A GAMIFICAÇÃO NA PESQUISA ALFABECLICANDO
Luciene de Sousa Teixeira Vales
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
Maisa Caroline Carvalho dos Anjos
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
Lacerdamaisa_caroline@hotmail.com
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
lorraynesantos282002@gmail.com
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
Resumo: Este trabalho reflete sobre a organização de oficinas de Reforço Escolar que utilizam a Metodologia Ativa da Gamificação como estratégia pedagógica de atendimento a crianças com defasagem de leitura e de escrita, no período pós-pandemia. Apresentamos o processo de construção da teoria da Gamificação, aplicada a práticas pedagógicas em oficinas de reforço escolar, nas quais são desenvolvidos jogos reais e jogos digitais educativos. Esta análise é parte da Pesquisa em andamento: Alfabeclicando: Reforço Escolar de Alfabetização com Uso de Games Educativos, que está sendo desenvolvida pelo Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), vinculado à Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (FAETEC) e a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), representada pela sua unidade Ginásio Experimental Tecnológico (GET) Elza Soares, com apoio e fomento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Embora a pesquisa ainda esteja em andamento, podemos constatar que é possível que a escola se utilize dos Games e da Gamificação em contextos de reforço escolar para alfabetização, entendendo que ele é parte da cultura humana e por isso também parte da cultura infantil. E que a Metodologia Ativa da Gamificação possibilita a integração de todas as ações, contextualizando, de forma lúdica, o aprendizado das crianças participantes.
Palavras-chave: Gamificação; Alfabetização; Ensino Público.
GAMIFICATION
IN ALFABECLICANDO RESEARCH
Abstract: This work reflects on the organization of School Reinforcement workshops that use the Active Gamification Methodology as a pedagogical strategy to serve children with reading and writing lag, in the post-pandemic period. We present the process of building the theory of Gamification, applied to pedagogical practices in tutoring workshops, in which real games and educational digital games are developed. This analysis is part of the ongoing Research: Alfabeclicando: Reforço Escolar de Alfabetização with the Use of Educational Games, which is being developed by the Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), linked to the Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (FAETEC) and the Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), represented by its unit Ginásio Experimental Tecnológico (GET) Elza Soares, with support from the Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Although the research is still in progress, we can see that it is possible for the school to use Games and Gamification in contexts of school reinforcement for literacy, understanding that it is part of human culture and therefore also part of children's culture. And that the Active Gamification Methodology enables the integration of all actions, contextualizing, in a playful way, the learning of participating children.
Keywords: Gamification; Literacy; Public Education.
Introdução
Este trabalho apresenta algumas reflexões sobre a organização de oficinas de reforço escolar para atendimento a crianças com defasagem em seus processos de alfabetização, no período pós-pandemia. Essas reflexões buscam responder a seguinte questão: como utilizar a Metodologia da Gamificação em atividades de reforço de alfabetização, com crianças da escola pública, com defasagem de leitura e de escrita? A Pesquisa se desenvolve na busca por responder a essa questão, principalmente descrevendo e analisando o processo de construção vivenciado com as crianças no campo, que possibilitaram a aplicação dos aspectos teóricos do uso da Gamificação, que para nós, “consiste no uso de elementos de jogos e técnicas de design de jogos em contextos diferentes de jogos” (ALVES, 2015, p.26) e do uso e produção de jogos e Games em atividades pedagógicas práticas com as crianças participantes. Essas atividades são realizadas em oficinas, nas quais as crianças produzem jogos educativos reais e depois os transformam em Games Educativos (jogos no formato digital), tendo a possibilidade de criar e brincar com essas duas modalidades de jogos. Para esta tarefa, realizamos uma pesquisa bibliográfica exploratória, com revisão da literatura relacionada à temática abordada.
Este trabalho é parte da Pesquisa em andamento “Alfabeclicando: Reforço Escolar de Alfabetização com Uso de Games Educativos”, que está sendo desenvolvida pelo Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), vinculado à Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (FAETEC) em parceria com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), representada pela sua unidade Ginásio Experimental Tecnológico (GET) Elza Soares, com apoio e fomento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Ela é uma ação do Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Tecnologias Educacionais - FORPROTEC/CNPq do ISERJ e tem como objetivos principais identificar quais competências e habilidades relativas ao processo de alfabetização não conseguiram ser ensinadas às crianças da escola pública participantes, em decorrência do isolamento social necessário diante da pandemia de Covid-19; e refletir sobre como os recursos tecnológicos e digitais, mais especificamente os Games Educativos, podem auxiliar no reforço escolar pós-pandemia, de alunos em processo de alfabetização.
Para responder a essas questões, nossa Equipe multidisciplinar, que é formada por professores, alunos da Graduação em Pedagogia e alunos do Curso Técnico de Informática do ISERJ, planeja e dinamiza oficinas de reforço escolar no GET Elza Soares. Esta unidade foi o primeiro GET inaugurado pela SME/RJ em março de 2022, destinado para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, para atendimento a crianças de 6 a 10 anos. Os GETs fazem parte das ações mais recentes em Tecnologia Educacional da SME/RJ, representando um novo conceito pedagógico de escolas. Atualmente o GET Elza Soares atende cerca de 300 alunos que estudam em horário integral. A Escola possui: 02 turmas de Educação Infantil, 02 turmas de 1º ano, 02 turmas de 2º ano, 02 turmas de 3º ano, 02 turmas de 4º ano e 02 turmas de 5º ano. O modelo pedagógico que fundamenta o trabalho dos GETs é baseado no uso das tecnologias como ferramentas pedagógicas e na “cultura maker". Os componentes curriculares da SME/RJ são trabalhados, além do desenvolvimento de projetos interdisciplinares, combinando Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática.
A Pesquisa Alfabeclicando vai ao encontro dos pressupostos pedagógicos do GET Elza Soares e, através da parceria firmada, ela pôde ser implementada e suas ações se constituíram como um Projeto Pedagógico da unidade escolar.
O Reforço Escolar com Jogos e Games na Pesquisa Alfabeclicando
As oficinas de reforço escolar no GET Elza Soares, são o campo e o laboratório para a obtenção dos dados de que trata a Pesquisa Alfabeclicando. Para isso, como vimos, foi necessário construirmos inicialmente uma relação de parceria com a escola e a comunidade escolar, que sempre se mostrou muito receptiva às nossas ações.
As oficinas de reforço escolar tiveram seu início no 2° semestre de 2022 e tem previsão de término em 2024. Inicialmente foram convidados alunos do 3° ano do Ensino Fundamental; porém a Equipe Técnico-Pedagógica do GET Elza Soares nos indicou a necessidade de inclusão de alguns alunos do 4º ano e do 5º ano, com base em testagens diagnósticas realizadas no 1º semestre do ano de 2022. Desta forma, os grupos atendidos são formados por alunos que estão nos estágios pré-silábico e silábico (FERREIRO & TEBEROSKY, 1985), matriculados em turmas do 3º ano ao 5º ano. Foram organizados 03 grupos de até 10 alunos, para que as atividades propostas possam ser personalizadas, atendendo às necessidades de aprendizagem de cada criança. O reforço escolar está sendo oferecido duas vezes por semana, após as aulas regulares, em uma Sala Multimídia organizada especialmente para o desenvolvimento da Pesquisa. O formato de reforço escolar é o de oficinas, com o uso de recursos tecnológicos, pois o uso dos computadores no ensino de crianças com dificuldades no processo de aprendizagem apresenta muitas vantagens, como descrevem Weiss e Cruz (2001): os computadores estimulam o raciocínio lógico, o desenvolvimento do foco de atenção e de concentração, além de lidarem com o erro como parte do processo de construção do conhecimento, muito semelhante aos estudos da Psicogênese da Língua Escrita de Ferreiro & Teberosky (1985 ) e dos estudos da Linguagem LOGO de Papert (1994).
Observamos que durante o isolamento social, as crianças tiveram muito contato com telas, porém em uma atitude apenas de visualização e consumo na maioria do tempo. Entendemos que é importante que as crianças tenham também a oportunidade de serem autoras diante dessas tecnologias e é nessa perspectiva que as tecnologias estão presentes nas oficinas.
A criança na Pesquisa é concebida como um ser histórico e sujeito de direitos. Reconhecemos que ela, ao mesmo tempo em que influencia o seu meio também é influenciada por ele, e nesse momento ela passa a ser agente criadora de história (KUHLMANN JUNIOR, 2004) e também de cultura. As tecnologias são compreendidas como parte da nossa cultura, e consequentemente da cultura infantil. Discordamos do termo “impacto das novas tecnologias” em nosso cotidiano, pois não vemos as tecnologias como algo estranho a nós, mas sim como produção humana (LÉVY, 2000). Assim como Lévy, as tecnologias são concebidas nesta Pesquisa como “produtos de uma sociedade e de uma cultura” (LÉVY, 2000, p. 22) e importantes Linguagens para a alfabetização, como reconhece a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018).
A importância das mídias e o seu papel social são descritos por Belloni & Bévort (2009):
As mídias são importantes e sofisticados dispositivos técnicos de comunicação que atuam em muitas esferas da vida social, não apenas com funções efetivas de controle social (político, ideológico...), mas também gerando novos modos de perceber a realidade, de aprender, de produzir e difundir conhecimentos e informações. São, portanto, extremamente importantes na vida das novas gerações, funcionando como instituições de socialização, uma espécie de “escola paralela”, mais interessante e atrativa que a instituição escolar, na qual crianças e adolescentes não apenas aprendem coisas novas, mas também, e talvez principalmente, desenvolvem novas habilidades cognitivas, ou seja, “novos modos de aprender”, mais autônomos e colaborativos (...) (BELLONI; BÉVORT, 2009, p.1083)
As autoras destacam a importância da integração das tecnologias na escola, em todos os níveis. Elas devem ser utilizadas de forma educativa para auxiliar na aprendizagem dos conteúdos e também na importante tarefa de ensinar as crianças e os jovens, a conhecer, selecionar, utilizar e produzir mídias de qualidade. Assim como as autoras, consideramos como papel da escola, formar crianças para a apropriação crítica das mídias, por entendermos que todas as mídias, incluindo os Games, são produções culturais que fazem parte das nossas vidas na atualidade (BELLONI; BÉVORT, 2009).
Um aspecto importante que destacamos, sobre a produção de Games na escola, é apresentado pelo pesquisador Mattar (2010). Este autor descreve alguns princípios de design de games elaborados pela Education Arcade, que podem auxiliar na melhora da qualidade dos Games Educativos. Dentre seus princípios, destacamos:
Nem todos os games precisam ser grandes e complicados; a escala e a complexidade devem ser escolhidas para corresponder aos objetivos de aprendizagem e ao contexto” (MATTAR, 2010, p.84).
Essa afirmação é relevante, pois considera viável a produção de Games por professores e alunos, ainda que realizados com programas simplificados, que atendam as necessidades e especificidades pedagógicas.
Para que a criança se torne produtora de Games Educativos, é necessário que ela, primeiramente, conheça esses Games, jogando-os, analisando-os em sua estrutura, conhecendo suas linguagens e possibilidades de utilização. Da mesma forma como a aquisição da escrita por parte das crianças se aperfeiçoa à medida que elas leem e escrevem, ou seja, à medida que elas têm contato com os livros e atividades sistematizadas; a aquisição da capacidade de produzir Games Educativos vai se aperfeiçoar nas crianças, à medida em que elas tenham mais contato com os jogos e Games Educativos.
Em nossas reflexões na Pesquisa, partimos do estudo do uso dos jogos reais na educação e aplicamos as mesmas características e aplicabilidades aos jogos digitais ou Games. O jogo real, presente no cotidiano infantil, exige um sistema de regras e de convívio tão significativo, que inspirou os estudos clássicos de Piaget sobre o desenvolvimento moral da criança. Ao afirmar que “os jogos infantis constituem admiráveis instituições sociais” (PIAGET, 1994, p.23), Piaget destaca a sua importância dentre tantas outras construções culturais em referência ao desenvolvimento infantil.
Definir o que o jogo significa para a nossa sociedade não é uma tarefa das mais fáceis. As autoras Kammi & DeVries (1991) descrevem a sua amplitude conceitual ao afirmarem que “a palavra ‘jogo’ é usada tanto para referir a atividade individual das crianças na construção com blocos como para atividades em grupo de canto ou dança” (KAMMI & DeVRIES, 1991, p.3). Huizinga (2004) complementa essa definição: “poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como "não séria" e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total” (HUIZINGA, 2004, p.17). Etimologicamente, as palavras jogo e lúdico possuem o mesmo significado. Massa (2014), ao afirmar que “a origem semântica da ludicidade vem do latim ludus, que significa jogo, exercício, imitação” (MASSA, 2014, p. 53), confirma essa ligação entre os dois vocábulos.
O jogo real faz parte, portanto, da nossa cultura e além de constituir-se como veículo de expressão e socialização das práticas culturais da humanidade e veículo de inserção no mundo, como nos diz Kishimoto (2005), e é também uma atividade lúdica na qual as crianças se engajam num mundo imaginário, regido por regras próprias, que, geralmente são construídas a partir das próprias regras sociais de convivência. A utilização de jogos potencializa a exploração e construção do conhecimento, pois as crianças aprendem de maneira mais natural (KISHIMOTO, 2005).
O Game é compreendido na pesquisa como
uma atividade lúdica composta por uma série de ações e decisões, limitado por regras e pelo universo do game, que resultam em uma condição final. As regras e o universo do game são apresentados por meios eletrônicos e controlados por um programa digital. (SCHUYTEMA,2011, p.7)
Nesta definição identificamos similaridades entre os Games e os jogos reais. Sendo assim, reconhecemos que os Games também podem contribuir para a aprendizagem de crianças da mesma forma que os jogos reais. Partimos desse pressuposto, ao nos depararmos com a constatação de que ambos são concebidos como artefatos da nossa cultura. O autor Arruda (2011, p. 25) confirma esse pressuposto ao afirmar que os jogos digitais: “configuram-se como artefatos culturais contemporâneos, baseados em tecnologias da microinformática” (ARRUDA, 2011, p.25). Ainda que a maioria dos Games tenha o objetivo de entreter, e não sejam educativos, um Game está mais perto de ser um artefato cultural do que um passatempo: “o vídeo game desconstrói essa ideia de lazer, pois o seu consumo tem se tornado cada vez mais constante, a ponto de ele ser cada vez menos considerado um brinquedo e cada vez mais um elemento da cultura” (ARRUDA, 2001, p.14). Essa é uma importante semelhança existente entre ambos e que apresenta fundamentos para os objetivos desta Pesquisa.
Sendo, os jogos reais e os Games artefatos similares, partes da nossa cultura, e sendo a criança um ser histórico e sujeito de direitos que vive e produz cultura (GONÇALVEZ; LACHERT, 2012), não é difícil reconhecermos que a criança da atualidade necessita interagir e experimentar as duas modalidades de jogos em seus processos de aprendizagem.
Com base nessas reflexões, elaboramos em nossa pesquisa aulas com uso de jogos reais e Games para crianças em estágio inicial de alfabetização. Durante a Pesquisa, são utilizados apenas jogos educativos, que permitem às crianças refletirem sobre o sistema de escrita, sem, necessariamente, serem obrigadas a realizar treinos e exercícios enfadonhos e sem contextualização. Nos momentos de jogo, as crianças mobilizam saberes acerca da lógica de funcionamento da escrita, se apropriando de novos conhecimentos nessa área. Brincando, elas podem compreender os princípios de funcionamento do sistema alfabético e podem socializar seus saberes com os colegas.
Além de terem acesso a jogos reais e Games diversos, as crianças são levadas a construírem seus próprios jogos. Nas oficinas, elas brincam com jogos reais para conhecerem a proposta do jogo e suas regras; depois planejam a construção de um Game e, para isso, elaboram protótipos do jogo real e depois digitalizam imagens e programam esse mesmo jogo, utilizando ferramentas da web, como o Site Wordwall (https://wordwall.net/pt). Após a produção nos dois formatos, as crianças brincam com ambos os jogos, aprendendo o conteúdo específico de alfabetização abordado.
Como exemplo deste processo temos o Jogo da Memória de associação de palavras e desenhos. Primeiramente as crianças brincaram com um Jogo da Memória que faz parte do acervo da sala, e observaram seus detalhes, a caixa, o manual e como eram feitas as peças. Depois eles produziram durante uma sequência de aulas, os seus jogos personalizados, com palavras que foram pesquisadas por eles; e por último eles realizaram a produção de um Game (Figura 2) utilizando seus próprios desenhos e escritos, que foram digitalizados com a ajuda dos pesquisadores que dinamizam as aulas:
Figura 1: Jogo da Memória real desenvolvido por criança
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
Figura 2: Jogo da Memória digital desenvolvido pela Equipe Alfabeclicando
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
Aprender por meio de jogos, sejam eles reais ou digitais, usando jogos comerciais e produzindo novos, garantem às crianças uma interação rica com os conceitos e normas que regem a realidade que as cercam (GRUBEL & BeZ, 2006), além de promover a aprendizagem da leitura e da escrita, junto ao letramento (SOARES, 2020), o que é tão importante neste momento da alfabetização.
Após definida essa estratégia de trabalho com as crianças, foi necessária a escolha de uma Metodologia Ativa capaz de contextualizar e conferir significado às atividades propostas, e que tivesse grande afinidade com o universo dos Games; e por essas razões, escolhemos a Gamificação. Estudamos e analisamos suas concepções teóricas para fundamentar as atividades práticas criadas com as crianças, como descrevemos detalhadamente a seguir.
A Gamificação nas Oficinas de Reforço Escolar
Antes do início das atividades com as crianças, a Equipe realizou estudos sobre metodologias ativas para decidir qual delas seria mais adequada, considerando que o objetivo é desenvolver um trabalho totalmente diferente das aulas de reforço escolar tradicionais. A organização das oficinas das crianças com produção de Jogos reais e Games já é motivadora e interessante, mas era necessário contextualizar e unificar as ações, e para isso escolhemos a metodologia ativa da Gamificação. Almeida et. al. (2017) descreve como a Gamificação pode ser uma estratégia pedagógica inovadora:
...a gamificação se constitui como uma estratégia pedagógica que pode potencializar os processos de aprendizagem dos sujeitos, pois os oportuniza a participar ativamente de sua própria aprendizagem, contribuindo para o desenvolvimento de competências relacionadas à autonomia, metacognição, autoria, colaboração e cooperação na resolução e invenção de problemas. (ALMEIDA et al., 2017, p.6)
A Gamificação permite essas aprendizagens por ser uma metodologia ativa, e, nas palavras de Moran, porque “os jogos e as aulas roteirizadas com as linguagens de jogos (gamificação) estão cada vez mais presentes na escola e são estratégias importantes de encantamento e motivação para uma aprendizagem mais rápida e próxima da vida real” (MORAN, 2018, p. 21). Esta metodologia pode ainda, ser compreendida como o uso de itens de design de Games em espaços que não são de Games (MORIN, 2018).
Após a escolha da Gamificação, a Equipe iniciou o processo de planejamento de como essa metodologia seria aplicada diretamente com as crianças. Para responder a essa questão, algumas práticas de Gamificação com crianças foram pesquisadas em levantamento bibliográfico. Observamos que muitos trabalhos apresentam uma ênfase na dimensão teórica da Gamificação (OLIVEIRA; PAIVA, 2019) e que as práticas geralmente são baseadas na competição e pontuação de equipes (LEAL, 2019), porém essa metodologia não se limita a isso. Além disso, trabalhos como o de Costa et al. (2021) se propõem a refletir e analisar a gamificação na alfabetização, porém descrevem atividades apenas sobre o uso de Games educativos, mostrando falta de clareza desses conceitos. Com base em Alves (2015) e Moran (2018), elencamos os principais itens de design de Games que podem ser inseridos nas práticas desta metodologia.
Utilizando o modelo de Kevin Werbach, de estudo da Gamificação, Alves (2015) apresenta uma experiência gamificada completa, em um formato de pirâmide, onde no topo encontra-se a Dinâmica – “constituída por elementos responsáveis por atribuir coerência e padrões regulares à experiência” (ALVES, 2015, p. 43). Esses elementos, segundo a autora, são as constrições, as emoções, a narrativa (storytelling), a progressão e o relacionamento. No meio da pirâmide temos a “mecânica dos games”, cujos elementos “podem ser considerados “os verbos” pois são eles que promovem a ação que movimentam as coisas adiante” (ALVES, 2015, p. 44). Os elementos dessa experiência são os desafios, a sorte, a cooperação, o feedback, a aquisição de recursos, as recompensas, as transações, os turnos e os estados de vitória. E na base da pirâmide do modelo citado, “estão os componentes do jogo. São formas específicas de fazer o que a dinâmica e mecânica representam, complementando a analogia com um determinado idioma, é como se fossem substantivos” (ALVES, 2015, p. 46). Fazem parte dessa experiência as realizações, os avatares, os badges, os “boos figts”, as coleções, o combate, o desbloqueio de conteúdos, o doar, o placar ou “leaderboard”, os níveis, os pontos, a investigação ou exploração, o gráfico social e os bens virtuais. Identificamos que a experiência na Gamificação é muito importante, como nos explica Alves:
Experiência e game não são a mesma coisa. Experiência é a forma como você se sente quando joga. Game é o conjunto de regras, a estética, a combinação entre seus elementos que promove a experiência. Quando fazemos o design de um games estamos controlando o game e tentando produzir experiências. Os elementos são, assim, as peças que combinamos para promover determinada experiência. (ALVES, 2015, p. 47)
Não basta apenas utilizarmos os itens de design de Games em sala de aula se eles não promoverem as experiências com a dinâmica, a mecânica de Games e os componentes de jogo. Por isso, definimos que o primeiro passo do processo de Gamificação com as crianças da Pesquisa seria a criação de uma narrativa motivadora e envolvente. Isto porque a narrativa tem papel fundamental em todas as formas de Gamificação, como afirma Alves: “sem uma história que crie significado para o jogador, a credibilidade do sistema fica prejudicada e a motivação para o engajamento no sistema deixa de existir porque perde a relevância” (ALVES, 2015, p. 47).
Concebemos, então, as aulas de reforço escolar como um espaço de uma Fábrica de Jogos Educativos. Os alunos participantes foram convidados a serem estagiários dessa fábrica, para que produzissem jogos reais e Games, para eles e para outras crianças que ainda estão aprendendo a ler e a escrever. Cada grupamento se constituiu como uma Equipe. Para dar veracidade à narrativa, cada criança recebeu um capacete e um colete na cor da sua Equipe, além de uma maleta com materiais escolares diversos, pois os aspectos cenográficos são muito importantes nessa metodologia. Também levados para a sala de aula alguns objetos decorativos e utilitários que nos remetem a fábrica e à “cultura maker”, promovendo a imersão das crianças na narrativa criada, como cartões de ponto que funcionam como registro de presença das crianças. Foi explicado, ainda, que em todas as oficinas as crianças receberiam tarefas e seriam pontuadas. Ao final do semestre, o Grupo com maior pontuação ganhará uma festa Gamer, sendo esse o grande prêmio a ser conquistado.
Descrevemos mais detalhadamente, a seguir, como a Gamificação está presente nas oficinas de alfabetização da Pesquisa Alfabeclicando, apresentando o aporte teórico estudado e as práticas pedagógicas elaboradas a partir dessas contribuições.
Com o objetivo de oferecer um panorama geral, tendo a tabela elaborada por BOLER & KAPP (2018, p. 21) como base, apresentamos a Tabela de Gamificação da Pesquisa Alfabeclicando (Tabela 1), que descreve e analisa como a Gamificação foi elaborada e planejada dentro das oficinas de reforço escolar realizada com as crianças participantes, seguida do detalhamento de cada mencionado.
Tabela 1: Tabela de Gamificação da Pesquisa Alfabeclicando
A GAMIFICAÇÃO NAS OFICINAS DE ALFABETIZAÇÃO DA PESQUISA ALFABECLICANDO |
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META DO JOGO |
· Conseguir a maior pontuação por Equipes ao final do semestre letivo. |
DINÂMICA CENTRAL |
· Produzir todos os jogos reais e jogos digitais solicitados, para ajudar crianças que ainda estão em processo de alfabetização. |
MECÂNICA DE JOGO |
· As Equipes devem realizar todas as tarefas relativas à produção de jogos, solicitadas durante as oficinas; · Faltas não justificadas diminuem a pontuação; · Ajuda e cooperação entre os pares aumenta a pontuação. |
ELEMENTOS DE JOGO |
· Narrativa (Storytelling) · Desafios · Placar ou “leaderboard” · Pontuação · Feedback · Recompensas · Cooperação e competição · Avatares · Diversão |
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
Meta do Jogo
A meta do Jogo seria o Estado de Vitória, aquilo que o jogador, no caso a criança, mais deseja e o que o motiva a continuar jogando. Para a pesquisadora Alves (2015), o Estado de Vitória pode ser “...representado de diversas formas como um time ou jogador vitorioso, quem alcança o maior número de pontos, quem conquista o território maior, quem elimina o maior número de invasores, entre outros” (ALVES, 2015, p.45). Complementando esse conceito, podemos entender a meta do jogo como “...qualquer conquista ou atividade que encerre o próprio jogo. Sem uma meta não haveria jogo. Numa corrida, por exemplo, a meta é “ser o primeiro a cruzar a linha de chegada” (BOLER & KAPP, 2018, p. 17).
Nas oficinas estabelecemos como meta a pontuação final, resultado da pontuação diária que está relacionada à realização das tarefas que envolvem a produção dos jogos reais e digitais, e de atividades de leitura e escrita. Todas as crianças são motivadas a cumprir essas tarefas e a ajudar seus colegas. A presença é estimulada, pois faltas não justificadas podem diminuir a pontuação, assim como o não cumprimento das atividades propostas por todos os membros da Equipe.
Dinâmica central
A dinâmica central pode ser compreendida como “... aquilo que os jogadores precisam fazer para alcançar o estado de vitória ou atingir a meta estabelecida”. (BOLER & KAPP, 2018, p. 17). A dinâmica central das oficinas da Pesquisa é a produção de jogos reais e digitais para ajudar crianças que estão aprendendo a ler e a escrever. Essas são as tarefas mais importantes e que geram mais pontos.
Mecânica de Jogo
Podemos compreender a mecânica do jogo como “...um conjunto de regras estabelecido. (...) A mecânica do jogo define o modo como as pessoas atingem o objetivo final.” (BOLER & KAPP, 2018, p. 19). Durante as oficinas, a atuação das Equipes é observada e avaliada, e cada uma delas recebe ou perde pontos considerando a realização ou não de todas as tarefas propostas; se ocorre ou não ajuda aos pares e se há faltas não justificadas entre seus membros.
Elementos do jogo
Os elementos do jogo, ou itens de design de games, possibilitam a inserção da criança ao universo do jogo.
Os elementos de um jogo são as características ou os componentes que realçam a experiência de jogar e ajudam a fazer com que os jogadores se sintam imersos nessa vivência. Eles incluem desde a estética visual do jogo até o peso das peças e o arranjo das cartas. A consistência e o alinhamento dos elementos ajudam a criar seu tema, a sua aparência e sensação. (BOLER & KAPP, 2018, p. 19)
Complementando essa definição, podemos afirmar que “os elementos dos games são a caixa de ferramentas que você utilizará para criar a sua solução de aprendizagem gamificada” (ALVES, 2015, p. 40). Os elementos de jogos ou itens de design de Games escolhidos para serem utilizados na Gamificação das oficinas da Pesquisa são:
Narrativa (Storytelling)
Podemos entender a Narrativa como um dos itens mais importantes da Gamificação.
... é a estrutura que de alguma forma une os elementos do sistema gamificado e faz com que haja um sentimento de coerência, um sentimento de todo. (...) O essencial é que a narrativa do sistema gamificado permita aos jogadores estabelecer uma correlação com o seu contexto, criando conexão e sentido para que o sistema gamificado não se torne um amontoado de elementos abstratos. (ALVES, 2015, p. 44)
Durante as oficinas, nossa preocupação era a de não rotularmos as crianças como “crianças não alfabetizadas”. Para isso elaboramos uma história, na qual a escola passou a ser parte de uma Fábrica de Games chamada Alfabeclicando, como já foi mencionado anteriormente. Nessa Fábrica, algumas crianças são convidadas a serem estagiárias, para trabalharem produzindo jogos reais e jogos digitais para outras crianças. Semanalmente eles recebem cartas e bilhetes de crianças (fictícias) pedindo determinados jogos sobre leitura e escrita. As crianças da Pesquisa elaboram protótipos reais dos jogos e depois transformam esse jogo no formato digital. E nas oficinas seguintes, têm a possibilidade de brincar com suas produções e a dos demais colegas também.
Dessa forma as crianças participantes se sentiram prestigiadas. Elas constroem novos conhecimentos produzindo jogos que elas acham que são para outras crianças, mas que foram idealizados para elas mesmas. Os protótipos de jogos reais criados são entregues ao final das oficinas e as crianças podem brincar com esses jogos em suas casas, propiciando assim a criação de um acervo de jogos educativos de alfabetização para eles. Por abordarmos o tema fábrica, exploramos muito os aspectos cenográficos como capacetes, coletes, carteira de trabalho de estagiário, pastas, cartão de ponto para marcar frequência, dentre outros. Na Figura 3 vemos os materiais dos alunos de uma das equipes.
Figura 3: Equipamentos individuais de uma equipe
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
As alunas do Curso de Pedagogia que são Bolsistas de Iniciação Científica ISERJ/FAPERJ, dinamizam as oficinas como “gerentes” dos estagiários. Elas acompanham as produções das crianças e realizam as mediações necessárias para a aprendizagem. Elas atuam em dupla em cada Equipe, o que favorece o atendimento a cada criança de forma personalizada.
Desafios
Os desafios na gamificação “podem ser descritos como os objetivos que são propostos para os jogadores alcançarem durante o jogo. São eles que mobilizam o jogador a buscar o estado de vitória” (ALVES, 2015, p.45). O grande desafio proposto às crianças é justamente a construção dos protótipos de jogos reais e a transformação deste em jogos digitais; pois nesse processo de produção as crianças aprendem e ampliam seus conhecimentos sobre leitura e escrita, nessas diferentes linguagens. Os jogos no primeiro semestre de desenvolvimento, apresentaram como desafios específicos a formação de palavras com e sem o uso de imagens.
Figura 4: Jogo da Memória Real e Jogo da Memória Digital produzidos pelas crianças
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
Na Figura 4 vemos um dos jogos produzidos pelas crianças durante as oficinas: o jogo da memória na versão real feito em papel cartão, e na versão para computadores que está disponível no site da pesquisa http://alfabeclicando.com.br/?page_id=366.
Placar ou “leaderboard”
O elemento placar “consiste no ranqueamento dos jogadores, permitindo que o jogador veja sua posição em relação a seus colegas e outros jogadores” (ALVES, 2015, p.45). Nas nossas oficinas temos um placar que registra a pontuação semanal e geral das Equipes participantes, como pode ser visto na Figura 5.
Figura 5: Placar de Pontuação das Equipes Alfabeclicando
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
Pontuação
A pontuação diz “... respeito ao score, à contagem de pontos acumulados no decorrer do game ou sistema gamificado” (ALVES, 2015, p.45). Em nossas oficinas, as Equipes ganham pontos quando cumprem as tarefas solicitadas, e quando cooperam entre si, e perdem pontos quando há muitas crianças que faltam sem justificativa, e quando membros da mesma Equipe não se ajudam.
Feedback
Na gamificação “o papel do feedback é fundamental pois ele faz com que o jogador perceba que o objetivo proposto é alcançável e consiga acompanhar o seu progresso escolhendo estratégias diferentes quando aplicável” (ALVES, 2015, p.45). Nas oficinas as crianças têm o feedback ao final de cada encontro, pois a pontuação é lançada no Placar e as crianças têm acesso aos itens que os fizeram ganhar ou perder pontos.
Recompensas
As recompensas “são os benefícios que você, enquanto jogador, conquista e que podem ser representados por distintivos, vidas e direito a jogar novamente” (ALVES, 2015, p.45). Na nossa Pesquisa as crianças de todas as Equipes irão receber medalhas (Figura 6) de acordo com a pontuação recebida ao final do ano letivo. A Equipe vencedora, porém, ganhará uma Festa no Tema Gamer, com a presença de vídeo games e um lanche especial escolhido por eles. As crianças têm se dedicado a cumprir as tarefas, pois estas recompensas motivaram muito todos eles.
Figura 6: Medalhas das Equipes
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
Cooperação e Competição
A cooperação e a competição na Gamificação estão muito próximas. “Apesar de opostas, ambas promovem no jogador o desejo de estar com outras pessoas engajadas em uma mesma atividade, seja para que juntos construam alguma coisa ou para que um supere o outro em seus resultados, alcançando o estado de vitória” (ALVES, 2015, p.45). Observamos nas nossas crianças que as Equipes competem entre si, mas que dentro de cada uma delas as crianças se ajudam, colaboram com seus pares, para conseguirem vencer (Figura 8), realizando as tarefas propostas no tempo certo.
As Equipes foram organizadas em 3 cores e as crianças escolheram os nomes para cada uma delas (Figura 7): Equipe Força Azul, Equipe Tempestade Verde e Equipe Vermelha.
Figura 7: Brasão das Equipes
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
Figura 8: Equipes competindo e colaborando ao mesmo tempo na realização de uma atividade
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
Avatares
Os avatares na gamificação “mostram ao jogador alguma representação visual de seu personagem ou papel no sistema gamificado” (ALVES, 2015, p.45). Nossos alunos também fizeram seus avatares (Figura 8), que são utilizados para representá-los em alguns Games e em outras atividades das oficinas.
Figura 9: Avatares desenvolvidos pelas crianças da Pesquisa
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
Diversão
Esse é um dos elementos mais importantes em uma aula gamificada, pois o fim de tudo é a diversão. Se não for divertido, não pode ser considerado jogo. As crianças precisam brincar e se divertir com todas essas dinâmicas desenvolvidas, e as aulas são planejadas para garantir espaços de brincadeiras livres além dos momentos de produção.
A nossa Pesquisa trabalha com questões muito sérias, que envolvem não somente atrasos cognitivos, mas relativas a sentimentos e emoções vivenciadas por crianças que não sabem como verbalizar e agir para amenizar o que viveram durante a pandemia. Muitas delas ainda carregam consigo emoções conturbadas, como resquícios desse momento tão difícil.
Na Figura 10 temos dois exemplos nos quais as crianças estão brincando, seja com jogos digitais, seja com jogos reais. Elas estão aprendendo e se divertindo ao mesmo tempo, demonstrando muito interesse em realizar todas as atividades propostas e isso nos sinaliza que a metodologia da gamificação está sendo bem aplicada.
Figura 10: Crianças brincando com Games e jogos reais
Fonte: Acervo da Pesquisa Alfabeclicando.
A presença do brincar e da ludicidade nas oficinas também merece destaque, pois eles possibilitam novas aprendizagens como nos descreve Alves:
Um jogo ou brincadeira tem um alto potencial de improviso, pois somos restritos às regras que limitam o alcance óbvio dos objetivos. Não somos obrigados a fazer algo exatamente de uma maneira, estamos autorizados a tentar. O resultado disso é uma verdadeira avalanche de novos comportamentos, estratégias, pensamentos e ideias diferentes para fazer a mesma coisa que não apareceria se não estivéssemos neste mundo encantado onde tentar é possível. Vemos coisas de uma perspectiva diferente e, por isso, temos novas ideias. (ALVES, 2015, p.93)
Destacamos que é importante que as crianças que não conseguiram se alfabetizar na idade certa, devido a pandemia, podem tentar novamente retomar seu aprendizado. E através da ludicidade dos Games podem brincar e redescobrir a leitura e a escrita de uma nova perspectiva. Não somente através de exercícios no caderno e de cópias, mas a partir de atividades que exigem delas protagonismo e criatividade.
A avaliação das oficinas é realizada pelas bolsistas ISERJ/FAPERJ, que descrevem como se deu a aprendizagem de cada criança após o término de produção do jogo real e do Game, em instrumento avaliativo desenvolvido pela Equipe da Pesquisa, registrando as habilidades de leitura e de escrita (de acordo com as diretrizes de avaliação da SME/RJ), a serem desenvolvidas pelas crianças e seus progressos individuais. Além desta avaliação, conversamos e consideramos as falas das crianças em rodas de conversa, para identificarmos como podemos aperfeiçoar nossas propostas para as futuras oficinas. O desempenho das crianças, obtido nas avaliações das suas turmas regulares de origem, também são considerados, bem como as observações descritas pelas suas professoras regentes ao término de cada trimestre letivo, em formulário específico também produzido pela Equipe da Pesquisa.
Todos esses dados são apresentados e debatidos nas reuniões da Equipe, de forma a elaborarmos novas atividades baseadas em Games e na Gamificação, que auxiliem na alfabetização de todas as crianças participantes.
Diferente de outros trabalhos, como Almeida et. al. (2017) que apresenta uma única atividade gamificada realizada com crianças em fase de alfabetização, em um único dia letivo, e que se utiliza de poucos itens de design de games: sendo o desafio, a divisão em grupos e a premiação; nas oficinas Alfabeclicando temos como realidade o uso contínuo da Gamificação em oficinas semanais, que somadas chegam ao número de 30 oficinas por semestre e 60 oficinas anuais. Em nossa Pesquisa ainda lidamos também com questões emocionais vividas pelas crianças, devido ao momento pós-pandêmico, fator relevante que também interfere na aprendizagem. Essas características conferem à Pesquisa um caráter inovador, por abordar a Gamificação para auxiliar na alfabetização de crianças pequenas por um grande período de tempo, e em um momento que ainda exige de nós, adultos e crianças, cuidados com a nossa saúde mental.
Resultados Parciais
Retomamos a questão inicial: como utilizar a Metodologia da Gamificação em atividades de reforço de alfabetização, com crianças da escola pública, com defasagem de leitura e de escrita? Embora a pesquisa ainda esteja em andamento, e não possamos responder totalmente esta questão, verificamos que a metodologia da Gamificação foi aplicada de forma satisfatória em nossas oficinas de reforço escolar com as crianças. Com isto, identificamos que o sucesso do uso dessa metodologia deve-se ao fato de termos enfatizado o elemento da narrativa, ao criarmos a Fábrica de Games, e também a inserção de artefatos cênicos que complementam essa narrativa, como uniformes, capacetes, maletas, carteira de trabalho de estagiário, dentre os outros já mencionados neste artigo. Esses fatos proporcionaram uma dimensão lúdica, que motivou quase a totalidade das crianças a realizarem as atividades propostas com entusiasmo. E permitiram, ainda, que inseríssemos outros itens de design de games de forma contextualizada, garantindo o uso desta metodologia por todo o semestre letivo.
A utilização da Metodologia Ativa da Gamificação em aulas de reforço de alfabetização com crianças, portanto, deve enfatizar a narrativa e os adereços cênicos, partindo de um tema que possa ser desenvolvido por um longo período de tempo, e que seja lúdico e interessante para as crianças. Itens como a pontuação e premiação podem estar presentes, mas não devem ser priorizados, e sim utilizados como forma complementar a narrativa inicial.
Considerando que as oficinas são realizadas após as aulas regulares, que a escola funciona em horário integral e que as oficinas não são obrigatórias, verificamos também um grande interesse por grande parte das crianças em participar, devido à assiduidade das mesmas nas oficinas e este é um dado muito relevante.
No primeiro trimestre de desenvolvimento da Pesquisa, recebemos dos professores regentes, através do formulário, a informação de que a maioria dos 30 alunos que participam das oficinas, avançou na leitura e na escrita de palavras com junções simples, no reconhecimento das letras do alfabeto, na identificação dos próprios erros na escrita e demonstraram mais autonomia na realização das atividades. A maioria das crianças melhorou a frequência, pois passaram a se interessar mais pelas atividades escolares. Dois alunos ainda faltam bastante, tanto as aulas regulares como as oficinas, por questões familiares, e não foi identificado avanço em suas aprendizagens.
Os professores e a Coordenação Pedagógica da escola relataram uma mudança significativa nas crianças participantes, pois elas se sentiram prestigiadas por terem sido “escolhidas” para atuar na Fábrica de Games. Esse fato é importante para ajudar na reorganização emocional e de autoestima das crianças, que iniciaram o ano letivo muito fragilizadas por não conseguirem acompanhar as aulas como a maioria dos colegas de suas turmas.
Além disso a Pesquisa já se consolidou como mais um Projeto Pedagógico oferecido pela escola, e encontra-se integrada ao processo educativo da unidade, o que favorece a sua continuidade e possibilita que novas descobertas sobre esse formato inovador de reforço escolar para a pós-pandemia, sejam analisadas e identificadas em nossa Pesquisa.
Referências
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