DESAFIOS NO ENSINO DE LÍNGUAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: ESTUDO DE CASO COM PROFESSORAS DE PORTUGUÊS DO RIO GRANDE DO SUL
Flavia Regina Irigarrai Rodrigues
Universidade Federal do Pampa
flaviarodrigues.aluno@unipampa.edu.br
Resumo: O objetivo geral da presente pesquisa é identificar desafios encontrados por professoras de Língua Portuguesa para a implementação do Ensino Remoto Emergencial (ERE) e as possibilidades para garantir o acesso dos educandos às atividades. Os objetivos específicos são: (1) identificar práticas e recursos tecnológicos empregados por duas professoras de Português na Educação Básica; (2) analisar as formas como as professoras trabalharam atividades de interação com alunos no ERE; e (3) refletir sobre as atividades avaliativas empregadas pelas educadoras participantes da pesquisa e, a partir delas, as evidências de aprendizagem significativa por parte dos alunos. O referencial teórico da pesquisa é constituído por trabalhos e estudos da área de Linguística Aplicada (LA), que, dentre outros temas, se ocupa de investigar o ensino de línguas mediado por tecnologias. Esta é uma pesquisa qualitativa, de Estudo de Caso, desenvolvida a partir das vivências de duas professoras de uma escola estadual de Quaraí, Rio Grande do Sul. Resultados indicam que a falta de capacitação para o uso de tecnologias e a ausência de infraestrutura para a devida implementação do ERE foram alguns dos desafios mais perceptíveis no contexto pandêmico. Ademais, vídeos foram alguns dos recursos tecnológicos mais empregados nas aulas de português; e a avaliação da aprendizagem foi uma das práticas educacionais mais prejudicadas no ERE. Apesar dos desafios, as professoras conseguiram desenvolver atividades mediadas por tecnologias, sobretudo a partir da reinvenção de suas práxis. Conclui-se que, futuramente, serão necessárias mais avaliações da aprendizagem por parte dos estudantes durante a pandemia de COVID-19.
Palavras-chave: Ensino de línguas mediado por tecnologias; Ensino remoto emergencial; Pandemia de COVID-19.
RETOS EN LA ENSEÑANZA DE LENGUAS EN TIEMPOS DE PANDEMIA: ESTUDIO DE CASO CON PROFESORAS DE PORTUGUÉS DE RIO GRANDE DO SUL
Resumen: El objetivo general de esta investigación es identificar los retos que enfrentan los profesores de Portugués para la implementación de la Enseñanza Remota de Emergencia (ERE) y las posibilidades de garantizar el acceso de los estudiantes a las actividades. Los objetivos específicos son: (1) identificar prácticas y recursos tecnológicos utilizados por dos profesoras de Lengua Portuguesa en Educación Básica; (2) analizar las formas con que las docentes trabajaron las actividades de interacción con los estudiantes en el ERE; y (3) reflexionar sobre las actividades evaluativas empleadas por los educadores participantes en la investigación y, con base en ellas, la evidencia de aprendizajes significativos por parte de los alumnos. El marco teórico de la investigación consta de trabajos y estudios en el área de Lingüística Aplicada (LA), que, entre otros temas, se ocupa de investigar la enseñanza de lenguas mediada por tecnología. Se trata de una investigación de estudio de caso cualitativo, desarrollada a partir de las experiencias de dos docentes de una escuela estatal en Quaraí, Rio Grande do Sul. Los resultados indican que la falta de capacitación para el uso de tecnologías digitales y la ausencia de infraestructura para la adecuada implementación de la ERE fueron algunos de los desafíos más notables en el contexto de la pandemia. Además, los videos fueron algunos de los recursos tecnológicos más utilizados en las clases de portugués; y la evaluación del aprendizaje fue una de las prácticas educativas más deterioradas en el ERE. A pesar de los retos, los docentes lograron desarrollar actividades mediadas por tecnologías, especialmente a partir de la reinvención de su praxis. Se concluye que, en el futuro, se necesitarán más evaluaciones del aprendizaje de los estudiantes durante la pandemia de COVID-19.
Palabras clave: Enseñanza de idiomas mediada por tecnología; Enseñanza remota de emergencia; Pandemia de COVID-19.
Considerações iniciais
O cenário de contágio mundial da população pelo COVID-19, ainda que se entenda como uma questão fundamentalmente de saúde pública, afetou a sociedade de forma geral, em seus mais diferentes setores, incluindo o campo educacional. Perante o isolamento social, determinado com maior ou menor rigor nos mais variados países, relatou-se, logo nos primeiros 30 dias de contágio mundial e massivo do vírus, a gravidade do número de 300 milhões de crianças e adolescentes fora da escola (ARRUDA, 2020).
Diante desse fato e do aumento de casos de transmissão local do vírus, o sistema educacional brasileiro também precisou adaptar-se, em maior ou menor escala, nos níveis municipais, estaduais e federais. O Ministério da Educação (MEC), por meio da portaria N° 343, de 17 de março de 2020, autorizou instituições de ensino a substituírem suas aulas presenciais por aulas on-line ou aulas no viés do Ensino Remoto Emergencial (ERE), com o apoio de recursos variados, durante a situação de pandemia de COVID-19 (BRASIL, 2020).
Essa mudança forçosa, implementada de forma urgente e sem um planejamento adequado, trouxe para o centro da agenda da educação brasileira o debate sobre o uso das tecnologias digitais por parte de professores para realização de atividades escolares não presenciais. Nesse aspecto, muitos educadores se sentiram frustrados e cheios de dúvidas, em função do ineditismo da situação, da possível falta de letramento digital e da ausência de infraestrutura necessária para fazer um ERE de forma mais adequada (COSTA, 2021).
Com os professores de Português da Educação Básica no Rio Grande do Sul (RS) não foi diferente: as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) tornaram-se essenciais para a continuação de muitas práticas pedagógicas de ensino e de aprendizagem de línguas. Além da questão de envio de materiais e conteúdos aos alunos, foi preciso (re)pensar formas de avaliar a aprendizagem dos estudantes e de manter (com eles e entre eles) diálogos profícuos, visando a uma aprendizagem significativa e levando em conta as novidades, os desafios e as limitações desse período pandêmico vivenciado. Tendo em vista essas considerações prévias, o objetivo geral desta pesquisa é identificar alguns desafios encontrados por docentes de Português do RS para a implementação do ERE e para a garantia do acesso dos educandos às atividades, dependentes ou não do uso das tecnologias digitais.
Para dar conta do objetivo geral proposto, foram elencados os seguintes objetivos específicos: (1) identificar algumas práticas e recursos tecnológicos empregados por duas professoras de Português em seus conteúdos curriculares na Educação Básica; (2) analisar as formas como tais professoras trabalharam atividades de interação e de debate com alunos no ERE; e (3) refletir sobre as atividades avaliativas empregadas pelas docentes de Língua Portuguesa e, a partir delas, as evidências de aprendizagem significativa por parte dos alunos.
O trabalho se justifica a partir da importância da discussão sobre o assunto e o registro do que foi vivido por docentes, haja vista este ser um período atípico, nunca vivido na/pela educação. Nesse sentido, é fundamental que fique registrado como os docentes (em especial, docentes da área do ensino de Português) se adequaram ao momento, dando continuidade ao processo de ensino e aprendizagem, evitando ao máximo o prejuízo dos educandos.
Linguística Aplicada e Ensino de Línguas Mediado por Computador
Este trabalho encontra-se teoricamente situado no campo da Linguística Aplicada (LA). A área de LA é, per se, uma área interdisciplinar, também preocupada com questões da Psicologia (principalmente educacional), da Educação, da Pedagogia e da Informática (LEFFA, 2006). O mesmo autor (LEFFA, 2021) afirma que a LA é, em suma, uma ciência que transforma o mundo, e cujo objetivo é mostrar como podemos usar a língua para essa modificação do mundo em que vivemos e dos contextos nos quais estamos inseridos.
As discussões realizadas por pesquisadores e estudiosos no campo da LA são vastas, amplas, mas sem descuidar de um eixo que tem se popularizado muito no Brasil nas últimas duas décadas: o ensino de línguas mediado por tecnologias. Com base em Leffa (2021) muito do que acontece nessas áreas de interesse de LA pode ter impacto na educação e no ensino de línguas hoje, fortemente marcados pelo uso de tecnologias digitais e recursos da Web.
CALL é uma sigla já consolidada, em língua inglesa, correspondente ao conceito de Computer-Assisted Language Learning. Outros termos podem ser empregados para aludir a CALL, por exemplo: “Ensino de Línguas Mediado por Computador” (ELMC) e “Mobile-Assisted Language Learning” (MALL). Então, neste artigo, será adotada a sigla CALL por uma questão de conveniência e facilidade de leitura; muitos autores e estudiosos já estão familiarizados com a sigla CALL (COSTA et al., 2020).
CALL é, em resumo, uma área de investigação que tem por objetivo pesquisar o impacto do computador (e das tecnologias em geral) no ensino e aprendizagem de línguas, tanto materna quanto estrangeiras (LEFFA, 2006). Portanto, é uma área na qual cabem as reflexões e avaliações inerentes ao ERE implementado nos anos de 2020 e 2021.
O computador, hoje, aparece como um aliado para promover a interação e o desenvolvimento da competência linguística dos aprendizes. A partir dos anos 90, o computador, vinculado à internet, passou a possibilitar acesso ao ciberespaço e transformações significativas na cultura emergente dessa nova forma de comunicação/educação, isto é, a cibercultura (LÉVY, 1999). Prolifera-se, então, uma variedade de tipos de texto, e a prática educacional se intensifica, chegando a um novo paradigma, que visa à motivação do estudante na aprendizagem e sua autonomia, à melhoria da argumentação e do uso da língua/linguagem por parte deste; e à consequente ampliação das habilidades do aprendiz e o desenvolvimento de letramentos.
A comunicação mediada pelas ferramentas digitais na educação aponta para a importância do uso das TICs no contexto escolar e os modos como essa tecnologia possibilitou que, mesmo em espaços diferentes, professor e aluno possam tornar o ensino e a aprendizagem eficazes e significativos. Além disso, se bem utilizadas, as ferramentas digitais aliadas à educação podem ser mais eficientes que outros recursos utilizados por professores nesse tempo de ERE, como o livro didático ou os materiais impressos, por exemplo. Sobre esse assunto Leffa e Vetromille-Castro (2008) afirmam:
Não existe um único livro didático de ensino de línguas que não apresente tarefas que não seriam executadas de modo mais eficiente se feitas através de um computador, com um ou mais alunos na frente do monitor. (LEFFA; VETROMILLE-CASTRO, 2008, p. 27).
Os mesmos autores ressaltam que essa interação/interatividade (entre o professor, o aluno e a máquina) amplia a ação do docente, fazendo com que ele esteja presente mesmo quando não ocupa o mesmo espaço que o aluno (LEFFA; VETROMILLE-CASTRO, 2008). Isso é o que Leffa (2021) defende quando aponta que, com a Web, passamos a ser ubíquos, presentes em todo espaço-tempo, o que é uma realidade comprovada no ERE no qual as tecnologias de acesso à internet estão presentes.
Materiais e recursos digitais no ensino on-line
A plataforma do SAE Digital[1] traz uma definição simples e objetiva do que é um material didático: o define como sendo um instrumento pedagógico que pode ser utilizado como apoio e orientação ao aluno. Em suma, podemos dizer que o conceito de “material didático” se refere a todo e qualquer recurso utilizado no ensino e na aprendizagem, com o objetivo de estimular o aluno e aproximá-lo do conteúdo ensinado de forma significativa. A matéria também destaca que o material didático faz parte do plano pedagógico da escola, servindo de referência para o processo de ensino e aprendizagem, conduzindo o desenvolvimento do aluno e o trabalho do professor. Destarte, podemos ter variados tipos de materiais didáticos: “(...) materiais impressos, radiofônicos, televisivos, de informática, de videoconferências e de teleconferências, dentre outros, sempre na perspectiva da construção do conhecimento e favorecendo a interação entre os múltiplos atores” (BRASIL, 2007, p. 14).
Bandeira (2009, p. 14) afirma que: “O material didático pode ser definido amplamente como produtos pedagógicos utilizados na educação e, especificamente, como o material instrucional que se elabora com finalidade didática”.
Sabemos que a maioria dos professores deseja despertar o interesse dos estudantes por meio de aulas dinâmicas e interativas, incentivando-os na busca pelo aprendizado. Mas, para que isso aconteça, é preciso mais do que desejo, é necessário pesquisar, buscar diferentes metodologias, aprender a usar as ferramentas digitais aliadas à sua prática e reconhecer a necessidade de estar em constante formação continuada. Na área educacional, o avanço tecnológico também contribuiu para a evolução escolar, possibilitando a quebra de alguns paradigmas escolares anteriores, principalmente aqueles atrelados ao ensino bancário (FREIRE, 1996), altamente expositivo e centrado no professor. Em outras palavras: as tecnologias digitais contemporâneas podem trazer uma nova perspectiva para os rumos do ensino no presente e no futuro. Isso foi comprovado neste momento em que a pandemia forçou que o ensino presencial precisasse ser feito de maneira remota e os professores, ainda que com muita dificuldade, passassem a conduzir as suas práticas mediadas pela tecnologia. Ribeiro (2020), sobre esse assunto, defende que, apesar das precariedades e de toda falta de estrutura para isso, os professores no ERE conseguiram fazer muito, mesmo com pouco.
Embora a tecnologia tenha sido uma solução emergencial para esse difícil momento vivido, é possível perceber que muitos professores – que não dominavam o uso das tecnologias aliadas à educação, nem possuíam letramentos digitais – passaram a empregá-la (ou, ao menos, tentaram) em suas práticas pedagógicas. É injusto afirmar que os professores não se mobilizaram para tentar manter a educação, mesmo no sistema ERE, tentando contribuir com a sociedade. Evidentemente, ainda há muito a aprimorar nos setores de usos de tecnologias digitais na educação, e isso tem relação com as especificidades de CALL (ou AMC, Aprendizagem Mediada por Computador), que requer planejamento, conhecimento, objetivos bem delineados e domínio da prática para que seja feita de maneira adequada. Anos atrás, sobre tal assunto, Leffa (2005) destacou:
A meu ver, faz-se uma transposição muito rápida da sala de aula tradicional para a AMC, sem levar em consideração que interagir com um aluno através do computador é diferente de uma conversa face a face; não necessariamente mais pobre ou mais rica em condições de aprendizagem, mas diferente. (LEFFA, 2005, p. 21).
Com efeito, muitos professores ainda estão aprendendo a usar certas tecnologias digitais, e não estavam aptos para usá-las de forma realmente significativa durante a pandemia de COVID-19. Contudo, isso não significa que muitos docentes não tenham aprendido a fazer usos críticos e criativos[2] de muitas tecnologias, como portais educacionais, Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), podcasts e Recursos Educacionais Digitais (RED).
De acordo com material instrucional disponível no AVAMEC (BRASIL, 2021), os RED são arquivos ou mídias digitais que ficam disponíveis para uso com finalidades educacionais e estão disponíveis para domínio público, ou possuem uma licença que permite seu uso, a fim de oportunizar aos alunos uma experiência enriquecedora de pesquisa, de ensino e de aprendizagem. A acepção de RED destaca, também, a sua capacidade de adaptação, pois tais recursos podem ser modificados e reutilizados em diferentes situações (personalizando a aprendizagem) e possuem alta durabilidade, porque estão disponíveis via Web e podem ser (re)atualizados constantemente. Nesse viés, os RED foram muito importantes no contexto do ERE, pois os professores que os conheciam puderam adaptá-los conforme as necessidades que surgiam; e os que não conheciam tiveram a oportunidade de informar-se acerca dessas poderosas ferramentas digitais.
No que se refere às metodologias e aos recursos tecnológicos que mais foram utilizados para lidar com a atual situação de pandemia, destaca-se dentre elas, o uso de videoconferências, aulas com áudio e/ou vídeo por meio de plataformas on-line, produção de slides (em PowerPoint ou outros softwares) e videoaulas, disponibilizadas no YouTube ou por meio de grupos do WhatsApp, tendo como importante recurso tecnológico o celular e o notebook. Além disso, considerou-se a disponibilização de apostilas eletrônicas, por meio do Google Classroom, atividades impressas para os discentes que não possuíam acesso à internet e aos recursos tecnológicos, mapas conceituais, indicação de filmes e livros, dentre outros materiais utilizados (COSTA; FIALHO, 2022).
Cabe ressaltar sobre esses recursos utilizados no ERE: muitos alunos nem chegaram a ver como eles funcionavam, já que não possuíam o básico para ter acesso às aulas. O Brasil ainda é um país com grande desigualdade social (COSTA, 2016; COSTA; FIALHO, 2022), e isso se confirmou em notícias e reportagens nas mídias sobre a situação de inúmeras crianças que não possuíam acesso à internet, não possuíam computadores, tablets ou sequer smartphones, os recursos tecnologias aliados da educação nesse momento difícil. Outros estudantes em maior vulnerabilidade social, quando possuíam um aparelho que possibilitasse o acesso, muitas vezes precisavam dividi-lo com os irmãos. Essa realidade nos mostra que, embora a tecnologia fosse a chave para que a educação continuasse sem tanto prejuízo aos estudantes, nesse momento ela também serviu para evidenciar a enorme desigualdade que existe no país, e que não é de hoje, mas se mostrou mais fortemente na pandemia (RIBEIRO, 2020).
Metodologia
Em termos metodológicos, esta é uma pesquisa de abordagem qualitativa, desenvolvida a partir de Estudo de Caso (COSTA, 2016). Com base em Leffa (2006), o Estudo de Caso é a investigação profunda e exaustiva de um participante ou de um pequeno grupo de indivíduos. Segundo o autor, no Estudo de Caso:
Procura-se investigar tudo o que é possível saber sobre o sujeito ou grupo escolhido e que achamos que possa ser relevante para a pesquisa. Se o sujeito da pesquisa for, por exemplo, um aluno de língua estrangeira num curso a distância, provavelmente vamos coletar todos os dados possíveis sobre suas atitudes em relação ao uso da tecnologia na aprendizagem, suas preferências de lazer, seu ambiente familiar, sua vida antes do período de observação, seu empenho em realizar as tarefas, suas expectativas sobre o curso, etc. (LEFFA, 2006, p. 20).
O Estudo de Caso pode contar com diferentes tipos como, por exemplo, o exploratório e o explanatório. De acordo com Leffa (2006),
O estudo de caso do tipo exploratório é uma espécie de estudo piloto que pode ser feito para testar as perguntas norteadoras do projeto, hipóteses, e principalmente os instrumentos e procedimentos. Concluído o estudo exploratório, haverá perguntas que serão modificadas, retiradas ou acrescentadas, instrumentos que serão refinados, ou hipóteses que serão reformuladas, com base no que funcionou ou deixou de funcionar (LEFFA, 2006, p. 24).
Por sua vez, o estudo de caso explanatório pode ser considerado o tipo mais ambicioso, já que tem por objetivo não apenas descrever uma determinada realidade, mas também explicá-la em termos de causa e efeito (LEFFA, 2006).
Em função do ineditismo do ERE e do contexto de pandemia de COVID-19, não houve, durante a realização da presente pesquisa, a ambição de dar conta de um estudo de caso explanatório, tampouco de, em um primeiro momento, realizar um estudo de caso exploratório para futuro aprofundamento da pesquisa. A contribuição deste artigo dar-se-á na forma de um Estudo de Caso descritivo do contexto da disciplina de Português de professores do município de Quaraí (RS), lócus da pesquisa. Espera-se que a contribuição desta pesquisa sirva para outros contextos e casos de outros docentes de língua portuguesa.
O Estudo de Caso descritivo é aquele que tem por objetivo mostrar ao leitor uma realidade que ele não conhece (LEFFA, 2006). Esse tipo de estudo de caso não procura estabelecer relações de causa e efeito, mas apenas mostrar a realidade como ela é, embora os resultados possam ser usados posteriormente para a formação de hipóteses de causa e efeito (LEFFA, 2006).
Neste estudo, é analisado o caso de duas professoras do componente curricular Língua Portuguesa que trabalharam como docentes no ERE. Por questões de ética em pesquisa, os nomes das professoras não são revelados; em lugar disso, são empregados pseudônimos. As participantes da pesquisa são nomeadas respectivamente Rosa (41 anos, atua como docente há 11 anos) e Margarida (46 anos, atua como docente há 10 anos). Ambas são professoras da rede estadual, atuam tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, e trabalham na mesma escola pública, que também não é identificada. A escola conta com 36 professores, cerca de 480 alunos matriculados e 15 salas de aulas, além de sala de informática e laboratório de ciências. A instituição funciona nos 3 turnos (manhã, tarde e noite), e conta com uma boa infraestrutura, segundo as educadoras que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa.
Na tabela a seguir (Tabela 1) são elencadas as questões previstas nas entrevistas semiestruturadas, realizadas individualmente com as docentes participantes da pesquisa, no mês de novembro de 2021:
Tabela 1 – Questões propostas no roteiro prévio da entrevista semiestruturada
1 |
Idade: |
2 |
Você atua como professora há quanto tempo? Há quanto tempo está na escola? |
3 |
Como foi, para você, a experiência de dar aula no Ensino Remoto Emergencial (ERE)? |
4 |
Que materiais e recursos você utilizou para seguir dando aulas no ERE? |
5 |
Você chegou a fazer uso de recursos e tecnologias governamentais e/ou federais disponibilizadas para o ERE? |
6 |
Você conseguiu realizar atividades síncronas de ensino de português no ERE? Como foi a experiência? |
7 |
Os alunos interagiam e debatiam os conteúdos entre eles e com você (professora) durante as aulas síncronas? Comente um pouco sobre. |
8 |
Como você avalia as interações no ERE? |
9 |
Quais as atividades que você mais empregou com os alunos durante o ERE? |
10 |
Como você realizou as avaliações dos estudantes no ERE? |
11 |
Você acredita que a aprendizagem de português dos estudantes foi significativa durante o ERE? Comente um pouco sobre. |
Fonte: da autora.
As questões propostas foram elaboradas a partir de leituras da literatura da área que trata tanto de ERE na pandemia (RIBEIRO, 2020; ARRUDA, 2020; PAIVA, 2021) quanto de estudos do campo de LA e CALL (LEFFA, 2005; 2006; ÁVILA; SILVA, 2011; COSTA et al., 2020).
Resultados preliminares: reflexões a partir da perspectiva de Rosa
A professora Rosa, 41 anos, atua como docente há 11 anos na rede estadual, no Ensino Fundamental e Médio. Antes, ela trabalhou por 3 anos em escolas municipais anteriormente.
Segundo a docente, sua experiência com o ERE foi boa, pois, ela já havia trabalhado com ensino EAD. Embora EAD e ERE não sejam sinônimos (COSTA; FIALHO, 2022), a docente acredita que sua experiência prévia na modalidade a distância foi uma vantagem nesse momento de adaptação repentina ao ensino remoto. Fialho (2021), sobre o assunto, destaca que entre o ERE e a EAD há diferenças, mas também semelhanças, conforme imagem a seguir (Imagem 1):
Imagem 1: Aproximações e distanciamentos entre ERE e EAD
Fonte: Fialho (2021).
Rosa ressalta, durante sua entrevista, que o maior problema enfrentado nesse período pandêmico foi a falta de “certeza se os alunos estavam tendo uma aprendizagem significativa”[3], apesar de avaliar suas aulas como “bem produtivas” e de “bom diálogo” com os discentes. Referindo-se também às aulas síncronas, a docente comenta que conseguiu realizá-las sem encontrar nenhum problema. Muito pelo contrário: ela relata que, para sua surpresa, os alunos interagiam durante suas aulas, “trocando opiniões e realizando as atividades propostas”.
Das tecnologias utilizadas, a docente fez uso unicamente de vídeos do YouTube, os quais, segundo ela, contribuíram enormemente para o ensino e aprendizagem no ERE. Vale destacar, do YouTube, duas vantagens maiores: (1) a gratuidade e (2) a possibilidade de assistir vídeos mesmo em aparelhos celulares, mais populares que notebooks e iPads, por exemplo. Nesse sentido, destaca-se a opinião de Alda e Leffa (2014, p. 75): de fato, “o telefone celular destaca-se por sua mobilidade e portabilidade, além de apresentar aspectos positivos quanto à motivação dos alunos na aprendizagem”. Em trabalho prévio sobre o tema, os autores confirmam que o telefone celular é “acessível e popular, visto que atualmente a maioria da população tem acesso a pelo menos um telefone” (ALDA; LEFFA, 2014, p. 91).
De acordo com a professora Rosa, embora sua experiência com o ensino remoto tenha se dado de uma forma tranquila, “as aulas presenciais são bem melhores”, pois “os alunos podem tirar suas dúvidas em sala de aula”, e o docente tem mais condições de “perceber se o estudante está assimilando o conteúdo” e construindo saberes.
O ERE, entre tantas outras demandas, exigiu uma pré-disposição maior para ensinar e aprender na atual cibercultura. Para poder realizar a sua prática, o professor precisou estar disposto a se qualificar quanto às novas tecnologias e às novas abordagens metodológicas, a fim de promover uma aula dinâmica e atraente, que estimulasse motivação e concentração, afirma a docente. Quanto a esse aspecto, Freire (1996) já afirmava que não se pode ensinar sem aprender, e esse momento em que os professores tiveram que, literalmente, aprender para poder realizar a sua prática, é a prova disso. A professora Rosa teve de aprender a utilizar as ferramentas digitais, a acessar os AVA e as plataformas de ensino e aprendizagem, e, também, a buscar, pesquisar e aprender novas metodologias para levar para as aulas os conteúdos curriculares de Língua Portuguesa de maneira que possibilitasse ao aluno uma aprendizagem significativa.
Além disso, sobre a formação dos professores, percebeu-se no ERE que é preciso que lhes sejam oportunizados espaços de formação continuada para aprender a utilizar de maneira eficaz e crítica os recursos tecnológicos e digitais. Os cursos de formação continuada e capacitação possibilitam aos professores oportunidades de aprendizado das tecnologias e as melhores maneiras de adequá-las a sua práxis tecnológica (COSTA; FIALHO, 2022). Portanto, é necessário que sejam estabelecidas políticas públicas que proporcionem aos professores e alunos acesso às tecnologias digitais e, também, internet de qualidade.
Sobre a aprendizagem de Português, Rosa conclui que “foi mais ou menos significativa”, visto que os alunos, durante as avaliações, tinham a possibilidade de procurar as respostas em plataformas digitais como a do Google, e a do YouTube não contribuindo, em sua opinião, para uma aprendizagem “real”. A professora também demonstrou receio em ter ministrado (nos últimos meses) aulas nas quais o educando não conseguiu a apropriação adequada de conteúdos e conhecimentos de língua portuguesa.
Essa perspectiva da professora, embora pertinente e válida, por outro lado, também pode ser vista como um equívoco. Afinal, para obter informações na internet, é preciso letramento digital, é necessário saber fazer as perguntas certas e buscar as respostas adequadas nos locais adequados, navegando por esse grande dilúvio de informações que é o ciberespaço (LÉVY, 1999). Nessa perspectiva, a busca adequada pela resposta na internet a partir de letramentos digitais não só pode indicar a aprendizagem dos educandos, como também sinalizar uma importante função docente no ensino de línguas contemporâneo: a orientação em relação à busca e construção dos saberes e à utilização das ferramentas de busca na Web. Conforme apontado anteriormente, uma tecnologia, por si só, não garante a aprendizagem, mas pode promover ela e a aquisição de conhecimentos. Para tanto, é preciso que haja um objetivo bem delineado e um planejamento do uso das ferramentas digitais aliadas à educação, para que a aprendizagem seja de fato significativa. Sobre esse assunto, Pinheiro, Seruffo e Pires (2019, p. 261) apontam: “o uso de um recurso educacional, por si só, não pode ser considerado o único fator de sucesso ou fracasso de uma atividade”, e que se faz necessário “que o recurso esteja alinhado a outros procedimentos e que a maioria deles apresente qualidade de elaboração e execução”.
Resultados preliminares: o ERE no viés de Margarida
Para a professora Margarida, de 46 anos, que atua como docente há 10 anos, sempre na mesma escola estadual, a experiência do ensino remoto foi “boa e proveitosa”. A docente ressalta que a valorização dos recursos tecnológicos não representa, em hipótese alguma, “desconsiderar nem desmerecer o ensino presencial”.
A educadora comenta que a maioria dos professores estavam acostumados ao ensino tradicional (“com livros didáticos, quadro, giz” etc.) e, durante essa transformação, na qual, obrigatoriamente, o docente teve que se reinventar, eles “precisaram aprender”. Conforme a professora destaca, foi necessário não apenas aprender a lidar com essas plataformas digitais da internet a curto prazo, mas também a se relacionar com os alunos nesse novo contexto de ERE. Nas palavras de Margarida, iniciou-se o ERE “somente com material [disponibilizado] na plataforma”, mas, logo em seguida, “foi possível utilizar nas aulas síncronas o Google Meet”. Na opinião da professora, essa mudança representou “um grande avanço” no ensino remoto, pois, com as aulas síncronas, ela “sentia o aluno mais próximo, podendo explicar o conteúdo, e tirar dúvidas de maneira mais interativa”.
Quando perguntada sobre como foi a experiência de dar aula no ERE, chama a atenção o fato de que os aspectos negativos elencados por Margarida não dizem respeito à parte mais “educacional” da questão (aulas, interação com os estudantes, elaboração de materiais didáticos etc.), mas os mais aspectos burocráticos do trabalho docente. De acordo com a professora, os docentes durante o ERE, conviveram com uma extenuante rotina de trabalho. Essa nova rotina incluiu muitas “reuniões virtuais, lives e postagens em redes sociais”, além de uma acentuada comunicação via WhatsApp. Quem não estava familiarizado com as TICs, teve que se adaptar, contando, até mesmo, com a ajuda de colegas e alunos, sem que isso significasse o fim da sensação de exaustão e cansaço.
Ensinar a aprender é um ato contínuo e exige muita dedicação e criatividade. Nessa troca entre quem aprende e quem ensina, o professor tem o papel de mediador entre o aluno e a aquisição de conhecimento. Entretanto, para isso, ele necessita estar em constante revisão da prática, sempre aberto ao novo, àquilo que pode tornar a sua prática mais significativa e ter a humildade de saber que sempre há mais a aprender, pois, conforme Freire (1987), ninguém ignora ou ninguém sabe tudo, todos sabemos e ignoramos alguma coisa. Nesse viés, a professora Margarida aparenta fazer uma avaliação um tanto quanto freireana da experiência de ERE, ao avaliar que: “é por isso que devemos [professores de Língua Portuguesa] estar sempre aprendendo”.
Análises e discussões
“Na verdade, o Brasil não se preparou para o presente. Fechou os olhos para a importância das tecnologias digitais. Aliás, sempre teve os olhos fechados para a saúde e para a educação.”
- Paiva (2021, p. 10)
A partir dos dados levantados nas entrevistas com as docentes, é possível notar que uma dificuldade notória identificada quanto ao ERE foi a urgência com que as instituições tiveram que disponibilizar alternativas de aulas aos alunos, bem como a incerteza provocada por essa situação. Afinal, como não foi planejado o ensino de forma remota, a escola (na pessoa dos docentes e gestores) não sabia muito bem como conduzir o processo educacional, e dependiam de orientações pedagógicas, que por muito tempo foram vagas e conflitantes. Foi a revisão das práticas por parte dos próprios docentes que fizeram com que eles fossem, aos poucos, experimentando e testando recursos e atividades. Com base naquilo “que funcionava”, nas palavras das professoras, elas foram reformando e adaptando suas práxis e modificando “o que não surtiu o efeito desejado” nas aulas. Essa ação de refletir sobre sua prática com a intenção de modificá-la de acordo com as necessidades dos alunos e da situação pode ser considerada, neste estudo, um aspecto pertinente para a educação do futuro, aquela que almejamos para o período pós-pandemia. Sobre essa constante reinvenção do professor, Freire declara: “Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, na prática e na reflexão sobre a prática” (FREIRE, 1991, p. 58).
Pode-se perceber também que não houve (para a maioria dos contextos escolares) tempo hábil para capacitação de professores. O ERE se instalou de forma repentina (em março de 2020), e poucas ações efetivas deram conta de qualificar o professor para um ensino remoto. Além disso, é preciso destacar o acesso limitado e a conexão à internet de pouca qualidade por parte dos estudantes, e mesmo dos professores. Apesar dessas precariedades (RIBEIRO, 2020), muitas ferramentas digitais “passaram a ser conhecidas e valorizadas” a partir da tentativa de contornar o quadro vivenciado, conforme observou Margarida.
Foi possível verificar, considerando as respostas das professoras entrevistadas, que o ERE é um conjunto de práticas de ensino que está fazendo parte de suas vidas pela primeira vez, e de uma maneira não planejada, o que impossibilitou que pudessem realizar uma avaliação da aprendizagem de língua portuguesa mais qualidade. A classe docente estava acostumada com a Educação Básica norteada pela interação feita de maneira presencial e direta, quando, de imediato, um novo cenário se formou. Nesse novo contexto, destaca-se a preocupação em relação à avaliação, a qual, segundo elas, “ficou comprometida”.
É inegável que esse formato de ensino pode representar contribuições para o futuro da educação, mas a experiência do ERE deixou claro ser necessário maior planejamento, mais inserção das tecnologias digitais na escola (feita de forma adequada e com objetivos pedagógicos bem definidos), e mais melhorias e investimento em infraestrutura (que possibilite um acesso de qualidade a todos). Nesse sentido, de forma geral, o que se apresenta de forma mais urgente é a necessidade de investimento na escola e na qualificação/formação de professores, para que eles estejam aptos a utilizar ferramentas digitais em sua práxis.
Considerações finais
Nos últimos meses, começaram a ser publicados os primeiros trabalhos de maior fôlego sobre a questão do ensino e da aprendizagem de línguas no contexto de ERE no Brasil. Tais trabalhos, mais gerais, não descartam a necessidade de estudo e registro de contextos mais específicos e particulares, como o caso de professoras de língua portuguesa atuantes na Educação Básica pública do município de Quaraí, RS. Essa é a razão pela qual foi implementada a presente pesquisa, cujo objetivo foi o de identificar desafios encontrados por docentes para a implementação do ERE e para a garantia do acesso dos educandos às atividades, dependentes ou não do uso das tecnologias digitais. É possível dizer que tal objetivo foi alcançado, na medida em que foi possível vislumbrar a falta de capacitação para o uso de tecnologias e a falta de infraestrutura tecnológica para a implementação do ERE como os maiores desafios enfrentados por docentes na atualidade.
Apesar desses desafios principais, os resultados da pesquisa indicaram (1) a importância das metodologias e recursos que possibilitassem o docente de exercer a sua profissão de forma significativa e com o menor prejuízo aos alunos mesmo durante a pandemia; e (2) a capacidade de os professores (re)inventarem suas práticas, a partir da pesquisa e da busca por novos métodos e novas tecnologias, ainda que de forma emergencial. Mesmo neste momento pandêmico, permeado de incertezas e dúvidas, o professor soube superar dificuldades, buscou aprender, em pouco tempo, a utilizar os recursos tecnológicos ao seu alcance, para continuar com o ensino e a aprendizagem (onde e quando foi possível). O docente aprendeu a aprender, assimilou novos conhecimentos e percebeu-se como aprendente em relação às tecnologias digitais. Tal exercício foi difícil, mas também necessário, pois a escolha pelo ERE foi, também, uma escolha pela saúde pública, pela vida dos brasileiros, pela não-transmissão do vírus da COVID-19 (COSTA; FIALHO, 2022). A reinvenção da práxis por parte de professores provou do que eles são capazes: adaptação e aprendizagem de novas formas de ensinar línguas, mesmo em contextos de adversidade.
Cabe também resgatar nesta seção de encerramento do artigo os objetivos específicos do estudo, de modo a sintetizar os resultados obtidos com a presente pesquisa e contribuir com trabalhos futuros. No que diz respeito ao primeiro objetivo específico – isto é, identificar algumas práticas e recursos tecnológicos empregados por duas professoras de Português em seus conteúdos curriculares na Educação Básica – vale destacar o uso de vídeos do YouTube e a gravação de videoaulas. O uso de vídeos, por parte dos professores, vinculou-se ao uso de celulares, por parte dos estudantes, para o recebimento e o estudo de conteúdos no ERE.
No que concerne ao objetivo de analisar as formas como as professoras participantes da pesquisa trabalharam atividades de interação e de debate com alunos no ERE, vale destacar: aqueles alunos com acesso à internet, por meio de computadores e/ou celulares, interagiram de forma significativa, tanto com colegas quanto docentes, segundo as professoras entrevistadas. Isso pode dar-se em razão de o celular engajar os estudantes (ALDA; LEFFA, 2014) ou de o vídeo conseguir esse mesmo engajamento e motivação à participação. Cabe lembrar, contudo, que nenhuma tecnologia sozinha garante a aprendizagem – e, neste caso, a participação discente. O foco da questão educacional recai sobre as atividades propostas ou implementadas pelas professoras, e não no recurso tecnológico por si só.
Por fim, o terceiro e último objetivo específico da pesquisa: refletir sobre as atividades avaliativas empregadas pelas docentes de Língua Portuguesa e, a partir delas, as evidências de aprendizagem significativa por parte dos alunos. Este mostrou-se o tema mais sensível abordado nas entrevistas semiestruturadas realizadas com as professoras participantes. As duas educadoras admitem que a avaliação da aprendizagem foi a prática docente mais prejudicada no ERE, e o exercício mais difícil de ser realizado no cenário educacional caótico e complexo que se apresentou. Em comum, as duas docentes de Língua Portuguesa apontam para as dúvidas quanto à aprendizagem significativa por parte dos estudantes. Destarte, pesquisas futuras devem tratar de avaliar a aprendizagem de estudantes brasileiros durante o ERE. Se constatadas lacunas na formação acadêmica desses aprendizes, propostas pedagógicas devem ser avaliadas e implementadas no período pós-pandemia, para dar conta de suprir possíveis déficits na aprendizagem de línguas.
Finalmente, cumpre salientar que o tema não se esgota: dificilmente uma pesquisa poderá descrever inteiramente as dificuldades dos professores e os desafios do ERE em totalidades. Entretanto, o registro das vivências das duas professoras participantes da pesquisa, no contexto de ERE em Quaraí, RS, pode somar-se a outros trabalhos e, assim, contribuir para o registro e a reflexão sobre a educação do presente e do futuro. Espera-se que as tais experiências corroborem a importância de capacitar os docentes para o ensino de línguas mediado por computador e por tecnologias, e a urgência de investir nas escolas, melhorando a infraestrutura delas, em sinergia com a cenário social contemporâneo, que é altamente tecnológico hoje, e não deixará de sê-lo amanhã.
Referências
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Notas
[1] O que é material didático? SAE Digital. Disponível em: <https://sae.digital/o-que-e-material-didatico/>. Acesso em: 22 nov. 2021.
[2] A tecnologia permitiu e foi indispensável para que o ERE acontecesse, mas não se pode afirmar que o ensino e aprendizagem foi suficientemente relevante ou que atingiu totalmente seus objetivos pedagógicos. As ferramentas digitais não são, por si só, uma garantia de aprendizagem; com base em Leffa (2005; 2006), isso depende do uso que se dá a elas. Nesse sentido, neste artigo, não negamos a necessidade de pesquisas futuras averiguarem a aprendizagem e o desenvolvimento de estudantes brasileiros durante a pandemia, sobretudo aqueles das classes mais populares.
[3] Estas e as aspas empregadas doravante são para destacar os comentários e as respostas ipsis litteris das professoras participantes da pesquisa.