos diferentes atores que nela participam, quer na definição dos objetivos e percursos de aprendizagem da comunidade, quer também nas relações de proximidade construídas nas colaborações entre pares que sustentam os processos de inovação e criação do novo conhecimento (MOREIRA; HENRIQUES; BARROS, 2020, p.355).

 

Percebemos aqui, portanto, um alinhamento para uma educação por pares, que indica a colaboração possível através de ferramentas digitais. Essa colaboração e formação de comunidades de ajuda mútua e compartilhamento entre pares, mesmo em tempos de pandemia, é possível (e desejável) na educação (FIALHO; COSTA; BEVILÁQUA, no prelo). A educação digital em rede, na atualidade, pode ter sua qualidade potencializada quando efetivamos princípios de colaboração em massa e formação de comunidades, mesmo no ERE, a partir de professores e alunos que não só se encontram virtualmente em um ambiente virtual de aprendizagem ou rede social, mas vão além, compartilhando, interagindo, (co)produzindo materiais didáticos e recursos em colaboração e atuando na perspectiva dos aforismos “doa quem pode, pega quem precisa” e “juntos somos mais” (FIALHO; COSTA; BEVILÁQUA, no prelo).

 

Inclusão ou exclusão digital?

Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?

- Paulo Freire.

 

A massificação das TIC gerou um grande impacto na sociedade contemporânea, trazendo mudanças nas relações econômicas, humanas e sociais, o que Castells (1999) conceitua como virtualidade real. Sabemos, portanto, que apesar das comunicações síncronas ou assíncronas terem favorecido muitas transformações na seara da Educação, os recursos digitais não chegaram de maneira equânime para todas as pessoas.

Com efeito, Castells (2003) atenta para o fato de elas terem acentuado ainda mais as desigualdades, especialmente entre produtores e utilizadores de conteúdos midiáticos, características do sistema de comunicação interativo emergente. Essa preocupação já constava também na obra de Paulo Freire (1984; 1996), Patrono da Educação Brasileira, que não se eximiu de pensar o papal das tecnologias e sua importância social no fazer pedagógico (ALENCAR, 2005; COSTA et al., 2020). Em seu estudo sobre o pensamento de Freire e as tecnologias, Alencar (2005) observa que, embora o pedagogo recifense não tenha conhecido a internet atual e as tecnologias contemporâneas, aceitou o desafio de conhecer e pensar criticamente os recursos tecnológicos de seu tempo, sem divinizações nem diabolizações. Comenta o autor, referindo-se à Paulo Freire, que este não era contra a inclusão digital, mas contra certos tipos de inclusão digital que só servem a interesses menores (ALENCAR, 2005). É necessária uma postura vigilante e crítica no que tange a essas inclusões digitais que, paradoxalmente, excluem.

Sobre a questão da tecnologia na sociedade contemporânea, Castells relata que, além dos conteúdos das mídias já serem seletivos em relação ao público, o acesso aos recursos como a internet não é igualitário para todas as classes (CASTELLS, 2003). Mais acesso às tecnologias também significou maior rentabilidade e produtividade para os grupos mais qualificados, gerando disparidade financeira para pessoas com menor qualificação, mudando as características da sociedade do trabalho, explica Castells (2003). Boaventura de Sousa Santos (2008), sobre o mesmo assunto, observa que as diferenças fazem parte da sociedade, mas aponta ser necessário reconhecer e distinguir as situações nas quais elas são usadas para inferiorização. O acesso aos recursos tecnológicos e ao conhecimento não pode, portanto, se tornar uma forma de exclusão.

No contexto da sociedade brasileira, as diferenças de acesso à educação precisam ser revistas especialmente no presente, agravadas pela pandemia de COVID-19 (SILVA, no prelo), em que os meios digitais foram tão importantes para o acesso ao conhecimento. Costa (2011) compara a inclusão digital com o aprendizado da leitura e da escrita. É necessário ter acesso às TIC para aprender o seu uso, bem como para aprimorar habilidades e letramentos fundamentais para a vida em sociedade. O autor cita a exclusão digital como causa de desigualdades sociais, econômicas e culturais e defende a universalização do acesso como um instrumento para diminuir os danos da desigualdade (COSTA, 2011).

Destarte, a exclusão e a inclusão digital representam muito mais do que saber ou não utilizar um artefato tecnológico e acessar a internet. Elas precisam ser tratadas de forma complexa e considerando questões de políticas públicas, ainda mais no cenário educacional pós-pandemia, em que o acesso à informação e à tecnologia pode representar diretamente a preservação da vida humana (COSTA; FIALHO, 2022; SILVA, no prelo).

 

Sobre o conceito de homeschooling e sua (in)viabilização

Através dos outros, nos tornamos nós mesmos.

- Lev Vygotsky.

 

O conceito de homeschooling, ou educação domiciliar, remete a uma prática de origem inglesa (PAIXÃO, 2019) adotada em diversos países. No Brasil, o tema envolve contradições e debates, não sendo ainda tal modalidade regulamentada. O assunto foi pauta de votação na Câmara dos Deputados em maio de 2021, quando vivíamos o cenário da pandemia de COVID-19 que atingiu significativamente a população, em geral, e a educação, mais especificamente.

Araújo (2021), da Agência Senado, com base na pesquisa “Perda de Aprendizagem na Pandemia”, relatou que os estudantes aprenderam apenas 17% do conteúdo de Matemática e 38% do de Língua Portuguesa no ensino remoto. Mesmo com este cenário, o Ministério da Educação (MEC) lançou, em maio de 2021, a “Cartilha Educação Domiciliar: um Direito Humano tanto dos pais quanto dos filhos”. No documento, a educação domiciliar é definida como “uma modalidade de ensino dirigido pelos próprios pais, com vistas ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a vida, exercício da cidadania e qualificação para o trabalho” (BRASIL, 2021. p 2).

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou como constitucional o projeto da educação domiciliar no país; ainda assim, a modalidade não foi autorizada. Em junho de 2021, o Governo Federal encaminhou para votação o Projeto de Lei 3.262/19. O intuito foi incluir como parágrafo único do artigo 246 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 do Código Penal, que a educação domiciliar “não configura crime de abandono intelectual”. O assunto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, mas ainda depende da aprovação do STF, o qual esclareceu que a modalidade de ensino necessita de uma legislação própria a ser analisada. O projeto está tramitando. 

Sobre a viabilização do homeschooling, no Artigo 208 da Constituição Federal, consta que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade...”. A Lei 9.394/1996, que dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 6º, tem a seguinte redação: “É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade”. Mesmo contrariando a legislação brasileira, estima-se que 17 mil famílias, somando cerca de 35 mil crianças e adolescentes, estavam em educação domiciliar antes da pandemia (BRASIL, 2021). Muitas famílias, segundo o MEC, não estão contabilizadas, por temerem denúncias ao Ministério Público, pois a educação domiciliar não está regulamentada.

A Assembleia Legislativa aprovou, em 8 de junho de 2021, a regulamentação da educação domiciliar no estado do Rio Grande do Sul, sob a condição de que estes alunos precisam estar vinculados a uma instituição escolar e realizar avaliações periódicas. Da mesma forma, a fiscalização ficaria por conta do Conselho Tutelar e as famílias precisam informar os sistemas de ensino locais sobre esta opção do homeschooling (GZH, 2020). No entanto, considerando haver instabilidade jurídica para este tema, que depende primeiramente de aprovação do STF, o Governador do Estado vetou a proposta. No Distrito Federal, e nos municípios de Cascavel (PR) e Vitória (ES), houve regulamentação do homeschooling em seus territórios, levando entidades vinculadas à educação a solicitarem a anulação. Entendemos, neste caso, que realmente cabe, primeiro à União, a regulamentação desta pauta, conforme reportagem de Tenente (2021), no portal de notícias “G1”.

Na votação do Projeto de Lei para aprovação do homeschooling foram elencadas situações em que a evasão escolar pode estar camuflada em uma ideia de educação domiciliar. A fiscalização, por sua vez, deve ser mais eficaz quando os alunos estão vinculados a uma instituição escolar. Tenente (2021) descreveu que, entre as sugestões propostas para a votação da implementação da educação domiciliar, está a de matricular o estudante em uma escola regular que auxiliará no acompanhamento da aprendizagem dos estudantes, através de relatórios das atividades realizadas. Também propõe que os responsáveis apresentem certidões criminais para evitar ou identificar situações de abuso ou violência contra os estudantes, circunstâncias que muitas vezes são detectadas nas aulas convencionais. A inspeção do local de estudo pelo Conselho Tutelar é outra proposta para aprovação do ensino domiciliar, além da necessidade de socialização dos estudantes. Vários desses pontos não foram aceitos pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED)[1], tornando ainda mais polêmico o assunto.

A justificativa para não matricular os filhos em uma escola é, de acordo com a ANED, baseada especialmente no que consideram como direito das famílias de escolherem o gênero de educação dos filhos. A regulamentação da educação domiciliar exige dos pais a elaboração de um currículo de aprendizagem que possa orientar os conteúdos a serem trabalhados. Este precisa ser apresentado aos órgãos fiscalizadores, sempre que sofrer alterações, conforme orientações do MEC (2021). Os familiares precisam buscar atualização, materiais didáticos, a fim de estarem preparados para dar continuidade aos conteúdos escolares.

A própria ANED, na aba “perguntas e respostas” da sua página eletrônica, traz exemplos de famílias que se reúnem em comunidades para implementar o ensino domiciliar. Por vezes, são contratados professores particulares ou proporcionados momentos para convivência entre crianças de faixas etárias próximas. Isso mostra a importância da interatividade, que é proporcionada no ambiente escolar, como relevante para a aprendizagem. A cartilha do MEC (2021) cita diversos exemplos de atividades feitas nas chamadas comunidades de aprendizagem, reforçando a necessidade de socialização dos homeschoolers (alunos da educação domiciliar).

Outro aspecto salientado na cartilha é estímulo ao trabalho voluntário, de forma que as famílias se auxiliem mutuamente ao realizarem atividades em conjunto, ideia oposta àquela apresentada por autores que propõem a colaboração e a formação de comunidades de docentes (COSTA, 2016; LEFFA, 2016; FIALHO; COSTA; BEVILÁQUA, no prelo). A diferença maior está na questão de a colaboração almejada se efetivar entre professores, com formação específica tanto para o trabalho docente quanto para a adaptação e a personalização das práticas pedagógicas aos contextos e necessidades específicas dos aprendizes, de acordo com a realidade escolar local. 

Os defensores da proposta de homeschooling citam também a convivência com outros grupos de estudantes domiciliares como suficientes para substituir as interações dos espaços escolares. Em texto que discute a questão, a jornalista Luiza Tenente não apenas lembra o posicionamento de especialistas da área, que aludem às muitas outras questões educacionais, mais urgentes, gravíssimas, que deveriam estar em pauta no Congresso, como também aponta os argumentos da professora Telma Vinha, doutora em educação e docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para a pesquisadora, o convívio em parques, museus, igrejas e atividades extracurriculares – frequentemente referenciados pelos favoráveis ao homeschooling – não substitui relacionamentos do ambiente escolar. É necessária uma relação contínua entre pares, com e sem interferência de adultos, para que sejam desenvolvidas habilidades emocionais e sociais, algo proporcionado pela escola, que traz, por exemplo, a experiência de brigas, de tirar o brinquedo do outro, de argumentar, de conviver com quem você não gosta e de precisar se entender para conviver com esse colega no dia seguinte, em um processo complexo. Em clubes e outros espaços, porém, isso pode se perder, pois a convivência tende a não ser de diversidade, mas entre semelhantes (VINHA apud TENENTE, 2021).

Cury, citado por Vieira (2013), complementa que a prática do homeschooling no Brasil é associada à baixa qualidade do espaço escolar no país. No entanto, ele reitera: “se a qualidade é baixa, devemos melhorar a escola”, em lugar de abandoná-la. “Além disso, [sem a escola] a criança não cria espírito coletivo. Desenvolve-se um individualismo exacerbado” (CURY apud VIEIRA, 2013, s/p.). Seguindo nessa direção, vale trazer para o debate as colocações de Santos e Cavalcante (2022), que lembram: as lutas sociais voltadas à melhoria da educação existentes no corpo social do Brasil estão identificadas diretamente aos movimentos sociais de origem popular, da classe trabalhadora. Assim, a crítica ao atual modelo de escola sempre esteve presente nos debates desses movimentos como também das casas legislativas tendo como pauta histórica a promoção de uma educação que pudesse promover um ensino comprometido com a dissolução das desigualdades entre as classes (SANTOS; CAVALCANTE, 2022). O movimento promovido pelo homeschooling segue na contramão “das conquistas concretizadas e se coloca como um entrave no avanço de mudanças realmente importantes para a classe dos trabalhadores” (SANTOS; CAVALCANTE, 2022, p. 6).

Todos esses argumentos anteriores referentes aos problemas da implementação da aprendizagem domiciliar e seu impacto pedagógico remetem também à teoria educacional de Lev Vygotsky, a quem aludimos na epígrafe desta seção. A perspectiva teórica do autor (VYGOTSKY, 1984) tem como prisma central a ideia de que a interação entre os sujeitos é essencial para a aprendizagem. O pensador bielorrusso, em sua obra, refere-se, tanto à socialização entre os estudantes quanto deles com os professores (VYGOTSKY, 1984). O ambiente e a interação promovem a aprendizagem, ou seja, o que o aluno não sabe hoje, pode aprender e fazer posteriormente, a partir da sua aprendizagem, que se efetiva de forma sociocultural, na interação com os outros e com o meio. E a escola é o espaço que melhor possibilita tal processo, na medida em que garante a presença do outro (sem o qual a aprendizagem não se dá) e as interações fundamentais para o desenvolvimento humano.

É sob essa perspectiva que Santos e Cavalcante (2022) salientam: para os especialistas no processo de educação infantil e na formação educacional, o ensino domiciliar traz prejuízos aos indivíduos no que tange à falta de compreensão da realidade exterior a eles, bem como no que concerne à socialização, fundamental para que eles se insiram na sociedade (em seus múltiplos setores) de forma apropriada.

 

Oposição ao homeschooling

 

O perfil das famílias que costumam aderir ao homeschooling em países nos quais ele é regulamentado tende a seguir um padrão: em geral, são famílias de classe média/alta e que têm condições intelectuais e tempo para participar ativamente da escolarização dos filhos, conforme dados da ANED. Em contrapartida, as famílias em situação de vulnerabilidade ou condições de miséria tendem a optar pela escola em tempo integral.

Bertrand Russell (1872-1970), um dos mais renomados filósofos e matemáticos do séc. XX, registrou em seu ensaio crítico – intitulado Liberdade versus autoridade na educação – um pertinente exemplo de como o status econômico da família afeta a educação. Para o filósofo, um assalariado médio tem desejos diferentes daqueles de um profissional liberal médio: esse assalariado quer pôr seus filhos na escola o mais rápido possível para diminuir o incômodo em casa; ele também deseja tirá-los o quanto antes da escola, a fim de lucrar com seus ganhos (RUSSELL, 2010). O caso mencionado pelo autor é referente ao governo britânico quando, décadas atrás, decidiu cortar gastos em educação e, para tanto, propôs que “crianças não deveriam entrar na escola antes da idade de seis anos, e que não deveriam ser obrigadas a permanecer nela após a idade de treze anos”. A proposta, no que tange à idade mínima de 6 anos, gerou protestos notórios, principalmente de mães recentemente emancipadas que almejavam trabalhar, enquanto a proposta de as crianças estudarem apenas até os 13 não foi impopular, uma vez que isso significaria filhos “livres” mais cedo para conseguir um trabalho remunerado, salvo exceção daqueles “que esperavam que seus filhos pudessem ascender na escala social por meio de uma educação melhor” (RUSSELL, 2010). Essa passagem ilustra bem a participação dos pais no sistema educacional, principalmente em termos de influências de aspectos socioeconômicos.

O perfil de várias famílias que defendem o ensino domiciliar no Brasil é de alto poder aquisitivo. Tais famílias querem manter seus filhos em um convívio elitista, afirmam opositores à modalidade, citados por Tenente (2021). Mais do que pensar em aprovar a educação domiciliar, este momento exige um olhar para a educação, principalmente das instituições públicas e das famílias em situação de vulnerabilidade. Afinal,

Temos crianças que não conseguem ler e escrever; estudantes sem acesso à tecnologia… Diante desta tragédia, em vez de pensar em recuperar a aprendizagem perdida na pandemia, em garantir a segurança para a reabertura das escolas ou em ir atrás dos alunos evadidos, vamos priorizar uma pauta de costumes? (VINHA apud TENENTE, 2021).

 

Com o isolamento social no período pandêmico, a saúde emocional foi uma das pautas que assumiu papel central nos debates sobre a educação, além da própria contaminação pelo vírus, pois forçou o distanciamento entre as pessoas e resultou na transformação radical e forçosa das práticas pedagógicas comuns. Nesse sentido, muitas crianças, adolescentes e adultos foram afetados psicologicamente com o isolamento social na pandemia principalmente em razão da mudança da realidade escolar.

Aludimos uma vez mais ao trabalho de Vygotsky (1984). Ao longo de sua obra, o autor relacionou a aprendizagem do sujeito ao seu aspecto psicológico e à interação através da mediação. Estes pontos precisam ser restaurados, pois foram significativamente prejudicados com a necessidade de distanciamentos de múltiplas ordens durante a pandemia de COVID-19. Tal necessidade se justifica sobretudo pela importância do cuidado com a vida e com a saúde pública, mas isso não isenta o ERE de apresentar lacunas, precariedades (RIBEIRO, 2021; COSTA; FIALHO, 2022) e problemas de caráter educacional e pedagógico, que deverão ser estudados e, na medida do possível, sanados no futuro. Este é mais um motivo para se repensar as modalidades de ensino e aprendizagem no horizonte da educação pós-pandemia, fortalecendo novamente a diversidade nos espaços educacionais e as relações interpessoais.

A ANED defende que, na educação domiciliar, as relações de convívio entre crianças e adolescentes ocorrem entre amigos, familiares e vizinhos, especialmente em espaços como bibliotecas, escolas de música e idiomas. Salientam também filmes, jogos e redes sociais. Mas cabe questionar quais critérios de avaliação da aprendizagem nesses espaços seriam considerados? Tais meios efetivam de fato uma aprendizagem formal? Ou a referida aprendizagem poderia ser meramente inferida, sem avaliações profícuas que a confirmem?  Seria o homeschooling, no contexto de convívio “entre iguais”, uma forma de reforço ao que Bauman (1999; 2001) chama de modernidade líquida? Com este conceito, o autor menciona os relacionamentos interpessoais que se tornam cada vez mais fluídos, influenciados pelas redes sociais, pelo afastamento das pessoas e pelo imediatismo/consumismo. O filósofo cita também, em suas digressões e filosofias sobre a vida e a educação na sociedade atual, os empregos cada vez mais voláteis e as relações sociais mais limitadas e superficiais, pois as pessoas estão cada vez mais enfatizando a individualidade ao invés da coletividade (BAUMAN, 1999). Portanto, urge pensar uma educação que não seja líquida, na medida em que não proporciona interações efetivas, significativas, e pluralidade de pensamento.

Com base em estudos do mesmo autor (BAUMAN, 1999), Turci e Pacífico (2019) defendem a escola como um ambiente para convivências, para se colocar no lugar do outro, respeitando as diferentes opiniões, construindo seus pontos de vista e argumentos. A falta de convivência com outros sujeitos pode salientar cada vez mais o individualismo, prejudicando a convivência em sociedade, alertam (TURCI; PACÍFICO, 2019). A escola é, portanto, um espaço onde as relações deveriam ser “solidificadas”, tanto entre os alunos quanto entre professores e alunos. Essas relações são fundamentais para o resgate de uma sociedade mais humana e menos desigual, mas parecem estar negligenciadas no ensino domiciliar, relegadas a segundo plano.

A partir de todo o exposto, Santos et al. (2022, p. 120) parecem sintetizar de forma muito adequada a perspectiva de pesquisadores e especialistas que coadunam da ideia de que “o ensino domiciliar seria um retrocesso para a educação brasileira, aumentando a desigualdade social outrora existente, além de acarretar perdas irreparáveis para os estudantes”, principalmente no que tange à socialização. Seja pela questão socioeconômica, seja pela importância da interação social para o pleno desenvolvimento dos aprendizes, o homeschooling parece não se mostrar como uma alternativa profícua e válida na agenda educacional brasileira.

 

Considerações finais

 

Com este estudo, salientamos vários agravantes do cenário (pós)pandêmico para a educação. Dentre estes, destacamos a desigualdade social e a distinção da aprendizagem de alunos pela forma que estes tiveram acesso aos conteúdos escolares no ERE. As TIC foram os principais meios de fomentar o vínculo dos alunos e familiares com os professores; tal apoio foi fundamental, especialmente quando os responsáveis não se sentiam em condições de auxiliar na aprendizagem dos estudantes. Aos poucos, as instituições de ensino foram retomando as aulas presenciais, e as avaliações diagnósticas sinalizam várias defasagens nos conteúdos escolares (RODRIGUES, no prelo). Isso reforça que, mais importante do que se pensar em educação domiciliar, é preciso pensar em estratégias de ensino para minimizar os agravantes na aprendizagem das pessoas em situação de vulnerabilidade, sobretudo no que tange aos meios de resgatar os estudantes que estão entre os altos índices de evasão escolar.

Analisando este contexto, não há como pensar que o homeschooling tenha características inclusivas, notadamente porque exige conhecimento dos familiares para acompanhar as atividades escolares e recursos digitais para incrementar o aprendizado. Mesmo para as famílias com condições financeiras, a falta de socialização pode ser um fator que prejudicará as relações dos estudantes no futuro.

O papel do professor é muito relevante no processo de ensino e de aprendizagem, tanto que muitas famílias favoráveis à educação domiciliar buscam este profissional para o acompanhamento dos filhos. É preocupante pensar que a socialização apenas entre pessoas do mesmo grupo familiar, ou com características semelhantes, seja suficiente para a formação de um cidadão crítico ciente da diversidade e pluralidade da sociedade de forma efetiva. Sabemos, com base em uma vasta literatura educacional registrada ao longo das últimas décadas (e.g. VYGOSTSKY, 1984; FREIRE, 1996, 2018), da importância da convivência com outros ambientes e pessoas para a educação crítica e formação da cidadania. Logo, o homeschooling envolver toda a Educação Básica (ou seja, alunos do Ensino Fundamental ao Ensino Médio) pode inclusive prejudicar as relações de convívio e de trabalho destes estudantes no futuro.

O perfil das famílias que teriam condições de aderir à educação domiciliar no Brasil é conformado por aquelas que têm, minimamente, conhecimentos sobre os conteúdos escolares, recursos tecnológicos para incrementar os conteúdos e/ou possibilidade de viagens e programas de lazer/educação (como visitas a museus, cinemas etc.), além de significativo tempo para acompanhar a aprendizagem dos filhos. Outra opção seria terceirizar o ensino com a contratação de professores, individualmente ou em grupos de aprendizagem. O papel das famílias é fundamental em qualquer circunstância da vida escolar das crianças, mas a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem depende de investimentos dos governos, que têm como tarefa maior também a garantia de educação para todos, e não somente para aqueles que podem pagar por ela. Nesse aspecto, vale fazer eco aos questionamentos e críticas de Santos e Cavalcante (2022): parece haver um despendimento de recursos humanos e materiais para discussões sobre homeschooling como se houvesse, a partir daí, algum benefício para o ensino público. De nossa parte, enquanto docentes e pesquisadores na área, tomamos nosso posicionamento: não há benefícios, mas retrocessos, sobretudo no que concerne ao aumento da desigualdade social e da criação de lacunas na formação de cidadãos críticos e devidamente conectados à sociedade.

É ponto pacífico que o espaço escolar precisa ser o mais adequado para favorecer a aprendizagem e a socialização. Isso significa dizer que, em lugar de abandonar o projeto escolar, urge que tenhamos escolas com maior qualidade, sobretudo por meio de investimento em infraestrutura e valorização dos professores. Tais tópicos precisam estar em pauta nos projetos dos governantes. Resgatar a qualidade da educação nas escolas públicas de todo o país e democratizar o acesso aos recursos tecnológicos são necessidades urgentes no cenário pós-pandemia, bem como favorecer a inclusão digital, que é um meio de diminuir as desigualdades sociais. Incentivar a educação domiciliar não é, na realidade brasileira, uma ação de inclusão, podendo, pelo contrário, se tornar ainda mais excludente.

O assunto não se esgota, mas se complexifica, tendo em vista os tempos pandêmicos vividos em 2020 e 2021, e o cenário de dúvidas e incertezas que já caracterizam o período pós-pandemia quanto à escola pública. Nesse futuro incerto que se anuncia, o projeto de aprovação do homeschooling segue em pauta: depois de muitos debates ao longo de 2022, a Câmara aprovou a medida por 290 votos a 144, o que não encerra o debate, posto que falta ainda votação no Senado, onde há certa resistência ao projeto por parte de senadores. Ademais, é necessário ressaltar a mudança de Governo Federal e o retorno do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência, na figura do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.  Assumidamente contrários ao ensino domiciliar, o governo pode favorecer políticas públicas que valorizem as escolas e os professores, em lugar de investir no ensino domiciliar que, em nossa avaliação, parece naturalizar as desigualdades sociais e as diferenças de acesso às tecnologias, que se tornaram ainda mais visíveis com a pandemia de COVID-19.

Concluímos, com base em nosso estudo bibliográfico, que, embora a educação domiciliar seja uma proposta de alternativa para as famílias, é contraditório pensar que ela possa representar uma prática inclusiva, viável e eficiente para uma educação no Brasil hoje. E, nesse sentido, fazemos votos de que se efetive um mais visível posicionamento da comunidade acadêmica sobre essa proposta, sobretudo com base em trabalhos acadêmicos que ajudem a popularizar o debate nas instituições de ensino e comunidade escolar em geral.

 

Referências

ALENCAR, Anderson Fernandes de. O pensamento de Paulo Freire sobre a tecnologia: traçando novas perspectivas. In: V Colóquio Internacional Paulo Freire. Anais. Recife, Pernambuco. 2005.

ANED – Associação Nacional de Educação Domiciliar. Disponível em: https://www.aned.org.br/. Acesso em: 13 ago. 2021.

ARAÚJO, Ana Lídia. Pandemia acentua déficit educacional e exige ações do poder público.  Fonte: Agência Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/pandemia-acentua-deficit-educacional-e-exige-acoes-do-poder-publico. Acesso em: 27 ago. 2022.

BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. O Brasil não pode mais esperar. Cartilha MEC. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/media/acesso_informacacao/pdf/CartilhaEducacaoDomiciliar_V 1.pdf. Acesso em: 26 jul. 2021.

BRASIL. Ministério da Educação. Censo Escolar. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/divulgados-dados-sobre-impacto-da-pandemia-na-educacao. Acesso em: 20 ago. 2021.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, v. 1, 1999.

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. 243p.

COSTA, Alan Ricardo. Professores de línguas “na” e “em” rede? Formação continuada de educadores para práticas abertas de (re)produção de materiais didáticos online. 2016. 146f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Católica de Pelotas, Rio Grande do Sul, 2016.

COSTA, Alan Ricardo; BEVILÁQUA, André Firpo; KIELING, Helena dos Santos; FIALHO, Vanessa Ribas. Paulo Freire hoje na Cibercultura. Porto Alegre: Editora CirKula, 2020. 100p.

COSTA, Alan Ricardo; FIALHO, Vanessa Ribas. Paulo Freire na formação docente e na cibercultura: um olhar crítico-reflexivo sobre as tecnologias hoje. In: COSTA, Alan Ricardo; FAGUNDES, Angelise; FONTANA, Marcus Vinícius Liessem. (Org.) Letras para a Liberdade: perspectivas críticas no ensino de línguas e literaturas. São Paulo: Pimenta Cultural, 2022, p. 327-349.

COSTA, Leonardo Figueiredo. Novas tecnologias e inclusão digital: criação de um modelo de análise. In: BONILLA, Maria Helena Silveira; PRETTO, Nelson de Luca. (Orgs.) Inclusão digital: polêmica contemporânea. Salvador: EDUFBA, 2011, pp. 109-126. Disponível em http://books.scielo.org/id/qfgmr/pdf/bonilla-9788523212063-07.pdf. Acesso em: 26 ago. 2022.

FIALHO, Vanessa Ribas; COSTA, Alan Ricardo; BEVILÁQUA, André Firpo. Juntos somos mais: comunidades e redes de apoio de e para professores de línguas dentro e fora da sala de aula. No prelo.

FREIRE, Paulo. A Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1996.

FREIRE, Paulo. A máquina está a serviço de quem? Revista BITS, p. 6, maio de 1984.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Paz & Terra, 38ª ed., RJ/SP, 2018,

LEFFA, Vilson José. Língua estrangeira: ensino e aprendizagem. Pelotas: EDUCAT, 2016.

MOREIRA, José Antonio; HENRIQUES, Susana; BARROS, Daniela Melaré Vieira. Transitando de um ensino remoto emergencial para uma educação digital em rede, em tempos de pandemia. Dialogia, São Paulo, n. 34, p. 351-364, jan./abr. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.5585/Dialogia.N34.17123. Acesso em: 29 jun. 2021.

PAIXÃO, Thalia Ariadna Neres. O Ensino Domiciliar no Brasil uma forma alternativa de educação e suas implicações jurídicas e sociais. 2019. In: XV Encontro de Iniciação Científica da UNI7. Anais... Fortaleza, Ceará, v. 9, n. 1. 2019. Disponível em: https://periodicos.uni7.edu.br/index.php/iniciacao-cientifica/article/view/1033. Acesso em: 27 fev. 2022.

RIBEIRO, Ana Elisa. Educação e Tecnologias Digitais: ciclos da precariedade diante da pandemia. ABRALIN ao Vivo. Vídeo no YouTube, publicado em 25 de jun. de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_-lfTZT7oFI&t=642s&ab_channel=Abralin. Acesso em: 20 nov. de 2021.

RODRIGUES, Flavia Regina Irigarrai. Desafios no ensino de línguas em tempos de pandemia: estudo de caso com professores de português. ReTER – Revista Tecnologias Educacionais em Rede, Santa Maria, no prelo.

RUSSELL, Bertrand. Ensaios céticos. Tradução: Marisa Motta. Porto Alegre, RS: L&PM Editores, 2010. Disponível em: https://avfernandes.wordpress.com/2013/08/06/liberdade-versus-autoridade-na-educacao-bertrand-russell/. Acesso em 27 jun. 2021.

SANDER, Isabella. Projeto que autoriza o homeschooling é aprovado na Assembleia Legislativa. Jornal GZH. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2021/06/projeto-que-autoriza-o-homeschooling-e-aprovado-na-assembleia-legislativa-ckpok0gdg008y0180t50z04iy.html. Acesso em: 28 set. 2021.

SANTOS, Afonso Wescley de Medeiros; SANTOS, Daniela Pereira dos; LIMA, Diego Câmara de; EMERICK, Tatiane Cristina Mauricio. Pesquisas sobre homeschooling no Brasil: Diálogos e reflexões. In: ARAÚJO, Rodrigo da Costa; GREGÓRIO, Tânia da Conceição; COUTO, Cremilda Barreto. (Org.) Leituras em Educação. São Paulo: Opção Editora, 2022, v. 10, p. 81-106.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Editora Cortez, 2008.

SANTOS, Juliana Kecia de Menezes; CAVALCANTE, Natalia Mikaely da Silva. Nova modalidade de ensino: por que o homeschooling é um retrocesso? Ensino em Perspectivas, Ceará, vol. 3, n. 1, p. 1–11. 2022.

SILVA, Fátima Inabel Tres da. Tecnobiografia de uma professora de Português em Hulha Negra-RS: experiências em tempos de ensino remoto emergencial. ReTER – Revista Tecnologias Educacionais em Rede, Santa Maria, no prelo.

TENENTE, Luiza. 'Homeschooling': entenda o modelo de aprendizagem domiciliar. Educação. G1. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2021/04/04/homeschooling-entenda-o-modelo-de-aprendizagem-domiciliar-que-o-governo-quer-regulamentar-ate-julho.ghtml. Acesso em: 25 ago. 2021.

TURCI, Valéria; PACÍFICO, Soraya. Argumentação e autoria de adolescentes booktubers: interfaces entre a sala de aula e o ambiente virtual. Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, 2019, v.1, 121-139. Disponível em: https://doi.org/10.17648/eidea-19-2319. Acesso em: 19 out. 2021.

VALADARES, Pablo. CCJ aprova projeto que permite homeschooling. Agência Câmara de Notícias. Câmara dos deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/771015-ccj-aprova-projeto-que-permite-homeschooling. Acesso em 29 ago. 2021.

VIEIRA, Leonardo. Projeto de lei a favor do ensino domiciliar tem oposição do MEC. Jornal O Globo. 2013. Disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/projeto-de-lei-favor-do-ensino-domiciliar-tem-oposicao-do-mec-8950739#ixzz3IW0VECbS. Acesso em: 22 set. 2021.

VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.



[1]Essa associação surgiu no Brasil no ano de 2010, na cidade de Belo Horizonte-MG a partir do movimento de algumas famílias que manifestaram o desejo de realizar o ensino domiciliar para seus filhos em detrimento do convívio escolar. As ações dessas famílias encontraram apoio político-parlamentar por meio do deputado federal Lincoln Portela que no ano de 2012 protocolou um Projeto de Lei para a regulamentação da educação domiciliar (PL 3179/12)” (SANTOS; CAVALCANTE, 2022, p. 4).