ReTER, Santa Maria, v.2, n.2. ISSN:2675-9950 Dossiê Práticas de Ensino Remoto nas Áreas de Educação, Letras e Interdisciplinar

ENSINO DE FÍSICA EM TEMPOS PANDÊMICOS: UM OLHAR PARA A FALA DOS ESTUDANTES DE UMA ESCOLA DA REDE FEDERAL

 

Danay Manzo Jaime

Doutoranda em Ciência e Engenharia de Materiais na Universidade Federal de Santa Catarina dnmanzo7@gmail.com

Luis Fernando de Paula Medaglia Filho

Professor de Física na Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina l.p.filho@grad.ufsc.br

André Ary Leonel

Doutor em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina profandrefsc@yahoo.com.br

 

Resumo: O presente trabalho trata de um estudo de caso, realizado ao longo da disciplina de Estágio Supervisionado para o Ensino de Física A, do curso de Licenciatura em Física da Universidade Federal de Santa Catarina. O estágio foi realizado em uma turma do 3° ano do Ensino Médio do Colégio de Aplicação da universidade, no contexto da pandemia do COVID-19. Devido às medidas de distanciamento social para o combate à pandemia, as atividades escolares presenciais foram substituídas por atividades remotas com uso de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação, esse processo inédito pode gerar dificuldades de adaptação, com implicações no processo de ensino-aprendizagem. A fim de mapear as dificuldades enfrentadas pelos estudantes foi elaborado um questionário e aplicado junto às atividades desenvolvidas no âmbito do estágio. Por meio da análise qualitativa se buscou identificar possíveis dificuldades surgidas no processo de adaptação e avaliar criticamente os impactos do Ensino Remoto e do isolamento social na vida dos estudantes. Além disso, buscou-se identificar quais recursos foram mais utilizados pelos estudantes. A pesquisa aponta, principalmente, para impactos pedagógicos negativos decorrentes de dificuldades inerentes ao processo de implementação do Ensino Remoto, e, também, impactos psicológicos negativos, por parte, principalmente, do isolamento social e das dificuldades nos estudos. Aspectos como desmotivação, falta de diálogo e organização do ambiente se mostraram relevantes. Apesar disso, alguns recursos mostraram um impacto positivo no engajamento dos estudantes, como foi o caso das videoaulas e dos conteúdos interativos desenvolvidos com o H5P.

Palavras-chave: Ensino de Física, Ensino Remoto, Pandemia.

 

PHYSICS TEACHING IN PANDEMIC TIMES: A LOOK AT THE STUDENTS’ OPINION FROM A PUBLIC SCHOOL

 

Abstract: The present work is related to a case of study conducted during the course of Supervised Internship of Physics Teaching A, of the major in teaching Physics of the Federal University of Santa Catarina. The probation stage was conducted with senior students (third year), from high school classes in the Application College of the University, in the context of COVID-19 pandemics. Due to social distancing measures in the pandemic period, classroom activities have been replaced by remote activities using modern Digital Information and Communication Technologies, this unprecedented process could lead to difficulties with negative implications in the teaching-learning process. In order to map the difficulties faced by the students, a questionnaire was applied jointly with the activities developed along the teaching internship. Through qualitative analysis, we sought to identify possible challenges that arose in the adaptation process to the new pandemic scenario and critically assess the impacts of the emergencial remote teaching and isolation conditions in the students' lives. Additionally, we identified wish tools that were more useful to the students. The developed research signaled negative pedagogical impacts resulting from issues inherent to the process of implementing the emergencial remote teaching, as well as psychological impacts, mainly due to social isolation and difficulties in the realization of student’s activities. Aspects such as demotivation, lack of dialogue and organization of the digital environment proved to be important. Despite this, some resources showed a positive impact on the student engagement, as was the case of class videos and interactive materials developed with the H5P software.

Keywords:  Emergencial remote teaching, Pandemic, Physics Teaching.

 

Introdução: Apresentando o Contexto da Investigação

O presente trabalho resulta de uma investigação realizada ao longo do segundo semestre de 2020 - portanto, durante a pandemia causada pelo COVID-19 - na disciplina de Estágio Supervisionado em Ensino de Física A (ESEF-A), do curso de Licenciatura em Física, cuja disciplina está vinculada ao Centro de Ciências da Educação (CED), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Cabe ressaltar que a presente experiência foi desenvolvida no Colégio de Aplicação (CA) que é uma escola de referência na região. Essa escola, além de receber financiamento federal, é marcada pela pesquisa e pela inovação pedagógica, e por processos formativos em diferentes níveis. Acreditamos que esses fatores afetam de forma significativa o processo de formação dos estudantes, e não poderia ser diferente em um momento de tão delicada adaptação. Portanto, trata-se de um contexto que já possuía uma estrutura tecnológica adequada para a integração das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) nas práticas educativas e um corpo docente que, em sua maioria, já contemplava o uso dessas tecnologias em suas práticas. Como é o caso dos professores de Física do colégio, que já tinham, em suas rotinas, o uso da plataforma MOODLE, mesmo explorando mais o seu potencial como um repositório de objetos de aprendizagem, do que como um espaço de interação e construção de conhecimentos.

Como em qualquer outra escola, a sala de aula sempre foi o espaço principal para o processo de ensino-aprendizagem. No entanto, o caráter excepcional da pandemia impôs o uso de TDIC para a educação (ROSA, 2020; SENHORAS, 2020), de forma jamais experienciada, tornando necessária a identificação das dificuldades, de ordem técnica e/ou pedagógica de adaptação ao Ensino Remoto Emergencial (ERE).

A disciplina de ESEF-A é a primeira de um total de quatro disciplinas de estágio que são ministradas por professores da área de Ensino de Física, incluindo um dos autores deste artigo. Espera-se que, ao final da disciplina, os licenciandos sejam capazes de planejar, selecionar criticamente e aplicar em sala de aula, conteúdos e métodos de Física compatíveis com as expectativas e os níveis cognitivos dos estudantes do Ensino Médio, de outros níveis de escolaridade, bem como em espaços não formais.

Todas as atividades desenvolvidas ao longo da disciplina dialogam com a perspectiva da reconstrução social (LISITA; ROSA; LIPOVETSKY, 2001), a qual propõe a formação de professores para exercer o ensino como atividade crítica, realizado com base em princípios éticos, democráticos e favoráveis à justiça social, capazes de refletir criticamente sobre o ensino e o contexto social de sua realização. Neste sentido, a partir da seleção do campo de estágio, os licenciandos se aproximam da realidade da escola para a elaboração das atividades que serão desenvolvidas ao longo da regência e também para levantar uma questão problema a ser investigada ao longo do estágio, superando, assim, a separação entre teoria e prática, ao voltar à formação para a pesquisa (PIMENTA e LIMA, 2011).

Até antes do início pandemia, os licenciandos tinham autonomia para escolher o campo de estágio, o que permitia a construção de um espaço muito rico de interação e compartilhamento de conhecimentos e práticas a partir do enfrentamento dos mais diversos desafios e do planejamento de atividades que dessem conta das necessidades do contexto de cada um dos campos. No entanto, com todas as adaptações demandadas pela pandemia, muitas escolas, incluindo as escolas da rede estadual e das redes municipais da grande Florianópolis, suspenderam as atividades de estágio supervisionado. Assim, tendo em vista a redução dos campos de estágio e a necessidade de um tempo maior para entender os desafios deste tempo e ao mesmo tempo pensar em estratégias didático-metodológicas que pudessem atender a todas as demandas, optou-se por manter todos os licenciandos realizando o estágio em uma mesma turma do CA. 

Em conversa com os professores de Física do CA, decidiu-se que a turma de ESEF-A realizaria o estágio com a turma do terceiro ano do Ensino Médio. Com esta decisão, foi organizado um encontro do professor de Física do terceiro ano com a turma de estágio. Neste encontro, o professor apresentou como estavam ocorrendo as atividades de ensino no CA e como estavam acontecendo as aulas de Física. Além disso, o professor relatou sobre os desafios enfrentados com o ERE e quais eram as suas expectativas com a participação dos estagiários. O professor comentou que contava com o apoio dos estagiários na elaboração de questões/problemas acerca dos conteúdos estudados, na seleção e produção de conteúdos e ferramentas que pudessem contribuir com o processo de ensino-aprendizagem da Física.

As três turmas do terceiro ano, com um total de 75 alunos, foram integradas em uma mesma sala no MOODLE, com dois encontros síncronos por semana (segundas e terças), com uma duração de 40 minutos cada e várias atividades assíncronas. Como o tempo dos momentos síncronos foram reduzidos, sobretudo para garantir uma maior participação e atenção dos estudantes, foi decidido que os estagiários iriam participar dos encontros síncronos de forma mais passiva e atuar mais ativamente no planejamento e acompanhamento das atividades assíncronas, a partir das dificuldades e demandas identificadas nos momentos síncronos e no desenvolvimento das atividades assíncronas.

Acontece que nenhum dos estagiários tinha experiência com o uso do MOODLE, para além da função de estudante; e isso se configurou como um dos primeiros desafios. Para contornar essa situação o professor da disciplina ESEF-A, um dos autores deste trabalho, criou uma sala paralela à sala da disciplina no MOODLE, intitulada: “Formação MOODLE Básico - Licenciatura em Física”, adicionou os estagiários e atribuiu a função de “Assistente Técnico/Pedagógico” para toda a turma. O professor organizou essa sala com vários tutoriais sobre as ferramentas e atividades do MOODLE, criou um espaço chamado “playground”, onde os estagiários poderiam construir as atividades planejadas com os recursos mais apropriados, antes que elas fossem adicionadas ao ambiente de Física do terceiro ano. Além disso, foi criado um espaço de monitoria, além dos encontros desta disciplina, para tirar as dúvidas com relação ao uso do MOODLE e também orientar o planejamento das atividades. Os recursos mais explorados foram as enquetes, questionário e o plugin H5P[1].

 

A Investigação

Com a implementação do distanciamento social, como medida de contenção da dispersão do novo Coronavírus, o uso das TDIC aumentou repentinamente em todos os aspectos da vida humana. Nossas relações sociais, profissionais e educacionais que já estavam, antes da pandemia, quase completamente integradas com essas tecnologias, hoje dependem diretamente delas (SENHORAS, 2020).

As práticas pedagógicas realizadas nesse momento, caracterizado pelo ERE, diferem da Modalidade de Ensino chamada EaD - Ensino à distância, mesmo sofrendo certa influência de tal. No caso do Ensino Remoto, o planejamento das aulas foi inicialmente pensado para o Ensino Presencial, além disso, há a ausência de uma formação específica dos professores, falta de recursos digitais e/ou conexão para todos os estudantes e uma constante adaptação a novas dificuldades de diversas ordens. Por isso, adotamos sempre o termo ERE, para caracterizar o momento atual e diferenciá-lo de uma Modalidade de Ensino específica, com suas prerrogativas e finalidades próprias, bem como um programa estruturado para contemplar competências compatíveis com os recursos disponíveis (VALENTE, et al. 2020; HODGES, et al., 2020).

Assim, o ERE tem sido uma modalidade de ensino alternativa adotada para proporcionar a continuidade do processo de ensino-aprendizagem durante as aulas em tempos de crise sanitária causada pela pandemia do Covid-19. Tal modelo de ensino almeja soluções remotas para a educação utilizando como suporte plataformas digitais que sejam disponíveis, confiáveis e proveitosas para este período de crise (SILVA; PEIXOTO, 2020).

Acreditamos que um momento como esse nos traz muitas possibilidades de análise, tendo em vista a mobilização geral em torno da redução de danos na educação, na economia, nas ações sociais, nas atividades políticas e em qualquer aspecto da atividade humana. O desenvolvimento científico e tecnológico da nossa época permite uma pesquisa sistemática e global, em torno dos aspectos de transmissão do vírus e cuidados de higiene, bem como permitiu que medidas de contenção do espalhamento e do controle da pandemia rapidamente fossem popularizadas em nível global. Apesar dos governos que desacreditam ou minimizam os danos causados pelo vírus, as pessoas ainda têm algum acesso à informação. O mesmo desenvolvimento científico trouxe para os lares da maioria dos cidadãos alguns recursos, dentre os quais, podemos destacar: os computadores, smartphones, tablets, recursos de conexão wifi (modens, roteadores e antenas), além de toda estrutura física de cabos, que nos conectam e permitem a troca de informação em frações de segundo.

O contexto do ERE e seu ineditismo pode gerar dificuldades de adaptação, com implicações diretas na aprendizagem dos estudantes. Foi pensando em mapear tais dificuldades que este estudo de caso foi realizado. Por envolver propósitos e perspectivas distintas que priorizam a investigação de uma unidade ou parte de um todo, o método do estudo de caso não é facilmente definido. A pesquisa que contempla o estudo de caso como metodologia a ser seguida reforça o seu interesse em estudar um caso específico, delimitado e contextualizado, em lugar e tempo, para que os dados coletados sejam circunstancialmente analisados (VENTURA, 2007).

Neste trabalho, os dados foram coletados a partir da aplicação de um formulário, elaborado com a atividade “Enquete” do MOODLE, buscando identificar as impressões e dificuldades expressas pelos estudantes envolvidos e identificar quais recursos apresentam potencialidades para melhorar o engajamento e a participação. O questionário foi respondido em um período de sete dias.

Por problemas técnicos e com os prazos para a finalização das atividades e do ano letivo se aproximando, a semana do questionário acabou por coincidir com a semana na qual os estudantes estariam realizando uma avaliação da disciplina de Física. Apesar disso, 26 estudantes responderam ao questionário. Além da avaliação de Física, esse número reduzido de respostas pode ser justificado pela tensão dos estudantes da turma com a aproximação do final do ano letivo, com a quantidade de avaliações e as preocupações com os exames classificatórios, bem como pelo futuro incerto em um período caótico, que foi o final de 2020. Em suas respostas se destacam um olhar atencioso e as principais dificuldades relatadas. Na próxima seção, apresentaremos algumas das falas dos estudantes e, para manter o anonimato, utilizaremos o código “En”, em que “E” corresponde ao estudante e “n” a ordem da sua resposta no questionário.   

É importante destacar uma excepcionalidade, que no CA foi feito um levantamento dos estudantes sem recursos tecnológicos para o acesso à rede, e por intermédio de um edital foi fornecido a esses estudantes computadores e recursos tecnológicos. Além disso, como mencionado anteriormente, parte dos professores já eram experientes com o uso do MOODLE, como é o caso do professor de Física do terceiro ano. Isso permitiu uma dinâmica de estudos semanal, com dois encontros síncronos, de 40 minutos cada; e atividades assíncronas, contando com a observação dos estagiários, com a intenção de entender a dinâmica das aulas, conhecer os estudantes e suas dificuldades para então planejar atividades e/ou elaborar conteúdos que pudessem contribuir com o processo de ensino-aprendizagem e consequentemente, com a formação dos estudantes.

Busca-se também discutir a eficácia dessa política de entrega de materiais, com base nas respostas e nas aulas observadas, além de avaliar quais dificuldades persistem no ERE, mesmo quando suprida (ainda que parcialmente) essa demanda por equipamentos.

Como já mencionado, o ambiente virtual utilizado foi o Moodle UFSC, pela sua integração com o sistema de matrículas da universidade, ao qual todos os envolvidos estão registrados. O Moodle é um ambiente virtual, desenvolvido por um trabalho colaborativo, é um recurso que tem a finalidade de auxiliar professores e estudantes no ensino e aprendizagem de diversas disciplinas, seja na modalidade EaD, ou em estratégias mistas de ensino, e agora está tendo seu uso potencializado a partir das demandas do ERE. O Moodle é um Software Livre, e compartilha alguns valores: Educação, respeito, integridade, abertura e inovação. “É um potente gerador de salas de aula capazes contemplar mediação docente e aprendizagem participativa, colaborativa. Suas salas de aula “virtuais” são capazes de potencializar o ofício dos professores e o trabalho dos cursistas.” (SILVA, 2011, p. 12).

 

Resultados e Análise

Participaram da pesquisa 26 estudantes, o que corresponde a um total de 34,66% da turma. Após a aplicação do questionário, para fazer uma análise dos resultados, criamos algumas categorias e catalogamos as respostas em cada pergunta. Algumas categorias são excludentes, mas outras não, o que implica que nesses casos algumas respostas foram classificadas em mais de uma categoria, o que deverá ficar explícito no texto.

As categorias foram criadas e serão apresentadas na sequência, conforme a organização: 1- Dos recursos materiais; 2- Dos impactos (2.1- Do ensino remoto; 2.2- Do isolamento; 2.3 Do tempo reduzido); 3- Da plataforma e dos recursos (3.1- Plataforma; 3.2- Recursos).

 

4.1 - Dos recursos materiais

Dos estudantes que participaram da pesquisa, 19 possuíam computador próprio (73%) e 4 tinham acesso a um computador compartilhado (15%). Esses dados apontam que 3 (12%) possuem o celular como único recurso digital para realização das atividades. Além disso, 20 estudantes responderam possuir um smartphone próprio, que é o recurso digital mais difundido (77%).

Apesar dos dados apresentados indicarem que a grande maioria dos entrevistados tem acesso ao computador, e que boa parte tem acesso a mais de um tipo de recurso digital de comunicação, devemos ressaltar que eles puderam requisitar computadores para a escola, para serem utilizados nesse período de ERE, o que não ocorreu, por exemplo, em escolas da rede estadual. Três estudantes que responderam à pesquisa, relataram ter buscado tais computadores, mas apenas um conseguiu fazer uso. Um estudante disse ter conseguido o computador disponibilizado, porém não conseguiu adaptar ele à rede local, e seguiu utilizando o celular. Outro estudante relatou ter pedido o computador, mas não para si, o que leva a crer que para um irmão ou familiar da mesma escola. Houve também um estudante que respondeu não ter procurado o computador, pois tinha um computador funcionando, mas que no meio da pandemia ele estragou, ficando assim sem computador durante o resto do período de ERE.

Dos 26 estudantes que participaram da pesquisa, 19 relataram que os problemas de conexão dificultaram seus estudos, e apenas 7 relataram acreditar que não. Alguns relatos apresentam ambiguidades, como se estivessem ponderando a questão, por exemplo, houve estudantes que relataram não ter atrapalhado seus estudos, mas tiveram problemas de conexão inclusive perdendo aulas. Outros estudantes relatam que não se sentiram prejudicados, mas que tiveram que recorrer a outros meios para acompanhar as aulas, como pode ser visto nas respostas abaixo:

 

"Poucas vezes e acabou não dificultando porque meus amigos mandam foto e conseguem me explicar. Ou até mesmo o professor bota os slides na página da matéria." (E11)

 

"não em questão de internet, mas tenho problemas com o notebook" (E05)

 

Houve respostas que demonstraram muita dificuldade, entre elas, destacamos a seguinte:

 

"Sim, o caso mais forte que tive foi quando fiquei uns 3 dias sem internet e tive que usar meus dados móveis. O problema é que, de tanto usar pras aulas, os dados terminaram e tive que ir (no meio do horário da aula) até a casa da minha avó (já que tinha prova no dia). Esses problemas de conexão dificultam porque atrasam meu acompanhamento do conteúdo e prejudicam o entendimento." (E20)

 

Com relação aos recursos materiais, acreditamos que dificuldades relativas a essa categoria têm um impacto importante na motivação do estudante. Quem apresenta constantemente dificuldades de conexão, por exemplo, já se sente prejudicado pelo processo, mas o estudante que fica sem um aparelho (sem computador próprio, ou sem um celular smartphone próprio, que permite tirar fotos de exercícios e trabalhos feitos a mão, por exemplo), muitas vezes fica impossibilitado de realizar certas atividades.

 

4.2 - Dos impactos:

Com relação a análise dos impactos, julgamos pertinente considerar duas subcategorias, considerando os impactos do ERE e os impactos do Isolamento Social, conforme apresentação a seguir:

 

4.2.1 - Do Ensino Remoto

Segundo nossa pesquisa, 22 estudantes (85%) se sentiram prejudicados pela implementação do ERE. Dentre os motivos mais citados pelos estudantes se encontram os seguintes (categorias não-excludentes - feita uma catalogação das dificuldades elencadas em ordem de citações): Dificuldades de concentração e ambiente inadequado (9); Perda de qualidade devido ao tempo reduzido (4); Problemas de adaptação por parte dos professores (4); Problemas de ordem didático-pedagógicas devido a implementação do Ensino Remoto (4); Problemas de saúde (3); Desanimo (3); Falta de rotina/disciplina/hábitos de estudos (3); Relação professor-aluno prejudicada (2); Problemas de ordem material (1).

Algumas respostas, do total de 26, que impactaram a escolha dessas categorias, e que são representativas dessa amostragem foram selecionadas para embasar a análise:

 

"Por parte minha visão começou a ser afetada, fora isso a dificuldade de prestar atenção todo dia acordando e ligando o computador direto ficando mais de 12 horas na frente dele para realização das atividades" (E06)

 

"Sim, diversas atividades não consegui fazer por não entender a matéria e n conseguir fazer pelo celular." (E12)

 

Apenas um estudante alegou não se sentir afetado, muitos alegaram ter sofrido redução no desempenho, o que indica que o ERE é impactante também para os alunos que anteriormente tinham alto rendimento. Nas respostas, de uma maneira geral, nota-se um forte tom crítico ao processo, apesar de apontarem diferentes causas, concordam no que diz respeito à sobrecarga e que há impactos negativos no processo de ensino-aprendizagem em comparação ao ensino presencial.

 

4.2.2 - Do Isolamento

Quando questionados sobre os impactos que o período de isolamento teve sobre os seus estudos, os estudantes foram convidados a ponderar aspectos positivos e negativos. Ainda assim, das 26 respostas, apenas metade (13) destacou pelo menos um aspecto positivo, e 2 estudantes relataram apenas aspectos positivos (ou seja, nenhum negativo). Enquanto 24 estudantes destacaram, pelo menos algum aspecto negativo, metade dos entrevistados (13) destacaram apenas aspectos negativos.

O aspecto positivo mais destacado foi o maior tempo disponível para o estudo, com 10 citações. Dois estudantes relataram apresentar dificuldades de transporte quando tinham que se locomover até o colégio, um relatou o fato de estar aprendendo a trabalhar com recursos novos, outro relatou facilidades devido à possibilidade de busca na internet para resolver qualquer atividade e, por último, um estudante destacou que apesar de outros aspectos negativos, era melhor do que estar parado.

 

"positivo seria não ter que sair de casa e pegar trânsito todo dia, ja que moro na palhoça e tinha que acorda muito mais cedo para poder chegar a tempo nas aulas. Negativos seriam a dificuldade em me concentrar e o problema com as datas de entrega dos trabalhos e atividades." (E03)

 

"positivos você estuda mais negativo você se distrai mais" (E5)

 

Os comentários supracitados revelam certa ponderação por parte dos estudantes, o que é reflexo da formulação da pergunta, que sugeria esses destaques. A primeira e a terceira resposta indicam também o aspecto negativo mais citado que foram as dificuldades de concentração, foco e comprometimento (8), seguido pela sobrecarga de atividades (4), que segundo os estudantes demandavam muito tempo, empatado com a não adaptação por parte do estudante (4), todas essas citações foram agrupadas em um grupo maior que foi classificado como Dificuldades pedagógicas impostas pelo ERE (24).

Ainda nesse grande grupo estão as dificuldades de adaptação ou comunicação por parte dos professores (3), a queda no desempenho individual (2), a perda de conteúdo programático (1), dificuldades de ordem material / falta de recurso (1) e a indisponibilidade de recursos de acompanhamento (1) existentes no CA no período presencial.

Também foram relatadas preocupações relativas à perda de conteúdo programático:

"Estamos deixando de receber muito conteúdo. Afinal, ficamos 3 meses parados, optaram por reduzir pela metade os momentos síncronos. Sem falar nos professores que não sabem até hoje utilizar a plataforma e os que não prepararam nenhum material para servir de base." (E21)

 

"ta dificultando o meu foco e vontade de estudar, não tem ponto positivo." (E19)

Como podemos ver nessa última resposta, a preocupação com as provas de vestibular e exames classificatórios do Ensino Superior também constituem uma parte da preocupação dos estudantes.

Dois estudantes relataram desânimo com relação ao ERE (2), apesar de dialogar muito com a subcategoria dificuldades de concentração, foco e comprometimento (8), esses relatos não foram classificados como no grande grupo “Dificuldades pedagógicas impostas pelo ERE” (24), devido ao fato de que essas respostas apresentaram um caráter mais pessoal e emocional ligado ao período de isolamento. Essas respostas estão classificadas no grande grupo “Impactos do ERE e do período de isolamento” (5), que é composto, além da subcategoria do desânimo (4), pelas subcategorias dos problemas relacionados à saúde (2) e problemas relacionados a timidez (1).

"(...) minha ansiedade aumentou muito, assim como meus períodos depressivos, foram bastante agressivos esse ano, minha psicóloga queria que eu fosse a um psiquiatra porque minha ansiedade poderia muito provavelmente virar uma depressão. Muito sentimento de solidão, e extremo desânimo para ir as aulas e fazer as atividades propostas pelos professores." (E07)

 

Cabe ressaltar, que apesar de a pergunta reforçar a ponderação de diferentes aspectos, os estudantes estão em casa, com pouco contato social, o que gera estresse e dificilmente seria avaliado positivamente por estudantes nessa faixa etária.

 

4.2.3 - Do tempo reduzido

As atividades pedagógicas foram centralizadas na plataforma Moodle UFSC, desenvolvida colaborativamente na Universidade, com base no sistema Moodle. Os encontros síncronos, ocorreram semanalmente, com duração equivalente à metade da carga horária disponível no presencial. O tempo reduzido foi um dos fatores mais citados na pesquisa, mesmo quando a pergunta não tratava especificamente disso. Boa parte das citações foi crítica ao tempo reduzido dos encontros síncronos, mesmo que também tenha sido citado como um aspecto positivo por alguns. Este aspecto também foi constatado nas observações em comentários dos estudantes no chat em mais de uma ocasião nas aulas síncronas.

Quando questionados diretamente sobre o tempo reduzido das aulas, e se isso prejudicou ou contribuiu para o processo, e o porquê: 20 estudantes (77%) relataram aspectos negativos, dos quais 14 (54%) relataram apenas aspectos negativos e nenhum aspecto positivo, enquanto 9 estudantes (35%) destacaram pelo menos um aspecto positivo e 3 (11,5%) relataram apenas aspectos positivos e nenhum negativo, e 3 estudantes (11,5%) não opinaram ou não quiseram responder.

Algumas respostas mostravam ponderações, tanto de aspectos positivos, como de aspectos negativos. Outras respostas apresentavam certa ambiguidade, ou evitavam se posicionar, apesar disso, se classificou com base nos aspectos citados, cabendo destaque para as asserções a seguir:

Quadro 1 – Aspectos em destaque nas asserções dos estudantes

 

ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS

ASPECTOS POSITIVOS APENAS.

 

ASPECTOS NEGATIVOS APENAS.

 

"Acho que ficou menos pior, se as aulas fossem tão compridas quanto eram no presencial, seria mais difícil ainda." (E07)

 

"Prejudicou, mas também tem seus méritos, como exemplo reduzir em 1 hora e meia de tempo na frente do computador, mas negativamente isso contribuiu com (talvez) uma carga maior de atividades" (E06)

 

"acho que não prejudicou muito, só em apresentações de trabalhos, que as vezes o tempo de aula é muito curto para isso e essas apresentações demandam muitas aulas e, na minha opinião, isso atrapalha nos conteúdos." (E09)

 

"Não tenho uma opinião definida porque com a justificativa de que temos menos tempo síncrono muitos professores exageram nas atividades assíncronas e isso com certeza prejudica. Se esse fosse o problema era preferível o horário comum. Ao mesmo tempo penso que tem suas vantagens, a redução, já que nos deixa menos tempo contínuo conectados."  (E20)

"Prejudicou pois aumentou o tempo de atividades assíncronos, que prejudicou no lazer." (E17)

 

"Prejudicou, pois so estao tentando fazer a mesma coisa que era no presencial so que com menos tempo, o colegio devia ter alguma estrutura para o ead" (E22)

Fonte: elaboração dos autores.

 

4.3 - Da plataforma e dos recursos

No que diz respeito à percepção dos estudantes acerca da plataforma e dos recursos, consideramos pertinente organizar a análise em duas dimensões, começando pela plataforma, conforme apresentado a seguir:  

 

4.3.1 - Plataforma

Quando questionados sobre como avaliavam a organização da plataforma, 14 estudantes (54%) avaliaram positivamente, enquanto apenas 4 (15%) avaliaram negativamente, e 8 respostas (31%) foram neutras, ou não opinaram. Apesar de algumas dessas respostas não apresentarem um julgamento da plataforma, houve algumas que apresentavam sugestões, de forma que contribuíram para refletir acerca do impacto e do interesse na organização da plataforma.

"alguns professores sao bem organizados e eu consigo me achar nas atividades, outros não." (E19)

 

"Acredito que algumas disciplinas tem mantido uma organização muito boa - como exemplo, química - e que isso facilita demais a rotina de estudos. O tempo das atividades assíncronas definido, os conteúdos de cada aula discriminados, etc são fatores que auxiliam muito, mas que não são praticados por muitos professores." (E20)

 

Por exemplo, os comentários acima expressaram a característica mais citada nos comentários, que foi a discrepância na organização entre as disciplinas (5), apesar de todas as disciplinas estarem organizadas no mesmo ambiente, o professor tem certa liberdade para organizar o ambiente de uma forma mais conveniente, entretanto essa organização requer certa destreza na plataforma e certo planejamento por parte do professor.

"Cada matéria é um caso. Alguns professores estão se esforçando para manter a disciplina organizada, outros jogam o conteúdo e deixam o aluno se virar. Para estudar as matérias organizadas existe uma facilidade maior." (E21)

 

"Dificultou, pela falta de padrão na organização, tendo matérias com solicitação de presença, outras não, algumas com pastas de tarefas e aulas, outros com tudo jogado." (E17)

 

Além da ocorrência, o tamanho das respostas, é um indicativo de que os estudantes se importam com a organização e reconhecem que em alguns casos ela contribui bastante e em outros dificulta.

O recurso organizacional mais citado, nessa parte, relativa à organização, foi o recurso "Notas" (4), seguido do recurso "Pastas" (2); além destes, foi citada a possibilidade da existência de um recurso destinado apenas a organizar as atividades da semana (2).

"eu vejo as tarefas pelas NOTAS pois la estão todos os trabalhos com a data e a nota dos realizados, se não fosse isso navegar pelas paginas das disciplinas para achar as atividades fica uma tarefa muita difícil já que muitos professores simplesmente vão adicionando mais e mais coisas e acaba confundido com tarefas a artigos já passados. e quem não bota as coisas em NOTAS prejudica muito nas realizações de trabalhos e saber dos prazos" (E02)

 

"Professor deveriam ter um quadro para postar todas as tarefas. Assim não seria tão confuso usar o moodle." (E24)

 

4.3.2 - Recursos

Quando questionados sobre quais recursos (livros, videoaulas do ambiente, vídeos de youtube, simulações, animações do H5P disponíveis no ambiente, fórum de discussão, monitoria, etc.) os estudantes tinham utilizado para seus estudos em Física as respostas foram diversas. A maioria dos estudantes utiliza vários recursos para complementar seus estudos.

“Tenho mais utilizado videoaulas do ambiente, animações do H5P e vídeos do youtube para estudar física.” (E15)

 

“Vídeoaulas do ambiente, vídeo do youtube e animações do H5P.” (E11)

 

As respostas acima mostram que os recursos mais citados foram o youtube (14), vídeoaulas (15) e as animações produzidas pelos licenciandos, durante a disciplina de estágio, utilizando o H5P (9). Ainda teve um aluno que mencionou estudar por aulas e apostila de cursinho e um aluno que não utilizou nenhum desses recursos.

“As aulas do professor 1[2], apostila do cursinho que a minha prima me deu e aulas do cursinho online” (E23)

 

“Nenhuma” (E22)

 

Por outro lado, mesmo tendo vários recursos a disposição, 8 alunos mencionaram estudar somente utilizando um desses recursos.

4.4 - Da participação e do engajamento.

Apesar do interesse demonstrado pelos estudantes que participavam dos Encontros Síncronos, vimos que nem todos acompanhavam as aulas ou faziam as atividades. Durante a observação de estágio, o professor de Física propôs aos estudantes a realização de um trabalho de pesquisa e outra atividade avaliativa, no formato de prova. Porém, dos 75 estudantes cadastrados na disciplina, apenas 44 (56%) fizeram o trabalho, e apenas 66 (85%) realizaram a prova.

Não houve uma pergunta específica e direta sobre os tópicos da participação e do engajamento dos estudantes, entretanto, em algumas respostas vemos certos aspectos que podem contribuir com a discussão. Quando questionado sobre se algum problema de conexão havia prejudicado o estudo, um estudante respondeu:

“Poucas vezes e acabou não dificultando porque meus amigos mandam foto e conseguem me explicar. Ou até mesmo o professor bota os slides na página da matéria.” (E11)

 

O que mostra a colaboração como potencial fator para o engajamento e a superação das dificuldades. Em outro momento, quando solicitados para destacar os impactos positivos e negativos relataram também:

“Mais tempo de estudo, ajuda de amigos para o melhor entendimento fora da aula, menos foco nas aulas e novas experiências de estudo.” (E11)

 

“Horríveis pela falta de comunicação e interação social.” (E17)

 

O que indica que a sociabilidade, que foi muito prejudicada neste contexto, pode ser um incentivo e um fator motivador, com possíveis impactos positivos no engajamento dos estudantes.

 

4.5 - Das considerações dos estudantes.

Finalmente perguntamos se os estudantes tinham mais alguma consideração sobre o período de ensino remoto. Dos 26 estudantes participantes da pesquisa, 12 responderam não ter nenhuma consideração a mais para fazer. A outra parcela mostrou-se, na maioria, interessada em apresentar suas críticas e elogios. Entre as respostas, destacaram-se as seguintes:

 

“Acredito que investir na capacitação dos professores as ferramentas e tecnologias resultaria na melhora do EAD.” (E1)

 

“esse método de ensino é falho e injusto, mas tendo em vista que estamos passando por uma pandemia sei que ele se torna essencial, porem ainda é muito falho.” (E2)

 

Cabe ponderar a asserção de E21, ao chamar atenção para a “resistência” do corpo docente. Inicialmente, porque a escola precisou repensar seu calendário e buscar estratégias que pudessem garantir a inclusão de todo o corpo discente. A partir disso, o corpo docente precisou repensar o currículo, adaptar as estratégias didático-metodológicas e ao mesmo tempo buscar tutoriais ou cursos de formação, onde pudessem aprender mais sobre as especificidades do ERE e conhecer diferentes tecnologias que fossem contribuir com o processo de ensino-aprendizagem nesse formato. A integração de novas TDIC nas práticas educativas costuma acontecer a partir da segurança e confiança do docente, conquistadas com ciclos de estudos e experimentação, constituindo-se em um processo lento e gradativo. Assim, o tempo de três meses, que pareceu muito para alguns estudantes, não foi suficiente para todas as adaptações e formações necessárias. Elas foram acontecendo ao longo de todo processo, com o enfrentamento dos desafios que iam surgindo na prática.  

A partir destas asserções podemos perceber o quanto o contexto atual é complexo e, ao mesmo tempo, perceber que há um esforço descomunal da parte de todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Neste cenário onde a desigualdade social é exaltada, todos os desafios se intensificam, inclusive na formação de professores e na educação de um modo geral.

 

Considerações Finais

Acreditamos que as relações professor-aluno, bem como a confiança, por parte do estudante, na instituição da escola e no processo pedagógico estão intimamente relacionadas com as potencialidades para uma aprendizagem significativa (MOREIRA, 2000), já que influem diretamente na predisposição para aprender. Desse ponto de vista, é de extrema importância conhecer as impressões dos educandos sobre: como a pandemia de COVID 19 está afetando a relação ensino-aprendizagem e a prática escolar. Também é relevante, identificar recursos que possam potencializar o engajamento e a participação dos educandos, dado que os profissionais da educação buscaram, e seguem buscando, soluções e adaptações, a fim de reduzir os prejuízos ao longo do processo.

Como apontam Valente et al. (2020), Sanz et al. (2020) e Senhoras (2020), o ERE amplia as desigualdades econômicas e sociais já existentes, devido ao fato da dependência de TDIC que não estão plenamente disponíveis ou acessíveis para todos. O ERE pode ser ineficiente ou ainda caracterizar exclusão no caso de falta de recursos materiais, como: ausência parcial ou total de acesso à internet, falta de dispositivos tecnológicos atualizados compatíveis com softwares contemporâneos, falta de uma infraestrutura tecnológica que atenda às necessidades das famílias em tempos de confinamento, como, por exemplo, no caso de uma família que possui apenas um computador e precisa compartilhar o tempo de uso de internet durante a pandemia. Também é importante ressaltar que a maioria dos países não estava preparada para situações emergenciais no âmbito educacional, e que as estratégias de implementação do ERE foram executadas ao longo de um processo de tentativa e erro, no qual a busca pela redução de prejuízos, e por dar uma resposta às adaptações por parte de outros países, levou países em desenvolvimento a copiarem estratégias, as quais seus Sistemas Nacionais de Educação, mostraram não estar completamente maturados (SENHORAS, 2020), razão pela qual se torna indispensável avançar na integração das TDIC no ensino e na formação docente, bem como investir na construção e uso de Ambientes Virtuais de Aprendizagem mais democráticos e amigáveis, mesmo depois que o ensino voltar à forma presencial.

No caso do Brasil, Cunha (2006) já apontava, antes mesmo da pandemia, o despreparo do Sistema de Ensino brasileiro para a implementação do Ensino à Distância (EaD) ou estratégias híbridas, para o Ensino Médio. No que diz respeito às dificuldades relatadas pelos estudantes, os problemas de ordem material persistiram, mesmo frente a uma política de entrega de equipamentos por parte do CA, o que mostra que essa política, apesar de extremamente importante, não foi capaz de suprir a todos os estudantes e em todo o momento. Também podemos apontar que o número de estudantes que assistiam às aulas era inferior ao número de estudantes que realizou o trabalho e a atividade avaliativa, e que, por sua vez, era inferior ao número de estudantes registrados na disciplina, o que indica que persiste a desistência e a evasão, mesmo frente a excepcional política de entrega dos aparelhos.

A falta de tempo para realização de exercícios e para o cumprimento do programa também foi um fator muito destacado, assim como a sobrecarga de atividades e de horas frente ao computador. Alguns até relacionaram a redução do tempo dos Encontros Síncronos, com a sobrecarga de atividades assíncronas. A preocupação com relação às provas de vestibular, característica da etapa formativa dos estudantes, também esteve presente.

Ainda com relação a sobrecarga, houve muitos relatos de sobrecarga emocional, ou devido à queda de desempenho durante o ERE, ou, então, devido ao período de isolamento social. Inclusive, alguns estudantes demonstraram preocupações com relação aos impactos do ERE para a saúde, tanto mental como física. Além disso, também foi apontado como um fator de desmotivação a falta de adaptação com as plataformas, tanto por parte de estudantes quanto dos professores, a desconfiança com relação ao ERE, a falta de orientação por parte de alguns professores e também impactos negativos advindos da falta de sociabilidade, que influem tanto sobre o processo de ensino-aprendizagem, como na motivação pessoal. Esse último ponto destaca a instituição escolar, como ambiente social, onde a socialização de conhecimentos, culturas e saberes é parte fundamental do processo formativo. Dessa forma, acreditamos que estratégias que destaquem a interação entre os usuários possam ter um maior potencial para aumentar a motivação e talvez até reduzir a evasão.

Também foram citadas dificuldades relativas à organização, disciplina, e ao espaço inadequado em casa para o estudo. Essas características mostram que ainda há muitos desafios na superação dos prejuízos causados pela pandemia na educação, e que os impactos do ERE causados na educação afetam os estudantes de forma distinta e reproduzem desigualdades Apesar de um dos aspectos muito citado pelos estudantes ser a dificuldade em usar a plataforma, na sua organização e na forma como esta influi na organização dos estudos, a plataforma Moodle, possui uma organização simples, com a disponibilidade de muitos recursos, que facilitam a organização dos estudos, em oposição a plataforma privada Google Classroom, fornecida pelo pacote G-suite contratado pelo governo do Estado de Santa Catarina, que possui recursos mais limitados e menos ferramentas, tanto pedagógicas como voltadas para a organização. Nesse sentido, acreditamos que esses tópicos (organização dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem e a efetividade dos recursos disponíveis nas plataformas) podem ajudar a formular perguntas relevantes para pesquisas futuras.

A investigação também apontou alguns recursos que foram amplamente utilizados, dentre os quais se destacam os vídeos disponibilizados pelo professor, seguido pelas vídeo-aulas da plataforma privada Youtube, subsidiária da Google, e os conteúdos interativos do H5P criados por diversos colegas da disciplina de Estágio, sendo que, este último, ainda que menos citado, destaca-se pela novidade para os estudantes. Além destes, também foram citados os tradicionais livros didáticos e apostilas preparatórias para exames de vestibular. O tema dos recursos também merece um estudo mais específico, no sentido de averiguar a eficácia dos recursos e suas possibilidades de integração. Em especial, uma diretriz que deve orientar essa investigação, deve ser a compatibilidade, tanto com celulares smartphone, como tablets e computadores.

Por fim, podemos destacar que o fator social teve impactos psicológicos e pedagógicos, e que, inclusive, as soluções em grupo, estabelecidas por meio da rede, também demonstraram um potencial motivador na superação das novas dificuldades. As pesquisas futuras devem pensar em formas de promover esses aspectos sociais da educação na rede de forma crítica e colaborativa. Criar estratégias, por intermédio dos recursos e das plataformas, para ampliar os espaços para a interação entre estudantes, e também para o convívio digital.

 

Agradecimentos e apoios

Agradecemos ao professor de Física do terceiro ano do EM do CA por compartilhar a sua prática e nos permitir acompanhar as suas aulas em um momento tão delicado; aos colegas de estágio e, principalmente, aos estudantes do terceiro ano que contribuíram com a pesquisa e estiveram presentes nas aulas durante as observações.

 

Referências:

CUNHA, S. - Reflexões sobre o EAD no Ensino de Física. - Revista Brasileira de Ensino de Física, Porto Alegre, RS, Brasil,v. 28, n. 2, p. 151-153, 2006.

HODGES, C.; MOORE, S.; LOCKEE, B.; TRUST, T.; BOND, A. - The Difference Between Emergency Remote Teaching and Online Learning. - EDUCAUSE Review, 2020. Disponível em: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning. Acesso em: 18 de dezembro de 2020.

LISITA, V.; ROSA, D.; LIPOVETSKY, N. Formação de professores e pesquisa. In: ANDRÉ, Marli (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas, SP: Papirus, 2001.

MOREIRA, Marco A. - Aprendizagem Significativa Crítica – in: III Encontro Internacional sobre     Aprendizagem Significativa, Lisboa (Peniche) – 2000, p. 33-45.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

ROSA, R. - Das aulas presenciais às aulas remotas: as abruptas mudanças impulsionadas na docência pela ação do Coronavírus - o COVID-19! - Revista Científico Schola, Colégio Militar de Santa Maria - Santa Maria RS - Volume VI, Número 1, Julho 2020.

SANZ, I.; GONZÁLEZ, J. S.;  CAPILLA, A. Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (OEI) Área de Educación Superior, Ciencia y ETP – INFORMES OEI: Efeitos da Crise do Covid-19 na Educação - Madrid, España, 2020.

SENHORAS, E. - Coronavírus e Educação: Análise dos Impactos Assimétricos. - Boletim de Conjuntura, Ano II | Volume 2 | No 5 | Boa Vista | 2020.

SILVA, R. S. Moodle para Autores e Tutores. 2 ed. São Paulo. Novatec Editora, 2011.

SILVA, F. C. S.; PEIXOTO, G. T. B. Percepção dos professores da rede estadual do Município de São João da Barra-RJ sobre o uso do Google Classroom no ensino remoto emergencial. Research, Society and Development, v. 9, n. 10, p. 1-24, 2020.

VALENTE, G.; MORAES, É.; SANCHEZ, M.; SOUZA, D; PACHECO, M; - O ensino remoto frente às exigências do contexto de pandemia: Reflexões sobre a prática docente - Research, Society and Development, v. 9, n. 9, 2020.

VENTURA, M. M. O Estudo de Caso como Modalidade de Pesquisa. Rev SOCERJ, v. 20, n. 5, p. 383-386, 2007.



[1] Um dos grandes benefícios de usar o H5P é que ele permite o desenvolvimento de diferentes tipos de conteúdo interativo. Alguns exemplos do que você obtém com o H5P são Vídeo interativo, questionários, colagem e linha do tempo. Saiba mais em: https://moodle.org/plugins/mod_hvp.

[2] Identificamos como professor 1, o professor da disciplina, e usamos os números subsequentes quando um estudante fala o nome de outros professores.