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| ReTER, Santa Maria, v.2, n.4. ISSN:2675-9950 | Dossiê Educação Profissional e Tecnologias em Rede. |
A EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO (UX DESIGN[1])
COMO METODOLOGIA EDUCACIONAL
Renata
Caroline Zanquetta Cardozo
Mestranda
do Programa de Pós-Graduação em Educação
Profissional
e Tecnológica – PROFEPT pelo Instituto Federal do Paraná – renacazaca@gmail.com
Professor do Instituto
Federal do Paraná – alysson.artuso@ifpr.edu.br
Resumo: O objetivo deste artigo é demonstrar a possibilidade de ferramentas utilizadas na abordagem do UX design se relacionarem com as práticas pedagógicas dos professores da disciplina de Filosofia, dentro de uma visão de escola democrática e plural. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica com foco nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), abordando os principais conceitos trazidos por Gert Biesta sobre a construção da subjetividade humana e da práxis, relacionando-o com conceitos de Donald Norman sobre a Experiência do Usuário (UX design). O artigo defende que a partir de percepções individuais e, posteriormente, na interação com o outro, as relações sociais podem se construir. Para ilustrar como é possível desenvolver esses conceitos na prática, foi realizado um estudo de caso sobre o projeto “Métodos de UX a serviço da Educação Pública”, que mostrou como vincular os princípios de UX design na educação, contribuindo, assim, com a emancipação dos estudantes.
Palavras-chave: Educação; Filosofia; UX design; Tecnologia; Práxis.
THE
USER EXPERIENCE (DESIGN UX)
AS
AN EDUCATIONAL METHODOLOGY
Abstract: The aim of this article is to
demonstrate the possibility of tools used in the UX design methodology to relate to the pedagogical practices of
teachers in the discipline of Philosophy, within a vision of a democratic and
plural school. Therefore, a bibliographical research
was carried out with a focus on Information and Communication Technologies
(ICT), addressing the main concepts brought by Gert Biesta about the
construction of human subjectivity and praxis, relating it to Donald Norman's
concepts about Experience of the User (UX design). The article argues that based on
individual perceptions and later in the interaction with others, social
relationships can be built. To illustrate how it is possible to develop these
concepts in practice, a case study was carried out on the project “UX Methods
at the Service of Public Education”, which showed how to link the principles of
UX design in education, thus
contributing to the emancipation of students.
Keywords: Education; Philosophy; UX
design; Technology; Praxis.
INTRODUÇÃO
Muito se discute sobre educação e como as relações sociais implicam nos processos educacionais, mas, o que de fato é educar? Será que a educação é mais do que simplesmente inserir os alunos em uma ordem já existente de conhecimento sistematizado? Quais são as possibilidades que a Era da Informação pode proporcionar ao processo educacional? Refletindo sobre esses questionamentos, esse artigo busca analisar aspectos educacionais relacionados às Tecnologias da Educação e Informação (TIC) sob a ótica, principalmente, de dois pensadores contemporâneos, Gert Biesta (2018), em seu livro “Para além da aprendizagem”, e Donald Norman (2006), no livro “O designer do dia a dia”. O objetivo é mostrar as possibilidades de se utilizar a abordagem do UX design em práticas de ensino de Filosofia em uma proposta de escola que permita o desenvolvimento democrático da subjetividade humana.
Esse artigo começa fazendo uma explanação sobre aspectos filosóficos trazidos por Gert Biesta sobre subjetividade e como essa noção vem se transformando ao longo do tempo. Na sequência, o texto prossegue explicando como Donald Norman criou e desenvolveu suas teorias sobre experiências do usuário e como essa terminologia é amplamente utilizada atualmente pelo campo do design, traçando um paralelo entre as metodologias utilizadas no design e na educação. Por fim, o artigo termina mostrando um estudo de caso que exemplifica como, metodologicamente, os estudos sobre Educação e TIC podem se entrelaçar, buscando na subjetividade humana um fértil terreno para contribuição com o desenvolvimento educacional dos sujeitos dentro de uma visão de escola democrática e plural, fazendo com que esses possam vir ao mundo através de uma prática educativa mais interativa e capaz de tornar mais humana e transformadora a compreensão da própria realidade.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nas primeiras páginas do livro “Para além da Aprendizagem”, o filósofo Gert Biesta indaga sobre a seguinte questão: “Será que a Educação é mais do que a simples inserção do indivíduo humano numa ordem preexistente?” (Biesta, 2017, p. 25). Com esse questionamento inicial, o filósofo argumenta que é necessária uma superação dos conceitos deixados pelo Humanismo, principalmente em Kant, no que diz respeito à educação e sua função dentro da sociedade. Apesar da grande importância e influência que a Filosofia Kantiana tem sobre a sociedade atual, seu entendimento da subjetividade já foi muito criticado por importantes filósofos em função do seu individualismo e do seu racionalismo.
Pensadores como Nietzsche, Freud e Foucault,
argumentaram, cada um à sua maneira, que a origem da subjetividade não deve ser
encontrada no próprio pensamento racional do sujeito, mas que a subjetividade é
constituída por forças e processos que estão além do controle racional. (BIESTA, 2017, p. 169).
Biesta entende que Kant, influenciado pelo meio e contexto histórico em que viveu, desenvolveu sua teoria sobre o esclarecimento e sobre a autonomia racional dos sujeitos focando apenas na razão individual de um sujeito autônomo. Porém, ainda de acordo com a visão de Biesta (2017), esse sujeito só pode se tornar verdadeiramente autônomo e racional nas interações sociais, nas relações que culturalmente está inserido, e não simplesmente por si mesmo, como Kant pensou. Entende-se que a racionalidade não é apenas uma consciência individual construída solitariamente, mas que também provém da interação com o meio, com os outros que são diferentes. É na comunicação que o indivíduo pode construir-se, desenvolver-se, tornar-se autônomo e consciente da sua racionalidade.
Alguns pensadores, ao criticarem o Humanismo, apontam que a articulação moderna de subjetividade humana desenvolvida pelos filósofos iluministas está ultrapassada. Para Foucault (1999), o homem como objeto de conhecimento e, também, como sujeito que conhece, é uma invenção recente que surge na modernidade a partir da esfera do saber. A crítica é pautada numa nova abordagem, onde é necessário transgredir, ou seja, reformular questões sobre o que é o homem e sobre como é possível que esse homem possa chegar ao conhecimento, sobre sua subjetividade, seu modo de fazer, ou pensar. Compreende-se assim, que a crítica feita ao Humanismo, e a forma como os filósofos iluministas enxergavam a racionalidade humana, era focalizada apenas na subjetividade humana e na capacidade individual, sem necessariamente levar em conta as relações e a cultura em que o homem está inserido. Não está se desmerecendo, assim, a concepção Kantiana sobre a racionalidade e o estado do esclarecimento formuladas por ele, já que é de suma importância sua Filosofia para a humanidade, porém, o que é importante sabermos é que “a educação não deve servir apenas para produzir os poderes racionais que se supõe já existirem de uma ou de outra forma” (Biesta, 2017, p. 178) e sim buscar na convivência social meios de se tornar presença, ou seja, alguém capaz de mostrar sua racionalidade ao outro, ao mesmo tempo que compreende o outro na sua existência e subjetividades.
Nesse ponto, torna-se evidente que pensar sobre educação é pensar de forma que privilegie a socialização e as relações entre os sujeitos, porém, esse pensar precisa estar contextualizado com as novas possibilidades sociais que a Era da Informação oferece. As novas formas de relacionamento virtuais disponíveis à realidade do processo educacional, mostra uma condição em que a presença vai além do ensino tradicional oferecido no ambiente escolar. Nesse sentido, o universo das TIC passa a ser também um desafio para o campo da educação, que frente às frequentes mudanças culturais pelas quais passa a sociedade, é exigida a caminhar no rumo dessas transformações.
As várias ferramentas tecnológicas utilizadas na Era da Informação podem ter um sentido ambíguo. Por um lado, muitos pensadores acreditam que a tecnologia tende a tornar as pessoas mais isoladas fisicamente, diminuindo a convivência social e afastando as pessoas umas das outras no seu universo particular e de seus aparelhos eletrônicos. Nessa visão, o processo educacional sofreria uma piora, já que para uma boa educação, como disse Biesta, um dos pilares é a socialização. Por outro lado, a tecnologia tem se mostrado com muitas possibilidades de conexões mentais no sentido de unir pessoas e de difundir boas ideias, trazendo à tona novas possibilidades de relacionamento interpessoal, mesmo que de forma não presencial. Segundo Pierre Lévy (2010, p. 132-3) o “desenvolvimento das comunidades virtuais acompanham, em geral, contatos e interações de todos os tipos [...] Uma comunidade virtual não é irreal” e ainda salienta que “as comunidades virtuais são os motores, os atores, a vida diversa e surpreendente do universo por contato”. Atualmente, é através de salas de aulas em ambiente online, conhecidas como AVA (ambiente virtual de aprendizagem), que muitas plataformas educacionais vêm disponibilizando aulas e cursos que oferecem ferramentas de interação, como vídeo aulas, chats, fóruns e bibliotecas virtuais. Se, de acordo com Biesta, a educação se faz na interação e na socialização, então a educação na Era da Informação é algo pertinente a ser estudado, visto que traz mudanças substanciais na forma de interagir entre os seres humanos.
Dentro do universo das TIC, um termo foi criado na década de 1990 por Donald Norman (2006): “Experiência do Usuário (EU)”, do inglês “User experience (UX)”. Norman, que além de professor e escritor é também um dos maiores teóricos do design, passou a usar o termo Experiência do Usuário para denominar um conjunto de elementos e fatores relativos à interação das pessoas com produtos ou sistemas (serviços). Norman, em seu livro “O design do dia a dia”, escrito em 1988, vai relacionar aspectos do design com a experiência vivenciada por quem interage com eles, ou seja, com os objetos utilizados no cotidiano, tais como portas, torneiras, carros e chaleiras, mostrando que os criadores desses produtos nem sempre conseguem unir critérios estéticos com a praticidade da qual eles necessitam para serem utilizados no dia a dia. Anos mais tarde, no prefácio da edição de 2002, o autor vai ampliar essa mesma noção para computadores, celulares e outras ferramentas digitais, tais como interface de páginas da internet, usabilidade de sites, hardware, software etc. destacando os aspectos afetivos dessa relação para o usuário na interação humano computador.
O UX design vem para colocar quem é mais importante no
centro de tudo: o usuário. Não mais o produto, o lucro, ou o serviço. Tudo isso
é muito importante e faz parte do processo de criação. Entretanto o principal
foco é quem terá que lidar com tudo isso, ou seja, as pessoas. (AELA, 2019, s. p.)
Para Norman, a experiência do usuário é de natureza subjetiva, já que a percepção e o pensamento sobre a experiência vivida se dão de forma individual. Essa experiência vivenciada pelo usuário também é mutável, uma vez que a dinâmica está constantemente se modificando e inovando. No processo pelo qual os usuários vão formando suas percepções ao interagir com os objetos ou interfaces de sites e aplicativos, eles formam uma impressão momentânea que vai evoluindo e produzindo respostas emocionais que são determinantes na relação que uma pessoa tem com um produto ou serviço prestado por uma empresa, ou seja, na interação, na experiência que uma pessoa tem ao se relacionar com um produto.
Além disso, para Norman (2006), o papel de maior importância das novas tecnologias deve ser tornar as tarefas mais simples, “a tecnologia pode fornecer auxílios para reduzir a carga mental”, (p. 226), mostrando alternativas de ação e auxiliando na interpretação das informações, uma vez que com a ajuda de aparatos tecnológicos já não é mais necessário gravar tudo na cabeça, aumentando assim a capacidade perceptiva humana. Um exemplo é a “realização de um trabalho que não era possível antes, ou só era possível para especialistas altamente capacitados, torna-se algo que pode ser feito por muitos” (p. 227)
Dessa forma, do mesmo modo como Norman descreve a experiência do usuário no processo de uso de um serviço ou produto, é possível traçar um paralelo com o meio educacional através das abordagens descritas por ele e utilizadas para melhorar o processo do design. Assim como no design, onde as abordagens para desenvolver um produto consistem em atender às necessidades dos usuários, levando em consideração a jornada do usuário ao experimentar um serviço ou produto e no processamento mental que este faz durante essa experiência, também na educação é possível recorrer a ferramentas que busquem identificar nos estudantes as possibilidades de compreensão das suas necessidades e expectativas em relação ao que se está aprendendo, melhorando assim o processo como um todo.
Se, dentro da lógica criada por Donald Norman (2006), a experiência vivenciada pelo usuários é algo individual, onde estes podem criar suas percepções e, portanto, produzir respostas emocionais dentro da sua subjetividade, estendendo esse conceito para a interação entre os usuários e não só destes com os objetos ou serviços prestados, seria possível estabelecer uma relação com a educação e os conceitos trazidos por educadores como Biesta (2017), já que na teoria de ambos a educação é entendida como uma construção da interação com o meio, com os outros.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a elaboração desse trabalho, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e a análise de um estudo de caso. Os procedimentos metodológicos que norteiam a coleta e análise dos dados dessa pesquisa, bem como a análise do estudo de caso, foram pautados em leituras que em função da atualidade e da relação que as mesmas possuem com o tema, pudessem contribuir significativamente com o objetivo analítico escolhido. Para exemplificar as ideias existentes nesse artigo, a análise de caso debruçou-se sobre a experiência do Educador e UX designer, Tiago Pimentel, cujo objetivo principal do seu projeto foi aplicar o método do UX Research[2] (pesquisa), usando o tema gerador “Cultura Digital”, para criar um canal de comunicação entre a escola e a comunidade. O projeto pode ser lido na íntegra, com fotos e relatos, acessando o site da Medium.com[3].
Ao unir os princípios de pensamento de UX design com o desenvolvimento curricular, e a aplicação de tecnologias emergentes, é possível contribuir com a prática docente, mostrando a transposição metodológica inovadora frente aos conteúdos, comportamentos, preferências, objetivos e necessidades dos estudantes, transformando docentes e discentes em parceiros para um melhor aproveitamento da aula. Ser digital é mais do que dominar conhecimento técnico, é desenvolver uma nova forma de resolver problemas, de pensar, aprender e trabalhar, estimulando o aprendizado na prática. Uma grande experiência de aprendizagem tem que estar conectada com todas as pessoas, e para dar sentido a isso, é preciso distinguir as diferenças entre os participantes e adaptar a aprendizagem às expectativas e necessidades de cada um.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A abordagem do UX design utiliza técnicas de resolução de problemas que permitem a professores e alunos explorarem soluções para os problemas enfrentados em sala de aula, tanto no aspecto físico – como a utilização de carteiras, quadro, computadores e demais materiais utilizados no dia a dia – quanto na dinâmica do processo subjetivo de aprendizagem. Existe muitas ferramentas para a aplicação do UX design, dentre elas o Design Thinking[4], cujas etapas de: imersão, ideação e implementação, possibilitam um alinhamento entre os pressupostos da abordagem tradicional da educação escolar com a Era da Informação numa verdadeira práxis educativa.
Assim, ao relacionarmos a abordagem usada dentro dos conceitos do UX design com o conhecimento didaticamente sistematizado da escola, abre-se inúmeras possibilidades de trabalho para os professores nas suas aulas, visto que o uso de ferramentas como o Design Thinking, por exemplo, se apresenta como uma alternativa inovadora no contexto educacional, independente do conteúdo a ser ministrado, de forma que qualquer material curricular possa ser desenvolvido efetivamente numa aprendizagem dinâmica, onde o aluno deve não apenas reter um conteúdo específico, mas saber aplicá-lo de forma apropriada, tendo pró-atividade na construção do conhecimento. E tudo isso em contraponto a um modelo que favorece a passividade e o papel do aluno como mero receptor do conteúdo e, dessa forma, possa vir a desenvolver competências extra currículo como: criatividade, autoria, colaboração, organização, comunicação etc.
A ABORDAGEM DO UX DESIGN A SERVIÇO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA - ANALISANDO UM ESTUDO DE CASO
Como resultado das pesquisas realizadas para elaboração desse artigo, apresenta-se a experiência do Educador e UX designer, Tiago Pimentel, que realizou um projeto, em junho de 2019, com alunos da rede pública da Escola Municipal Prof. Luis Rogério de Souza da Cidade de Camaçari (BA), em parceria com o COFIC - Comitê de Fomento Industrial de Camaçari e a ONG Cipó - Comunicação interativa. Foi desenvolvida uma oficina de 4 encontros com 2 turmas do colégio citado acima, com o intuito de aprofundar seus conhecimentos da área de design e ao mesmo tempo contribuir com projetos educacionais nessa área (PIMENTEL, 2019).
O projeto teve seu início estabelecendo um vínculo afetivo entre o professor idealizador da oficina e os estudantes. Ao explorar os conceitos que viriam a ser utilizados na oficina, Pimentel buscou fazer um reconhecimento cultural a que os estudantes estavam inseridos, criando assim uma relação de proximidade e alteridade. De acordo com Pimentel (2019, s. p.),
É muito importante, dentro de qualquer processo
formativo, estabelecer uma relação de confiança, um vínculo, tanto no início
quanto ao longo de todo trabalho com os envolvidos, principalmente quando se
lida com a atenção de adolescentes (15 a 17 anos) que estão em outra fase e
contexto de relação de vida.
Percebe-se, nessa fala, uma semelhança com o que Paulo Freire apresenta em seus livros, ou seja, reflexões que apontam para a importância de uma educação que parta das necessidades dos estudantes, bem como dentro do contexto e interesses em que eles estão inseridos, tornando, assim, a educação mais atraente e com o propósito de uma prática libertadora e emancipatória. Pelo relato apresentado por Pimentel (2019, s. p.), o número de estudantes nas turmas era maior do que o ideal para a proposta das atividades, sendo necessário fazer uma adaptação para construir um ‘plano de aula’ inclusivo, que fomentasse a importância do trabalho em equipe e considerasse as principais etapas do processo de UX, sem perder de vista o objetivo final do projeto: a criação de um canal de comunicação da escola com a comunidade, através de uma rede social, considerando as condições estruturais que tínhamos para a realização do trabalho e o prazo de entrega.
Adaptar, nesse caso, foi o meio encontrado pelo autor do projeto para incluir os estudantes na dinâmica da proposta, de forma que pudessem alcançar os objetivos mesmo diante de situações que fogem ao planejado, remetendo assim, mais uma vez aos conceitos da educação, pois, de acordo com Freire (1996, p. 12) “é importante que o sujeito da produção do saber se convença de que ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.
Assim, após uma dinâmica inicial para interação das turmas, foi apresentado aos estudantes o conceito principal de UX design, e ao longo da oficina esse conceito foi se desdobrando na medida em que os alunos passavam a compreender melhor a dinâmica do projeto. Como o trabalho tinha a proposta central de ser educativo, era preciso que os alunos vivenciassem a experiência de ter aprendido algo novo, novas palavras, novos conceitos e novos métodos, como já é realizado na prática dos professores no dia a dia, com suas disciplinas específicas do currículo padrão para essa faixa etária.
ETAPAS E PROCESSO EM UX
De acordo com Pimentel (2019, s. p.),
Esclarecer o conceito de Experiência do Usuário, gerar
debates sobre o tema e deixar os alunos minimamente inteirados sobre do que
esse tema se tratava foi imprescindível para o que viria a seguir. Tão
importante quanto, foi esclarecer quais etapas seguir e o que elas representam
dentro do processo de aprendizagem.
Foram apresentados alguns passos para realização de um
projeto utilizando o método de UX voltado para o contexto que estávamos
inseridos. Essas etapas foram:
- Pesquisar (Explorar o problema analisando o contexto
em que esse se encontrava);
- Ideação (Experimentar e definir hipóteses de
solução);
- Prototipação (Criar um modelo da solução para ser validado);
- Validação (Testar e entender o resultado obtido).
As etapas descritas pelo autor seguem os passos do que é realizado nos projetos do dia a dia dos designers, sendo perceptível que essas etapas se igualam as ideias metodológicas aplicadas nas disciplinas escolares da educação sistematizada, com algumas diferenças de nomenclaturas e quantidades de etapas que, no geral, se complementam, tendo em vista que a mesma fase do projeto é analisada sob pontos de vista distintos. Ou seja, o processo de construção de uma metodologia para desenvolver um processo crítico-reflexivo acerca de um tema pode ser a mesma para ambos os casos, mesmo com algumas diferenças.
Assim, partindo do objetivo geral que era criar um canal de comunicação entre a escola e os estudantes, para abordar questões de interesse deles, a oficina de UX promoveu ações em benefício da comunidade escolar como um todo através da abordagem descrita a seguir:
Brainstorm[5]: a escolha da Mídia e visualizando o cenário
A proposta de criação de uma página na internet foi feita após um debate, e foi discutido se essa seria confeccionada em uma Rede Social, sendo um Blog ou até mesmo uma conta no Whatsapp. Para tomar essa decisão, optou-se por utilizar o Brainstorm, que é uma ferramenta do UX design. Assim, os estudantes puderam identificar quais pontos de melhoria necessitavam ser abordados nesse canal, bem como mais algumas informações para se fazer a melhor escolha da plataforma a ser utilizada.
Nessa etapa, como o número de estudantes era maior do que o esperado para as oficinas, optou-se por dividir o grupo. A estratégia ficou da seguinte forma:
[...] - Antes do Brainstorm, a turma foi dividida em
duas partes: metade dos jovens aguardou do lado de fora da sala e a outra
metade dentro;
- Com os alunos que ficaram dentro da sala, fizemos
uma “chuva de ideias” do que seria importante ser retratado sobre a escola na
mídia escolhida;
- Foi pedido para que eles tomassem nota das sugestões
feitas na discussão;
- Terminado o Brainstorm, os que não participaram
foram novamente convidados a entrar e se sentarem de frente com os que
permaneceram;
- Os que ficaram na sala entrevistaram os que
aguardaram do lado de fora com a mesma pergunta do Brainstorm;
- No final, comparamos os dois momentos de respostas e
foi possível identificar um padrão nas respostas. (PIMENTEL, 2019, s. p)
“Dores” identificadas
Depois de realizado o Brainstorm, foram identificados alguns pontos de atenção pelos estudantes:
- Alimentação Escolar (o cardápio da merenda não era
variado e eles entenderam que seria bom a presença de uma nutricionista na
escola);
- Atividades Culturais (a escola não possuía muitas
festas e nem atividades que promovam a cultura Afro e Indígena fora de datas
específicas);
- Atendimento Psicológico (seria importante ter um
profissional de Psicologia na escola, pois alguns sentem necessidade de
conversar com profissionais da área);
- Biblioteca (há poucos livros de literatura na
escola);
- Estrutura (era preciso melhorar a infraestrutura da
escola como um todo, desde manutenção do campo de futebol e salas de aula, até
fechaduras e ventiladores). (PIMENTEL, 2019, s. p.)
Conversando com os envolvidos (entendendo o cenário)
O segundo dia da oficina foi iniciado com uma conversa explicativa sobre o conceito de Stakholders[6] (acionistas). No design, os acionistas são importantes para a continuidade de um projeto, já que são eles que garantem financeiramente o sucesso da proposta, bem como possibilitam um olhar diferenciado sobre o todo. Na oficina, acreditou-se que era importante envolver a comunidade escolar no projeto, já que os profissionais da escola possuem pontos de vista diferentes daqueles identificados pelos alunos e poderiam dar uma contribuição para melhorias nas propostas. Assim,
Foram trazidos à sala, a Diretora e Vice Diretora da
escola, um Professor, a Vigilante, a responsável pela limpeza, a Cozinheira e
uma Auxiliar de Turma, para ouvi-los, esclarecer dúvidas e para que eles
pudessem contribuir com o processo de melhoria dos problemas. (PIMENTEL, 2019, s. p.)
De acordo com o relato, a conversa foi muito proveitosa, os alunos puderam expor os pontos identificados no Brainstorm, fizeram questionamentos e anotaram as respostas, conselhos e propostas dadas pela comunidade escolar. Importante apontar que esse momento foi valioso para a compreensão dos estudantes de que eles não estavam sozinhos, mas sim que, esses profissionais, além de estarem presentes todos os dias na escola, também estão fazendo o possível para tornar o lugar que eles estudam um ambiente melhor para todos. Essa visão de socialização na educação está muito ligada ao que é sugerido por Biesta, já que na teoria dele
Ser um sujeito, ‘vir ao mundo’, só é possível se
nossos inícios são adotados por outros de maneiras sem precedentes,
imprevisíveis e incontroláveis. Nesse sentido, ser um sujeito tem realmente a
dimensão de estar sujeito ao que é imprevisível, diferente e outro. Mas essa é
a condição paradoxal para que a subjetividade apareça e para que a democracia
se torne possível. (BIESTA, 2017, p.
188),
Portanto, de acordo com Biesta (2017), a escola deve ser um espaço onde as diferenças e a pluralidade são condições para a subjetividade democrática, um espaço de preparação de pessoas que possam agir, que possam se tornar sujeitos na ação e no convívio com os outros. A escola precisa abrir espaço e dar chance aos estudantes para que esses vivenciem e se tornem verdadeiramente democráticos nas suas ações, assim como o exemplo descrito na atividade realizada durante a oficina que oportunizou essa chance ao trazer a comunidade escolar para a interação com os estudantes.
Entendendo o cenário - escolhendo a Mídia
O próximo passo foi compilar os relatos dos problemas apresentados pela comunidade escolar em um documento transcrito digitalmente. Com as informações consistentes, foi possível avançar na etapa de definição de qual seria a mídia escolhida para criar um canal de comunicação entre a escola e a comunidade. Conforme descrição de Pimentel (2019, s. p.):
Neste momento, foi feita uma breve pesquisa de
amostragem para não haver dúvidas de qual plataforma alcançaria mais rápido o
maior número de alunos. Ao serem perguntados por qual das redes que pré-definimos
seria mais apropriado iniciar o trabalho:
- 90% responderam que deveria ser pelo Instagram;
- No entanto, apenas 04 alunos possuíam celular e
cadastro nessa rede social;
- Ao serem questionados se possuíam contas no Facebook
e qual a frequência de acesso, 98% disseram que sim e que acessavam, ao menos,
uma vez por dia.
Após a realização da pesquisa entre os estudantes que estavam participando do projeto, foi explicado que se as mesmas questões fossem ampliadas para os demais estudantes daquela escola, levando em consideração que eles estão no mesmo contexto sócio pedagógico, econômico e cultural, o padrão de resposta se repetiria. Assim, foi possível determinar que a primeira mídia a ser usada seria o Facebook, mas não foi descartada a possibilidade do projeto evoluir para um Instagram, um canal no Youtube ou um WhatsApp, por exemplo.
Estruturando informações e gerando conteúdo
No terceiro encontro, os participantes formaram quatro grupos, com cada grupo realizando atividades diferenciadas. O primeiro e segundo grupo fizeram uma avaliação comparativa de páginas escolares no Facebook para avaliar padrões de publicações, filtrar as informações da conversa com os envolvidos e gerar legendas para novos conteúdos. O terceiro grupo organizou fotografias de diferentes ambientes da escola para criação de um banco de imagens, e fizeram um rascunho de postagens para a página. Já o quarto grupo buscou conhecer uma ferramenta de criação de imagem para redes sociais e suas principais funções.
Avaliação e lições aprendidas
Depois dos grupos cumprirem todas as tarefas estipuladas no projeto, no último dia, foi criada a mídia que a escola optou, no caso, uma página no Facebook. De acordo com o relato de Pimentel (2019, s. p.) “os alunos tiveram um momento para entrar em suas contas no Facebook, procurar a página, curti-la e convidar amigos estratégicos em suas redes para fazer o mesmo”. Para que o objetivo do projeto pudesse ser alcançado, era necessário ter continuidade, ou seja, manter aberto o canal de comunicação criado entre a escola e a comunidade. Dessa forma, foi entregue a um professor as senhas e direcionamentos para que ele pudesse dar continuidade às pesquisas e registros realizados pelos estudantes e, assim, eles poderiam continuar gerando conteúdo para a página como na proposta do projeto.
Para os alunos, a intervenção feita na rotina deles foi fundamental para que pudessem perceber a diferença das ações que os ajudariam a descobrir a razão dos problemas vivenciados no dia a dia. Ao refletirem sobre a experiência que eles possuem com o ambiente escolar, também é possível que eles apliquem essa experiência nas outras tarefas diárias tentando, dessa forma, um melhor desempenho. De acordo com o idealizador do projeto, Tiago Pimentel, mesmo reconhecendo que algumas etapas de UX design não puderam ser abordadas por alguns fatores surpresas, foi percebido que debruçar-se sobre, explorar e entender o que precisava ser feito, teve seu valor.
Além disso, acreditou-se que os alunos conseguiriam absorver os conceitos e colocá-los em prática, sendo fundamental permitir que eles se sentissem motivados e confiantes no processo, e que se percebessem contribuindo para a realização de conquistas que poderão se tornar maiores ao longo do tempo. Tiago termina seu relato com a seguinte frase: “Atuar com UX é estar disposto a todo tempo a sair da sua zona de conforto”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo procurou demonstrar que a Era da Informação possibilita a inovação de recursos metodológicos já utilizados no processo educacional. Durante o estudo, verificou-se que a partir da abordagem do UX design, abriu-se possibilidades educacionais que podem ser desenvolvidas em suas mais diversas formas, através de modelos de aprendizagem que tornem o processo mais contextualizado com a realidade local. A construção do conhecimento, feita de forma a dar autonomia aos envolvidos, pode potencializar a criatividade e a criticidade, além de fomentar diálogo voltado ao debate e a pesquisa, favorecendo, assim, que os envolvidos no processo tornem-se protagonistas do seu conhecimento.
Observou-se na análise do estudo de caso que é possível, através de abordagens advindas do design, potencializar nos estudantes a criticidade, ampliar o repertório cultural dos mesmos, debater noções sobre pesquisa, entre outros aprendizados que dificilmente caberiam em um currículo de cunho tradicionalista. Convidar o aluno para que ele participe da construção do seu conhecimento, tenha voz e possa propor ideias e opiniões, cria laços importantes entre os pares, autonomia e iniciativa, de modo que o conjunto de fatores é capaz de favorecer a construção de saberes e experiências educativas que podem ser levadas por toda a vida.
Conclui-se assim que, de acordo com Biesta (2017), há oportunidade de a escola ser um espaço onde as diferenças e a pluralidade são condição para a subjetividade democrática, um espaço de preparação de pessoas que possam agir, que possam se tornar sujeitos na ação e no convívio com os outros. Um exemplo é o projeto realizado por Tiago Pimentel, que oportunizou essa chance ao trazer a comunidade escolar para a interação com os estudantes, a partir do UX design.
Referências
AELA. O que é UX design. Medium, 2 maio 2019. Disponível em: https://medium.com/aela/o-que-%C3%A9-ux-design-2f8161cd1a7b. Acesso em: 27 jul. 2020.
BIESTA, Gert. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
BIESTA, Gert. O dever de resistir: sobre escolas, professores e sociedade. Educação - Revista quadrimestral. Porto Alegre, v. 41, n. 1, p. 21-29. jan-abr. 2018.
LEVY, Pierre. Cibercultura. 3ª ed. São Paulo: Editora 34. 2010.
NORMAN, Donald A. O design do dia a dia. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
PIMENTEL, Tiago. Métodos de UX a serviço da Educação Pública - Ensinando como os métodos de Experiência do Usuário podem gerar visibilidade sobre a comunidade escolar para alunos da rede pública. UX design, 10 jun. 2019. Disponível em: https://brasil.uxdesign.cc/m%C3%A9todos-de-ux-a-servi%C3%A7o-da-educa%C3%A7%C3%A3o-p%C3%BAblica-88ee64a4737e. Acesso em: 7 jun. 2020.
REVISTA EI! ENSINO INOVATIVO. FGV/Direito SP, FGV/EAESP e FGV. Design Thinking. Ei! Ensino inovativo; v. 1, n. 1 Especial (2015): Tecnologia no ensino Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/ei/article/view/57647/56169. Acesso em: 01 fev. 2021.
WIKIPEDIA. Brainstorming. (2020a) Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Brainstorming. Acesso em: 27 jul. 2020.
WIKIPEDIA. Stakeholder. (2020b) Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Stakeholder. Acesso em: 27 jul. 2020.
[1] O enfoque dado nesse artigo sobre a abordagem do UX Design se restringe à forma como se
dá a construção das percepções e reações dos sujeitos quando utilizam um
produto, sistema ou serviço, relacionando-os aos conceitos educacionais de
aprendizado e subjetividade. Esse recorte é necessário porque os conceitos do UX Design são muito amplos e abrangem
questões do mundo empresarial que não são pertinentes nesse trabalho.
[2] Dentro da proposta do UX Design existe diferentes ferramentas e técnicas desenvolvidas sequencialmente ao longo das etapas do processo. No início da fase de imersão, onde se levanta informações para o planejamento, acontece a pesquisa (UX Research) que é composta por uma variedade de técnicas, ferramentas e metodologias para chegar a conclusões, determinar fatos e descobrir problemas. O foco do UX Research está na abordagem estratégica usada para coletar e interpretar dados coletados.
[3] PIMENTEL, Tiago. Métodos de UX a serviço da Educação Pública - Ensinando como os métodos de Experiência do Usuário podem gerar visibilidade sobre a comunidade escolar para alunos da rede pública. UX design, 10 jun. 2019. Disponível em: https://brasil.uxdesign.cc/m%C3%A9todos-de-ux-a-servi%C3%A7o-da-educa%C3%A7%C3%A3o-p%C3%BAblica-88ee64a4737e. Acesso em: 7 jun. 2020.
[4] De acordo com REVISTA EI! ENSINO INOVATIVO (2015, p. 22), Design Thinking “consiste em uma forma de estruturar o pensamento, por meio de um conjunto de princípios que podem ser aplicados em diferentes contextos, com o objetivo de resolver problemas’’ e ainda, “pode-se dizer que o Design Thinking é centrado no ser humano, uma vez que procura definir o problema e interagir com ele a partir da realidade dos atores envolvidos” (p. 23).
[5] O brainstorming [...] ou tempestade de ideias na tradução literal, mais que uma técnica de dinâmica de grupo, é uma atividade desenvolvida para explorar a potencialidade criativa de um indivíduo ou de um grupo - criatividade em equipe - colocando-a a serviço de objetivos pré-determinados. (WIKIPEDIA, 2020a, s. p.)
[6] Stakeholder é um dos termos utilizados em diversas áreas como gestão de projetos, comunicação social administração e arquitetura de software referente às partes interessadas que devem estar de acordo com as práticas de governança corporativa executadas pela empresa (WIKIPEDIA, 2020b, s. p.).