GAMIFICANDO O ENSINO QUÍMICA – UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DURANTE O ENSINO REMOTO
Universidade Federal de Santa Maria
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ricardoellensohn@unipampa.edu.br
Resumo: O distanciamento social imposto pela pandemia da Covid-19 trouxe profundas mudanças sociais, e para a educação não foi diferente. A retomada das aulas nesse novo contexto exigiu uma rápida adaptação e apropriação, por parte dos professores, de metodologias e tecnologias digitais até então pouco ou nunca exploradas. Neste contexto, o presente trabalho visa apresentar e discutir os resultados da implementação de atividades gamificadas como elemento de mediação pedagógica em uma disciplina de Química para um curso da área de Ciências Rurais. Sustentados na metodologia da pesquisa baseada em Design-Based Research, a partir do contexto pandêmico, as atividades foram desenvolvidas, com auxílio da ferramenta Google Forms, com o objetivo de revisar os conteúdos de Preparo de Soluções, Hidrólise Salina e Equilíbrio Químico. Os resultados apontam acerca da potencialidade da ferramenta para mediação pedagógica e desenvolvimento da autonomia discente.
Palavras-chave: Ensino de Ciências; Atividade Gamificada; Pandemia Covid-19.
GAMIFYING CHEMISTRY TEACHING - AN EXPERIENCE REPORT DURING REMOTE TEACHING
Abstract: The social distancing imposed by the Covid-19 pandemic has brought profound social changes, and education was no different. The resumption of classes in this new context required a quick adaptation and appropriation, on the part of teachers, of methodologies and digital technologies that until then had been little or never explored. In this context, the present work aims to present and discuss the results of the implementation of gamified activities as an element of pedagogical mediation in a Chemistry subject for a course in the area of Rural Sciences. Based on the Design-Based Research methodology, from the pandemic context, the activities were developed, with the help of the Google Forms tool, with the objective of reviewing the contents of Solution Preparation, Saline Hydrolysis and Chemical Equilibrium. The results point to the potential of the tool for pedagogical mediation and development of student autonomy.
Keywords: Science teaching; Gamified Activities; Covid-19.
Introdução
A pandemia provocada pelo SARS-CoV-2, a chamada Covid-19, trouxe consigo inúmeros desafios em todos os setores da sociedade, dentre eles o educacional. Dentre estes desafios emergiu a necessidade da manutenção de vínculo das instituições de ensino com os estudantes, bem como a continuidade dos processos de ensino-aprendizagem. Schollmeier, Lampe e Barin (2021, p. 157) apontam que “Se os desafios para ensinar química sempre estiveram presentes no ensino presencial, ao final do ano de 2019 e no decorrer de 2020, eles aumentaram em escala mundial, com o novo Coronavírus (COVID 19)”. No entanto, Rondini, Pedro e Duarte (2020) afirmam que, embora a pandemia tenha trazido consigo muitos desafios, trouxe também a oportunidade de inovar a educação e enriquecer a práxis pedagógica por meio da mediação tecnológica, visto que a imersão no ambiente virtual e o uso das tecnologias a ele associadas, proverá impactos tanto para professores como para estudantes.
A potencialidade do uso de recursos das tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDIC) na mediação pedagógica não é recente, visto que ao longo dessa última década, muitos pesquisadores discutem as potencialidades de seu uso, bem como suas fragilidades ou desafios (MORAN, 2013; DE OLIVEIRA, 2015; LEITE 2017; BOTEGA et al. 2017; SCHNEIDER; SCHRAIBER; MALLMANN, 2020). Entretanto, o uso das TDIC como elemento de mediação, não é suficiente para que se garanta a qualidade do ensino, o engajamento dos estudantes e a flexibilização do aprendizado, faz-se necessário saber utilizá-las de forma pedagógica, ou seja, com um intuito claro do que se pretende alcançar, escolhendo as melhores ferramentas diante dos objetivos e do contexto educacional.
O Ensino Remoto, alternativa viável adotada pela maioria das instituições de ensino do Brasil (FIOR; MARTINS, 2020; MÉLO et al. 2020), requereu dos agentes do processo educacional – professores e estudantes – um movimento contínuo de adaptação e protagonismo no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, os professores buscaram alternativas tecnológicas para, não apenas apresentar, informar e disponibilizar conteúdos, mas também para construir conhecimento.
Dentro deste contexto, a gamificação, ou seja, o uso de elementos do design de games em atividades educacionais surge como uma interessante ferramenta, não apenas para engajar ou tornar o processo de ensino-aprendizagem lúdico, mas também para propiciar aos estudantes o acompanhamento de sua própria aprendizagem. Como aponta Leite (2017), “a educação gamificada tem como objetivo incentivar os alunos a aprenderem se divertindo”.
Assim, o presente trabalho visa apresentar e discutir uma experiência de ensino apoiada na gamificação como alternativa para engajar os estudantes e propiciar a autonomia do aprendizado.
Atividades Gamificadas
A gamificação vem ganhando adeptos nos últimos anos em diversos setores da sociedade, desde o mundo do trabalho até o campo educacional. O destaque no campo educacional pode estar associado ao fato da mesma promover não apenas o interesse dos estudantes, como o engajamento dos mesmos nas atividades, como afirmam Toda, Silva e Isotani (2017), ganhando assim um viés de metodologia ativa.
De uma forma ampla, Deterding et al. (2011) definem a gamificação como o uso dos elementos presentes em jogos em atividades fora da realidade dos games, como, no mundo do trabalho, no marketing, nos processos de formação, capacitação e do ensino-aprendizagem. Esse conceito foi sendo ampliado e é melhor descrito por Kapp (2012), que afirma que a gamificação além de incorporar elementos ou características de jogos em diferentes contextos, recorre ao pensamento dos jogos para resolução de problemas e a construção do conhecimento. Por fim, numa perspectiva de contexto educacional, Santos e Freitas (2017), abordam o conceito da gamificação como as atividades que envolvem as características e elementos de jogos com um objetivo de ensinar e aprender.
Os elementos de jogos podem ser classificados em: dinâmicas de jogos, mecânicas de jogos e componentes de jogos. Assim, as dinâmicas de jogos representam as interações criadas entre o jogador e a experiência da gamificação e podem envolver a progressão (da ideia das etapas vencidas ou não), o reforço emocional, restrições (como não poder avançar para o próximo nível sem ter completado o nível anterior). Já as mecânicas estão comumente relacionadas aos desafios e recompensas, aquisição de recursos (permitem ao jogador coletar itens como cards, moedas virtuais, selos etc.), avaliação ou feedback (que aponta para os estudantes se estes estão no caminho certo) e vitória (estado de ter ganho o jogo). Por fim falamos dos componentes, estes elementos consistem dos recursos mais concretos como as medalhas, selos ou moedas, a pontuação, avatar, conquistas e coleções etc. (BISSOLOTTI; NOGUEIRA; PEREIRA, 2014; COSTA; MARCHIORI, 2015, ARAÚJO, 2016).
De acordo com Costa e Marchiori (2015), a escolha e combinação dos elementos a serem utilizados no design do jogo podem ser influenciadas pelas ferramentas e plataformas disponíveis para o desenvolvimento da atividade gamificada, assim como pelos objetivos que se pretende alcançar com a inserção destes elementos. Neste sentido, a escolha pode ter um foco no engajamento, na revisão de conceitos, na fidelização do sujeito etc.
Cleophas (2020) ressalta a importância de prover atividades gamificadas no ensino de Química de forma a romper com os paradigmas dessa Ciência e incentivar os estudantes a se engajarem no processo de ensino-aprendizagem, mantendo a motivação e desenvolvendo a autonomia. No entanto, questiona-se: será que a mera inserção de elementos de jogos é capaz de propiciar a motivação e a autonomia?
Segundo Cardoso e Messeder (2021), os elementos de jogos utilizados na gamificação contribuem para a melhoria do engajamento dos estudantes de diferentes modalidades de ensino, indo desde o ensino fundamental até o nível superior, além de tornar o processo de construção de saberes mais prazeroso.
Por outro lado, Leite (2017) reflete sobre o fato da gamificação ainda encontra-se em fase embrionária no contexto do ensino superior e básico, principalmente no que se refere ao Ensino de Química. O autor aponta ainda que:
[...] a mera aplicação de mecanismos do jogo em qualquer contexto não significa que se atinja o efeito desejado em uma proposta de gamificar a sala de aula. Ademais, nossa prospecção é de que o êxito da gamificação na educação dependa da utilização planejada pelo professor, que seja capaz de engajar seus alunos, e que estes possam identificar os objetivos da atividade proposta, superando os desafios que esta metodologia impõe, por exemplo, uma demanda de tempo superior de quando o professor prepara outras atividades (LEITE, 2017, p. 9).
Portanto, propor uma atividade gamificada é diferente de gamificar a sala de aula, esta requer não apenas a inserção de atividades gamificadas, mas um planejamento acerca das mecânicas e dinâmicas dos jogos a serem inseridas ao longo do tempo didático previsto da disciplina. Ademais, o autor ressalta que as atividades propostas que não tenham sido pensadas e planejadas com um olhar a partir da realidade em que se encontram inseridas o professor e seus estudantes, pode não promover o engajamento destes.
Metodologia
O trabalho foi estruturado na perspectiva metodológica do Design-Based Research (DBR) – Pesquisa Baseada em Design – que integra métodos de análise quali-quantitativos. Matta, Silva e Boaventura (2015), afirmam que a DBR é uma metodologia de pesquisa que propicia a avalição de seus resultados formativamente. Segundo os autores a DBR “se propõe a superar a dicotomia e mesmo a discussão sobre pesquisa qualitativa ou quantitativa, desenvolvendo investigações com foco no desenvolvimento de aplicações e na busca de soluções práticas e inovadoras” (MATTA; SILVA; BOAVENTURA, 2015, p.3).
A Pesquisa Baseada em Design é comumente utilizada em contextos reais em colaboração entre pesquisadores e participantes, através de ciclos iterativos de design e redesign, tendo como objetivo, prover formas alternativas para solução de problemas reais (WANG; HANNAFIN, 2005), nesse caso, sobrepujar os desafios decorrentes do distanciamento social e da adoção do modelo de Ensino Remoto. A Pesquisa baseada em Design tem como característica a produção de “princípios de design” – produto educacional – que possa contribuir para minimização de problemas educacionais reais.
A estrutura simplificada da metodologia pode ser melhor compreendida por meio da Figura 1.
Figura 1: Desenho metodológico da pesquisa baseada em design.
Fonte: Botelho Kneubil e Pietrocola (2017)
Considerando os desafios impostos pela adoção súbita do Ensino Remoto, surge o desafio, ou problema real, que este trabalho visa minimizar. O problema real se desdobra em questionamentos: como manter os estudantes ativos no processo de aprendizagem, interessados e engajados? Como os mesmos podem verificar sua aprendizagem de forma contínua?
Com base nestes questionamentos, e considerando a não presencialidade decorrente do período pandêmico, buscou-se logo no início do semestre letivo propor uma atividade gamificada (princípios de design) que visava revisar os conceitos de “preparo de soluções” (escolha do tema + objetivo específico) que compunha a primeira Unidade de estudos da disciplina.
A primeira atividade elaborada (design) “A Química não tem problemas, tem soluções”[1], explora os conceitos associados ao estudo das soluções químicas, seu preparo e expressões da concentração. A escolha de criação da atividade no Google Forms e criação dos selos de bonificação no Canva deu-se devido à fluência da pesquisadora nestas plataformas.
A atividade gamificada “A Química não tem problemas, tem soluções” foi disponibilizada aos estudantes na segunda semana de aulas (implementação), durante o Tema Introdução ao laboratório de Química (ministrado na perspectiva do Ensino Remoto e mediado de forma assíncrona via Google Classroom e síncrona via Meeting). A atividade foi disponibilizada junto a proposição de um passeio virtual ao laboratório real de Química, onde em períodos não pandêmicos, são realizadas as aulas experimentais da disciplina.
Na semana seguinte, durante a aula síncrona, os estudantes foram questionados no Meeting se este tipo de atividade contribuía para sua aprendizagem, sobre a aquisição dos selos e, se gostariam de ter mais atividades como esta ao longo da disciplina, numa perspectiva de avaliação da mesma. Considerando as respostas positivas, foram elaborados outros produtos educacionais (redesign).
A atividade “Gamificando o Agro e a Química”[2] aborda os conceitos de acidez dos solos e sua implicação na agricultura. Esta temática está intimamente relacionada a futura profissão dos estudantes. Por fim, foi desenvolvida a atividade gamificada: “Revisando a Hidrólise Salina”[3], como o próprio nome diz, revisa conceitos associados a hidrólise de sais. Estes conceitos estão correlacionados a Química dos solos e ao manejo agrícola.
A seguir descreveremos de forma mais detalhada o público-alvo e o lócus da pesquisa. O material foi disponibilizado para 55 estudantes de primeiro semestre de um Curso das Ciências Rurais, regularmente matriculados na Disciplina de Química, no decorrer do segundo semestre letivo de 2020. A mediação pedagógica se deu de forma assíncrona na plataforma Google Classroom e com encontros semanais síncronos via Meeting. A disciplina QMC1032 é composta de um componente teórico e um experimental, sendo aprovada pelo colegiado do curso para ser ministrada de forma online, sendo o componente experimental adaptado para experimentos com materiais de baixo custo a serem realizados em casa, bem como passeio virtual e aulas experimentais demonstrativas.
Teve-se como instrumento de coleta de dados os comentários privados ou públicos do ambiente virtual Google Classroom, os diálogos no Meeting (que por ser gravado serviu como um diário de bordo dos pesquisadores), bem como a própria atividade proposta que, em uma de suas edições (redesign), contemplou uma avaliação da ferramenta. Os dados obtidos são apresentados e discutidos a seguir.
Resultados e Discussão
Considerando o distanciamento social e as dificuldades em estabelecer vínculo com os estudantes mediante o Ensino Remoto, buscou-se na gamificação estreitar as relações com os estudantes, por meio das recompensas associadas inicialmente às atividades que deveriam ser desenvolvidas presencialmente no laboratório, mas que foram impossibilitadas em decorrência do distanciamento social imposto pela pandemia da COVID-19. Essa estratégia é relatada igualmente no trabalho de Costa et al. (2021), que busca na gamificação uma sensibilização para manutenção do vínculo com os estudantes.
Nesse sentido, elaborou-se uma atividade no Google Forms que tinha como objetivo pedagógico revisar o conteúdo abordado na primeira semana de aulas. A atividade continha os conceitos de preparo de soluções e concentração de soluções, sendo constituída de apenas 4 questões, sendo 3 de múltipla escolha e 1 de verdadeiro e falso e, portanto, 4 recompensas, todas relacionadas aos equipamentos de proteção individual (EPI), os quais também faziam parte do conteúdo da disciplina, visto que a mesma possui um componente teórico e outro experimental. Assim, além de revisar os conceitos referentes ao preparo de soluções e seus cálculos, a atividade tinha como recompensa os EPI. Neste sentido, visava subjetivamente propiciar aos estudantes a conquista de seus equipamentos de proteção individual, os quais são exigidos na rotina de um laboratório.
A Figura 2 apresenta um exemplo de questão proposta na atividade, envolvendo o conteúdo de concentração de soluções. Observa-se que a questão não apenas envolve os conceitos de Química, mas também busca uma aproximação do conteúdo com a futura área de atuação dos estudantes – as Ciências Rurais.
Figura 2: Atividade gamificada sobre preparo de soluções
Fonte: Atividade gamificada “A Química não tem problemas, tem soluções”
A questão proposta visa verificar se o estudante sabe efetuar cálculos simples de concentração de soluções. Ao selecionar a alternativa o estudante deveria clicar em “próxima”, assim, se o mesmo acertasse a questão receberia uma recompensa, nesse caso um selo, contendo um dos EPI do laboratório de Química.
Os selos compõem parte dos elementos dos games que incentivam os estudantes a engajarem-se na atividade. Por meio da recompensa (mecânica), os estudantes sentem-se motivados a prosseguirem na resolução das atividades propostas, buscando completar sua coleção. Além disso, as frases de incentivo a cada etapa (dinâmica) reforçam a confiança do estudante e também o instiga a engajar-se na atividade (ARAÚJO, 2016).
A Figura 3 apresenta alguns exemplos de recompensas criados especialmente para a atividade. Considerando o contexto da pandemia, os estudantes não puderam vivenciar na prática o uso destes equipamentos, assim trazê-los como recompensa no jogo, teve como motivação despertar nos mesmos o interesse em adquiri-los, visto que são de extrema importância no contexto das aulas experimentais.
O conteúdo acerca do uso de EPI foi disponibilizado na disciplina em uma simulação do laboratório real, sendo um dos conteúdos abordados no componente experimental da disciplina.
Figura 3: Exemplos de selos de recompensas da atividade.
Fonte: Atividade gamificada “A Química não tem problemas, tem soluções”
Caso o estudante não escolhesse a alternativa correta, o mesmo era conduzido para um material de apoio, que revisava o conceito abordado e, ao clicar em próxima, o mesmo retornava à questão em que não obteve êxito, para tentar respondê-la novamente. Em alguns casos, o material de apoio para cada resposta equivocada foi elaborado pelos próprios autores, enquanto que nos demais, os materiais de apoio utilizados foram obtidos da web (vídeos, imagens, textos, etc).
A forma como a atividade foi configurada proporcionava aos estudantes um feedback rápido acerca de sua resposta. No entanto, este feedback não continha a resolução do problema, mas conduzia os estudantes a repensar sua resposta, de forma a encontrar o erro. Os feedbacks são um dos elementos da mecânica dos jogos que podem contribuir para a autonomia do estudante no processo de aprendizagem, visto que o conduzem a repensar sua estratégia (COSTA; MARCHIORI, 2015).
A Figura 4 apresenta um exemplo de material de apoio disponibilizado após a escolha da alternativa errada, para que o estudante revisasse o conteúdo e refletisse sobre sua resposta.
O material de apoio visava revisar o conceito envolvido na questão, de forma a contribuir na construção do conhecimento do sujeito, mas sem dar a resposta de forma direta. Ademais, os materiais de apoio eram diversos, visando não tornar o processo de revisão cansativo e repetitivo, assim, para algumas respostas erradas, o material de apoio era imagético, em outras, consistia de um vídeo ou uma dica textual.
Figura 4: Exemplo de material de apoio disponibilizado para reflexão em caso de erro.
Fonte: Atividade gamificada “A Química não tem problemas, tem soluções”
Cabe salientar que os estudantes poderiam refazer as questões quantas vezes fossem necessárias para o seu progresso, visto que o objetivo da atividade era propiciar a revisão dos conceitos abordados de uma forma autônoma, onde o sujeito pudesse acompanhar suas dificuldades e superá-las. Ao concluir a atividade, o estudante recebia 10 pontos. Os pontos acumulados ao longo das atividades eram convertidos em um percentual de 5% da composição da nota do bimestre.
As questões propostas ao longo das atividades eram, em sua maioria, relacionadas ao contexto no qual os estudantes estão envolvidos e com a futura profissão dos mesmos, pois como afirmam Silva, Keske e Marques (2021, p.12), as práticas pedagógicas devem ser conduzidas “à luz do contexto sociocultural no qual os estudantes estão inseridos, de modo a promover a motivação e o engajamento dos adolescentes no processo pedagógico”.
No intuito de descobrir como os estudantes avaliavam essa modalidade de atividade, durante a segunda atividade proposta, intitulada “Gamificando o Agro e a Química”, questionamos os estudantes (no mesmo formulário da atividade): “Agora que você já mostrou que é craque, nos diga o que achou dessa atividade e se você gostaria de ter ao longo do curso outras atividades gamificadas”. Esta necessidade de proposição surge numa perspectiva de redesign, para que a própria atividade forneça elementos de avaliação e validação, visto que inicialmente questionou-se os estudantes acerca da atividade de forma oral, via encontro síncrono no Meeting.
Dos cinquenta e cinco estudantes envolvidos, cinquenta e quatro respostas foram positivas, enquanto que somente um dos estudantes não se manifestou, o que demonstra que a gamificação é uma estratégia viável para engajar os estudantes no processo de construção do conhecimento. A seguir destacamos algumas das respostas dadas pelos estudantes, aqui identificados através de letras do alfabeto:
Eu adorei!!! Na minha opinião, aprendemos mais visualmente, e como esse tipo de atividade é super interativa, nos envolvemos com entusiasmo. Por exemplo, para mim, que tenho uma certa dificuldade em compreender química, foi uma experiência bem legal porque me vi pesquisando sobre coisas que normalmente eu não pesquisaria, justamente por achar difícil e não entender. Ah, também achei muito legal as explicações depois das perguntas porque nos familiariza com o que um dia será nosso campo de trabalho. Muito obrigada pela experiência, professora! :) (RESPOSTA ESTUDANTE A)
Achei bem legal, acho divertido testar o nosso conhecimento de uma forma descontraída, gostaria muito que esses joguinhos continuassem ao longo do curso. E parabéns professora por nos proporcionar essas aulas incríveis num momento tão difícil. (RESPOSTA ESTUDANTE B)
Interessante, acredito que estas atividades são mais dinâmicas que as demais, e acredito que possa ser utilizada no decorrer do curso englobando assuntos mais extensos. (RESPOSTA ESTUDANTE C)
Gostei muito da atividade dinâmica, vídeos muito educativos. Aprendi bastante! Gostaria de ter mais atividades assim, com certeza. (RESPOSTA ESTUDANTE D)
Muito interessante este tipo de atividade, pois ao errarmos uma alternativa, já temos sua explicação posteriormente do porque não estaria correto! E sim, gostaria de continuar com essas atividades! (RESPOSTA ESTUDANTE E)
Gostei bastante da atividade e queria ter mais. Gostei mais ainda das recompensas por acertar as questões. (RESPOSTA ESTUDANTE F)
Como pode ser evidenciada nas respostas dos estudantes, a atividade teve retorno positivo, tendo sido avaliada como positiva pelos respondentes. Além disso, as falas dos estudantes corroboram com as pesquisas anteriormente mencionadas sobre as dificuldades inerentes ao conteúdo, por exemplo, o estudante A quando menciona em sua resposta “para mim, que tenho certa dificuldade em compreender química, foi uma experiência bem legal porque me vi pesquisando sobre coisas que normalmente eu não pesquisaria, justamente por achar difícil e não entender”. Assim, a partir do local de fala do estudante, retoma-se às considerações feitas Schollmeier, Lampe e Barin (2021), acerca das dificuldades inerente a complexidade do Ensino de Química e a relevância das atividades gamificadas, apontadas por Cleophas (2020), para o rompimento do paradigma que a Química é difícil e desarticulada da realidade, sendo que este paradigma por vezes acompanha a vivência escolar dos estudantes durante seu percurso formativo.
Cleophas (2020) aponta ainda para a contribuição das atividades gamificadas para o desenvolvimento da autonomia dos estudantes, o que também fica evidente na fala do estudante A que passou a pesquisar por assuntos que possivelmente não pesquisaria sem a atividade gamificada. Ou seja, a proposição da atividade desperta no estudante a curiosidade e o interesse em aprender, promovendo o engajamento dos mesmos no processo de ensino-aprendizagem.
Costa e Marchioni (2015), apontam para importância do feedback para o estudante, de modo que seja possível repensar e reorganizar sua estratégia, assim, ao propor a atividade, tanto as questões como os feedbacks foram pensados de forma a criar um elo entre a Química e a futura área de atuação dos estudantes, o que é reconhecido pelo estudante A em sua resposta, ao relatar que “Ah, também achei muito legal as explicações depois das perguntas porque nos familiariza com o que um dia será nosso campo de trabalho”, o que é corroborado pelo estudante E - “muito interessante este tipo de atividade, pois ao errarmos uma alternativa, já temos sua explicação posteriormente do porque não estaria correto!”. A importância do feedback é citada também por Santos e Freitas (2017), como um motivador e engajador dos alunos, aperfeiçoando suas habilidades.
O estudante F aponta para as recompensas da atividade como um de seus aspectos positivos, ou seja, o mesmo demonstra que a mecânica do jogo inclusa na atividade a torna mais atrativa. Esse fato pode estar correlacionado a fala do estudante B, que achou a atividade divertida, ou seja, por conter elementos de jogos, a mesma se torna mais atrativa que as atividades comumente propostas. Estes excertos corroboram o que afirmam Cardoso e Messeder (2021. p. 684) que “além da aprendizagem a partir do lúdico ser motivacional (o que é importante no processo da construção do conhecimento), há fatores que possibilitam a retirada da sensação de obrigatoriedade do estudo, tornando prazerosa a busca pelo conhecimento”. Ou seja, a mecânica dos jogos inserida no contexto de uma atividade de estudos, propicia uma construção do conhecimento mais aprazível.
O estudante B, além de achar a atividade interessante e positiva, demonstra reconhecimento ao trabalho docente, sendo uma forma de valorização profissional. Este olhar do estudante está alinhado ao que descreve Leite (2017), que para proposição e criação deste tipo de atividade, a um aumento do trabalho docente. Por fim, percebe-se pela fala o desejo de que mais atividades gamificadas sejam desenvolvidas ao longo do semestre, o que é um forte indício da aprovação dos mesmos quanto ao tipo de atividade proposta.
Considerações finais
Com base nos resultados obtidos, pode-se inferir que a atividade gamificada não apenas despertou o interesse dos estudantes pelo aprendizado, mas contribuiu para o desenvolvimento da autonomia destes no processo de aprendizagem. Parte dessa autonomia está correlacionada aos feedbacks que conduziam os estudantes a repensar suas respostas, propiciando o desenvolvimento reflexivo acerca de seus erros.
A aceitação das atividades demonstra que essa pode ser uma alternativa viável para a mediação pedagógica, não apenas em tempos de pandemia, mas como instrumento auxiliar no processo de construção de saberes. Ademais, o engajamento dos estudantes foi superior ao esperado, o que confirma o fato da gamificação ser retratada na literatura como uma metodologia ativa e engajadora.
Os dados obtidos nessa pesquisa trazem indícios da necessidade de buscar alternativas para a manutenção do vínculo dos estudantes, tanto no contexto do ensino remoto, como do ensino presencial. Além disso, o uso de elementos de jogos no processo de ensino-aprendizagem pode contribuir para minimizar o distanciamento e propiciar aos estudantes uma aprendizagem mais prazerosa.
Embora as atividades gamificadas propostas tenham contribuído para o engajamento dos estudantes e para o processo de ensino-aprendizagem, as mesmas foram construídas numa perspectiva de aprendizagem mecânica e comportamentalista. Neste sentido, os próximos passos são planejar e elaborar atividades gamificadas abordando a resolução de problemas, de forma a instigar os estudantes ao desenvolvimento da criticidade. Outro desafio que merece destaque é o tempo necessário para planejar e criar uma atividade gamificada, principalmente no contexto da pandemia, onde a demanda de trabalho dos professores cresceu muito, pois segundo Leite (2017) a elaboração deste tipo de atividade requer maior dedicação do professor. Neste sentido, a escolha da Google Forms e do Canva se justifica, por serem ferramentas de fácil manejo e que minimiza o tempo de trabalho.
Por fim, cabe citar a necessidade do desenvolvimento das competências digitais docentes para a criação de atividades gamificadas digitais, visto que a autoria do material didático digital requer não apenas a fluência pedagógica, mas também a tecnológica.
Referências
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Notas
[1] Link para acesso a atividade: A Química não tem problemas, tem soluções! (google.com)
[2] Link para acesso a atividade: Gamificando o Agro e a Química (google.com)
[3] Link para acesso a atividade: Revisando a hidrólise salina (google.com)