ReTER, Santa Maria, v.2, n.3. ISSN:2675-9950 | Melhores artigos SENID 2021 |
AVALIANDO UMA FORMAÇÃO EM PENSAMENTO COMPUTACIONAL COM ATIVIDADES PLUGADAS CRIADAS NO SCRATCH
SENAI-RS, Santa Cruz do Sul, RS – tttbarros78@gmail.com
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS – eliseoreategui@gmail.com
Universidade de Passo Fundo (UPF), Passo Fundo, RS – adriano.canabarro.teixeira@gmail.com
Resumo: Este artigo descreve o processo de avaliação dos conhecimentos adquiridos por um grupo de professores de Matemática e Informática, durante uma formação em Pensamento Computacional, utilizando Scratch com o objetivo de verificar a forma como o grupo se apropriou dos conhecimentos. A formação disponibilizou atividades de criação de programas no Scratch, avaliando as mesmas quantitativamente com a ferramenta Dr. Scratch. Após a etapa de formação, os professores utilizaram os conhecimentos adquiridos na formação com os seus alunos, que também desenvolveram atividades no Scratch e foram avaliadas com o Dr. Scratch. Os resultados obtidos demonstraram que os conceitos do Pensamento Computacional que tiveram maior pontuação para os professores também foram os que obtiveram maior pontuação para os alunos, indicando uma influência direta dos professores nas propostas de programas criadas pelos alunos.
Palavras-chave: Pensamento Computacional; Formação de Professores; Scratch.
EVALUATING A COMPUTATIONAL THINKING FORMATION WITH PLUGED ACTIVITIES CREATED ON SCRATCH
Abstract: This article describes the process of evaluating the knowledge acquired by a group of teachers of Mathematics and Informatics during a training in Computational Thinking using Scratch in order to verify how the group appropriated the knowledge. The training provided program creation activities in Scratch evaluating them quantitatively with the Dr. Scratch. After the teacher training stage, they used the knowledge acquired in classroom training with their students who also developed activities in Scratch and were evaluated with Dr. Scratch. The results obtained demonstrated that the concepts of Computational Thinking that had the highest score for teachers were also the ones that obtained the highest score for students, indicating a direct influence of teachers in the program proposals created by students.
Keywords: Computational Thinking; Teacher Formation; Scratch.
Introdução
A integração do Pensamento Computacional em sala de aula é um tópico discutido globalmente (MIOTTO; CARDOSO, 2014; BRACKMANN, 2017; MORAIS; BASSO; FAGUNDES, 2017) e, no Brasil, a discussão intensificou-se com a inclusão do Pensamento Computacional na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A teoria sobre o Pensamento Computacional é ampla e possui diferentes ênfases, podendo ser focada nas bases do Pensamento Computacional (Abstração, Algoritmos, Decomposição e Reconhecimento de Padrões), ou nos conceitos do Pensamento Computacional assim como a Lógica.
Com o objetivo de verificar a forma como um grupo de professores de Matemática e Informática se apropriou dos conceitos do Pensamento Computacional implementados com o Scratch, este artigo traz os resultados de atividades que foram avaliadas quantitativamente com a ferramenta Dr. Scratch durante um curso de formação em Pensamento Computacional para os professores.
Os dados apresentados se referem a dois momentos: (1) durante um curso de formação para os professores e (2) posteriormente, quando estes professores atuaram com seus alunos em sala de aula.
Pensamento Computacional
O termo Pensamento Computacional (PC) foi utilizado pela primeira vez por Seymour Papert (1980), mas só voltou a ter um destaque na comunidade científica 26 anos depois, quando Wing (2006) definiu o termo como um “conjunto de atitudes e habilidades universalmente aplicáveis, que todos, não apenas cientistas da computação, deveriam estar ansiosos para aprender e usar”.
Ainda, Paulo Blikstein (2008) citou que o Pensamento Computacional é “[...] possivelmente a habilidade mais importante a ser desenvolvida por aqueles que necessitem estar aptos a exercer plenamente a cidadania no século XXI”.
De uma forma genérica, podemos compreender o PC como um conjunto de habilidades que permitem sistematizar a resolução de problemas, pois estes podem ser resolvidos por um ser humano e, adicionalmente, por um computador. Com relação às habilidades comuns ao PC, destaca-se um grupo com quatro elementos identificados como as bases do PC (BITESIZE, 2015): Decomposição, Reconhecimento de Padrões, Abstração e Algoritmos.
A utilização das bases permite a compreensão de como o PC pode ser utilizado em atividades práticas, por exemplo, quando há a necessidade em resolver um problema grande e complexo, pode-se dividir este problema em pedaços menores, de menor complexidade, utilizando-se assim a decomposição.
A necessidade de introduzir o PC desde o ensino fundamental até o ensino médio nas disciplinas de Matemática e Ciências foi discutida por Weintrop et al. (2016) dada a crescente incorporação de aspectos computacionais nestas áreas.
A literatura aponta duas maneiras de trabalhar com os conceitos do Pensamento Computacional. A primeira delas é baseada no desenvolvimento de atividades plugadas (plugged), isto é, atividades realizadas com a utilização de um computador ou de outro equipamento equivalente, tal como tablet ou smartphone. A segunda delas faz referência ao desenvolvimento de atividades desplugadas (unplugged), isto é, atividades realizadas sem o uso de um computador ou equipamento similar.
A principal vantagem de se trabalhar com a abordagem desplugada está no fato de que não são necessários laboratórios de informática, internet ou outros artefatos tecnológicos para o desenvolvimento das atividades. Já a abordagem plugada traz a vantagem de possibilitar o trabalho com conceitos mais complexos do Pensamento Computacional.
Nesta pesquisa, optou-se pelo uso da abordagem plugada por sua possibilidade de trabalhar com elementos de programação, os quais são considerados uma ferramenta chave para o desenvolvimento mais amplo do Pensamento Computacional (GROVER e PEA, 2013).
Dentre os ambientes e linguagens disponíveis para se trabalhar com atividades plugadas - que são aquelas que utilizam um computador ou equipamento similar - destaca-se o Scratch, no qual é possível criar histórias interativas, jogos e animações. O Scratch foi desenvolvido pelo grupo Lifelong Kindergarten do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e pesquisadores (CALAO et al., 2015; ROCHA, 2015) apontam o mesmo como uma ferramenta utilizada para a aprendizagem de conceitos de programação que impacta na aprendizagem matemática.
Para avaliar a pontuação de programas criados no Scratch foi desenvolvido o Dr. Scratch que é um aplicativo Web gratuito e de código aberto que gera informações sobre o grau de desenvolvimento de cada um dos conceitos do PC. Uma pontuação é gerada a partir da avaliação da competência demonstrada pelo desenvolvedor do projeto com relação aos conceitos de: abstração e decomposição de problemas; raciocínio lógico; sincronização; paralelismo; controle de fluxo; interatividade do usuário; e representação de dados (MORENO-LEON; ROBLES; ROMAN-GONZALEZ, 2015).
São 7 conceitos avaliados, onde cada um pode receber pontuação de 1 ponto (nível “básico”), 2 pontos (nível “em desenvolvimento”) ou 3 pontos (nível “proficiente”).
Metodologia
A etapa metodológica desenvolvida neste trabalho foi estruturada em duas etapas: (i) Curso de formação - que ocorreu entre setembro de 2017 e outubro de 2018 e (ii) realização de atividades nas escolas - que ocorreu entre maio e dezembro de 2019.
A etapa do curso de formação consistiu em seis encontros presenciais e, como resultado desta etapa, apresentou-se uma análise em relação à utilização dos conceitos do PC dos programas criados no Scratch pelos professores.
A etapa de atividades nas escolas consistiu em sete visitas presenciais em escolas onde os professores participantes da pesquisa atuavam. Como resultado desta etapa apresentou-se uma análise em relação à utilização dos conceitos do PC dos programas criados no Scratch pelos professores e por seus alunos.
O Curso de Formação para Desenvolvimento do Pensamento Computacional
O curso de formação foi estruturado para dar, aos professores, subsídios para que pudessem trabalhar com seus estudantes conceitos do Pensamento Computacional, relacionando esses conceitos a suas respectivas disciplinas. O curso, ministrado em parceria com a Secretaria de Educação de um município do interior do RS, teve participação de 49 professores do ensino básico, 37 deles da área de Matemática e 12 de Informática.
Esses professores faziam parte de 25 escolas da rede municipal de ensino. Em cada encontro, um ou mais conceitos do Pensamento Computacional foram trabalhados, associando-os a conteúdos da Matemática e/ou Informática. Assim, foi utilizado um modelo Pedagógico Relacional similar ao proposto por Becker (1999), buscando facilitar a construção de conhecimento a partir do estabelecimento de relações entre os conceitos do Pensamento Computacional e o conhecimento dos professores sobre suas áreas.
Do ponto de vista ferramental, optou-se pelo uso da ferramenta Scratch na condução das atividades do curso, dada sua abrangência com relação às sete dimensões do Pensamento Computacional (MORENO-LEON; ROBLES; ROMAN-GONZALEZ, 2017) e sua disponibilidade, sem nenhum custo.
Foram realizados seis encontros presenciais com os professores, em um período que se estendeu por 3 semestres escolares: de setembro de 2017 a outubro de 2018. Em cada semestre, foram realizados dois encontros presenciais de 4h cada, com proposta de atividades e acompanhamento a distância.
Os encontros foram realizados no laboratório de informática do Centro de Formação Profissional que colaborou com o desenvolvimento da pesquisa. Os trabalhos realizados pelos professores durante a formação foram avaliados quanto ao emprego adequado de conceitos do Pensamento Computacional nas tarefas propostas.
Acompanhamento das atividades realizadas pelos professores nas escolas
Das 25 escolas inicialmente envolvidas na primeira fase da pesquisa, 5 delas participaram da etapa subsequente do estudo, aqui comentada. Cada uma das escolas foi visitada para que se pudesse conhecer e avaliar as atividades desenvolvidas pelos professores para trabalhar conceitos do Pensamento Computacional. Um protocolo de visitação, observação e entrevista similar ao trabalho de outros autores (ELOY et al., 2017; CURZON et al., 2014) foi utilizado.
Dez professores participaram dessa etapa da pesquisa, 6 deles da área de Matemática e 4 da área de Informática. Nesta etapa, os programas produzidos pelos professores foram avaliados, assim como os programas de seus estudantes. Para realizar essa avaliação foi utilizada a ferramenta Dr. Scratch, aliada a uma avaliação qualitativa realizada pelo próprio pesquisador.
Análise dos programas criados pelos professores na etapa de formação
Com relação à análise dos programas criados, participaram desta etapa 36 professores selecionados conforme disponibilidade da Secretaria de Educação do município onde a pesquisa foi realizada. Todos os professores atuavam em escolas municipais de ensino fundamental. Do total de 36 professores, 13 eram da disciplina de Informática e os demais, 23, da Matemática.
Os professores entregaram dois programas no decorrer da etapa: o primeiro programa permitiu gerar dados sobre o contato inicial dos professores com o Scratch e o segundo programa indicou como os professores evoluíram em desempenho após a formação em relação a utilização do Scratch e dos conceitos do PC.
A ideia principal dos programas criados era que eles tivessem relação com os conteúdos trabalhados pelos professores em sala de aula, assim, por exemplo, professores da Matemática criaram programas relacionados com geração de figuras geométricas, resolução de equações e cálculos com números fracionários.
Uma vez que a distribuição de frequência dos dados foi assimétrica, utilizou-se a análise da Mediana, assim como recomendado por Sousa-Rodrigues, Lima e Barbosa (2017).
O valor quinze da Mediana evidenciou a diferença da pontuação mínima (nove pontos) dos dois professores da Matemática em relação à pontuação máxima (vinte e sete pontos) de um dos professores de Informática.
Na Figura 1 apresenta-se um histograma gerado a partir da pontuação do Dr. Scratch para os dois programas entregues pelos professores.
Figura 1 – Pontuação dos Programas criados pelos professores na etapa de formação.
Fonte: elaborada pelo autor (2020)
Além da pontuação mínima e máxima, foi possível observar pontuações significativas para ambas as formações (Matemática e Informática), exemplificando com os vinte e três pontos de um dos professores de Matemática, e, como esta pontuação foi gerada de uma parceria da Matemática com a Informática, a mesma serviu para validar a ação conjunta das professoras.
A parceria citada entre as professoras refere-se ao fato de que a professora de Matemática trouxe o contexto para o programa, e a professora da Informática auxiliou no desenvolvimento do código, com as professoras de ambas as formações trabalhando interdisciplinarmente o PC.
A relação do PC X programação, encontrada na parceria da Matemática com a Informática, foi similar à descrição de Digital Promise (2017, p. 19): “A habilidade necessária para informar ao computador o que fazer é programar. O processo de pensamento por trás da programação é o pensamento computacional”. Minha tradução para o texto original: “The skill required to tell a computer what to do is programming. The thought process behind programming is computational thinking.''. Uma análise da pontuação dos programas com relação às dimensões do PC está apresentada na Tabela 1.
Tabela 1 – Pontuação das dimensões do Pensamento Computacional.
|
PROG 1 |
PROG 2 |
P2 – P1 |
|||
|
Mat. |
Inf. |
Mat. |
Inf. |
Mat. |
Inf. |
Lógica |
1.17 |
1.77 |
0.87 |
1.38 |
- 0.30 |
- 0.38 |
Paralelismo |
0.00 |
0.23 |
0.39 |
0.85 |
0.39 |
0.62 |
Interatividade |
1.52 |
1.85 |
1.96 |
1.92 |
0.43 |
0.08 |
Representação de dados |
1.26 |
1.92 |
1.91 |
1.69 |
0.65 |
-0.23 |
Controle de fluxo |
1.70 |
1.85 |
2.04 |
1.92 |
0.35 |
0.08 |
Sincronização |
0.43 |
0.69 |
0.78 |
1.00 |
0.35 |
0.31 |
Abstração |
0.09 |
0.31 |
0.39 |
0.69 |
0.30 |
0.38 |
Fonte: elaborada pelo autor (2020)
Ao calcular a média geral de pontuação do Programa 1 e do Programa 2, obteve-se, respectivamente, 7,03 e 8,75, valores estes que demonstraram um aumento na pontuação geral dos professores, corroborando uma influência positiva da formação.
Os números que foram apresentados após a utilização do Dr. Scratch serviram como uma métrica auxiliar para identificar como os professores conseguiram implementar suas ideias no Scratch, onde, mesmo para os professores que obtiveram uma pontuação menor, não houve um significado relativo de que o programa não tenha servido, conforme objetivos definidos.
Assim como afirmaram Romero, Lepage e Lille (2017), a ferramenta Dr. Scratch é capaz de fornecer boas dicas para melhorar a qualidade de um programa avaliado, identificando, por exemplo, os nomes de elementos que não foram adicionados e blocos repetidos. Mas não consegue “medir” o quanto de criatividade há no programa e nem se o mesmo é funcional. Os autores adotaram como medida de criatividade, em sua pesquisa, verificar se blocos não apresentados aos participantes haviam sido utilizados em seus programas.
Como o Dr. Scratch não mede criatividade, mesmo com uma pontuação relativa menor, o programa criado por um professor pode ter utilidade para o mesmo em sala de aula, como uma ferramenta para sua prática didática ou para fixação de algum conceito estudado na formação. A análise com o Dr. Scratch gerou dados que permitiram avaliar quantitativamente como os professores, de cada uma das formações (Matemática ou a Informática), conseguiram utilizar os conceitos do PC no Scratch.
Analisando separadamente o desempenho dos professores com formação em Matemática, e com formação em Informática, e comparando o aumento na pontuação do primeiro para o segundo programa, obteve-se, respectivamente, as médias de 35,2% e 9,8%, demonstrando que os professores das duas formações tiveram um aumento relativo em seu desempenho.
O fato de os professores de Informática possuírem maior desenvoltura com programação explica o menor aumento relativo da pontuação deles. Dito isto, podemos destacar que os professores de Matemática conseguiram aumentar significativamente sua pontuação.
Ainda, o aumento percentual inferior dos professores de Informática foi devido ao fato de que, desde o primeiro programa, já obtiveram pontuações maiores, mantendo uma pontuação similar no segundo programa e, consequentemente, tendo uma variação menor.
Com relação às pontuações obtidas para as sete dimensões do PC, verificou-se que, com exceção da dimensão da Lógica, todas as demais dimensões tiveram um aumento relativo. A explicação para que a dimensão da Lógica não tenha obtido um aumento significativo foi que, tanto no primeiro, quanto no segundo programa, os professores utilizaram extensivamente a estrutura SE-ENTÃO-SENÃO, a qual pontuou na dimensão da Lógica no Dr. Scracth.
Conforme observado nas entregas do programa dois, os professores demonstraram que já dominavam outros conceitos do PC e, consequentemente, conseguiam utilizar novos comandos do Scratch associados às outras dimensões além da Lógica, como foi o caso do Controle de Fluxo, que obteve a maior pontuação para o programa dois.
Concluiu-se que, inicialmente, a dimensão da Lógica foi a mais utilizada, sendo posteriormente mesclada com outras dimensões, o que resultou em uma redução relativa de sua utilização e um aumento correspondente das demais dimensões.
Uma vez que, durante o desenvolvimento dos programas avaliados, a interação entre os professores das duas formações foi constante, buscou-se saber qual a relação dos resultados de cada uma das formações em relação às dimensões do PC. Para isto, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson para interpretar se haveria uma relação linear, indicando que uma variação da pontuação de um conceito, para os professores da Matemática, estaria associada diretamente com a variação na pontuação para os professores da Informática.
Calculando o coeficiente de Pearson para os valores médios da diferença da pontuação de cada conceito do PC, apresentados na tabela 1, obteve-se R = 0.3676. Este valor indicou uma correlação fraca (FILHO; JÚNIOR, 2009) que, dentro do contexto apresentado, pode ser associada ao fato de que os programas criados pelos professores das duas formações, assim como já era esperado, possuíam estruturas diferentes com interpretações diferentes e, consequentemente, utilizando diferentes conceitos do PC e blocos de programação correspondentes.
Analisando diretamente os dados, foi possível compreender esta correlação fraca observando, por exemplo, os valores com maior variação positiva, que, para o grupo da Matemática, foi de 0,65 no conceito Representação de dados, e para a Informática, 0,62 no conceito Paralelismo.
Tomando como exemplo o aumento percentual da Representação de Dados, para o qual os professores de Matemática tiveram dificuldade de compreensão durante a formação, esperava-se uma pontuação maior para os professores de Informática. Porém, com a pontuação maior tendo sido da Matemática, percebeu-se que suas ideias de programas (principalmente os que realizavam cálculos) utilizaram variáveis, que são blocos do Scratch pontuados na dimensão da Representação de Dados.
A utilização das variáveis conduziu, então, a uma situação na qual o conceito de Representação de Dados fosse utilizado e compreendido pelos professores de Matemática, mesmo nos casos nos quais a implementação dos programas foi realizada com o auxílio dos colegas da Informática.
Análise dos programas criados por professores e alunos na etapa de visitação nas escolas
Nesta seção, foi realizada uma avaliação dos programas que os professores produziram durante a etapa de visitação nas escolas para utilizar com os seus alunos, em sala de aula, e, também dos programas produzidos por aqueles estudantes.
O propósito desta avaliação foi verificar se existiram e quais foram as relações entre o desempenho dos professores e o correspondente desempenho dos alunos. Foram visitadas sete escolas, identificadas por siglas como BJ, DL e LS para manter o caráter de sigilo da pesquisa.
A tabela 2 apresenta informações referentes à pontuação dos programas criados pelos professores e pelos alunos, onde, resumidamente, podem ser observadas as pontuações médias de cada ator, em cada escola, a pontuação total relativa a cada conceito do PC e o valor de correlação referente a esta pontuação.
Tabela 2 – Pontuação do Dr. Scratch para programas criados pelos professores e alunos.
ESCOLA |
|
CONCEITO DO PC |
MÉDIAS |
||||||
BJ |
Professores |
Lógica
|
Paralelismo
|
Interatividade com usuário
|
Representação de dados
|
Controle de fluxo
|
Sincronização
|
Abstração
|
16 |
Alunos |
14.3 |
||||||||
DL |
Professores |
9 |
|||||||
Alunos |
8.8 |
||||||||
LS |
Professores |
5 |
|||||||
Alunos |
7.5 |
||||||||
ST |
Professores |
5.5 |
|||||||
Alunos |
5.7 |
||||||||
JR |
Professores |
13 |
|||||||
Alunos |
10.3 |
||||||||
Pontuação total por conceito |
Professores |
8 |
7 |
14 |
13 |
14 |
8 |
6 |
Correlação = 0.94 |
Alunos |
36 |
40 |
95 |
76 |
95 |
25 |
40 |
Fonte: elaborada pelo autor (2020)
Com a análise dos dados apresentados na tabela 2, foi possível observar que, para as maiores médias apresentadas para a pontuação de programas dos professores, houve maior média na pontuação apresentada pelos alunos.
Esta análise das pontuações comprovou um comportamento observado pelo pesquisador durante as atividades realizadas nas escolas: nos casos em que os professores desenvolveram suas atividades, previamente à intervenção do pesquisador, os alunos conseguiram construir conceitos de maneira mais consistente. Desta forma, estes alunos desenvolveram programas mais bem elaborados, os quais obtiveram uma maior pontuação quando avaliados na ferramenta Dr. Scratch.
No trabalho de Romero, Lepage e Lille (2017), os programas elaborados pelos estudantes em uma ação para desenvolvimento do Pensamento Computacional foram avaliados empregando a ferramenta Dr. Scratch. Comparando os resultados apresentados pelos autores com aqueles apresentados nesta pesquisa, observa-se que o curso de formação aqui proposto foi mais amplo em termos de materiais apresentados e atividades desenvolvidas com os participantes, tanto em relação ao Pensamento Computacional como na utilização do Scratch. Consequentemente, os programas elaborados pelos estudantes que participaram da pesquisa aqui relatada obtiveram pontuações superiores.
Observou-se também que os dois conceitos do PC, com maior pontuação, foram “Interatividade com o Usuário” e “Controle de fluxo”, cujo resultado, referente ao conceito de interatividade com o usuário, foi similar ao citado por Kalogiannakis e Papadakis (2017) sobre os programas criados nos workshops propostos, também apresentando altos níveis de componentes de interação com o usuário.
Uma justificativa para este resultado foi o fato de ter sido empregado o formato de jogos na maioria dos programas criados junto com os alunos e professores nas escolas visitadas. Destaca-se que os jogos criados no Scratch utilizam comandos do mouse e do teclado, que pontuam no conceito de Interatividade com o Usuário no Dr. Scratch.
Em relação aos pontos específicos relacionados a cada conceito do PC, foi realizado o cálculo da correlação entre a pontuação dos professores e a pontuação dos alunos, cujo valor calculado de 0,94 representa uma correlação positiva forte. A interpretação matemática se deu pelo fato de que as maiores pontuações dos conceitos dos alunos foram muito similares, assim como as maiores pontuações dos conceitos dos professores.
Foi possível, também, inferir que os conceitos mais dominados pelos professores foram aqueles mais utilizados durante as suas atividades com os alunos. E, consequentemente, os alunos acabaram por utilizar os conceitos influenciados diretamente pela forma como os professores mediaram as atividades.
Com relação às médias apresentadas para as pontuações dos programas, observou-se que a escola com o maior valor foi a BJ, seguida pela escola JR. Nestas escolas, os professores trabalharam de forma independente e autônoma em relação à intervenção do pesquisador, onde as professoras de Matemática e de Informática demonstraram que trabalharam de forma interdisciplinar e integrada.
Na escola DL, o trabalho desenvolvido foi criado durante a intervenção do pesquisador junto às duas professoras de Matemática, obtendo uma pontuação superior às escolas ST e LS, sendo este um dado interessante que trouxe também um indício de que os melhores resultados apresentados ocorreram quando as atividades foram conduzidas em conjunto pela Matemática e Informática.
Com relação à escola LS, o trabalho desenvolvido foi efetuado durante a intervenção do pesquisador junto à professora de Informática, porém, a mesma não teve um suporte interdisciplinar da professora de Matemática. E na escola ST, o professor de Informática já havia utilizado o Scratch junto aos alunos, porém, a ação das professoras de Matemática só ocorreu junto à intervenção do pesquisador. Contudo, as docentes não foram além de simples espectadoras, diferentemente do que foi observado nas escolas BJ e JR.
Além disso, as pontuações médias apresentadas na tabela 2 reforçam que os melhores resultados ocorreram quando houve ação conjunta das professoras de Matemática e Informática, de forma independente à intervenção do pesquisador com as duas maiores médias sendo obtidas nas escolas BJ e JR.
Mereceu destaque a pontuação obtida por um aluno da escola JR, que pontuou 19 pontos, de 21 possíveis, sendo esta a pontuação maior entre todas as pontuações de alunos e professores em todas as escolas. Com esta pontuação do aluno, tornou-se possível compreender que o papel mais importante do professor foi o de introduzir os conceitos e deixar o aluno “voar” sozinho depois. Esta situação permitiu uma comparação com o que trouxe Yadav et al. (2014) sobre a importância de o aluno ser um indivíduo ativo na produção de tecnologia.
Ainda, analisando as pontuações dos programas, na escola LS, a média de pontuação da professora foi de 5 pontos, porém, ocorreu uma pontuação de um aluno obtendo 11 pontos, de 21 possíveis, e com uma média de pontuação dos alunos de 5,7. Ou seja, mesmo com uma pontuação mais baixa do professor, a turma conseguiu uma pontuação média mais alta, inclusive com um aluno chegando a 11 pontos.
Os dados comprovam que o papel do professor foi o de introduzir o assunto, não sendo necessário o domínio total do mesmo, tornando mais importante o papel de mediador, similarmente ao que traz Prado (2005, p. 15): “A mediação do professor é fundamental, pois, ao mesmo tempo que o aluno precisa reconhecer sua própria autoria no projeto, ele também precisa sentir a presença do professor, que ouve, questiona e orienta [...]”.
Após analisar o desempenho de professores trabalhando com seus alunos, foi possível tomar como apropriado o papel do professor descrito por Eloy et al. (2017, p. 443): “[...] o principal aprendizado descrito por eles foi o novo papel que tiveram na sala de aula: mentores e facilitadores que não têm a resposta para todas as perguntas e quem poderia aprender com seus alunos”. Minha tradução para o texto original: “the main learning described by them was the new role they had in the classroom: mentors and facilitators who do not have the answer to all questions and who could learn from and with their students”.
Outra análise importante, trazida agora por Prado (2005), indicou que o professor se depara (no atual contexto tecnológico) com uma situação que implica em novas aprendizagens. Em consequência disso, requer-se que haja uma mudança em sua prática pedagógica.
Os exemplos que foram citados acima podem ser considerados evidências de situações nas quais os professores demonstraram a chamada “mudança” em suas práticas. Frente aos resultados apresentados pelos alunos, poder-se-ia ousar a conclusão de que tais resultados foram positivos.
Conclusões
Este trabalho apresentou o processo de avaliação dos conhecimentos adquiridos por um grupo de professores durante uma formação em Pensamento Computacional. Foram realizadas duas etapas principais na metodologia, com a primeira avaliando os programas produzidos pelos professores durante a formação, e a segunda avaliando os programas produzidos por professores e alunos nas escolas.
O estudo realizado mostrou como os professores estão cientes da necessidade de trabalhar com os alunos conceitos do Pensamento Computacional, aproximando-os do mundo contemporâneo cada vez mais conectado e dependente da tecnologia. Contudo, os resultados da pesquisa deixaram também evidentes as dificuldades que esses professores enfrentam em assumir a responsabilidade de integrar os conceitos do Pensamento Computacional nas atividades curriculares que precisam desenvolver.
Tais dificuldades deixam aparentes as lacunas existentes entre a teoria e a prática. Por um lado, sabe-se da importância da formação de professores para que possam trabalhar com novos conteúdos e atividades. Por outro lado, a integração desses conteúdos em um modelo já existente exige esforço e investimento financeiro, seja na formação de professores em serviço ou na reestruturação dos cursos de graduação dos futuros professores. No contexto nacional, apesar de o Pensamento Computacional já figurar de maneira dispersa em diferentes pontos da BNCC, tais esforços têm sido realizados apenas de maneira pontual.
Com relação ao objetivo proposto de verificar a forma como o grupo de professores se apropriou dos conhecimentos, na primeira etapa da metodologia foi possível verificar qual a diferença de desempenho apresentada pelos professores com relação aos programas produzidos, visto que foram avaliados professores de Informática e de Matemática. Os professores de Informática, assim como era esperado, por sua familiaridade com a lógica de programação, apresentaram pontuações maiores nos resultados do Dr. Scratch.
Os professores de Matemática, apesar de apresentarem pontuações menores, tiveram resultados significativos, principalmente se for considerado que conseguiram boas pontuações no conceito de Representação de Dados, fato que foi relacionado diretamente à utilização de variáveis, que é um conceito intrínseco ao contexto da Matemática.
Ainda, o bom desempenho dos docentes da Matemática vai ao encontro da necessidade destes docentes se apropriarem do Pensamento Computacional já que, assim como preconiza a BNCC, os conceitos do PC estão dentro da área da Matemática.
Na segunda etapa, ao avaliar os programas produzidos pelos professores e pelos alunos, foi possível inferir a influência direta que os professores exerceram nos alunos, dado o valor de correlação das pontuações dos conceitos. Este fato é muito importante, pois demonstra a influência direta dos professores em relação aos alunos, o que, consequentemente, pode contribuir com a disseminação dos conceitos do Pensamento Computacional.
Os resultados apresentados pelos professores e alunos, quando da avaliação dos programas produzidos pelos mesmos em relação aos conceitos do Pensamento Computacional, mostraram que o modelo de formação criado é eficaz, e, assim, pode servir de base para o desenvolvimento de ações similares em outros contextos educacionais no país.
Como limitação deste estudo, destaca-se que o grupo de professores que participou da pesquisa envolveu apenas professores das áreas de Matemática e Informática. Em trabalhos futuros, professores de outras áreas também poderiam ser envolvidos, buscando identificar outras oportunidades de integração curricular do Pensamento Computacional.
Referências
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BLIKSTEIN, P. O pensamento computacional e a reinvenção do computador na educacão. 2008. Publicação online. Disponível em: http://www.blikstein.com/paulo/documents/online/ol\pensamento\computacional.html. Acesso em: 11 set. 2017.
CURZON, Paul; MCOWAN, Peter W.; PLANT, Nicola; MEAGHER, Laura R. Introducing teachers to computational thinking using unplugged storytelling. In: Proceedings of the 9th Workshop in Primary and Secondary Computing Education. New York, NY, USA: ACM, 2014., p. 89–92. ISBN 9781450332507. Disponível em: https://dl.acm.org/doi/10.1145/2670757.2670767. Acesso em: 26 set. 2018.
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