A ATIVIDADE FÍSICA EM JOGO: O CONHECIMENTO CIENTÍFICO SOBRE EXERGAMES NO SBGAMES

 

Gilson Cruz Junior

 Universidade Federal do Oeste do Pará

gijao05@hotmail.com

Eder Isaac Nina Pereira

Universidade Federal do Oeste do Pará

isaacnina10@gmail.com

 

Resumo: O objetivo deste trabalho é compreender a produção do conhecimento científico sobre exergames (EXGs) no contexto do Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital. Para isso, foi feita uma revisão de literatura, que teve como base de dados os anais do evento supracitado, mais especificamente, os trabalhos publicados nas trilhas “Cultura” e “Educação” entre os anos de 2010 e 2020. Como resultado, tece apontamentos em relação aos desafios e às tendências envolvendo o conhecimento científico produzido sobre a temática no campo de pesquisa dos jogos digitais e suas contribuições para os ramos da educação e saúde. 

Palavras-chave: Jogos digitais; Exergames; SBGAMES; Educação; Saúde.

 

PHYSICAL ACTIVITY IN PLAY: SCIENTIFIC KNOWLEDGE ABOUT EXGS IN SBGAMES

 

Abstract: This paper aims to understand the scientific knowledge production about exergames (EXGs) in the context of the Brazilian Symposium on Games and Digital Entertainment. For this, it carries out a literature review that had as a database the aforementioned event, more specifically, the papers published in the "culture" and "education" tracks between 2010 and 2020. As a result, it comments on the challenges and trends involving the scientific knowledge produced about EXGs in the field of research of digital games and their contributions to education e health.

Keywords: Digital Games; EXGs; SBGAMES; Physical Education; Health.

 

Introdução

 

O universo dos jogos digitais tem adquirido crescente relevância no âmbito acadêmico, despertando atenção em diferentes áreas do conhecimento. No campo educacional, os games têm sido objeto de investigações interessadas em desvendar seu potencial formativo e didático. Em meio às diferentes formas assumidas pelos jogos na atualidade, os exergames (EXGs) se destacam ao desafiarem o senso comum construído em torno dos videogames ao longo das últimas décadas, em especial, ao contrapor o mito que associa os games à ociosidade e a estilos de vida sedentários.

Em estudo de revisão sobre o tema, Chao, Scherer e Montgomery (2014) afirmam:

 

As evidências sustentam que os exergames [...] têm efeitos positivos na cognição, função física e resultados psicossociais em adultos [...], como aumento da atividade física, estimulação cognitiva, apoio social e prazer. Além disso, exercitar-se com os exergames [...] é seguro e viável para adultos mais velhos. A compreensão dos benefícios potenciais dos exergames [...] fornece orientações importantes para pesquisas futuras nessa área (CHAO; SCHERER; MONTGOMERY, 2014, p. 19).

 

Graças ao reconhecimento de seu potencial, os EXGs têm se consolidado como objeto de estudo entre especialistas interessados em conhecer e explorar suas possíveis aplicações em diferentes ramos de atuação. Entretanto, de par com o crescente interesse acadêmico no assunto, impõe-se também a importância da tarefa de examinar o arcabouço que se constitui em torno do fenômeno dos EXGs, bem como a capacidade desse conjunto de trabalhos acadêmicos produzirem respostas aos desafios e anseios de jogadores, desenvolvedores e profissionais de diferentes áreas.

O objetivo deste trabalho é compreender, por meio de um estudo de revisão de literatura, a produção do conhecimento sobre os EXGs no contexto do Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGAMES), no intuito de identificar os principais usos e aplicações dessas tecnologias, bem como os principais resultados dos estudos divulgados no evento. Para isso, o trabalho se organiza conforme o seguinte roteiro de discussão: 1) considerações gerais sobre jogos digitais e EXGs; 2) desenho metodológico da pesquisa; e 3) resultados da revisão de literatura.

 

Dos Jogos (Digitais) aos Exergames

 

Mas, afinal, o que são jogos digitais? Trata-se de um fenômeno complexo e dotado de múltiplas descrições. Inicialmente, autores da corrente “clássica” dos estudos sobre o jogo costumam fornecer elementos valiosos para a compreensão do assunto. Um deles é o historiador Johann Huizinga (2001) que, no livro Homo Ludens, se dedica a investigar a natureza do fenômeno e suas inserções em diferentes domínios, como a linguagem, o direito, a guerra, o conhecimento e as artes. Para ele, o jogo consiste em uma atividade voluntária e livremente consentida, estruturada por regras, desligada de interesses materiais – como o lucro – e capaz de absorver inteiramente o jogador. Outro aspecto relevante diz respeito ao fato de que o jogo é uma experiência que ocorre num espaço-tempo apartado da vida cotidiana: o círculo mágico. Nele, objetos e ações são ressignificados, passando a adquirir novos sentidos efêmeros e restrito à atividade que se desfazem assim que o jogo termina.

Já os jogos digitais “da atualidade” são experiências lúdicas sustentadas por algum tipo de plataforma computacional. Por conta disso, tendem a operar numa base que combina um hardware tangível e um software intangível (os jogos em si, tal como são programados) (CRUZ JUNIOR, 2013). Essa mudança pode ser observada no rápido surgimento de novos gêneros (tiro em primeira pessoa, survival horror, estratégia) e plataformas de jogo (arcades, computadores, celulares, tablets). Em todas essas circunstâncias, os jogadores têm a oportunidade de vivenciar, em condições seguras, tanto atividades extraordinárias quanto inspiradas no “mundo real”, como guerras, esportes e profissões.

Esse amadurecimento também é perceptível nos jogos que inauguram novos nichos na indústria do entretenimento digital, como é o caso dos EXGs. De antemão, Kappen, Mirza-Babaei e Nacke (2018) admitem a grande dificuldade de conceituar o fenômeno por conta da acentuada inconsistência terminológica que cerca os EXGs, já que eles têm sido associados a denominações distintas e por vezes incongruentes: videogames ativos (active video games/active-play video games), exercícios baseados em jogos (game-based exercising), exergaming, jogos de esforço (exertion games), jogos ativos (active gaming) e jogos de saúde (health gaming).

Ao possibilitar a conversão de movimentos físicos em comandos executados no interior de experiências lúdicas digitalmente mediadas, os EXGs desafiam o imaginário de que os videogames são responsáveis por comportamentos sedentários e avessos a uma vida saudável. Geralmente, esse conjunto de vivências se sustenta em acessórios capazes de traduzir gestos corporais em estímulos inteligíveis a sensores e códigos programados em diferentes plataformas de jogo. Essas, por sua vez, obtiveram destaque recente no mercado de games graças a periféricos como o Wii Mote, Kinect e PS Move. Nos jogos eletrônicos tradicionais, a execução de ações está subordinada ao uso de interfaces (gamepad, telas sensíveis ao toque, teclado e mouse) acionadas por gestos físicos discretos, como o movimento de mãos e dedos. Já os EXGs, ao operarem mediante movimentos corporais de maior complexidade, criam formas únicas de interação entre o jogador e o game, transformando os corpos de seus participantes em joysticks.

Para Vaghetti et al. (2018), os EXGs correspondem a consoles que, em comparação aos videogames tradicionais, exigem maior esforço físico para serem jogados e dominados. Dito de outra forma, são o resultado da união entre videogames tradicionais e exercícios físicos, combinando numa única experiência a atratividade dos games com o esforço e o gasto energético das práticas corporais convencionais. Sob a ótica da interação humano-computador, os autores explicam que os EXGs costumam ser desenvolvidos com propósitos que não coincidem com os usos domésticos habituais dos demais jogos digitais, como a perda de peso, a promoção de interação social e a reabilitação física.

No âmbito acadêmico, os EXGs têm adquirido crescente atenção entre professores, pesquisadores e intelectuais. Essa notoriedade tem se materializado na forma de investigações e estudos variados, com destaque para as revisões (sistemáticas) de literatura (VAGHETTI et al., 2018; ARAÚJO; BATISTA; MOURA, 2017; PEREIRA et al., 2012; KAPPEN; MIRZA-BABAEI; NACKE, 2018; CHAO; SCHERER; MONTGOMERY, 2014). Por se tratar de um fenômeno de rápida ascensão, é compreensível a multiplicação de análises interessadas em examinar os resultados de pesquisas dedicadas ao tema por especialistas em diferentes áreas. Trata-se de uma abordagem que tem auxiliado na construção de um panorama geral que abrange tendências e desafios presentes no desenvolvimento e na incorporação de EXGs em diferentes cenários.

Parte significativa dos estudos de revisão sobre os EXGs tem se pautado na definição de recortes temáticos a priori (ex.: dispêndio energético, fatores motivacionais, aplicabilidade em disciplinas escolares, etc.). Em contraponto, o presente trabalho não se sustenta numa problemática particular, e sim sob um pano de fundo: o Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGAMES). Promovido anualmente pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC), o SBGAMES surgiu em 2004 e atualmente é considerado o maior acontecimento acadêmico da América Latina no campo dos jogos digitais, reunindo pesquisadores, estudantes, membros da indústria e entusiastas do assunto, tendo como principal objetivo o desenvolvimento e a socialização de projetos e estudos sobre jogos eletrônicos. A cada ano, o evento recebe centenas de participantes de todas as regiões do Brasil e de outros países do mundo.

Um dos motivos para a escolha do SBGAMES como base para esta pesquisa é o papel cumprido por ele na condição de ator acadêmico-científico pioneiro que tem impulsionado debates essenciais no campo dos jogos digitais. O evento tem servido como ponto de convergência para participantes oriundos de diferentes áreas, constituindo-se como um espaço de trocas multi e interdisciplinar. Ademais, também representa um espaço de divulgação científica que serve de “laboratório” para muitas propostas em construção, permitindo que essas, antes da avaliação em revistas e periódicos, possam amadurecer por meio do diálogo com participantes do próprio simpósio, sejam eles pesquisadores, desenvolvedores, pareceristas ou apenas consumidores de games. Isso indica que o SBGAMES é um contexto que permite a observação antecipada de análises sobre fenômenos e questões em ascensão, já que o material publicado nos anais do evento não é disponibilizado nas bases de dados normalmente consultadas em estudos de revisão – SciElo, Medline, DOAJ e Lilacs.

Desse modo, parece urgente compreender o modo como a temática dos EXGs tem sido retratada no SBGAMES, uma vez que um estudo desta natureza permitirá identificar os limites e as possibilidades do evento na construção do campo de conhecimento dos jogos digitais e, em particular, no debate envolvendo as interseções entre games e exercícios físicos.

 

Metodologia

 

Este trabalho consiste numa pesquisa bibliográfica com elementos de revisão sistemática de literatura (RSL). Para Zoltowski et al. (2014), essa técnica se caracteriza pela busca e avaliação crítica e sintética de resultados de diferentes estudos. Trata-se de um tipo de investigação cujo objetivo é proporcionar uma visão abrangente acerca de um tema, objeto de conhecimento ou campo de investigação particular. A coleta de dados segue um percurso de investigação orientado por um protocolo predefinido. Esse instrumento colabora para que o estudo seja conduzido em conformidade com as expectativas e exigências de cientificidade. Desse modo, a elaboração do protocolo de revisão ocorreu com base nas sugestões de Okoli (2019), pautando-se nas seguintes etapas: 1) identificação do objetivo e do problema de pesquisa; 2) planejamento do protocolo e preparação dos pesquisadores; 3) aplicação de uma seleção prática; 4) busca da bibliografia; 5) extração de dados; 6) avaliação dos artigos; 7) síntese dos estudos; e 8) escrita da revisão. A primeira etapa do protocolo teve como foco a definição dos assuntos a serem pesquisados e dos objetivos gerais da pesquisa. Nesse sentido, este trabalho teve o intuito de compreender a produção científica sobre EXGs nos anais do SBGAMES, sustentando-se nas seguintes indagações: quais são os estudos sobre EXGs divulgados no evento?; quais são os usos e as aplicações atribuídos a essa tecnologia?; e quais foram os principais resultados e apontamentos desses trabalhos?

Levando em conta essas indicações, o passo seguinte foi a execução do protocolo de RSL. No que diz respeito à etapa de seleção prática, a fonte primária definida como base para a pesquisa é o SBGAMES, especificamente, o conjunto de trabalhos publicados nos anais do evento. Partindo do portal on-line do SBGAMES, a RSL procedeu ao contato com o universo bibliográfico do evento. Devido à inexistência de motores de busca internos que permitissem a realização de um mapeamento detalhado dos trabalhos publicados em todas as edições do evento simultaneamente, esta etapa foi realizada de forma manual. Para isso, foram consultadas as páginas dos anais de cada uma das edições do evento entre os anos de 2010 e 2020, e, em seguida, foram pré-selecionados todos os artigos que demonstraram vínculo aparente com a temática dos EXGs.

No intuito de garantir a viabilidade da RSL, as buscas levaram em conta apenas full papers e shorts papers publicados nas trilhas “Cultura” e “Educação”. Apesar de inteiramente compatível com esse recorte, a trilha “Saúde” não foi incluída na amostra porque seu surgimento ocorreu apenas em 2021, estando, portanto, fora do intervalo temporal definido neste estudo. A busca pela bibliografia ocorreu no mês de julho de 2021 e teve como base a realização de uma pré-leitura dos títulos, dos resumos, das palavras-chave e dos demais componentes essenciais no processo de compreensão preliminar dos trabalhos a serem analisados. Tendo em vista assegurar a qualidade da amostra, os trabalhos identificados na etapa de busca da bibliografia foram submetidos a critérios de inclusão e exclusão. Nesse sentido, foram pré-selecionados os trabalhos que: 1) encontravam-se disponíveis nas bases de dados das edições do SBGAMES; 2) têm como foco os EXGs ou jogos digitais baseados em movimentos corporais; 3) foram publicados entre os anos 2010 e 2020; e 4) foram publicados em língua portuguesa. Já na etapa de exclusão, foram descartados os trabalhos indisponíveis para download nas páginas do evento que não foram publicados dentro do recorte temporal supracitado e cujos textos foram redigidos em língua estrangeira.

  Como resultado, foram identificados 13 trabalhos, distribuídos entre full papers e short papers (QUADRO 1).

Quadro 1 – trabalhos reunidos na amostra.

Autor(es)

Título

Ano

Tipo

C. A. O. Vaghetti

R. I. Sperotto 

S. S. da C. Botelho

Cultura digital e Educação Física: problematizando a inserção de EXGs no currículo

2010

Full paper

A. D. Brückheimer

M. da S. Hounsell

A. Kemczinski

Dance2Rehab: Um jogo para Reabilitação Virtual Adaptativa

2010

Full paper

C. A. O. Vaghetti

P. N. Mustaro

S. S. da C. Botelho

EXGs no ciberespaço: uma possibilidade para Educação Física

2011

Full paper

C. A. O. Vaghetti et al.

 

Usando Exergame como ambiente virtual de aprendizagem para o tênis de mesa: uma abordagem baseada na motivação intrínseca

2013

Full paper

C. A. O. Vaghetti et al.

EXGs no currículo da escola: uma metodologia para as aulas de Educação Física

2013

Short paper

C. A. O. Vaghetti et al.

EXGs na Educação Física: ferramentas para o ensino e promoção da saúde

2014

Full paper

S. S. R. da Silva

 M. Ribeiro Filho

ARVRE: Ambiente de Realidade Virtual para Reabilitação Motora e Estímulo Cognitivo

2014

Short paper

T. H. dos Reis et al.

 

Ensinando Conceitos de Física com Sensores de Movimentos

2014

Short paper

A. S. Cavalli et al.

 

Motivação e interesse de idosos em jogar EXGs relacionados à atividade física

2014

Short paper

R. V. Aranha

M. W. S. Ribeiro

C. A. X. de Camargo

Serious Games e Interação Natural na Terapêutica Posterior ao Tratamento do Câncer de Mama

2014

Short paper

S. F. F. Filho

P. M. Jucá

Uso de Jogos Sérios para Auxiliar na Reabilitação Motora de Pacientes com Espondilite Anquilosante

2015

Full paper

L. K. Greis et al.

 

Desenvolvimento de um Jogo Digital com Ferramentas de Autorias e Tecnologia Exergame por Professores Não Programadores

2016

Short paper

M. L. Bastos

A. A. de S. Santos

Z. C. Felix

Turtle Therapy: Um Jogo Sério para o auxílio no tratamento pós-AVC

2017

Full paper

Fonte: dados da pesquisa (2022).

 

Na etapa de extração dos dados, os textos foram baixados, lidos e analisados, visando à identificação das informações de interesse da pesquisa, que foram registradas num formulário à parte, processo no qual foram observados elementos como: título, autor(es), ano de publicação no SBGAMES, modalidade do texto (full paper ou short paper), resumo e palavras-chave. Em seguida, para uma análise em profundidade foram examinados aspectos como objetivo(s) do trabalho, seu desenho metodológico e seus principais resultados. Uma vez selecionados, os textos na amostra final foram lidos na íntegra e estudados sistematicamente, com o propósito de reunir elementos úteis à formulação de respostas às perguntas que sustentam esta pesquisa. Além disso, espera-se que a descrição e a análise dos trabalhos sirvam não apenas para compreender o tipo de contribuição dada pelo SBGAMES ao debate sobre EXGs no Brasil, mas também para oferecer a professores e pesquisadores um arcabouço de informações capaz de subsidiar ações concretas, seja na forma de práticas pedagógicas, seja na forma de novos projetos de investigação.

 

Resultados e discussões

 

O primeiro fator observado foi o período de publicação de cada trabalho (GRÁFICO 1). Levando em consideração o recorte temporal aqui definido (2010 a 2020), foi realizada uma análise preliminar da distribuição dos estudos na amostra, processo que permitiu a identificação de textos associados a sete edições diferentes do SBGAMES (GRÁFICO 1).

 

Gráfico 1 - Distribuição dos Trabalhos.

Fonte: dados da pesquisa (2022).

 

É possível perceber que de 2010 a 2017 existe um número regular de trabalhos publicados por edição, com exceção de 2012, quando não foi apresentado nenhum artigo, chegando a um pico de cinco trabalhos na edição de 2014. Já no tocante às últimas três edições do evento (2018, 2019 e 2020), não foram identificados textos sobre o tema EXGs na amostra analisada. Essa lacuna recente pode ser interpretada como sintoma da diminuição do apelo da temática no âmbito do SBGAMES ao longo das últimas edições. Uma hipótese para a redução no número de estudos a partir de 2015 tem a ver com o fato das indústrias de consoles terem reduzido o investimento no desenvolvimento de dispositivos, plataformas e periféricos que dão suporte à criação de experiências de jogo baseadas em movimentos corporais complexos.

Os EXGs ganharam evidência com a popularização do console Nintendo Wii, lançado em 2006 e descontinuado em 2013, que contou com o Wii Remote, controle equipado com acelerômetros capazes de captar gestos físicos e convertê-los em comandos para os jogos da plataforma. Do mesmo modo, os EXGs também ganharam impulso com a ajuda de acessórios posteriormente lançados, como o Kinect: sensor de movimentos compatível com os consoles Xbox 360 e seu sucessor, o Xbox One. Entretanto, em 2017 o acessório foi descontinuado por sua fabricante, a Microsoft, em decorrência de fatores variados, como a dificuldade de incentivar desenvolvedores a criarem jogos compatíveis com interfaces baseadas em movimentos corporais. Este fato representou um duro golpe na indústria e no mercado de EXGs, reduzindo drasticamente a oferta de títulos do gênero nas principais gerações de consoles da atualidade.

Outro aspecto observado diz respeito às modalidades dos textos apresentados (GRÁFICO 2). Como mencionado, os principais trabalhos submetidos ao SBGAMES se dividem em dois formatos distintos: full papers (artigos completos) e short papers (artigos curtos/resumos expandidos). A amostra indicou o equilíbrio entre as modalidades de trabalhos publicados sobre EXGs: são sete full papers e seis shorts papers. Essa paridade se manteve constante até 2014, quando, especificamente nesse ano, a proporção de short papers foi quatro vezes maior que a de full papers.

 

Gráfico 2 - Modalidade dos Trabalhos.

Fonte: dados da pesquisa (2022).

 

Também foi examinada a frequência com que os autores específicos figuraram nos trabalhos da amostra. Entende-se que a assiduidade de certos pesquisadores pode indicar a constituição de referências, hegemonias e “autoridades” nos estudos sobre o tema, ainda que numa escala restrita, que nesse caso se resume ao próprio território do SBGAMES. Dentre os nomes mais recorrentes, destacam-se: 1) César Augusto Otero Vaghetti (seis trabalhos); 2) Silvia Silva da Costa Botelho (cinco trabalhos); e 3) Karina Longone Vieira, Sheymara Emi Ito Mazza e Adriana S. Cavalli (dois trabalhos de cada autora).

A amostra também foi examinada no tocante ao perfil dos autores e suas áreas do conhecimento de origem. Mais especificamente, observou-se a quais disciplinas acadêmicas estão vinculados os pesquisadores acima listados, no intuito de identificar possíveis padrões e tendências em termos de matrizes de conhecimento mais acionadas nos estudos sobre EXGs. Nesse sentido, percebeu-se o nítido protagonismo de um eixo “pedagógico” composto por Educação Física, Ciências do Esporte e Ciências da Educação, de par com um eixo “tecnológico” composto pela Computação, Informática e Engenharia, representados, respectivamente, pelos pesquisadores César Augusto Otero Vaghetti e Silvia Silva da Costa Botelho. Convém destacar que esses autores possuem cinco trabalhos em coautoria, o que sugere que a produção do conhecimento sobre EXGs no SBGAMES tem um forte caráter interdisciplinar.

Essa composição também reflete características gerais das trilhas escolhidas como fontes primárias deste estudo (“Cultura” e “Educação”). Dos 13 artigos analisados, sete (54%) abordam os EXGs em contextos e situações predominantemente educacionais, enquanto outros seis (46%) se debruçam sobre temas que associam esses jogos a atividades e interesses inscritos na área da saúde. Com base nas informações resultantes do processo de leitura na íntegra de cada texto, os trabalhos na amostra foram divididos em duas categorias distintas e descritos conforme as funções primárias atribuídas aos EXGs, a saber: 1) componente de práticas educativas; e 2) recurso técnico a serviço da saúde.

 

Aplicações educacionais: Educação Física

 

Nesta categoria, foram enquadrados os artigos que se propõem a explorar as qualidades dos EXGs em práticas educativas intencionais e processos de aprendizagem formais. Para isso, este núcleo foi subdividido em dois eixos: 1) EXGs e a Educação Física; e 2) EXGs em outros contextos da educação.

A primeira e mais nítida vertente de aplicação dos EXGs à educação está associada ao campo da Educação Física (VAGHETTI; MUSTARO; BOTELHO, 2011; VAGHETTI; SPEROTTO; BOTELHO, 2010; AUGUSTO; VAGHETTI; SILVA, 2013; VAGHETTI et al., 2014). Num primeiro plano, destacam-se os estudos nos quais esse tipo de jogo é considerado um elemento digno de integração ao currículo da Educação Física escolar. Um exemplo é o trabalho de Vaghetti, Mustaro e Botelho (2011), que teve como objetivo investigar os EXGs em rede e sua usabilidade nas aulas de Educação Física. Para isso, foram estudados e analisados videogames domésticos comercializados no Brasil, em especial, as plataformas compatíveis com jogos de movimento. O jogo é um dos principais objetos de conhecimento da Educação Física, e por meio dele é possível ensinar conceitos e fundamentos de outras práticas corporais, como o esporte, as lutas, as danças, as ginásticas, além do próprio jogo como conteúdo curricular. Nesse sentido, os autores propõem o diálogo entre modelos teóricos utilizados no estudo de jogos e EXGs, como a teoria do fluxo, cuja aplicação pode facilitar a compreensão e a avaliação das experiências corporais proporcionadas pelos games em termos de diversão e potencial lúdico. Por fim, argumentam que a utilização de EXGs em contextos formativos passa pelo fortalecimento dos processos de formação continuada dos professores, já que esses ajudam a aproximar as práticas docentes do conjunto de tecnologias que na atualidade se apresentam como potenciais ferramentas pedagógicas.

O reconhecimento dos EXGs como prática passível de assimilação ao currículo da Educação Física escolar abre caminho para diferentes desdobramentos temáticos. Um deles diz respeito ao conjunto de implicações trazidas por essa perspectiva à formação dos profissionais responsáveis por promover a integração desses jogos às aulas. Sob esse pano de fundo, está o trabalho de Vaghetti, Sperotto e Botelho (2010), que tem como objetivo problematizar “a inserção dos jogos eletrônicos, games, principalmente os exergames, nos currículos dos cursos de Educação Física (Licenciatura e Bacharelado) e Educação Física Escolar” (p. 62). Do ponto de vista metodológico, caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica que recorreu a estudos que descrevem os resultados da inclusão e do uso de games e EXGs nos processos de ensino-aprendizagem da Educação Física. Para isso, argumenta que o currículo deve ser definido como uma via de construção de novas formas de conhecimento, portanto não deve ficar restrito aos conteúdos e às metodologias tradicionais. No trabalho, essa afirmação é amparada por exemplos e ideias acerca de como os EXGs podem ser incorporados nos projetos pedagógicos dos cursos de formação em Educação Física, de modo a contribuir com o trato didático-pedagógico das práticas corporais. Por fim, os autores argumentam que os EXGs devem ser encarados não apenas como uma ferramenta pedagógica ou estratégia didática, mas, também, como recurso capaz de estimular o surgimento de novos modos de conceber e praticar a Educação Física. 

Além de estudos com caráter descritivo, a amostra revelou trabalhos com base em incursões de maior teor “prático”, como relatos de experiência e propostas de ensino. Neste contexto, Augusto, Vaghetti e Silva (2013) apresentam um modelo didático visando subsidiar a integração de EXGs às aulas de Educação Física escolar, por meio de uma intervenção pedagógica realizada na educação básica. Como resultado preliminar, a pesquisa reuniu elementos para uma metodologia de aplicação de EXGs nas aulas de Educação Física, destacando a importância do diálogo entre formas de movimento tradicionais e práticas corporais tecnologicamente mediadas. Para isso, os autores consideram fundamental o processo de seleção dos jogos e sua adequação temática aos objetivos de cada aula.

Tendo em vista contribuir para o planejamento e a implantação de uma disciplina acadêmica dedicada aos EXGs, Vaghetti et al. (2014) reuniram relatos, depoimentos e opiniões a respeito da utilização de jogos digitais de movimento na educação. Esse componente curricular foi ofertado na Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas, no primeiro semestre de 2015, nos cursos de bacharelado e licenciatura. A pesquisa envolveu 64 estudantes com idades entre 22 e 33 anos, aos quais foram aplicados questionários para a coleta de dados. Também foram utilizados recursos complementares como: um console Xbox 360 com sensor Kinect, um projetor, uma cópia do game Just Dance IV e outra do game Kinect Sports. Na sequência, os alunos foram divididos em dois grupos distintos: um com os estudantes que jogaram os jogos de boxe, tênis de mesa e voleibol, e outro com aqueles que jogaram o game Just Dance IV. Como resultado, o trabalho aponta alguns limites e possibilidades no tocante à integração dos EXGs às práticas pedagógicas.

De modo geral, os trabalhos neste eixo destacam o potencial dos EXGs como forma de estimular o interesse de estudantes por modalidades esportivas variadas, em especial, por aquelas que, por força de limitações materiais, raramente são abordadas nas aulas de Educação Física, mas que poderiam se fazer presentes com a ajuda de plataformas digitais. Contudo, não se deve perder de vista as limitações recorrentes em trabalhos do gênero. Nesse sentido, os resultados apresentados nas pesquisas nem sempre são compatíveis com as estratégias e os instrumentos de investigação estipulados, o que demonstra que boa parte da amostra apresenta fragilidades metodológicas que prejudicam a consistência de suas conclusões: “Embora os artigos anunciem uma série de benefícios a nível pedagógico, esses não se sustentam após uma análise crítica da metodologia e do procedimento de coleta.” (ARAÚJO; BATISTA; MOURA, 2017, p. 539). Em outras palavras, o debate sobre os EXGs e suas qualidades educacionais pode estar assentado numa visão parcial e idealizada do fenômeno, uma vez que suas inferências estão sustentadas em dados empíricos que nem sempre demonstram o devido rigor científico.

 

Aplicações educacionais: outras áreas

 

Além das associações com a Educação Física, a amostra também revelou trabalhos que trazem apropriações mais amplas dos EXGs no campo da educação, (AUGUSTO; VAGHETTI; SILVA, 2013; REIS et al., 2014; CARDOSO, 2016). Nesse contexto, é importante compreender as nuances no debate sobre EXGs no âmbito educacional para além das questões que dizem respeito ao componente curricular supracitado. Um dos aspectos a serem levados em conta é quando, de um lado, os esportes presentes nesses jogos correspondem ao objeto de conhecimento dos estudos na amostra e quando, de outro, essas práticas tecnologicamente mediadas são tão somente um “meio” para alcançar objetivos situados para além do domínio da educação do corpo propriamente dito.

Esse aspecto pode ser observado em estudos em que o movimento corporal é tratado como um recurso educacional transdisciplinar, e, como tal, está à disposição de práticas formativas de diferentes áreas e campos do conhecimento. No trabalho desenvolvido por Reis et al. (2014) foi apresentado um relato sobre o processo de desenvolvimento de um jogo eletrônico para servir de ferramenta pedagógica no contexto do ensino de Física: o CineFut. O jogo aborda os conceitos de velocidade, aceleração, deslocamento e trajetória, dentre outros conteúdos pertencentes ao campo da cinemática. Como resultado, indica que o uso do sensor de movimentos Kinect no CineFut tem como ponto positivo a possibilidade de maior interação entre aluno e professor, facilitando o contato com o tema e a aplicação dos conteúdos ensinados na disciplina de Física.

Neste eixo, assim como no anterior, também foram identificados trabalhos com enfoque nos professores das escolas. Nesse caso, essa presença esteve associada a outra abordagem recorrente nos trabalhos apresentados no SBGAMES: o planejamento, a criação, a implementação e a validação de protótipos de jogos em situações didáticas. A pesquisa de Cardoso (2016) teve como objetivo relatar o processo de desenvolvimento de um exergame idealizado por professores não programadores, cuja meta é avaliar o grau de desenvolvimento de crianças conforme o esquema de habilidades cognitivas formulado por Jean Piaget. Como resultado, a pesquisa inferiu que o game desenvolvido se mostrou eficiente na avaliação do desenvolvimento cognitivo das crianças. Além disso, ressaltou a importância de aprimorar as práticas pedagógicas e estratégias didáticas para a construção do conhecimento, como também a necessidade de incentivar professores não programadores a se familiarizarem com diferentes formas de desenvolvimento de conteúdo digital, contribuindo assim para a construção de acervos e para a difusão de recursos educacionais que possam auxiliar docentes no processo de aprimoramento de suas práticas profissionais.

Outra ramificação digna de destaque está ligada aos trabalhos que se dedicam às dimensões psicológicas das experiências proporcionadas pelos EXGs e como elas afetam a relação do(s) jogador(es) com os desafios de cada game. Assim ocorre com a pesquisa de Augusto, Vaghetti e Silva (2013), que aborda o uso dos social EXGs – também chamados de networked EXGs – para o ensino do tênis de mesa no ciberespaço, propondo-se a identificar as diferenças motivacionais nos modos singleplayer (um jogador), multiplayer (multijogador) e networked (em rede). No modo singleplayer, destacou-se a interação competitiva entre o jogador, representado por um avatar, contra o “computador”, isto é, um adversário controlado por inteligência artificial. No modo multiplayer, também foi enfatizada a interação por meio da competição, mas, dessa vez, na disputa que acontece entre dois jogadores que compartilham o mesmo local e são representados por avatares próprios. Já no modo networked foram reveladas duas formas distintas de interação: de um lado, dois jogadores em rede disputaram partidas em que a dinâmica primária consistiu na competição; e do outro, quatro jogadores participam de partidas em que foram observadas interações competitivas, mas também cooperativas, nas quais os jogadores disputam partidas em dupla e colaboram de diferentes maneiras para superar uma outra dupla adversária conectada à rede. 

Ainda que comparativamente menos numerosos, os estudos focados em aplicações educacionais dos EXGs em cenários não ligados diretamente à disciplina Educação Física se revelam heterogêneos no plano temático e metodológico. Não se sabe, no entanto, se essa (discreta) pluralidade qualitativa futuramente será acompanhada de uma evolução qualitativa de trabalhos, uma vez que a amostra não identificou novas entradas sobre o assunto desde 2017, sugerindo o que pode ser uma tendência de reconfiguração das pesquisas sobre EXGs dentro e fora do SBGAMES.

 

Aplicações na saúde

 

Nesta categoria são descritos os artigos em que os EXGs assumem funções ligadas a diferentes ramos da saúde, servindo como agente de suporte em processos terapêuticos físicos e psíquicos, além de estratégia para promover um estilo de vida ativo baseado na prática regular de atividade física (BRÜCKHEIMER; HOUNSELL; KEMEZINSKI, 2010; SILVA; FILHO, 2014; ARANHA; RIBEIRO; CAMARGO, 2014; CAVALLI et al., 2014; BASTOS et al., 2015; FILHO; JUCÁ, 2015).

Neste recorte, os EXGs frequentemente estão associados a tratamentos para doenças e problemas físicos, na condição de base técnica para a criação de protocolos e exercícios adaptativos. Esse é o caso do trabalho de Brückheimer, Hounsell e Kemezinski (2010), cujo objetivo foi discutir os EXGs na perspectiva da reabilitação motora, por meio da produção de um jogo digital de realidade virtual com foco na recuperação de membros superiores: o Dance2Rehab (D2R). Como resultado, a pesquisa descreve o processo de desenvolvimento de um jogo de realidade virtual adaptativo e customizável, que usa tecnologia de webcam e elementos computacionais capazes de identificar os movimentos dos jogadores. Durante a utilização do D2R, os pacientes recebem pontos a cada tarefa realizada e são promovidos para as próximas fases conforme concluem as etapas do tratamento. Em linhas gerais, a intenção primária do jogo é promover processos clínicos mais interativos e menos monótonos com a ajuda da ludicidade dos games.

Mesmo consistindo em tecnologias voltadas à produção de experiências lúdicas notadamente corporais, os EXGs, além de uma alternativa à regeneração de traumas musculares, também integram formas terapêuticas de ordem neurocognitiva. O estudo de Silva e Filho (2014) teve como objetivo apresentar o percurso de criação de um protótipo de jogo de realidade virtual produzido no motor de desenvolvimento Unity3D para a plataforma Kinect. Trata-se de um recurso auxiliar no tratamento de crianças com paralisia cerebral que integram um grupo de trabalho do Núcleo Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva e Acessibilidade da Universidade do Estado do Pará. Para isso, além de uma interface gráfica amigável ao público-alvo, o protótipo do jogo contou com quatro exercícios na forma de minigames: dois para estímulo motor e dois para o estímulo cognitivo. Como resultado, o trabalho aponta que o uso do protótipo trouxe melhorias nas respostas físicas e mentais dos pacientes, dando a eles maiores expectativas quanto à realização do tratamento, destacando-se como ferramenta à disposição dos profissionais diretamente envolvidos na recuperação dos sujeitos em questão.

Outro aspecto relevante diz respeito não apenas ao tipo de atividade realizada, mas aos públicos aos quais essas experiências se dirigem. Mais precisamente, o caráter adaptativo e flexível das atividades realizadas em EXGs aparentemente faz deles um contexto acessível para grupos de pessoas acometidas por sequelas, deficiências ou restrições motoras severas. Esse é o caso do trabalho de Aranha, Ribeiro e Camargo (2014), que também se voltou às propriedades terapêuticas dos EXGs, que, nesse caso, foram direcionadas a pacientes submetidas a procedimentos cirúrgicos para o tratamento de câncer de mama. O estudo descreveu o processo de desenvolvimento de um sistema capaz de auxiliar a reabilitação motora de membros por meio de um game baseado em diferentes tarefas realizadas em ambiente virtual. Com o auxílio de fisioterapeutas, foram desenvolvidos critérios de avaliação e protocolos de movimento alinhados aos objetivos do processo de recuperação das pacientes. Por se tratar de um projeto ainda não finalizado, o trabalho esclarece que os próximos passos dessa iniciativa envolvem a realização de testes em instituições de saúde especializadas e que, após esse período de observação, o sistema passará por uma avaliação final para viabilizar a construção de recursos digitais capazes de tornar o tratamento em questão mais lúdico e eficaz. 

Assim como os estudos supracitados, o trabalho de Filho e Jucá (2015) também se voltou à aplicação de EXGs para um público afetado por uma patologia rara. O objetivo dos autores foi descrever a produção e a avaliação de um jogo capaz de contribuir para a reabilitação de pacientes acometidos pela espondilite anquilosante. Com esse propósito, o desenvolvimento do jogo se inspirou em brincadeiras comuns em programas de TV, como a atividade em que um muro se desloca por uma esteira na direção do jogador que, para ultrapassá-lo, deve imitar uma posição ou gesto desenhado no buraco na parede em movimento a ser atravessada. Como resultado, foi possível observar que os pacientes avaliaram positivamente a utilização do game, relatando que essa vivência tornou o processo terapêutico menos tedioso e que não houve dificuldades na interação com o jogo. Já o fisioterapeuta respondeu que já tinha conhecimento sobre o uso de games como ferramentas de reabilitação, mais especificamente, sobre um caso em que o Nintendo Wii foi empregado na recuperação de tenistas lesionados. Segundo ele, o uso desses jogos ajudou a melhorar a performance dos pacientes, o que reforça a necessidade de mais estudos e propostas voltadas a esse e a outros traumas de natureza neuromuscular. O game também foi avaliado por um educador físico, que deu contribuições importantes ao processo, como alertas em relação a certos tipos de risco existentes em exercícios estáticos, sugerindo que os movimentos do jogo fossem realizados na forma de repetições em série.

Por fim, entre os segmentos potencialmente beneficiados pelo estudo e desenvolvimento de EXGs, um deles vem recebendo crescente atenção: a terceira idade. No último texto do eixo associando os EXGs à saúde, Cavalli et al. (2014) examinam o interesse e a motivação de idosos para a utilização de jogos eletrônicos interativos como alternativa à realização de atividades físicas. Para isso, o estudo contou com a participação de indivíduos acima de 60 anos que integram o Núcleo de Atividades para a Terceira Idade (NATI) da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPEL). Os idosos participantes do estudo realizaram atividades físicas do game Kinect Adventure (a “trilha com bote” e o “vazamento”). Como resultado, o trabalho aponta que os EXGs se credenciam como nova opção para a vivência de práticas corporais diversas, estimulando modos de vida ativos e saudáveis na terceira idade. Sua recepção e seus impactos sobre o público-alvo foram avaliados positivamente, em parte por permitirem a realização de exercícios em ambientes seguros e sem interferência do clima. Por fim, a pesquisa conclui que a população de idosos em nosso país tende a crescer nos próximos anos, e que diante disso é necessário que sejam desenvolvidas novas formas de melhorar a qualidade de vida e aumentar a longevidade das pessoas na terceira idade.

Em linhas gerais, os EXGs foram representados como um recurso tecnológico com alto potencial para subsidiar diferentes práticas profissionais do campo da saúde. Em especial, no campo da fisioterapia foram evidenciadas as principais vantagens no tocante à reabilitação e ao desenvolvimento motores, particularmente o aprimoramento e a transformação de tarefas e protocolos pouco amigáveis em atividades munidas de maior interação e engajamento lúdico. Os estudos também destacam a receptividade de pacientes e profissionais da saúde aos novos métodos e alternativas de tratamento alicerçados em EXGs, sinalizando um cenário favorável à incorporação dessas propostas aos tratamentos já existentes.

 

Considerações Finais

 

Esta pesquisa buscou compreender a produção do conhecimento sobre os EXGs no SBGAMES por meio de uma RSL. No contexto do evento, o fenômeno estabeleceu um núcleo temático significativo que tem mobilizado prioritariamente os campos de conhecimento da educação e da saúde, apoiando-se na produção de relatos de experiência sobre a aplicação de jogos em circunstâncias clínicas e pedagógicas diversificadas (FIGURA 1).

 

Figura 1 – Síntese dos resultados.

 

 

Fonte: dados da pesquisa (2022).

 

Na área da saúde, os EXGs adquiriram credibilidade, habilitando-se como estratégias para alavancar a prática de exercícios físicos materializados na forma de práticas lúdicas tecnologicamente mediadas. Nesse cenário, sobressai o potencial revelado no uso de EXGs em ramos de atuação especializados, com destaque para a fisioterapia, área em que os jogos digitais têm oferecido alternativas para a reabilitação de pessoas acometidas por traumas musculares e distúrbios neuromotores. Do mesmo modo, a terceira idade também é um destaque entre os grupos de maior interesse de propostas dessa natureza, que têm se empenhado no esforço de identificar e fomentar maneiras mais eficazes para incentivar idosos a adotarem um estilo de vida ativo.

No campo da educação, os EXGs têm sido amplamente reverenciados como ferramentas de ensino em ascensão na educação escolar e universitária, especialmente em disciplinas como a Educação Física. Porém, a efusiva apologia aos EXGs como formas “divertidas” de aprender e praticar atividades físicas pode camuflar uma compreensão limitada acerca do papel cumprido pelo jogo no currículo da Educação Física escolar. No seio desse componente curricular, além de um “meio”, isto é, de uma estratégia didático-pedagógica, o jogo é também um objeto de conhecimento, um conteúdo de ensino. No entanto, o modo como os EXGs são representados em boa parte das pesquisas no âmbito educacional parece dar pouco destaque a essa dimensão, concebendo os referidos jogos mais como formas alternativas de vivenciar – simular – práticas corporais já estabelecidas, do que um domínio independente capaz de fundar experiências motoras singulares. Essa perspectiva cria obstáculos para a identificação e a sistematização dos conhecimentos existentes exclusivamente nos EXGs, os quais frequentemente se manifestam na forma de conceitos, competências e valores construídos pelo jogador durante o gameplay por meio de gestos e demais movimentos corporais.

Finalmente, deste trabalho também emergem indagações que podem impulsionar pesquisas futuras,  como: o que acontecerá com os EXGs diante da falta de estímulo dos desenvolvedores e da consequente descontinuação de plataformas fundamentais (a exemplo do Kinect)?; de que maneiras o campo de investigação dos EXGs e seus pesquisadores responderão à ameaça de escassez ou mesmo de  indisponibilidade desses dispositivos?; e qual será o legado dos estudos sobre EXGs realizados ao longo dos últimos anos para a indústria e a academia?

 

Referências

 

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