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ReTER, Santa Maria, v.2, n.3. ISSN:2675-9950 | Melhores artigos SENID 2021 |
A LÓGICA DOS ALGORITMOS DE ORDENAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA ATRAVÉS DE ATIVIDADES DESPLUGADAS DE MATEMÁTICA
Mestrado Profissional em Informática na Educação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – magmarcelo@gmail.com
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Osório, RS – aline.bona@osorio.ifrs.edu.br
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Porto Alegre, RS – karen.borges@poa.ifrs.edu.br
Resumo: O trabalho é um recorte de uma pesquisa investigativa online, realizada em 2020, com Escolas públicas do Litoral Gaúcho/RS, no qual objetiva-se compartilhar a metodologia de uma atividade desplugada de matemática, em que foi possível explorar, com os estudantes e professores do oitavo ano do fundamental, a lógica da construção do algoritmo ordenado. As análises das resoluções estão ancoradas nos pilares do pensamento computacional, no processo de aprendizagem de fazer e compreender, e na conceituação de resolução de problemas investigativos. A exploração de conceitos de matemática, através destas atividades, encanta os professores e estudantes pois, além de mobilizar, proporciona a aprendizagem dos conceitos.
Palavras-chave: Atividades Desplugadas; Resolução de Problemas; Conteúdos Escolares; Algoritmos Desplugados na Escola Básica; Pensamento Computacional na Escola Básica.
THE LOGIC OF ORDERING ALGORITHMS IN BASIC EDUCATION THROUGH UNPLUGGED MATHEMATICS ACTIVITIES
Abstract: The work is an excerpt from an online investigative research, conducted in 2020, with public schools of the Litoral Gaúcho / RS. The objective is to share the methodology of an unplugged mathematics activity that made it possible to explore, with the students and teachers of the eighth year of elementary school, the logic of the construction of the ordered algorithm. The analysis of resolutions is anchored in the pillars of computational thinking, in the learning process of doing and understanding, and in the conceptualization of solving investigative problems. The exploration of mathematics concepts through these activities, enchants teachers and students, because in addition to mobilizing, it provides the learning of concepts.
Keywords: Unplugged Activities; Problem Solving; School Content; Unplugged Algorithms in Elementary School; Computational Thinking in Elementary School.
Introdução
Atualmente, é comum perceber em avaliações de larga escala, como a Prova Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Escola Básica), o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), e outras, assim como na sala dos professores e entre os pais dos estudantes, comentários sobre o baixo desempenho escolar de crianças e jovens estudantes da Educação Básica, por inúmeros motivos, e contemplando várias disciplinas. “[…] Então se faz necessário repensar, de forma gradual, os processos pedagógicos da Educação Básica, pois a apropriação deve ser dos estudantes, dos professores, da escola e dos pais, já que cabe destacar que existe uma resistência e comodismo natural do ser humano” (BONA et al, 2017). A lógica dos algoritmos, particularmente os de ordenação, é natural na vida, seja escolar e/ou profissional, de todas as pessoas. Entretanto, esse assunto é pouco explorado no contexto da Educação Básica, apesar dos algoritmos serem um dos pilares do Pensamento Computacional (CT – acrônimo de Computational Thinking), o qual encontra-se claramente mencionado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ao tratar da área da matemática: “[…] A área de Matemática, no Ensino Fundamental, centra-se na compreensão de conceitos e procedimentos em seus diferentes campos e no desenvolvimento do pensamento computacional, visando à resolução e formulação de problemas em contextos diversos” (BRASIL, 2018, p. 471).
São considerados pilares ou elementos do CT (WING, 2006; PASQUAL JUNIOR, 2020): decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e o algoritmo. Pasqual Junior (2020) e Bobsin et al. (2020) apresentam claramente em seus trabalhos que, a organização em 4 pilares pode organizar, ajudar, orientar e proporcionar um novo olhar ao processo de fazer a máquina pensar, segundo a perspectiva de um professor de sala de aula, afastado muitas vezes de espaços acadêmicos. A informática, como uma área presente na vida de todos, contemplando métodos e recursos, se faz necessária, não apenas no manuseio de computadores e celulares, mas também como recurso para desenvolver o CT, implícito por trás de cada ação sobre os dispositivos tecnológicos, por exemplo. (NUNES, 2011; BONA et al, 2020).
“É possível localizar na bibliografia diversos trabalhos acadêmicos que contemplam inclusão digital, CT e programação na Escola Básica “(NUNES, 2011; BARR, STEPHENSON, 2011; MESTRE, 2017). No entanto, percebe-se que a maioria das atividades propostas nesses relatos exige uma complexidade de conhecimentos de informática, e metodológicos, dos quais os professores são carentes, além de equipamentos que as escolas, por vezes, não dispõem. (NUNES, 2011; BARR, STEPHENSON, 2011; MESTRE, 2017; LESSA, PAIZINATO, TEIXEIRA, 2017). A temática do CT precisa ser apresentada aos docentes da Escola Básica aos poucos, e uma forma de se fazer isso é criando atividades que os professores possam experimentar junto com os estudantes para, assim, compreenderem a riqueza e a complexidade das atividades.
As dificuldades advindas são fruto da falta de preparo dos professores, em sua formação básica, para explorarem as possibilidades da informática na educação. E a riqueza do momento de testagem das atividades, juntando os professores com os estudantes da Escola Básica, proporciona reflexões e ideias para, por exemplo, criar outras atividades e adaptações para as disciplinas. Diante desse cenário, atrelado ao grupo de pesquisa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), denominado Matemática e suas Tecnologias (MATEC), do Instituto Federal do Rio Grande do Sul – Campus Osório, vem sendo desenvolvidas várias pesquisas que contemplam desde a formação docente até o desenvolvimento de materiais pedagógicos. Em 2020, foi realizada uma pesquisa quanto ao desenvolvimento de Atividades Desplugadas para a Escola Básica, cujo relato será apresentado neste artigo. O objetivo é compartilhar informações sobre a metodologia utilizada para ensinar a aplicação de algoritmos de ordenação na matemática. “[…] A importância de ações como essas residem na necessidade de agregar a área da informática à Educação Básica, oferecendo, assim, um aporte para melhor construir os conceitos/conteúdo das disciplinas previstas de forma a elevar a qualidade da educação” (BONA et al, 2017).
Esse artigo se encontra organizado da seguinte forma: na seção 2, estão expostos trabalhos relacionados com a mesma temática da qual trata o relato de experiência a ser apresentado na seção 3. Resultados e discussões são apresentados na seção 4, seguidos das conclusões na seção 5.
Trabalhos Relacionados
A investigação sobre trabalhos existentes, relacionados com a temática explorada no experimento, partiu da identificação das seguintes palavras-chave: atividades desplugadas, resolução de problemas, conteúdos escolares, algoritmos desplugados na Escola Básica e pensamento computacional na Escola Básica. A pesquisa se deu em novembro de 2020, a partir do Scielo e em periódicos da Informática na Educação, como: Revista Brasileira de Informática na Educação (RBIE) e Revista Novas Tecnologias na Educação (Renote).
Também foram consultados os anais do Simpósio Brasileiro de Informática na Educação (SBIE), as publicações da Sociedade Brasileira da Computação (SBC), e o acervo de bibliotecas online de três universidades federais do RS. Foram localizados 463 trabalhos com no máximo duas das palavras-chaves supracitadas, nenhum trabalho que contempla os conteúdos escolares foi localizado, e dois trabalhos que contemplam algoritmos desplugados na Escola Básica foram achados (BORDINI et al., 2016; SANTOS, et al., 2015). Esses resultados são indicativos da relevância da pesquisa que está sendo feita. As atividades desplugadas, segundo Bell et al. (2011), desenvolvem o raciocínio lógico dos estudantes, estimulam a resolução de problemas e a criatividade em diferentes contextos. A resolução de problemas, sob uma perspectiva de investigação, segundo Ponte, Brocardo, Oliveira (2006) e Bona et al. (2020), possibilita uma generalização da resolução que contempla e se entrelaça com os pilares do pensamento computacional. Para Pasqual Júnior (2020), decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e algoritmos, podem ser contemplados pelos conteúdos escolares através de atividades de pensamento computacional desplugado, em particular aquelas que exploram a elaboração de algoritmos (BONA et al, 2017).
No trabalho de Bobsin et al. (2020) é abordada a resolução de problemas investigativos que contemplam o pensamento computacional e, no recorte apresentado, as autoras exploram a possibilidade de se contemplar vários conteúdos de matemática nas atividades desplugadas propostas. O trabalho de Ponte, Brocardo e Oliveira (2006) apresenta atividades desplugadas também ancoradas na ideia da resolução de problemas investigativos. Esta é uma metodologia de sala de aula que propõe ao estudante uma pergunta de investigação ou uma situação-problema que, através da sua curiosidade e de ideias preliminares, faça-o buscar hipóteses de solução. Nesse processo de fazer e compreender, auxiliado pelos colegas, pelas suas próprias pesquisas e pelos seus professores, o estudante consegue desenvolver a solução do problema ou responder à pergunta. No entanto, não basta uma simples resposta, mas sim um desenvolvimento, pensando desde a situação particular até a generalização, muito explorada na matemática, e essencial ao desenvolvimento de uma generalização, que é o cerne de um algoritmo de ordenação. “[…] Destaca-se, nesse processo, a importância do estudante fazer e compreender, fazer e novamente compreender, cada vez num patamar de abstração mais elevado" (BONA, 2016).
Uma Atividade Desplugada e uma Ação Metodológica Remota
Aqui apresenta-se um relato de uma atividade desplugada realizada em 4 escolas públicas de diferentes cidades do Litoral Norte Gaúcho, de forma online, com professores de matemática e outros interessados. Participaram, também, alunos de 9 turmas de oitavo ano. Aponta-se alguns dados quantitativos interessantes:
· dos 16 professores de matemática das 4 escolas, todos tiveram interesse em aprender sobre as atividades desplugadas e sobre o pensamento computacional;
· dos 151 professores destas 4 escolas, 108 tiveram interesse em participar da ação de formação docente sobre as atividades desplugadas e pensamento computacional. No entanto, apenas 89 participaram devido, essencialmente, a dificuldades de tempo para estudar em função da sobrecarga de trabalho semanal gerada pelas demandas do ensino remoto;
· as turmas, em geral, tinham 30 alunos matriculados, dos quais, em média, 24 participaram das atividades remotas. Foram 9 turmas de oitavo ano atendidas, sendo, aproximadamente, 192 estudantes conectados simultaneamente em algum momento. Apenas 111 retornaram à resolução parcial ou completa da atividade proposta; desses, 56 estudantes conseguiram chegar à elaboração, por escrito, da lógica do algoritmo ordenado. Entretanto, todos demonstraram, oralmente, terem compreendido, mesmo que parcialmente, o algoritmo apresentado pelos colegas;
· todos os professores chegaram à solução correta do algoritmo que a atividade desplugada se propunha a explorar. Alguns apresentaram a solução através de texto, pois não conseguiram escrever, em uma forma codificável, o que pensavam, como alguns relataram. Todos disseram que se sentiram desafiados e com vontade de saber mais, assim como acharam muito interessante a ideia de resolverem a atividade com os estudantes, e observar como os estudantes pensam em paralelo a eles.
A atividade foi realizada em setembro de 2020, nos turnos da manhã e da tarde, por um subgrupo de pesquisadores do MATEC (Matemática e suas Tecnologias), 12 estudantes bolsistas e voluntários, 5 colaboradores (um dos autores) e 2 professoras (uma da área da matemática – pesquisadora – e a outra da área da informática). Foram feitos encontros online (através da plataforma Google Meet) com duração de uma hora, duas vezes por semana, durante duas semanas. Foi solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelos estudantes, aos professores e a escola. O problema investigativo apresentado foi o seguinte: Uma sala de aula para estudos e pesquisas está sendo construída numa escola chamada Aprender. Terá as medidas 7m por 6m e uma porta de 2,5m. As estantes de livros são de 1,5m ou 2m, e têm espaço de 30 cm de altura para livros. Foi feito um levantamento dos livros doados e adquiridos para esta sala e são de 3 tamanhos: livro tipo A fino 1 cm: 15 cm por 25 cm; tipo B grosso 2 cm: 20 cm por 28 cm; tipo C médio com 1,5cm: 12 cm por 20 cm. Vamos pensar como organizar a sala: Quantas estantes podemos organizar na sala? E quantos livros poderemos colocar nas estantes?
As interações entre os estudantes foram muitas, e existe uma grande quantidade de dados que demonstram que esta atividade desplugada de matemática foi capaz de contemplar os conteúdos de proporcionalidade, múltiplos e divisores dos números decimais, e conceitos de geometria como comprimento, área e espaço, que são previstos na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), associados à disciplina de Matemática para o oitavo ano do Ensino Fundamental da Escola Básica. No entanto, aqui, será analisada apenas a discussão de um grupo de estudantes, de uma turma de escola do interior de um município essencialmente rural, com o objetivo de apontar os quatro pilares do CT, descrever a ação investigativa e apresentar o algoritmo de ordenação construído por dois estudantes (que se destacou dentre as várias tentativas de solução criadas pelos alunos).
3.1. Algumas Transcrições e Relatos
No dia da atividade estavam presentes: a professora de matemática da turma, denominada por Professora; uma das autoras do artigo, também professora de matemática, denominada Pesquisadora; dois bolsistas de pesquisa (estudantes do IFRS – Campus Osório); observadores; 23 estudantes online. As transcrições estão em negrito e na íntegra.
No primeiro momento, logo que o problema foi proposto, uma estudante levantou a mão na marcação disponível na plataforma Google Meet e disse: Não pode esquecer que do lado oposto à porta tem sempre janelas e do outro lado, do lado da porta, tem o quadro e nestes não dá estante, então só tem o fundo da sala e o lado da porta, né?! (Estudante A). E outro estudante também levantou a mão e disse: A ideia é ter espaço para o maior número possível de livros? E daí ter o maior número possível de estantes? Pois vai variar se a sala é 6 por 7 ou 7 por 6 (…). Geralmente a sala é mais comprida, o lado menor é o do quadro, né? (Estudante B).
Nesse momento, a Professora da turma disse: Cada um resolve segundo seus critérios, explica tudo na sua resposta, e depois trocamos as ideias, pode ser? Eu também vou fazer junto com vocês. Vamos lá!
O estudante C demorou em torno de uns 20 minutos e pediu para mostrar o que fez, dizendo que, além de mostrar, gostaria de explicar aos colegas. Nesse momento, a pesquisadora solicitou que aguardasse mais uns 10 min, até completar o tempo de 30 minutos que havia sido previamente combinado para todos concluírem a atividade. Após esse tempo, a pesquisadora pediu que a resolução desenvolvida no caderno de cada aluno fosse compartilhada com todos através no Google Meet e que os responsáveis por cada um dos alunos ajudassem nessa etapa da atividade. Um menino disse que tinha um irmão de 14 anos que iria lhe ajudar, mas que não precisava compartilhar e sim fechar olhos para imaginar. Então, a pesquisadora perguntou para a turma se queriam que ela fosse desenhando no Paint o que falavam e eles disseram que não, que cada um poderia fazer do seu jeito. Tal apontamento evidencia a apropriação dos estudantes da lógica necessária para a resolução de problemas de forma coletiva com a turma por meio do fazer e compreender, e ilustra que os estudantes entendem que cada um resolverá o problema segundo os passos da sua lógica de pensamento.
Estudante C: Se a sala tivesse fundo 7m teremos duas opções de estantes: 3 estantes de 2m, e sobra 1 m, ou 2 estantes de 1,5 m e 2 estantes de 2m. E no lado da porta, se ela grudada na parede, sem perdas temos 3,5 m para estante que dá 1 de cada, então total da melhor opção 3 estantes de 1,5m, e 2 estantes de 2m (…).
Ao longo da fala o Estudante A pediu para ajudar: Mas se a sala tiver 6m de fundo então temos 3 estantes de 2m e mais 3 de 1,5 m do lado da porta (…), que dá mais livro, pois tem mais estante (…), uma a mais de 2m (…).
O estudante B disse rapidamente: Não, vocês esqueceram do encontro das estantes na parede do lado e fundo, entendem? E falta esta informação, mas olhei na internet e geralmente é 50 cm, ou meio metro da lateral da estante, mas daí muda tudo (…). A Professora falou: Que legal B, eu também fiz esse erro…vou ajustar!
A estudante E disse: Posso mostrar meu caderno? (Segue a foto, como Figura 1). Observa-se no caderno da estudante que ela utilizou uma escala de 1 cm no desenho para 1m na realidade, confirmado com ela posteriormente. Percebe-se, também, que ela tenta criar uma resolução no final, mas decide compartilhar com os colegas para saber como escrever ou representar as estantes de diferentes tamanhos. Todos os estudantes online estão pensando em ocupar a maior área possível da sala com as estantes, pela lógica de que quanto mais estantes, maior o número de livros, elaborada pelos estudantes A C, D e E. Percebe-se também o uso da notação A x B, onde A é a quantidade de estantes e B o tamanho da estante com a unidade de medida em metros.
Já nessa etapa da resolução, percebe-se claramente que os estudantes interpretaram o problema, separaram os dados e levantaram as dúvidas a serem esclarecidas. Paralelamente, estão decompondo as partes da resolução do problema proposto na atividade e estão em busca de reconhecer padrões. “[..] E ao fazer e compreender, pensar no apontamento do colega, refazem, repensam, incrementam sua solução, e os conteúdos citados estão sendo trabalhados de uma forma contextualizada”, (BONA, 2016; BONA, LOPES, MAGALHÃES, 2020).
Figura 1 - Resolução da Estudante E apresentada no Meet da Aula.
Fonte: dos autores
Rapidamente, o estudante A diz: Invertendo a sala com o mesmo meio de cada para canto, fica 2 estantes de 2m e na outra 2 de 2m e mais 1 de 1,5m. E isso fica máximo sem sobras como E mostra que fica meio. Então a Pesquisadora questiona: essa seria a sala perfeita para o problema?
Estudante B: Também, achei isso (…) 2 estantes de 2m e 1 estante de 1,5m como a melhor forma de ter mais livros, mas não é o usual que a sala é comprida e não larga (…). Agora, quantos livros cabem de cada tipo temos de pensar, né?
Estudante H: Fica assim: (lado menos 0,5m) /2, depois por 1,5, pega inteiros, resto vê se cabe a menor de 1,5. Igual do outro lado, mas daí tira porta (…). Explica-se que o estudante usa os parênteses pois escreve uma sentença que é lado menos a medida 0,5m, e todo seu resultado deve ser dividido por 2, o que demonstra a compressão dos conceitos de matemática e da leitura da esquerda para a direita de uma máquina, por exemplo, de um computador para criar um algoritmo.
Estudante F: Amigo H dá um exemplo dessa fórmula que fez?
Estudante H: Se lado em metros é 6. E fixo fundo primeiro e 0,5m de espaço. Faz 6 - 0,5 = 5,5. Divide 2 dá 2 e sobra 1,5. Divide 1,5 dá 3 e sobra 1. Daí resto 1,5 dá uma estante. Então, 2 de 2m e 1 de 1,5m.
Professora: Que legal! Não consegui pensar assim, tentei diferente, mas a forma que fizeram ficou mais fácil, e criaram até uma regra (…)
Estudante E, mostrando o caderno, diz: (…) informar lados, e medidas padrão, daí variar tamanhos das salas... (L-0,5) /2 se resto zero ok, se não ver se cabe 1,5. Depois (L-0,5) /1,5, se resto zero ok. Daí ver se cabe mais. E sempre ver maior área.
Até este momento, percebe-se as diferentes formas de otimizar os pensamentos nas resoluções, que corresponde à abstração, referente ao terceiro pilar do pensamento computacional. Em seguida, a tentativa de construir um algoritmo de ordenação, que é o quarto pilar do pensamento computacional, em seu primeiro passo do desenvolvimento de um algoritmo (pois depois de ordenar, existem outros estágios como a linguagem, a execução etc.), a ordenação. Paralelamente, a generalização construída pelos estudantes no processo de resolução, em fazer e compreender cada passo da sua solução, e refazer, na busca por uma regra/fórmula, se tem a conclusão da resolução de uma atividade investigativa segundo Ponte, Broncardo, Oliveira (2006) e Bona (2016).
Dando sequência à resolução, o estudante B sugere que a altura da prateleira da estante seja de 30 cm, pois é assim na sua casa. E a turma achou legal. Enquanto o estudante C disse que tanto faz, podemos fazer uma regra para todos os valores, que variam, segundo a Internet, de 30 até 50 cm.
Estudante D: Todos os livros cabem de pé. Temos que pensar na largura, então pensando na grossura, temos que o livro A com 1cm cabe 200 deles em 2m pois 200cm, e 150 na estante de 1,5 m. Já o livro B cabe metade pois dobro, e o livro C cabe 100 no de 1,5 m e na de 2m vai ter que 200 dividir por 1,5 que dá 133 livros e sobra espaço (…) 133 x 1,5 – 200 = 0,5 cm. E podemos combinar de muitas formar. E fica claro que vale o maior número de estantes para caber mais livros.
Estudante B: Mas se colocar deitado muda tudo, e dá para ler título. E os que usa menos pode ficar para trás e daí cabe dois por espaço dos tipo A tanto na estante 1,5 m ou 2 m (…). Bah penso muita coisa, vai depender da organização da Sora (…).
Observa-se o envolvimento dos estudantes na resolução da atividade e a busca por uma resolução geral final, que não foi solicitada, mas que um colega com o outro mobiliza, até chegarem a uma regra, como mostrado nas resoluções, que é a lógica do algoritmo de ordenação. Foram realmente muitas resoluções e ideias diferentes que culminaram, a partir de critérios estabelecidos pelos estudantes, na criação de um algoritmo de ordenação. “[..]Isso demonstra que as crianças entendem a necessidade de fazer, interagir, tentar resolver, para compreender o problema que está sendo proposto, e assim fazem de forma possível de explicar até para as máquinas” (PASQUAL JUNIOR, 2020; PAPERT, 1994).
Assim, percebe-se que os estudantes, com a mínima interferência da pesquisadora e da professora de matemática, fizeram a aula acontecer. Ficou clara a utilização dos 4 pilares do CT à decomposição, o reconhecimento de padrão, a abstração e algoritmo nas citações acima, sendo que a atividade relatada pode ser realizada de forma plugada, utilizando qualquer recurso digital, objeto de aprendizagem e/ou aplicativo. A proposta torna-se ainda mais interessante se o recurso a ser utilizado for construído pelos estudantes, por exemplo, utilizando planilhas eletrônicas ou o Geogebra para determinar um modelo de solução.
O processo de fazer e compreender dos estudantes ocorreu de forma colaborativa e natural. Sobre isso a professora relatou, no final do primeiro dia, o seguinte: Incrível, o envolvimento das crianças com a atividade, e como eles conseguem captar a ideia dos pilares, que para mim é tão complexo, ou estou enferrujada a pensar, operacionalizo muito, e tento fazer rápido, sem me divertir com o que estou fazendo (…). Obrigada. Foi muito bom, e compartilho com vocês minha resolução e aguardo ansiosa o próximo encontro.
Depois dessa atividade na aula de matemática, a professora pesquisadora apresentou aos estudantes um desafio: fazer, a mão ou no computador ou no celular, uma história em quadrinhos para a próxima aula, explicando como resolveu esse problema investigativo. A professora pesquisadora pediu também que, se possível, o aluno explicasse para alguém da sua casa, para verificar soluções diferentes. Todos aceitaram o desafio, considerando-o superlegal, e perguntaram se podiam mostrar para a professora de português. Tal afirmativa de mostrar a outra professora fica evidente a complexidade do processo de aprendizagem e o quanto é importante a abordagem pedagógica do professor, independente da modalidade de ensino: presencial, remoto, a distância ou híbrido. Além disso, ilustra o envolvimento dos estudantes com as atividades desplugadas como problemas investigativos em outras disciplinas que não apenas matemática, pois observa-se que o essencial é a forma de propor as atividades aos estudantes.
4. Resultados e Considerações Finais
O artigo cumpre seu objetivo de compartilhar uma atividade desplugada de matemática, segundo a metodologia de problemas investigativos que exploram os pilares do CT. Destaca-se a importância do processo de fazer e compreender para o estudante estar envolvido com a proposta de sala de aula e, assim, aprender a aprender matemática (Bona, 2016). Na perspectiva de proporcionar novos espaços de reflexão na Educação Básica, a pesquisa que vem sendo desenvolvida pelo grupo de pesquisa MATEC, gerará um impacto social importante, uma vez que, ao contemplar novos materiais e práticas docentes que explorem os conteúdos essenciais das disciplinas, irá valorizar a vida escolar e colaborar para que estudantes, pais e professores possam perceber a importância da educação e a possibilidade de um aprendizado significativo e prazeroso. Este é um recorte da pesquisa aqui apresentada em parte, que os professores entenderam de forma organizada, gradual e com apropriação e relações com conceitos das suas disciplinas, desde educação artística, matemática, física, português, ensino religioso, até projetos paralelos construídos pela escola. Dessa compreensão, cada professor, no universo da sua disciplina, percebe que pode valorizar as habilidades do CT e contemplar, nas atividades, conteúdos que mobilizem o processo de aprendizagem segundo a ação do estudante de fazer e compreender. E, nesse contexto, encontra-se uma metodologia investigativa docente em processo, em formação, que ainda se busca. Da atividade relatada nesse artigo, surgem outras questões que abrem novas possibilidades de investigação como, por exemplo, existem mais atividades desplugadas investigativas que pudesse aprender “matéria” na Educação Básica?
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BOBSIN, Rafaela da Silva; et al. O Pensamento Computacional presente na Resolução de Problemas Investigativos de Matemática na Escola Básica. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO, 31, 2020, Online. Anais [...]. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2020 p. 1473-1482. DOI: https://doi.org/10.5753/cbie.sbie.2020.1473. Acesso em: 10 dez. 2020.
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