ReTER, Santa Maria, v.2, n.4. ISSN:2675-9950 Dossiê Educação Profissional e Tecnologias em Rede.

FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM TEMPOS DE PANDEMIA:

ESTUDO DE CASO EM CURSO TÉCNICO DE INFORMÁTICA

 

Elaine Sousa

Discente do Mestrado em Educação da Universidade Federal da Fronteira Sul – elaine.sousa@estudante.uffs.edu.br

Juliane Colling

Discente do Doutoramento em Educação da Universidade de Lisboa juliane.colling@ulisboa.edu.pt

 

Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo identificar a percepção de estudantes do curso técnico em Informática da Escola Estadual São João Batista, de São Miguel do Oeste/Santa Catarina, sobre as aulas remotas no período de isolamento social, decorrente da pandemia de COVID-19, para compreender o contexto, normativas e orientações quanto à realização de aulas no período de isolamento social; conhecer a percepção dos estudantes a respeito das aulas remotas, e identificar pontos positivos e negativos da realização de aulas remotas em componentes curriculares de formação profissional. Para tanto, utilizou-se de questionário online para coleta de dados empíricos, analisando-os de forma qualitativa. Os resultados apontam dificuldades nas aulas remotas, especialmente na compreensão de conteúdos e na dosagem de quantidade de materiais e atividades, mas também demonstra a compreensão dos estudantes sobre a situação vivenciada. Concluímos que há obstáculos na realização das aulas remotas, no entanto, é uma alternativa para o momento vivenciado.

Palavras-chave: Aulas Remotas; Formação Profissional; Pandemia.

 

PROFESSIONAL TRAINING IN TIMES OF PANDEMICS:

A CASE STUDY WITH STUDENTS FROM A TECHNICAL COURSE

 

Abstract: This research aims to identify the perception of students of the technical course in Informatics at the São João Batista State School, in São Miguel do Oeste/Santa Catarina, about remote classes in the period of social isolation, resulting from the COVID-19 pandemic, in order to understand the context, regulations and guidelines regarding the realization of classes in the period of social isolation; know the perception of students about remote classes, and identify positive and negative points of conducting remote classes in curricular components of vocational training. For that, an online questionnaire was used to collect empirical data, analyzing them in a qualitative way. The results point to difficulties in remote classes, especially in understanding content and in dosing the number of materials and activities, but also demonstrate the students' understanding of the situation experienced. We concluded that there are obstacles in the realization of remote classes, however it is an alternative for the experienced moment.

Keywords: Lessons; Professional qualification; Pandemic.

 

Introdução

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia global de COVID-19, o que provocou intensas mudanças nas práticas educativas e de trabalho em todo o mundo, em virtude da necessidade de isolamento social. Nesse sentido, o presente artigo propõe uma reflexão acerca das aulas remotas decorrentes da pandemia de COVID-19 na Educação Profissional e Tecnológica, sob a perspectiva dos estudantes de um curso técnico, sendo esse o curso Técnico em Informática da Escola Estadual São João Batista, de São Miguel do Oeste, Santa Catarina.

Com a necessidade de distanciamento social e todas as atividades educacionais presenciais suspensas, as instituições de ensino da rede estadual catarinense passaram a desenvolver as aulas de forma remota, utilizando-se de ambientes virtuais de aprendizagem, videoaulas, grupos em redes sociais e ferramentas de comunicação, visando a continuidade das atividades educacionais programadas, e o cumprimento dos dias letivos do calendário escolar 2020. Inicialmente, acreditava-se ser uma adaptação temporária para poucas semanas, mas a situação pandêmica se prolongou durante todo o ano e permaneceu no ano seguinte.

O problema de pesquisa que se busca sanar nesta pesquisa é: qual a percepção dos estudantes do curso Técnico em Informática da Escola Estadual São João Batista, de São Miguel do Oeste, sobre as aulas remotas em componentes curriculares de formação profissional no período de isolamento social decorrente da pandemia de COVID-19?

De modo a responder à pergunta que motiva a pesquisa, o objetivo geral desse trabalho é identificar a percepção dos estudantes a respeito das aulas remotas realizadas no período de isolamento social nos componentes curriculares de formação profissional do referido curso Técnico. Os objetivos específicos são: compreender o contexto, normativas e orientações quanto à realização de aulas no período de isolamento social; conhecer a percepção dos estudantes a respeito das aulas remotas, e identificar pontos positivos e negativos da realização de aulas remotas.

A escolha do tema se dá pela realidade vivenciada pelas aulas remotas e isolamento social, destacando-se a relevância da pesquisa pela necessidade de compreensão do processo de ensino e aprendizagem remoto, a fim de retratar a realidade vivenciada na educação profissional e tecnológica durante o período de isolamento social, na perspectiva dos estudantes.

 

Fundamentação Teórica

Aulas Remotas em Tempos de Isolamento Social

Desde o fim do ano de 2019 já se falava de uma crise de saúde na China, mais precisamente em Wuhan, que foi reportada como questão de Emergência em saúde pública, em 30 de janeiro de 2020. Em 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a disseminação comunitária da COVID-19 no mundo todo como pandemia, e para controlá-la, a OMS recomendou três ações, dentre elas o isolamento social (BBC, 2020). Seguindo essa recomendação, a Portaria 343, de 17 de março de 2020, decretou a possibilidade de substituição das aulas presenciais por aulas que utilizassem recursos tecnológicos, enquanto durar a pandemia (BRASIL, 2020b).

O objetivo das aulas remotas é a efetivação do ano letivo de 2020 sem prejuízos aos estudantes, e isso é um grande desafio, já que se trata de uma situação inédita e inesperada tanto para discentes quanto para docentes. Importante ressaltar que as atividades remotas podem, ou não, ser mediadas por tecnologias digitais, tendo em vista que muitos estudantes não possuem, por exemplo, internet ou computadores em suas residências (BRASIL, 2020a).

A efetivação dessas aulas remotas encontra amparo no Parecer CNE/CEB nº 5, de 7 de maio de 1997, pois

 

[...] não são apenas os limites da sala de aula propriamente dita que caracterizam com exclusividade a atividade escolar de que fala a lei. Esta se caracterizara por toda e qualquer programação incluída na proposta pedagógica da instituição, com frequência exigível e efetiva orientação por professores habilitados (BRASIL, 1997, p.11).

 

Logo, as aulas remotas diferem do Ensino à Distância, pois apresentam várias peculiaridades, como material personalizado pelo professor da matéria em questão e calendário próprio, entre outras características (UNISANTANA, 2020).

 

 

Aulas remotas na educação profissional

Assim, como os demais níveis de ensino, para o ensino técnico mantém-se também a orientação para a possibilidade de realização das aulas remotas. Em Santa Catarina, há várias notícias sobre as aulas não presenciais; a rede Estadual de ensino, por exemplo, segue com aulas remotas, inclusive no ensino profissionalizante. No município de São Miguel do Oeste, na rede municipal de ensino, as aulas não presenciais ocorrem através do Decreto n.º 9.286/2020, incluindo os cursos técnicos, e dessa forma ocorre em diversas regiões, com suas realidades e possibilidades.

A portaria n.º 376, de 3 de abril de 2020 que dispõe sobre as aulas nos cursos de educação profissional técnica de nível médio, destaca que enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus – COVID-19, as instituições federais podem suspender as aulas presenciais ou substituí-las por atividades não presenciais, sendo que em caso de suspensão das atividades, estas deverão ser repostas a fim de atender a carga horária prevista para o curso (BRASIL, 2020c).

Quanto à substituição das aulas presenciais por atividades remotas, a portaria n.º 376/2020 determina que as instituições que optarem por essa modalidade, devem organizar as atividades para que “sejam mediadas por recursos digitais ou demais tecnologias de informação e comunicação” (BRASIL, 2020c, online) e/ou “possibilitem aos estudantes o acesso, em seu domicílio, a materiais de apoio e orientação que permitam a continuidade dos estudos, com maior autonomia intelectual” (BRASIL, 2020c, online). Por outro lado, define que “fica vedada a aplicação da substituição [...] às práticas profissionais de estágios e de laboratório, quando previstos nos respectivos Planos de Curso” (BRASIL, 2020c, online).

Já o Conselho Nacional de Educação emitiu um parecer em 28 de abril, em que versa de forma favorável à possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19 (BRASIL, 2020a). Especificamente sobre o ensino técnico, esse parecer reforça que, nesses cursos, as atividades pedagógicas não presenciais ampliam seu espaço, sugerindo a ampliação de cursos técnicos ofertados à distância, bem como “criar condições para realização de atividades pedagógicas não presenciais de forma abrangente a cursos que ainda não se organizaram nesta modalidade” (BRASIL, 2020a, online), inclusive para realização de atividades práticas de estágios, conforme destacado no trecho a seguir:

 

Se o conjunto do aprendizado do curso não permite, neste período excepcional de pandemia, aulas ou atividades presenciais, é de se esperar que as atividades de estágio, práticas laboratoriais e avaliações de desempenho de aprendizado possam ser cumpridas também de forma não presencial, desde que devidamente regulamentado pelo respectivo sistema de ensino, a fim de possibilitar a terminalidade do curso técnico, uma vez cumprida a carga horária prevista (BRASIL, 2020a, online).

 

O parecer do CNE (BRASIL, 2020c) também apresenta sugestões de ações, atividades e recursos que podem ser utilizados em cursos técnicos, como o uso de ambientes virtuais de aprendizagem, realização de atividades síncronas e assíncronas, uso de mídias sociais, dentre outros.

Destaca-se que a formação profissional busca alinhar-se às práticas do mundo do trabalho, e assim como muitas atividades profissionais passaram a ser desenvolvidas de forma remota no período de pandemia (e com isso percebe-se a ampliação dos postos de trabalho na modalidade home office de forma permanente, especialmente na área de Tecnologia da Informação, área do curso pesquisado), a realização de atividades remotas contribuem para o desenvolvimento de habilidades tecnológicas aplicadas à atuação profissional.

Uma das principais estratégias das aulas remotas não se caracterizam através do uso exclusivo de mídias digitais, sendo que

 

[...] as atividades pedagógicas não presenciais podem acontecer por meios digitais (videoaulas, conteúdos organizados em plataformas virtuais de ensino e aprendizagem, redes sociais, correio eletrônico, blogs, entre outros); por meio de programas de televisão ou rádio; pela adoção de material didático impresso com orientações pedagógicas distribuído aos alunos e seus pais ou responsáveis; e pela orientação de leituras, projetos, pesquisas, atividades e exercícios indicados nos materiais didáticos. [...] (BRASIL, 2020b, p.8-9)

 

Entretanto, os recursos tecnológicos vêm sendo um grande aliado das aulas não presenciais, tendo em vista as diversas ferramentas disponíveis, como os próprios ambientes virtuais de aprendizagem, como Moodle, Google Classroom; uso de grupos em redes sociais para interações, videoconferências - Google Meet, Zoom, entre tantos outros recursos. Em Santa Catarina, as ações voltadas à realização das aulas remotas incluem tanto o uso de recursos digitais, especialmente os aplicativos da Google, como também a entrega de atividades impressas para estudantes com restrições de acesso à internet (SED SC, 2020a, 2020b).

           

Percepção a Respeito de Aulas Remotas

Segundo o Dicionário online de português, percepção é a “Ação ou efeito de perceber, de compreender o sentido de algo por meio das sensações ou da inteligência [...] Juízo consciencioso acerca de algo ou alguém [...].”. Isso é, a forma como cada indivíduo percebe, compreende algo, depende de suas vivências, da forma como se relaciona consigo e com a sociedade, com o meio que o cerca. Ou seja, “a percepção envolve toda nossa personalidade, nossa história pessoal, nossa afetividade, nossos desejos e paixões, isto é, a percepção é uma maneira fundamental de os seres humanos estarem no mundo.” (CHAUÍ, 2000, p. 155).

Nesse sentido, como essa pesquisa propõe investigar a percepção dos estudantes, há de se considerar que esses trazem consigo os sentimentos, experiências e concepções pessoais, influenciadas pela cultura social e familiar. Por meio dessas percepções é possível a identificação de padrões, contrapontos e relações, com o propósito de melhor compreender a situação que vivenciamos com a realização de aulas remotas em tempos de pandemia global.

 

Procedimentos Metodológicos

A pesquisa foi realizada através da aplicação de questionários online para estudantes, utilizando o recurso Google Formulários. Quanto a classificação, foi utilizada a abordagem qualitativa, com a intenção de analisar as percepções dos participantes de forma subjetiva, sendo uma análise exploratória quanto aos seus objetivos, pois aprofunda conhecimentos sobre o problema apresentado.

Com isso, a investigação utiliza-se do estudo de campo como procedimento técnico, por meio da aplicação do formulário como instrumento de coleta de dados. A análise de dados, especialmente das questões de resposta aberta, se deu por meio da análise de conteúdo, agrupando-se as falas para identificar as principais percepções dos participantes (BARDIN, 1977). Os dados foram coletados no mês de junho de 2020, quando as aulas remotas aconteciam há 2 meses e meio.

Resultados e Discussões

A pesquisa foi realizada por meio da divulgação dos questionários online aos estudantes do curso técnico em Informática da Escola São João Batista de São Miguel do Oeste. A primeira parte dos questionários continham questões relacionadas ao perfil dos participantes, e a segunda parte relacionava-se com as percepções acerca das aulas remotas.

A partir das questões apresentadas aos estudantes, obtivemos 101 respostas, sendo que desses, 9 alunos não concordaram com a participação na pesquisa, logo, foram 92 respostas. Assim, diante disso, obtivemos um breve perfil dos participantes onde destacamos alguns dados.

O primeiro se trata da idade dos alunos, em que 38 possuem 15 anos; 36 possuem 16 anos; 12 possuem 17 anos e 06 possuem 18 anos. Os alunos participantes frequentam os três anos do curso técnico, sendo que 59,8% estão cursando o primeiro ano, 25% o segundo e 15,2% o terceiro.

No Gráfico 1, apresentamos a idade dos estudantes, enquanto o Gráfico 2, demonstra que a maioria dos participantes frequenta o 1º ano do curso Técnico em Informática.

Gráfico 1 - Idade dos estudantes participantes da pesquisa

Points scored

   Fonte: Autoras, 2020.

Gráfico 2 - Período do curso frequentado pelos estudantes

Points scored

Fonte: Autoras, 2020.

Quanto aos equipamentos e recursos utilizados para a realização das aulas remotas, a Tabela 1 apresenta as respostas obtidas, considerando-se que os estudantes podiam selecionar mais do que uma opção.

Tabela 1 - Recursos utilizados para realização das aulas

RECURSOS

Materiais básicos (cadernos, lápis, caneta, etc.)

50

Materiais impressos

14

Computador/Notebook

82

Celular

38

Fonte: Autoras, 2020.

Os dados mostram que 82,6% dos estudantes utilizam-se de computadores; 39,1% utilizam celulares; 54,3% utilizam os materiais básicos como caderno, lápis, caneta e demais, e 14,1% usam materiais impressos que também são disponibilizados pela instituição, principalmente para aqueles alunos que não possuem acesso aos conteúdos digitais.

Foi observado que entre os alunos participantes, 94,6% possuem os recursos necessários para as aulas remotas em suas casas, mas o restante não tem nenhum acesso à internet ou dispositivos, e necessitam de materiais impressos, ou conseguem acesso na casa de amigos e familiares.

Um dado importante que também foi questionado, era sobre a rotina de trabalho e estudos, sendo que 55,4% apenas estudam – tendo como mudança na pandemia, o não deslocamento até a escola – e 27,2% continuam trabalhando normalmente, conciliando com os estudos remotos. Alguns estão trabalhando home office, outros perderam o emprego, e alguns estão com os trabalhos paralisados. É importante pontuar, também, que poucos estudantes não estão dando contas das atividades e alguns realizam apenas as atividades solicitadas, não desenvolvendo nenhum outro estudo.

A saúde mental tem sido um tema bastante destacado nesse período de isolamento. Sobre isso, 55,4% dos estudantes relataram que sentem falta do convívio e da interação com colegas e professores, mas se sente bem; 30,4% relataram que estão bem, e que o isolamento não lhe causa nenhum tipo de abalo, porém, 12% dos estudantes afirmaram que sentem ansiedade e depressão, não se sentindo bem com a situação do isolamento. Os demais estudantes afirmaram terem o costume de ficar em casa, isolados, pois não se sentem bem com o público.

Quanto ao local destinado aos estudos, 58,7% dos estudantes possuem um local adequado e com todos os equipamentos necessários; 37% têm os recursos, mas não possuem um espaço adequado e destinado ao período que desenvolvem suas atividades escolares, e os demais não têm espaço, equipamentos e o tempo necessário, passando, na maioria das vezes, a dedicar maior parte do tempo para trabalho integral. Além do espaço adequado, se faz necessária a organização do tempo para se dedicar aos estudos. Nessa questão, 41,3% não conseguem dedicar o mesmo tempo que dedicavam na escola presencial; 40,2% até tem o tempo disponível, mas se distraem facilmente com outras coisas e acabam se dedicando menos e apenas 10% dos estudantes conseguem dedicar o mesmo tempo dedicado na escola presencial. O restante dos alunos está dividido entre aqueles que conseguem dedicar ainda mais tempo aos estudos, e os que trabalham em tempo integral e não dedicam o tempo suficiente para os estudos.

Na segunda parte do questionário, foram realizadas perguntas sobre a percepção dos estudantes a respeito da realização de aulas remotas. A Tabela 2 expõe as percepções de avaliação das aulas remotas.

 

Tabela 2 - Percepção dos estudantes sobre as aulas remotas

ESTUDANTES

Razoável, algumas coisas dão pra trabalhar de forma remota, mas são necessárias as aulas práticas em sala para outras atividades.

33

Tenho dificuldade de aprender de forma remota, mas entendo que é a melhor maneira de realizar as atividades no momento.

 

29

Boas, mas sinto falta da interação de colegas e professores para aprender melhor.

 

17

Muito boas, aprendo da mesma forma que em sala de aula.

 

8

Não consigo aprender de forma remota, prefiro que as aulas sejam canceladas e repostas em outro momento (sábados, férias de julho e janeiro).

 

5

Fonte: Autoras, 2020.

Entende-se, a partir da Tabela 2, que apesar de dificuldades e falta das aulas práticas e interação com colegas, a maioria dos respondentes indica a compreensão de que as aulas remotas são a melhor alternativa na atual situação. Destaca-se que a percepção, “[...] envolve aspectos afetivos, sentimentais e valorativos” (CHAUÍ, 2000, p. 161), pois é algo subjetivo, relacionado às histórias de vida dos participantes.

Considerando-se o contexto de realização da pesquisa em curso de formação profissional, questionou-se também a percepção sobre a formação profissional, cujos resultados apresentam-se na Tabela 3.

 

Tabela 3 - Avaliação das aulas remotas nos componentes de Formação Profissional

ESTUDANTES

Conseguimos trabalhar bem os conhecimentos teóricos, mas a prática profissional fica prejudicada.

 

46

É muito difícil compreender tanto a teoria quanto a prática profissional nos componentes de formação específica.

 

31

Conseguimos desenvolver muito bem os conhecimentos teóricos e práticos da área de formação, por meio de tutoriais, vídeo aulas e materiais diversos.

 

15

Fonte: Autoras, 2020.

Observa-se, a partir das respostas, que a maioria dos participantes tem a percepção de que a formação profissional fica prejudicada com a realização das aulas remotas, principalmente nas realizações das práticas profissionais. Destaca-se que, por ser um curso de Informática, alguns componentes curriculares podem realizar as atividades práticas de forma remota, como a área de programação, mas outras atividades, como manutenção de computadores, necessitam de equipamentos específicos que os estudantes não possuem em casa.

Nesse sentido, a portaria n.º 376 veda a realização de atividades práticas profissionais de laboratório em cursos técnicos de instituições federais (BRASIL, 2020c). No entanto, é necessário pensar que a forma de ensino remoto é algo emergencial, que tem suas limitações, assim, implementações precisam ser feitas, tendo em vista que, no momento de pandemia, a sala de aula é a sala de cada professor e cada estudante (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020).

Para tanto, utilizam-se de diversos recursos para possibilitar a continuidade das ações formativas, sendo que a portaria 376 orienta que as instituições deverão organizá-las “de modo que sejam mediadas por recursos digitais ou demais tecnologias de informação e comunicação [...], e/ou possibilitem aos estudantes o acesso, em seu domicílio, a materiais de apoio e orientação que permitam a continuidade dos estudos, com maior autonomia intelectual” (BRASIL, 2020c). A Tabela 4 apresenta a preferência de recursos utilizados.

Tabela 4 - Formas e Meios preferidos nas Aulas Remotas

ESTUDANTES

Vídeos e tutoriais do professor

57

Lista de exercícios

48

Material de leitura (textos, artigos)

32

Vídeos e tutoriais do YouTube

31

Tutoriais em texto

14

Videoconferência

13

Fonte: Autoras, 2020.

Percebe-se, nas respostas indicadas, que os estudantes têm preferência pelo uso de vídeos e tutoriais elaborados pelos próprios professores, porém, conforme os próprios estudantes, a maioria dos professores envia vídeos e tutoriais do YouTube.

Há de se notar essa dicotomia e refletir que, se por um lado os vídeos autorais dos professores facilitam a compreensão por se adequar a linguagem que já estão habituados e perpassa uma proximidade de professores e estudantes, por outro lado, tem-se conhecimento que a produção de vídeos exige uma dedicação maior dos professores, que relatam sua sobrecarga de trabalho nesse momento de pandemia, sendo esse um possível motivo pela preferência de uso de materiais prontos disponíveis na internet.

Outro ponto importante para realização das aulas remotas, é o envolvimento dos estudantes, sendo que 41,3% responderam que não conseguem se dedicar o mesmo tempo de estudos como era na escola, devido a outras atividades que tem que realizar em casa. Já 40,2% afirmam que se distrai facilmente e acabam se dedicando menos aos estudos.

Em pergunta de resposta aberta, os estudantes podiam descrever qual a percepção que tinham sobre a realização de aulas remotas. As respostas foram agrupadas em Unidades Temáticas, seguindo a metodologia de análise de conteúdo de Bardin (1977), identificando-se pontos comuns na fala, conforme apresenta a Tabela 5.

Tabela 5 - Unidades Temáticas acerca da percepção dos estudantes sobre as aulas remotas

PERCEPÇÃO DO ESTUDANTES

 

Dificuldade de aprendizado ou compreensão dos conteúdos.

28

 

As aulas são boas.

18

 

Compreensão de que é necessário a realização das aulas remotas para não perder o ano, que exige maior dedicação dos estudantes e que este é um momento passageiro.

 

13

 

A explicação e interação do professor faz muita falta.

5

 

Aulas estão ruins, difíceis ou chatas.

4

 

No início estava mais difícil, mas com o tempo conseguiram se adaptar ou a carga de conteúdos foi ajustada.

3

 

Necessidade de conciliar o trabalho com aulas remotas, o que tem imposto dificuldades.

3

 

Dificuldade de acesso às tecnologias para realização das aulas remotas.

2

 

Algo novo, que traz novos aprendizados.

2

 

Desinteresse ou desmotivação para realização das aulas remotas.

1

 

Está aprendendo mais do que em sala de aula.

1

Fonte: Autoras, 2020

Um dos principais aspectos apontados é a dificuldade de compreensão dos conteúdos e atividades repassadas. Destaca-se que no momento presencial, o estudante tem a possibilidade de tirar dúvidas de forma instantânea com professores e colegas, sendo que as aulas virtuais exigem maior detalhamento às orientações do que deve ser realizado. Por isso faz-se tão necessário a formação dos professores, como aconteceu no início das aulas remotas (SED SC, 2020a).

Essa dificuldade de compreensão dos estudantes, pode levar à outra situação mencionada, que é a sobrecarga de estudos e atividades, pois quando não compreendem corretamente, precisam dedicar mais tempo para pesquisas extras. O ensino totalmente à distância, geralmente, é mais eficaz para aqueles estudantes que já tem um bom desempenho escolar, compreendem facilmente conteúdos e conseguem realizar atividades sem acompanhamento direto (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020), mas, para aqueles que possuem alguma dificuldade, pode se tornar um grande problema, principalmente para conciliar com uma nova rotina ou com a realidade de cada estudante.

É fato que a desigualdade social está mais evidente no período da pandemia, tendo em vista que muitos estudantes conciliam educação e trabalho, e possuem dificuldades ou nenhum acesso às tecnologias. O acesso à internet, por exemplo, está presente em 67% dos lares brasileiros, sendo que esse número cai nas classes D e E (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020 online).

São questões de suma importância que antes da pandemia não se tinha ideia, ou talvez não era colocado em pauta, mas agora emerge, e não trazendo apenas a situação dos estudantes, mas dos professores, que também precisa ser analisada.

 

Considerações Finais

A partir do problema de pesquisa apresentado, conclui-se que os objetivos propostos foram alcançados. Atingiu-se o objetivo geral ao identificar a percepção dos estudantes a respeito das aulas remotas realizadas no período de isolamento social nos componentes curriculares de formação profissional do Curso Técnico em Informática da Escola Estadual São João Batista, de São Miguel do Oeste, por meio das respostas apresentadas no questionário.

 Quanto ao objetivo específico de compreender o contexto, normativas e orientações quanto à realização de aulas no período de isolamento social, o mesmo foi atingido ao realizar o levantamento teórico das principais portarias e pareceres que tratam da realização de aulas remotas no período de pandemia. Já o objetivo de conhecer a percepção dos estudantes a respeito das aulas remotas, foi alcançado por meio da resposta às questões objetivas e abertas, que apontam dificuldades relacionadas principalmente à compreensão e sobrecarga dos conteúdos e atividades realizadas nas aulas remotas.

Além do ponto anterior, o objetivo de identificar pontos positivos e negativos da realização de aulas remotas, foi alcançado, questionando quais as principais dificuldades e quais atividades interessantes foram realizadas, destacando como pontos negativos a dificuldades de compreensão e sobrecarga dos participantes, e como pontos positivos o uso de diferentes recursos e atividades que buscam tornar as aulas mais significativas aos estudantes.

O ensino remoto foi uma alternativa num momento de crise, onde muitos estudantes e professores aprenderam na prática, com seus erros e acertos. É visto que as dificuldades estão presentes nesse cenário, por isso é um trabalho amplo para a Educação Profissional, tendo em vista a gama de tecnologias, estratégias pedagógicas, presença das famílias, bem como a situação de estudantes e professores (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020).

Essa pesquisa alcançou os objetivos propostos, mas outras perguntas surgiram. Dessa forma, sugerem-se novas pesquisas em torno dessa temática, tendo em vista que umas das dificuldades encontradas foi a falta de material específico do Ensino Técnico. Assim, surgem novas problemáticas: o que é a Educação sem a interação e trocas entre professores e estudantes? O que é a Educação sem os desafios diários? O que é a Educação sem o esforço contínuo e a paixão? Podemos falar que Educação é construção, é aprender a aprender, e devido à pandemia, o cenário mudou e precisamos nos reinventar.

Por fim, os estudantes pesquisados apresentaram as dificuldades das aulas remotas, que mesmo fazendo o que se propõem, apresentam dificuldades, seja na compreensão, na limitação de recursos ou na falta de interação. O ensino remoto pode ter imposto desafios, mas esses desafios também impõem aprendizados. Com isso, devemos definitivamente dar um destino novo ao olhar para frente às práticas de ensino e aprendizagem, seja de forma remota ou presencial, e sua importância em nossa sociedade atual e para gerações futuras.

 

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BBC. Coronavírus: OMS declara pandemia. 11 mar. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-51842518. Acesso em: 19 maio 2020.

BRASIL. Parecer CNE/CEB 05/1997. Proposta de regulamentação de Lei. maio 1997. Disponível em:  http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1997/pceb005_97.pdf. Acesso em: 03 maio 2020.

BRASIL. Parecer CNE/CP n.5/2020. Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19. Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. Brasilia, DF, abr. 2020a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=145011-pcp005-20&category_slug=marco-2020-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 05 maio 2020.

BRASIL. Portaria n. 343, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 18 mar. 2020b. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376. Acesso em: 03 maio 2020.

BRASIL. Portaria n. 376, de 03 de abril de 2020. Dispõe sobre as aulas nos cursos de educação profissional técnica de nível médio, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 06 abr. 2020c. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=06/04/2020&jornal=515&pagina=66. Acesso em: 23 maio 2020.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000.

DICIO. Significado de Percepção. Disponível em: https://www.dicio.com.br/percepcao/. Acesso em: 03 mai. 2020.

SÃO MIGUEL DO OESTE. Decreto N. 9.286/2020: dispõe sobre o regime especial de atividades escolares não presenciais no âmbito da rede municipal de ensino do município de São Miguel do Oeste, para fins de cumprimento do calendário letivo de 2020, como medida de prevenção e combate ao contágio do Coronavírus (COVID-19). Disponível em: https://transparencia.saomiguel.sc.gov.br/uploads/__decreto9286-covi_5e99b0da71c0c.pdf. Acesso em: 12 jul. 2020.

SED SC. Em conferência com deputados estaduais, educação apresenta balanço de ações em SC durante pandemia. 13 de maio de 2020a. Disponível em: http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30614-em-conferencia-com-deputados-estaduais-educacao-apresenta-balanco-de-acoes-em-sc-durante-pandemia. Acesso em: 19 maio 2020.

SED SC. Gestores criam rotinas de entrega de atividades impressas aos alunos das escolas estaduais. 05 de maio de 2020b. Disponível em: http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30602-gestores-criam-rotinas-de-entrega-de-atividades-impressas-aos-alunos-das-escolas-estaduais. Acesso em: 19 maio 2020.

TODOS PELA EDUCAÇÃO. Análise: Ensino a distância na educação básica frente à pandemia da COVID-19. Disponível em: https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/425.pdf. Acesso em: 25 jul 2020.

UNISANTANA. Entenda a diferença de EAD e Aulas Remotas do Plano Emergencial de Ensino. 2020. Disponível em: https://unisantanna.br/uninoticias/entenda-a-diferenca-de-ead-e-aulas-remotas-do-plano-emergencial-de-ensino/. Acesso em: 18 jun. 2020.