ReTER, Santa Maria, v.2, n.4. ISSN:2675-9950 | Dossiê Educação Profissional e Tecnologias em Rede. |
CONCEITOS DA ESCOLA UNITÁRIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19
Discente no PPGEdu Educação e Tecnologia no Mestrado Profissional em
Educação e Tecnologia no Instituto Federal de Educação Sul Riograndense -
Campus Pelotas – carla.asilveira@hotmail.com
Professora de ensino
médio, técnico e tecnológico do IFSul - Campus
Pelotas e professora do curso de Especialização em Esporte Escolar do IFSul – fabianamontiel@ifsul.edu.br
Luciane Albernaz de Araujo Freitas
Professora titular do
Instituto Federal Sul- Rio-Grandense – lucianefreitas@ifsul.edu.br
Resumo: No ano de 2020, o mundo foi tomado de surpresa com o surgimento da pandemia COVID-19. As escolas, atentas aos cuidados com a saúde e com o isolamento social, acabaram por adotar alternativas de ensino a distância, as atividades remotas. Implicadas por todos os acontecimentos, acreditando na proposta educacional do Ensino Médio Integrado (EMI) e alicerçadas nos fundamentos da escola unitária proposta por Gramsci, buscamos com este ensaio compreender as aproximações e distanciamentos das atividades remotas com a proposta de escola unitária de Gramsci. Salientamos a necessidade de um cuidado com a maneira como os processos educacionais vêm sendo desenvolvidos nesse período de pandemia, de forma a não fortalecer a educação bancária e o saber enciclopédico. Reforçamos o compromisso dos IF, de oferta de uma educação pública e de qualidade para todos/as, para que mesmo diante desse cenário, garanta a todos/as uma formação qualificada, possibilitando aos/às estudantes pleno acesso às atividades remotas.
Palavras-chave: Educação; Atividades remotas; Escola unitária.
CONCEPTS
OF UNITARY SCHOOL IN TECHNOLOGICAL PROFESSIONAL EDUCATION IN TIMES OF COVID-19
PANDEMIC
Abstract: In the year 2020, the coronavirus
pandemic took the world by surprise. The schools, attentive to health care and
social isolation, ended up adopting alternatives of distance teaching, i.e. remote activities. Involved by all those events,
believing in the educational proposal of Integrated High School (EMI), and
supported by the foundations of the unitary school as proposed by Gramsci, in
this essay, we have attempted to understand the approximations and distances of
remote activities through Gramsci’s proposal of unitary school. We have
highlighted the need of being careful with the way that educational processes
have been performed in this period of pandemic, in order to not strengthen
either the banking model of education or the encyclopedic knowledge. We
corroborate the commitment of IF to offering qualified public education for
all, so that, despite this scenario, it guarantees qualified education for all,
thus enabling students to have full access to remote activities.
Keywords: Education; Remote activities;
Unitary school.
Introdução
A educação brasileira há tempos vem passando por reformas legislativas, as quais, em sua grande maioria, revelam a intenção de atender às demandas do sistema econômico vigente, pautadas na ideia de crise financeira constante, assim explicando os cortes em políticas sociais, como as de educação e saúde, assim como na condição salarial. Esse processo acaba por validar a concentração de riqueza, sem muito se preocupar em atender às necessidades da população e com a formação de cidadãos/ãs críticos/as e atuantes na sociedade em que vivem.
Com a Lei nº. 11.892 (BRASIL, 2008) têm-se a criação dos Institutos Federais de Educação (IF), com uma proposta de oferta de ensino de maneira verticalizada, ou seja, desde a educação básica até a pós-graduação, objetivando um ensino público de qualidade para todas as camadas da população. A partir da constituição dos IF houve um fortalecimento da Educação Profissional e Tecnológica, a qual alcança uma maior visibilidade no cenário educacional.
Dentro das modalidades de ensino oferecidas pelos IF, temos a Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio, nas formas: concomitante, subsequente e integrada. A modalidade integrada, aqui denominada de Ensino Médio Integrado (EMI), tem como foco unir a formação propedêutica e a formação técnica, dentro de uma proposta de superação do dualismo estrutural, historicamente presente no cenário brasileiro.
No ano de 2020 o mundo foi surpreendido pela pandemia da COVID-19[1]. No Brasil, assim como em outros países, o contexto educacional foi extremamente afetado, visto que instituições de ensino e profissionais da educação não estavam preparadas para o panorama que se instaurou. Nos IF, mesmo sendo instituições de cunho tecnológico, o cenário não foi diferente, pois enquanto escolas públicas não possuem os mesmos recursos das escolas privadas e grande parcela dos/as estudantes precisavam de auxílio financeiro para poder acompanhar as atividades de forma remota.
O dilema no campo educacional foi grande, as escolas viram-se obrigadas a suspender as suas atividades pedagógicas presenciais, pois era necessário um cuidado com a vida. Ao mesmo tempo era reconhecida a necessidade desses lugares, de crianças e jovens não terem apenas o ensino oferecido por essas instituições, mas as demais assistências, em especial a alimentar (ANTUNES, 2020). Como também nos afirma Santos (2020, p. 19), “se as escolas fecham, acaba a merenda escolar que garantia a sobrevivência das crianças”.
Diversos foram os problemas evidenciados com a pandemia da COVID-19, a qual escancarou a enorme desigualdade social do Brasil, a falta de políticas públicas, em especial de uma política digital, o não cuidado com a formação constante de docentes no sentido de acompanhar as demandas atuais, falta de acesso aos meios digitais, entre outros. Na atual crise humanitária aflora também o desabono à classe de investigação científica, ataques já realizados antecedentes a essa, mas que se tornam cada vez mais injustos devido a sua extrema relevância no presente. O ano de 2020 foi de reinvenção, a educação teve que se reinventar e os/as professores/as, estudantes e comunidade escolar, tiveram que rapidamente se adaptar a esse novo formato educacional – as atividades remotas.
Preferimos, neste artigo, não nos referirmos ao termo ensino remoto e sim denominar de atividades remotas, pois a nós soa estranho chamar de ensino algo que se distanciou tanto do que acreditamos enquanto processo educacional. O que visualizamos foi a ênfase de uma educação bancária (FREIRE, 2011) ou de um saber enciclopédico, conforme o filósofo italiano Antonio Gramsci.
Saber enciclopédico, em que o homem só é visto como
recipiente de empiria e portador de fatos empíricos, fatos brutos e desconexos
que deverá arrumar em seu cérebro do mesmo modo que nas colunas de um
dicionário para poder depois, em cada ocasião, responder aos vários estímulos
do mundo externo. (GRAMSCI,
2011, p. 53-54).
Temos consciência de que foi feito o que era possível para o momento, que as atividades remotas foram a alternativa encontrada para manter um vínculo entre escola, estudantes e professores/as, assim como forma de manutenção da educação. O que nos inquietou foi a necessidade de seguir o cumprimento de uma matriz curricular pensada para o formato presencial, assim como as aulas em um sentido de depósito, como se os/as estudantes estivessem em um supermercado e os/as professores/as colocassem os produtos – os conteúdos, para serem comprados ou não pelos/as mesmos/as. Além disso, destacamos a dificuldade de acesso dos/as estudantes às atividades remotas, seja em função de falta de conexão à internet, falta de recursos como computadores, smartphones e outros para a realização das atividades propostas.
Em uma proposta de educação na perspectiva de Gramsci, de uma escola unitária – formativa e desinteressada, uma escola para todos/as, de responsabilidade do Estado, fica difícil visualizarmos a possibilidade de ser desenvolvida através de atividades remotas. A luta pela escola única e comum está na compreensão da democracia que baliza as necessidades políticas e sociais das classes subalternas, onde aos/às filhos/as dessas estará garantido o acesso à cultura, essa definida pela sua história de vida, onde o apropriar-se capacita o sujeito a decifrar a herança cultural e perceber-se frente a essa. Dessa forma, habilitando o/a estudante a se posicionar de forma crítica, amenizando as diferenças sociais.
Essa concepção de escola, proposta por Gramsci, está próxima do que os IF propõem no EMI, que busca aliar uma formação técnica a uma formação humana, que supere a, ainda, instaurada dualidade estrutural do ensino.
Implicadas por tudo o que aconteceu no ano de 2020, acreditando na proposta educacional do EMI e com base nos fundamentos da escola unitária proposta por Gramsci, buscamos com este artigo compreender as aproximações e distanciamentos das atividades remotas com a proposta de escola unitária de Gramsci, a partir dos IF.
Atividades Remotas no Cenário Brasileiro
O ano de 2020 foi marcado pela pandemia da COVID-19 e as implicações no sistema educacional foram inúmeras, sendo o ensino presencial substituído pelas atividades remotas, configurando-se “como uma alternativa viável visando a promoção da aprendizagem, utilizando além dos aparatos tradicionais de ensino, a tecnologia disponibilizada pelo acesso à internet para acesso aos recursos educacionais digitais” (YAMAGUCHI; YAMAGUCHI, 2020, p. 5).
De acordo com Andrade et al. (2020, p. 11), “a pandemia da COVID-19 evidenciou um sistema educativo disciplinar e conteudista, centrado na figura do/a professor/a, onde alunos e alunas, de forma passiva, ‘recebem’ o conhecimento”, distante daquele ensino que acreditamos, de uma educação problematizadora (FREIRE, 2011) e de uma escola única, intelectual e manual (GRAMSCI, 2001), contextualizada com a realidade e a história que cerca o/a educando/a.
Tanto os/as professores/as quanto os/as estudantes tiveram que se adequar a esse novo modelo educacional, que provavelmente será o mesmo a ser vivenciado por uma grande parcela de estudantes, durante todo o ano de 2021, visto o cenário pandêmico que ainda atinge o Brasil. Como destacam Santos Júnior e Monteiro (2020), os/as estudantes tiveram suas rotinas modificadas, nesse sentido, é preciso refletir sobre a adaptação desses/as a esse novo formato educacional, pois muitos/as têm seu tempo dividido entre tarefas escolares e domésticas.
Nessa mesma perspectiva, Andrade et al. (2020) destacam que as atividades remotas impactaram na rotina de todos/as no ano de 2020, desde estudantes, familiares e professores/as. Para as autoras:
A pandemia gerou, em nossa compreensão, uma sobrecarga
de trabalho para a maioria dos/as estudantes e dos/as professores/as. Em suas
casas, pais/mães chegam do serviço e precisam ensinar e auxiliar os/as
filhos/as nas atividades escolares, concomitantemente as suas responsabilidades
domésticas, sendo que muitos/as não possuem acesso adequado à tecnologia. Os/as
professores/as, na medida em que fazem de seus lares um ambiente de trabalho,
acabam por ter uma sobrecarga em sua rotina, com uma maior demanda de reuniões,
acúmulo de grupos em redes sociais, aprendizado sobre plataformas e diferentes
ferramentas. (ANDRADE
et al., 2020, p. 4-5).
As instituições de ensino precisaram se adaptar, e não foi diferente nos IF, que com o compromisso de oferecer um ensino de qualidade para todos/as, empenharam-se em fazer e oferecer o melhor possível para os/as estudantes. Castilho e Silva (2020, p. 32) ressaltam, em relação às instituições da Rede Federal de Ensino, que “apesar de não ser possível identificar ações homogêneas entre todos os IF, percebe-se que a preocupação maior dessas instituições está voltada para a oferta de educação de qualidade e em condições igualitárias para todos”.
Algumas instituições e campi dos IF, tendo como exemplo as do estado do Rio Grande do Sul, optaram por oferecer, em um primeiro momento, um calendário extraordinário, com o intuito de priorizar o vínculo com os/as estudantes. E outros IF por dar seguimento, de forma cautelosa, ao calendário suspenso, ambos de forma remota, através do que chamaram de Atividades Pedagógicas não Presenciais - APNP (IFFAR, 2020; IFSUL, 2020; IFRS; 2021).
Bertonha, Bittencourt e Guanãben (2020) destacam, a partir de estudo realizado na região sudeste, que os IF não estavam preparados para oferecer prontamente atividades remotas, em especial para os cursos de EMI, que pouco trabalhavam com atividades no formato a distância. Esse cenário não foi diferente em outras regiões do Brasil, tendo professores/as que realizarem capacitação para uso de diferentes ferramentas e plataformas.
Notou-se que de maneira geral os IFs
da região Sudeste e o quadro de docentes analisados não estavam preparados para
a implantação do ER no ensino médio no período da pandemia por Covid-19, mas
que ocorreu capacitação dos docentes seja pela própria instituição ou por
outros meios. O ER foi empregado em quase a totalidade dos IFs
entrevistados, com variação do início das aulas remotas, sendo que a plataforma
Moodle foi a mais utilizada. (BERTONHA; BITTENCOURT; GUANÃBEN, 2020, p. 17).
Apesar de reconhecermos que não podemos comparar a qualidade do ensino no formato presencial e no formato remoto, precisamos considerar estudos como o de Gomes, Sant’Anna e Maciel (2020) que destacam a importância que teve para os/as estudantes a oferta de atividades durante a pandemia. De acordo com os autores, “embora existam muitas dificuldades e principalmente uma necessidade contínua de adequação a nova ferramenta de ensino, a maioria dos estudantes visualiza as atividades de ensino remoto como positivas [...]” (GOMES; SANT’ANNA; MACIEL, 2020).
Porém, não podemos esquecer que nem todos/as estudantes possuem condições de acompanhar as atividades de forma remota, pois existe aquele/a estudante que não possui recursos digitais e tecnológicos. Essa impossibilidade está na condição financeira desse/a estudante, contrapondo ao direito de uma escola pública e gratuita, onde a educação serve para todos/as sem distinção qualquer.
Muitas foram as dificuldades nesse período, pesquisas e reflexões foram realizadas, que demonstraram tanto os problemas como as assertivas em relação às atividades remotas desenvolvidas. Importa destacar, como sinalizado por Andrade et al. (2020), que precisamos aprender com a pandemia da COVID-19 e seguirmos lutando por uma educação de qualidade para todos/as. Uma educação, que mesmo que ocorra de forma remota, reflita aquilo que desejamos enquanto formação.
Deve-se notar que a elaboração das camadas
intelectuais na realidade concreta não ocorre num terreno democrático abstrato,
mas segundo processos históricos tradicionais muito concretos. Formaram-se
camadas que, tradicionalmente, “produzem” intelectuais; e elas são as mesmas
que, com freqüência, especializaram-se na “poupança”,
isto é, a pequena e média burguesia fundiária e alguns estratos da pequena e
média burguesia urbana. A diferente distribuição dos diversos tipos de escola
(clássicas e profissionais) no território “econômico” e as diferentes
aspirações das várias categorias destas camadas determinam, ou dão forma, à
produção dos diferentes ramos de especialização intelectual. (GRAMSCI, 2001, p. 20).
Espera-se que a pandemia e as experiências com as atividades remotas no âmbito escolar tenham provocado diferentes reflexões e que motive a busca por uma escola para todos/as, de qualidade e gratuita, ou seja, uma escola unitária para formar intelectuais que venham a interferir criticamente na sociedade que estão inseridos/as (GRAMSCI, 2001).
A Escola Unitária de Antonio Gramsci
O filósofo Antonio Gramsci define o sistema hegemônico a partir de um bloco histórico, que apresenta os eixos da estrutura e superestrutura, o qual se consolida de acordo com valores de determinada classe social. Na superestrutura, está a sociedade política e a sociedade civil. A sociedade política, responsável pela coerção, evidenciada pelos sistemas jurídicos e militares, legislação e a polícia. A sociedade civil, responsável pelo consenso, representada pelos aparelhos hegemônicos do Estado, ou seja, a escola, os meios de comunicações, a igreja, entre outros que ressaltem as questões da subjetividade. As articulações entre essas geram as forças hegemônicas, a compreender: o senso comum e a direção intelectual.
Para Gramsci, as forças hegemônicas são meios permanentes de construção e desconstrução. Nesse entendimento, toda a relação hegemônica pode representar ainda uma relação pedagógica. Assim, a educação se manifesta como uma ferramenta de luta conforme nos manifesta Saviani (1989, p. 10): “luta para estabelecer uma nova relação hegemônica que permita constituir um novo bloco histórico sob a direção da classe fundamental dominada da sociedade capitalista – o proletariado”.
O pensamento do filósofo italiano se desenvolve com uma escola comum e única, chamada de escola unitária, sendo essencial não menos que nos níveis básicos de ensino, uma escola formativa, desinteressada, representando uma verdadeira tendência democrática, podendo assim promover o acesso à cultura aos sujeitos. Cultura essa que difere do conhecimento enciclopédico, e sim, uma cultura que permeia a sua vida, localizada na sua história, na qual o sujeito em poder dessa aquisição estabelece e traduz o seu legado cultural e se posiciona diante desse.
A tendência hoje é a de abolir qualquer tipo de
“escola desinteressada” (não imediatamente interessada) e “formativa”, ou
conservar delas tão-somente um reduzido exemplar destinado a uma pequena elite
de senhores e de mulheres que não devem pensar em se preparar para um futuro
profissional, bem como a de difundir cada vez mais as escolas profissionais
especializadas, nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são
predeterminados. A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir
esta linha: escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que
equilibre equanimente o desenvolvimento da capacidade
de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento
das capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de
repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das
escolas especializadas ou ao trabalho produtivo. (GRAMSCI. 1979, p. 118).
Para Gramsci, a escola é o instrumento para formar intelectuais de diversos níveis e, para o autor, a complexidade da função intelectual pode ser objetivamente medida pela quantidade das escolas especializadas e pela sua hierarquização: “quanto mais extensa for a ‘área’ escolar e quanto mais numerosos forem os ‘graus verticais’ da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado” (GRAMSCI, 2001, p. 19).
Gramsci caracteriza a tendência profissionalizante como uma degenerescência da escola, onde “é uma forma imediatista de sujeitar a socialização das crianças e dos jovens, a formação dos homens, à lógica da produção e, portanto, à lógica do capital” (MOCHCOVITCH, 2004, p. 55). Trazendo uma utopia de ensino democrático quando em verdade serve para suprir uma demanda da sociedade capitalista, visando a atender as forças produtivas de um bloco histórico, fomentando as diferenças sociais.
Contrapondo essa lógica, os IF surgem com o papel de “garantir a perenidade das ações que visem a incorporar, antes de tudo, setores sociais que historicamente foram alijados dos processos de desenvolvimento e modernização do Brasil” (BRASIL, 2010, p. 21). Além disso, a proposta curricular do EMI, dentro dos IF, é integrar o ensino médio à formação técnica.
Essa proposta, além de estabelecer o diálogo entre os
conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais e humanísticos e conhecimentos
e habilidades relacionadas ao trabalho e de superar o conceito da escola dual e
fragmentada, pode representar, em essência, a quebra da hierarquização de
saberes e colaborar, de forma efetiva, para a educação brasileira como um todo,
no desafio de construir uma nova identidade para essa última etapa da educação
básica. (BRASIL,
2010, p. 27).
Torna-se importante possibilitar através da escola formativa e desinteressada, assim democrática, habilidades ao/à estudante para sua transformação em um/a cidadão/ã que possa ser um/a “governante”. Conforme Gramsci:
Mas a tendência democrática,
intrinsecamente, não pode significar apenas que um operário manual se torne
qualificado, mas que cada “cidadão” possa tornar-se “governante” e que a
sociedade o ponha, ainda que “abstratamente” , nas condições gerais de poder
fazê-lo: a democracia política tende a fazer coincidir governantes e governados
(no sentido de governo com o consentimento dos governados), assegurando a cada
governado o aprendizado gratuito das capacidades e da preparação técnica geral
necessárias a essa finalidade. (GRAMSCI, 2001, p. 50).
Nesse sentido, compreende-se que o conceito de EMI, vislumbrado na criação dos IF, muito se aproxima da proposta de escola unitária de Gramsci e da educação que se acredita humana, de qualidade e para todos/as. Porém o que se observou durante este período de atividades remotas foi um distanciamento dessa proposta, mesmo tendo como base os IF, pois, apesar do empenho dessas instituições em conseguirem acesso às atividades remotas a todos/as estudantes, isso não era suficiente para o momento.
Outros problemas eram mais emergentes, visto que famílias perderam empregos, jovens tiveram que trabalhar para auxiliar financeiramente em suas casas, pessoas queridas vieram a óbito em função da COVID-19. Esses e outros fatores afetaram estudantes e professores/as, o que acaba por interferir diretamente nos processos de ensino e de aprendizagem.
Uma escola para formar intelectuais e que promovesse o acesso à cultura aos sujeitos, durante o período da pandemia, deveria consolidar a luta pela superação do modelo capitalista e uma reflexão constante sobre uma educação que não sirva para suprir uma demanda da sociedade burguesa.
Considerações Finais
As atividades remotas, instauradas no ano de 2020, apresentaram inúmeros problemas e dificuldades, chegando à exclusão, em alguns casos, dos/as menos favorecidos/as, de um processo educacional visto e vivenciado na ausência de recursos para o seu andamento, cristalizando ainda mais as diferenças sociais, não só na educação, mas na sociedade brasileira.
O distanciamento social também é um aspecto que não podemos deixar de observar, pois a interatividade entre professor/a e estudantes, assim como dos/as estudantes entre si, são experiências vividas que somam significativamente aos processos de ensino e de aprendizagem dos/as estudantes. De acordo com Freire (2011), somos seres de relação, e uma educação transformadora se faz através das trocas, do diálogo com os/as outros/as, através da experiência vivida.
A ausência desses aspectos consolida, ainda mais, a crítica ao ensino que está posto no sistema educacional atual, em especial nesse cenário remoto, não habilitando o/a estudante a pensar de forma crítica e criativa. Dessa forma, a carência desse exercício se estabelece de forma consentida, visto que sem a consciência não há como ter a compreensão de algo diferente do vivido.
Contudo, a partir dos fundamentos da escola unitária de Antônio Gramsci, visualizam-se as aproximações com a proposta do EMI, proporcionando, para o/a estudante, a visão de forma integral da sociedade, na qual ele/a realmente sente-se pertencente. De acordo com Gramsci (2001), isso seria assegurar a cada “governado” o saber necessário para governar, ou seja, a constituição desses/as estudantes em cidadãos/ãs ativos/as e críticos/as, através de uma formação educacional livre e consciente, abrandando, dessa forma, as diferenças sociais.
Salientamos a necessidade de um cuidado com a forma como os processos educacionais vêm sendo desenvolvidos nesse período de pandemia, não podemos fortalecer a educação bancária e o saber enciclopédico. Mesmo com as dificuldades no desenvolvimento das atividades de forma remota, havemos de pautá-las através do diálogo, da compreensão de mundo, oportunizando o acesso à cultura e ao conhecimento a todos os sujeitos.
Os IF, como instituições públicas e que primam pelo ensino de qualidade para todos/as, não deverão deixar de lado o seu compromisso social, buscando garantir a uma formação qualificada, possibilitando a todos/as estudantes o acesso às atividades remotas, assim como a sua permanência. A proposta de uma educação integral, que supere a dualidade entre formação técnica e formação geral, característica do EMI, não pode ser perdida, mesmo diante das dificuldades de uma educação sendo desenvolvida por meio de atividades remotas.
Por fim, destacamos que poucas são as aproximações das atividades remotas, no formato como estão sendo desenvolvidas, com a proposta de escola unitária de Gramsci. Porém, enquanto educadores/as, neste ano de 2021, nós precisamos buscar maiores aproximações, nos fortalecer coletivamente e seguir lutando por uma educação de qualidade e gratuita para todos/as.
Referências
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[1] A COVID-19 é uma doença causada pelo
coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro clínico variando
de infecções assintomáticas a quadros graves. De acordo com a Organização
Mundial de Saúde, a maioria (cerca de 80%) dos pacientes com COVID-19 podem ser
assintomáticos ou oligossintomáticos (poucos sintomas), e aproximadamente 20%
dos casos detectados requer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade
respiratória, dos quais aproximadamente 5% podem necessitar de suporte
ventilatório. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).