ReTER, Santa Maria, v.2, n.3. ISSN:2675-9950 Melhores artigos SENID 2021

O USO DO CELULAR EM TEMPOS DE PANDEMIA - UMA ANÁLISE DA NOMOFOBIA ENTRE OS JOVENS

 

Ana Paula Pinheiro

PPGEdu - Universidade de Passo Fundo (UPF), Passo Fundo, RSanapaulapinheiro25@gmail.com

Fernanda Pinheiro

Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Canoas, RS fernanda.pinheiro@rede.ulbra.br

  

Resumo: O século XXI configura diversas mudanças sociais, culturais e tecnológicas, trazendo novas possibilidades de aprendizagem e interação, mas, ao mesmo tempo, novas incertezas, hábitos, dependências e por consequência, o surgimento de fobias, como a nomofobia. Diante disso, este trabalho buscou debater sobre a nomofobia, que afeta principalmente jovens em idade escolar, suas consequências na saúde mental e na aprendizagem, e os dilemas do uso das mídias e tecnologias, especialmente no atual cenário da pandemia de Covid-19. Nesse ínterim, trata-se de estudo de cunho qualitativo explicativo, constituído por pesquisa bibliográfica e de campo, com a aplicação de questionário pelo Google Forms, via WhastApp, com estudantes da Educação Básica e do Ensino Superior do norte do estado do Rio Grande do Sul.

Palavras-chave: Celular; Nomofobia; Pandemia; Mudanças; Jovens.

 

THE USE OF CELL PHONES IN TIMES OF PANDEMICS - AN ANALYSIS OF NOMOPHOBIA AMONG YOUTH

 

Abstract: The 21st century configures several social, cultural, and technological changes, bringing new possibilities of learning and interaction. But, at the same time new uncertainties, habits, dependencies and consequently the emergence of phobias, such nomophobia. Considering this, this paper sought to debate nomophobia, which mainly affects young people of school age, and its consequences on the mental health and learning, and the dilemmas of the use of media and technologies, especially in the current scenario of the Covid-19 pandemic. In the meantime, it is an explanatory qualitative study, consisting of bibliographic and field research with the application of a questionnaire by Google Forms, via WhatsApp, in students of Basic Education and Higher Education in the north of the state of Rio Grande do Sul.

Keywords: Nomophobia; Pandemic; Changes; Young.

 

Primeiras palavras

O século XXI configura diversas mudanças sociais, culturais e tecnológicas. Vive-se, pois, a era da informação, da globalização e da conexão. Assim, todas as transformações ocorridas nesse século trazem consigo situações inusitadas, como novas possibilidades de aprendizagem, de interação, mas ao mesmo tempo, novas incertezas, novos hábitos, costumes, dependências e, por consequência, o surgimento de fobias. Dentre estas fobias encontra-se a nomofobia.

Diante disso, este trabalho buscou debater sobre a nomofobia, termo relativamente novo na academia, que é um conceito da era digital, com a sua origem no Reino Unido, Inglaterra em 2008 (BHATTACHARYA et al., 2019). É derivada da expressão “no mobile” (ou seja, sem aparelho móvel-celular) e, quando associada ao sufixo fobia ('no-mobile-phone phobia'), refere-se à condição psicológica do temor de permanecer sem o celular (‘smartphone’) ou ser incapaz de utilizá-lo, em consequência da falta de internet ou carga de bateria; pode ser entendido, por extensão, como o medo e a ansiedade de permanecer desconectado. Trata-se de uma fobia que afeta especialmente os jovens em idade escolar. Sendo assim, o debate sobre esta temática torna-se premente no atual contexto em que vivemos, devido ao aumento do uso do celular pelos jovens durante a pandemia da COVID – 19[1].

Neste estudo de cunho qualitativo explicativo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre a temática nomofobia vinculada ao contexto da pandemia, trazendo também dados empíricos de pesquisa de campo sobre o uso do celular pelos jovens na faixa etária de 11 a 20 anos (abrindo ao público com mais de 20 anos), realizando-se a aplicação de questionário pelo Google Forms em estudantes da Educação Básica e do Ensino Superior do norte do estado do Rio Grande do Sul. A proposta foi encaminhar o formulário via grupos de WhatsApp, para que os jovens interessados pudessem responder. Cabe destacar que o objetivo era alcançar os jovens estudantes que possuíam seu aparelho celular.

A pesquisa foi aplicada no mês de janeiro de 2021, e trabalhou-se com público jovem que faz uso do celular, tanto os que possuem seu próprio aparelho quanto os que o dividem entre os irmãos ou familiares. Percebeu-se, em ambos os casos, o aumento do uso e da necessidade de estar próximo ao aparelho celular, tal como a necessidade de estar conectado à internet móvel, ou Wi-Fi. O objetivo principal deste estudo de campo, foi de coletar as informações sobre o uso do celular e para quais funções ele é mais utilizado, e também questionar sobre os sentimentos em relação ao estar com o aparelho celular (funcionando, com bateria e conectado à internet). As principais questões respondidas serão apresentadas e debatidas ao longo deste estudo.

Almejou-se, também, trazer ao debate o tema nomofobia, apresentando-o, refletindo sobre seus sintomas, consequências e maneiras de identificar essa possível fobia, que embora ainda desconhecida, por ser nova e emergente do século XXI, necessita ser debatida e teorizada no âmbito acadêmico, pois surge com as mudanças de hábitos de vida e de novas demandas sociais, culturais e educacionais desses novos tempos.

Para tal, debater sobre a constituição da identidade dos jovens em tempos de pandemia e pós-pandemia, se configura assunto eminente e fundamental na atual conjuntura de mudanças. Dessa forma, além das incertezas e toda instabilidade e imprevisibilidade que o século XXI já vinha proporcionando aos jovens, enfrenta-se novos dilemas trazidos pela pandemia da COVID -19 e o uso das mídias e tecnologias. Passam-se as análises.

 

Apresentando alguns dos dilemas do uso das mídias e tecnologias em tempos de pandemia

O termo dilema reflete muito sobre as vivências do período da pandemia, especialmente no que se refere aos estudantes da Educação Básica. O ano de 2020 evidenciou vários fatores de certa forma já conhecidos, mas que permaneciam à surdina do processo. Não obstante, com este estudo pretendeu-se refletir sobre: quais são os dilemas que surgiram quanto ao uso das mídias e tecnologias nos tempos de pandemia, mais especificamente relacionados ao uso do celular? Irá se tratar, portanto, de quatro dilemas básicos, sendo o primeiro dilema: o uso do celular para fins do processo de ensino e aprendizagem.

Sendo assim, o celular que possuía a função específica de acessar redes sociais, de comunicar-se e conectar-se com amigos torna-se extremamente importante para aprendizagem. O uso do celular, que é proibido pela lei estadual nº 12.884 de 03 de janeiro de 2008, nas escolas do Rio Grande do Sul, passa a fazer parte das rotinas das aulas dos estudantes das escolas da rede estadual de ensino. Se anteriormente ele já era utilizado pelos jovens quase que o tempo todo, passa a ter uma nova função, ou seja, o acesso ao aplicativo do Google Sala de aula (Classroom).

Com o uso do celular para função de acesso às atividades escolares surge o segundo dilema: o tempo de uso do celular pelos jovens na faixa etária da Educação Básica acaba aumentando, especialmente aos que não possuem notebook ou computador em casa, e o aparelho celular acaba sendo o único meio de acesso, inclusive devido à internet patrocinada pelo estado do RS ao aplicativo: estudante RS. Outro fator relevante a se considerar relaciona-se ao ambiente de aprendizagem, ou seja, o ambiente da casa acabou se tornando também o espaço da realização das atividades encaminhadas, dos encontros síncronos pelo Google Meet e de todo contexto de estudos para os jovens. Surge, assim, outra situação, a de que a maioria dos pais, ou responsáveis pelos jovens, trabalham durante o dia. Dessa forma, os jovens acabam ficando acompanhados de seus celulares e, por consequência, fazendo uso do mesmo por mais tempo. Nesse segundo dilema, tem-se diversas situações que podem gerar futuros debates e novas pesquisas, mas o recorte foi destinado aos jovens que ficam com seus celulares ao longo do dia e por vezes desacompanhados, devido a jornada de trabalho dos pais.

O terceiro dilema surge do segundo, pois como saber se os jovens estão realmente utilizando o celular para fins educativos, ou ficando cada vez mais enredados nos caminhos que os algoritmos da internet proporcionam? Sabe-se que, conforme Lévy (1999), a internet, com seu dilúvio de informações, possibilita um universo de links que direcionam a outros, formando uma rede infinita de informações, das quais é preciso selecionar e não se persuadir com os enredos propostos pelos algoritmos que direcionam a busca e as ofertas nos perfis de redes sociais.

Cabe ressaltar “a dependência mediada”, de Rushkoff (2012), que apresenta como um dos grandes males da era digital, pois a média de tempo dos sujeitos conectados à internet cresce de forma imensurável e, com aumento do tempo de uso dos celulares com a pandemia, isso acabou agravando-se. Atualmente, passa-se o dia inteiro com aplicativos como WhatsApp, Facebook, Instagram, entre outros, gerando uma imersão infinita de possibilidades, de direcionamentos e redirecionamentos a links que, por meio dos algoritmos de perfis, enredam as pessoas instigando-as a ficarem cada vez mais conectadas de forma a trabalhar com a subjetividade do sujeito e suas próprias escolhas, pois dá a falsa impressão de controle sobre o que se deseja, ao mesmo tempo que instiga as próximas ações e clicks.

O quarto dilema trazido, trata-se de que o celular não era utilizado como instrumento, ferramenta ou meio de aprendizagem até então, já que muitos estudantes não sabiam utilizar as mídias para o processo de ensino e aprendizagem; do mesmo modo, os docentes passaram pelo mesmo dilema de aprender a fazer uso desta ferramenta para aprendizagem. Para quem vivenciou e acompanhou o processo de formação docente durante o ano de 2020 fica mais claro compreender as dificuldades encontradas tanto por estudantes quanto pelos docentes.

Diante de todo o exposto, o tempo de uso do celular acaba aumentando, e sabe-se o quão difícil é permanecer em uma aba apenas, com tantas possibilidades de acessar vários aplicativos ao mesmo tempo. É o que Lemos e Cunha (2003) nos traz com a terceira lei da cibercultura, a ‘conectividade generalizada’, na qual pode-se conectar com vários sujeitos ao mesmo tempo, realizando várias atividades sincronamente. A partir dos autores e da terceira lei da cibercultura, percebemos as novas maneiras de relacionar-se mediadas pelas tecnologias e que, se bem direcionadas, servem a vários propósitos construtivos, mas que se utilizadas de forma irresponsável, ou sem discernimento consciente, podem ser prejudiciais. Como analogia, pode-se pensar na dose de um remédio, cuja diferença entre o veneno encontra-se apenas na dose certa, na medida justa do uso.

Os quatros dilemas trazidos são alguns exemplos dentre uma infinidade de incertezas e situações que foram vivenciadas durante o ano decorrido, que suscitaram novas reflexões sobre a metodologia de trabalho com os jovens e da necessidade de uma educação para uso responsável das mídias e tecnologias, bem como de que a educação para os jovens deve ser repensada a partir das especificidades da juventude do século XXI. A questão de os jovens estarem mais tempo em casa foi um dos fatores que fez com que o apego ao celular fosse maior. A necessidade de relacionar-se, de comunicar-se e ter amigos é algo intrínseco à espécie humana, e na população jovem é ainda maior, tal como se percebe a necessidade de aceitação, de pertencimento e da busca por sua identidade.

Conforme Oliveira, Santos e Lacerda (2017, p. 1) “Entender as juventudes contemporâneas enquanto categoria própria de estudo, respeitando sua diversidade e suas formas de atuação no mundo faz-se oportuno em uma sociedade que, cada vez mais, subestima as capacidades desses sujeitos.” Embora os autores tenham buscado realizar uma cartografia territorial dos jovens contemporâneos em diferentes países, eles enfatizam a importância em compreender as juventudes contemporâneas. Interpretar o jovem da atualidade é fundamental para que os docentes consigam realizar um processo de ensino e aprendizagem condizente com as demandas sociais e culturais de hoje. São novos tempos, novas dificuldades e novos desafios que necessitam de um olhar atualizado para o ensino. Tem-se acesso à informação e aos conteúdos como nunca se pensou possuir, mas o que fazer com tudo isso faz parte do ensino para o bom uso das mídias e tecnologias. Para Pinheiro e Pinheiro (2019, p.3)

 

Acreditamos na urgência da Educação para as Mídias, pois ela envolve não apenas aspectos prementes da aprendizagem de várias habilidades, mas também deve desenvolver um espírito de criticidade, de uso das mídias para construção de argumentos, de contra-argumentos, de relações que devem perpassar o ambiente virtual.

 

As autoras já traziam e tratavam sobre a urgência de uma educação para o uso responsável das mídias e tecnologias para o processo de ensino e de aprendizagem, e ainda completam explanando sobre como a aprendizagem ocorre. Para Pinheiro e Pinheiro (2019, p.6), “Como vemos, aprender é processo que perpassa pelo corpo e pela ação deste sobre o meio, gerando uma mudança de comportamento, pois diante do aprendido percebe-se e desvela-se um novo olhar sobre o que antes se achava sabido”.

As mídias, tecnologias, dispositivos móveis (como o celular) e os aplicativos, devem servir como meios para o processo de aprendizagem. O saber como utilizá-los conscientemente também passa a fazer parte do métier de ensino da escola, o que as autoras chamam de Educação para as Mídias. Se essa proposta já estivesse ativa nas escolas, com investimento em formação para professores e infraestrutura adequada, talvez os impactos do ensino remoto não fossem tão grandes. E, assim, a nomofobia estaria na pauta das discussões nos contextos educacionais, assim como outras demandas oriundas do século XXI.

 

Dialogando com os dados coletados na pesquisa de campo

A pesquisa de campo ora apresentada serviu de base diagnóstica para os debates realizados a partir da literatura trazida sobre a temática. Participaram da pesquisa 31 jovens, dos quais todos possuem seu próprio aparelho de celular, são estudantes do Ensino Médio da rede pública do estado do Rio Grande do Sul. A faixa etária predominante ficou entre os 15 e 16 anos, faixa etária essa na qual a juventude busca formar sua identidade social. Conforme Borges, Versuti e Piovesan (2012), a identidade, então, não é algo estático, mas movimenta-se a partir dos contextos dialógicos de seus atores e personagens, estando em contínua construção. Ou seja, mesmo que a identidade não seja estática, alguns períodos da adolescência são fundamentais para a configuração da identidade dos sujeitos.

Dessa maneira, talvez nunca se tenha passado por mudanças tão aceleradas no âmbito da educação, mesmo com os aspectos da globalização e das possibilidades suscitadas pela internet, não existia uma educação voltada para uso consciente das mídias e tecnologias até o início da pandemia. O telefone celular, por exemplo, não era objeto utilizado para o processo de ensino e aprendizagem, pelo contrário, era objeto de repúdio no contexto da sala de aula. Os jovens faziam uso para outras atividades prazerosas e relacionadas a comunicação relacional. O fato é que os jovens não estavam acostumados a utilizar o celular para fins mais específicos de aprendizagem, e com isso, o tempo e a dependência do aparelho acabam aumentando. A faixa etária média dos estudantes do Ensino Médio fica entre os 15 aos 17 anos, um período marcado por escolhas, percepções e descobertas, dentre elas, as escolhas culturais que envolvem gostos e preferências, também na qual as relações sociais são ampliadas. Dessa forma, a pesquisa alcançou um grupo importante para análise sobre o uso do celular. Observa-se nos gráficos 1, 2 e 3, os dados apresentados.

Gráfico 1 - Idades dos participantes

Fonte: elaborado pelas autoras, a partir do Google Forms (2021)

 

Gráfico 2 – Escolaridade dos participantes

Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir do Google Forms (2021)

 

Gráfico – 3: Propriedade do aparelho celular

Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir do Google Forms (2021)

 

Retomando as questões realizadas no formulário, tem-se a pergunta número quatro (gráfico 4) que trata da necessidade dos jovens em estar com seu aparelho celular próximo. Na linha da escala quantitativa a partir do nível 7, têm-se 21 jovens dos 31 que responderam à pesquisa, uma quantidade considerável de jovens que já apresentam certa dependência de uso dos seus aparelhos. Relacionando com a questão de número cinco (gráfico 5), a qual traz os sentimentos que sentem em ficar afastados do aparelho celular, ocupa a opção principal, com 32,3%, o medo de receber uma chamada e não poder responder; em segundo lugar, com 25,8%, o sentimento de que se sentem isolados do mundo; 22,6% sentem medo de ficar sem contato com os amigos e 16,1 % sentem-se angustiados. Todos os sentimentos descritos apontam que o celular passa a ser parte externalizada do próprio corpo, servindo inclusive como memória auxiliar. Esses sentimentos podem passar despercebidos pelos pais, responsáveis e professores dos jovens, mas também podem servir de alerta para uma nova fobia que pode, inclusive, estar atrelada a outros transtornos que o século XXI e toda sua liquidez trouxeram com as novas Tecnologias da Comunicação e da Informação. Por isso, a iminente necessidade de um trabalho pedagógico voltado a novas metodologias de ensino aos jovens se faz extremamente necessária. A pandemia apenas acelerou e evidenciou essa situação. Seguem os gráficos 4 e 5 para observação.

Gráfico – 4: Sobre a intensidade da necessidade de estar próximo ao aparelho celular

Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir do Google Forms (2021)

 

Gráfico – 5: Sobre os sentimentos em ficar afastado do aparelho celular

Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir do Google Forms (2021)

O gráfico seis apresenta o panorama das atividades que são realizadas com uso do celular, as quais destacam-se o uso do WhatsApp em primeiro lugar, com 29 dos 31 participantes o citando; em segundo lugar, a utilização do celular para ouvir músicas; o Instagram ocupou a terceira posição; em quarta posição temos a utilização do aparelho celular para pesquisas escolares, Google sala de aula, e para acessar o YouTube. O gráfico nos mostra que são várias as possibilidades e funcionalidades do aparelho celular. Associando as respostas aos itens do gráfico cinco, percebe-se que em primeiro plano os jovens priorizam as relações sociais com amigos e grupos, sendo assim, apresentam a necessidade de estar conectados no WhatsApp e em contato virtual com uma rede social virtual de jovens que se identificam de acordo com gostos, costumes e hábitos. Observa-se as informações conforme gráfico a seguir.

Gráfico – 6: Sobre as atividades realizadas com o aparelho celular

Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir do Google Forms (2021)

Portanto, talvez escola, família e sociedade não estivessem preparadas para encarar os dilemas do século XXI, bem como atender os jovens com relação ao uso consciente e responsável das ferramentas tecnológicas com todas as suas inovações. É como se a escola estivesse de portas fechadas ao século XXI, tanto para o uso das mídias e tecnologias, quanto para o enfrentamento de que o perfil dos jovens mudou e o processo de ensino e aprendizagem também deve mudar. Sendo assim, fechando-se às inovações, fecha-se os olhos aos dilemas e aos problemas que surgem, como no caso tratado neste artigo sobre a nomofobia que se encontra atrelada de forma direta ao uso excessivo do celular. 

A escola seguia seu curso ‘normal’ (utilizando-se do quadro branco ou verde, do livro, entre outros recursos básicos) com as salas digitais ou laboratórios, organizados com recursos do Programa Nacional de Tecnologia Educacional - Proinfo, programa instituído pelo Decreto nº 6.300 de 12 de dezembro de 2007, que se pautava em instalação de ambientes tecnológicos nas escolas, os chamados laboratórios de informática. A disponibilização de multimídias e a formação de professores (SALGADO; AMARAL, 2008, p.11) realmente se equiparam às escolas, mas como é sabido, a obsolescência também é um dos dilemas do século XXI, e os equipamentos e software padecem pela falta de recursos para manutenção, bem como a problemática da internet. Sendo assim, ocorreu inclusão digital aos estudantes? Se ocorreu, foi efetiva ao longo de todos esses anos? Os estudantes aprenderam a fazer uso consciente das mídias e tecnologias? São questionamentos que suscitam novos questionamentos, mas que nos fazem refletir e não encontrar justificativas ou culpados. Precisa-se sim, encontrar soluções e mudanças que realmente abordam a temática com responsabilidade.

É preciso pensar sobre o que fazer daqui para frente, na pandemia, ou pós-pandemia, com todos os dilemas enfrentados. Espera-se que se tenha aprendido que os jovens precisam de uma educação voltada para o uso responsável das mídias e tecnologias. A nomofobia é apenas um dos perigos que esse uso inadequado pode acarretar na vida dos jovens. Pais, responsáveis e professores precisam ter conhecimento sobre, para poder ajudar quando necessário.

 

Você sabe o que é nomofobia?  

O termo nomofobia é um conceito da era digital contemporânea, com a sua origem no Reino Unido, Inglaterra, em 2008 (BHATTACHARYA et al., 2019), derivado da expressão “no mobile” (ou seja, sem aparelho móvel-celular), que, quando associada ao sufixo fobia ('no-mobile-phone phobia'), refere-se a condição psicológica do medo, temor de ficar sem o celular (‘smartphone’) ou ser incapaz de utilizá-lo seja em consequência da falta de internet ou carga de bateria; pode ser entendido, por extensão, também como o medo, a angústia e a ansiedade de permanecer desconectado. Embora a nomofobia não esteja classificada no DSM-V[2], é percebida como tal pelos critérios diagnósticos da DSM-V (DAVIES, 2018): fobia por coisas particulares; específicas (BRAGAZZI; PUENTE, 2014).

A palavra nomofobia é um termo moderno, da era contemporânea, porquanto foi preciso o surgimento dos smartphones e dos computadores e da condição psicológica que está atrelada ao aumento do uso dessas ferramentas e do vício desencadeado pelas mesmas como um distúrbio da sociedade digital - medo patológico de permanecer sem o uso de smartphones, de seus aplicativos, de se comunicar, de permanecer offline em uma sociedade cada vez mais conectada. Surge a partir das novas mudanças nas relações sociais do século XXI.

Acredita-se que vários fatores psicológicos estão envolvidos com o desenvolvimento da nomofobia, dentre eles: baixa autoestima, fobia social, ansiedade e personalidade introvertida. Além disso, a nomofobia acaba se tornando proxy[3] para outras condições psicológicas, como transtornos de ansiedade e pânico (BHATTACHARYA et al., 2019). Conforme Shambare et al. (2012), “os telefones celulares possivelmente são o maior vício não-drogas do século XXI”, tornando-se, pois, a nomofobia, uma condição cada vez mais complexa e desafiadora em saúde pública, quanto à questão educacional.

O uso de smartphones tornou-se algo essencial no cotidiano tanto de jovens, quanto de adultos, pois possuem muitos atributos e características atraentes (CHÓLIZ, 2010). Contudo, sua disseminação em massa e seu uso excessivo e as consequências psíquicas atreladas, fazem-nos questionar acerca dos limites da sua utilização, bem como a questão de dependência normal versus dependência patológica desses aparatos tecnológicos. Esse uso acabou sendo agravado com a mudança da escola para a casa dos estudantes.

A dependência ‘normal’ permite que o indivíduo possa aproveitar esses aparatos e ferramentas tecnológicas tanto no ambiente de trabalho, quanto na vida pessoal para comunicação e interação social; mesmo que seu uso seja diário, não configura dependência patológica, pois esta requer a presença de inadequação e sintomas, alterações emocionais e comportamentais (MAZIERO; OLIVEIRA, 2016). Logo, a dependência patológica se manifesta quando o indivíduo se encontra afastado ou sem o objeto de dependência, como na nomofobia, em que os sintomas se assemelham à síndrome de dependência de substâncias, por isso inúmeros autores consideram a importância de reconhecer e incluir a nomofobia no DSM-V como uma entidade diagnóstica - espécie de vício tecnológico (CHÓLIZ, 2010).

Os sintomas mais frequentemente observados nas situações de dependência patológica são, em geral: ansiedade, agitação, nervosismo, suor, tremores, angústia, taquicardia; quando relacionados ao medo, ao impedimento por algum motivo do uso de aparelhos celulares e computadores, estão atrelados aos sintomas de nomofobia (KING et al., 2014). Assim, esse medo patológico acaba afetando negativamente a saúde do indivíduo e sua vida cotidiana, como o desenvolvimento escolar e a aprendizagem, causando problemas sociais, comportamentais e afetivos (CHÓLIZ, 2010).

É inegável a importância que os aparatos tecnológicos possuem na vida diária, tornando as ações mais rápidas e eficazes, contudo, como tais ferramentas moldaram o cotidiano de maneira positiva, também o moldaram de forma negativa, já que esses dispositivos podem acarretar impacto na saúde humana; porquanto, o uso dos aparelhos celulares tornou-se uma parte extremamente significativa da vida dos jovens e alunos que é praticamente invisível, ou seja, não se percebe o nível de dependência ou vício (ROBERTS et al., 2014). Assim, os aparelhos se transformam em uma extensão de si mesmos e parte integrante de quem são (BELK, 1988).

Frente a isso, estar atento ao uso consciente e responsável destas ferramentas, especificamente o celular que se configura como mídia móvel mais acessível aos jovens, constitui condição principal para o cuidado da saúde mental, especialmente em tempos de pandemia e pós-pandemia, na qual o uso dos aparatos tecnológicos tornou-se mais disseminado.

 

Considerações finais  

Analisar alguns dos dilemas que nossa juventude tem enfrentado durante o período da pandemia, configura o refletir de novos caminhos e possibilidades para o pós-pandemia. É preciso ter ciência de que não basta, aos jovens, apenas conhecer as mídias e tecnologias, mas saber como utilizar as ferramentas no processo de ensino e aprendizagem. Compreender a justa medida de seu uso é uma forma de enfrentar os malefícios que surgem com uso excessivo desses recursos tanto na aprendizagem, quanto na saúde mental. Conhecer o que os excessos do uso desses recursos tecnológicos podem acarretar, como no caso da nomofobia, é imprescindível para todos os envolvidos no contexto educacional e de formação de crianças e jovens.

As incertezas que adentram o século XXI, acabam configurando as mudanças sociais e culturais que afetam a constituição identitária do jovem. A escola ainda vinculada ao século XIX, choca-se com os dilemas aflorados com a pandemia do COVID - 19 e evidencia situações de prós e contras ao uso das mídias e tecnologias no processo de ensino e aprendizagem. O uso consciente e responsável do celular pelos jovens, é algo que deve ser trabalhado, debatido e refletido em todas as esferas da sociedade. A nomofobia pode passar despercebida e evoluir para transtornos e até doenças mais graves, com repercussões na saúde mental do indivíduo. Portanto, voltar o olhar para os jovens neste momento é fundamental.

 

Referências

BELK, Russel W. Possessions e o self estendido. Journal of Consumer Research. 1988. p. 139–168.

BHATTACHARYA, Sudip; BASHAR, Md Abu; SRIVASTAVA, Abhay; SINGH, Amarjeet. Nomophobia: No Mobile Phone Phobia. J. Fam. Med. Prim. Cuidado, 2019. 

BORGES, Fabrícia Teixeira; VERSUTI, Andrea Cristina; PIOVESAN, Angélica de Fátima. Lorqueando: a literatura como vivência estética de si e do outro na educação à distância. Revista Contrapontos, 12 v.3. 2012.

BRAGAZZI, Nicola Luigi; PUENTE, Giovani Del. Uma proposta para incluir a nomofobia no novo DSM-V. Psychol Res Behav Manag. 2014.

CHÓLIZ Mariano. Dependência do Telefone Celular: Uma Questão. Vício. 2010.

DAVIES, Nicola. Nomophobia: The Modern-Day Pathology. Psychiatry Advisor . 18 Sep. 2018. Disponível em: https://www.psychiatryadvisor.com/home/topics/anxiety/nomophobia-the-modern-day-pathology/. Acesso em: 14 de jan. de 2021. 

PINHEIRO, Ana Paula; PINHEIRO, Fernanda. Midiatização, aprendizagem e incivilização. Anais de Artigos do Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, [S.l.], v. 1, n. 3, ago. 2019. ISSN 2675-4290. Disponível em: https://midiaticom.org/anais/index.php/seminario-midiatizacao-artigos/article/view/268. Acesso em: 15 ago. 2021.

KING, Anna Lucia Spear; et al. Nomofobia: dependência do computador, internet, redes sociais? Dependência do telefone celular? 1. ed. São Paulo: Atheneu. 2014.

LEMOS, André; CUNHA, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina: Porto Alegre. 2003.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad: Carlos Irineu da Costa, São Paulo: Ed. 34. 1999.

MAZIERO, Mari Bela; OLIVEIRA, Lisandra Antunes de. Nomofobia: uma revisão bibliográfica. Unoesc & Ciência - ACBS Joaçaba, v. 8, n. 1, jul./dez. 2016, p. 73-80.

OLIVEIRA, Victor Hugo Nedel; SANTOS, Andreia Mendes Dos.; LACERDA, Miriam Pires Corrêa de. Juventudes e território: um panorama no espaço ibero-americano. Anais do XI Congresso Internacional de Estudos Ibero-Americanos (CIEIA) 17 a 19 de outubro de 2017. Disponível em: https://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/14400/2/Juventudes_e_territorio_um_panorama_no_espaco_ibero_americano.pdf. Acesso em: 10 jan. de 2021.

RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 12.884 de 03 de janeiro de 2008. Dispõe sobre a utilização de aparelhos de telefonia celular nos estabelecimentos de ensino do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/filerepository/repLegis/arquivos/12.884.pdf. Acesso em: 14 jan de 2021.

ROBERTS, James A; YAYA, Luc Honore Petnji; MANOLIS, Chris. O vício invisível: Atividades de telefone celular e vício entre estudantes universitários do sexo masculino e feminino. Journal of Behavioral Addictions. 26 de ago. 2014.

RUSHKOFF, Douglas. As 10 questões essenciais da era digital: Programe seu futuro para não ser programado por ele. São Paulo: Saraiva. 2012.

SALGADO, Maria Umbelina Caiafa; AMARAL, Ana Lúcia. Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC.Brasília: MEC/SEED. 2008.

SHAMBARE, Richard; RUGIMBANA, Robert; ZHOWA, Takesure. Telefones celulares são o vício do século XXI? Jornal Africano de Gestão de Negócio. Vol.6 (2), jan. de 2012, pp. 573-577.



[1] É uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves.

 

[2] DSM trata-se de: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders V. Encontra-se em: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM. Ed. 5. Porto Alegre: Artmed. 2014. 948 p.

 

[3] Proxy é o termo utilizado para definir os intermediários entre o usuário e seu servidor. Todos os dados que deseja acessar na internet são disponibilizados por um servidor.