ReTER, Santa Maria, v.1, 2020. ISSN:2675-9950 Publicação: 23/10/2020

POLÍTICAS PÚBLICAS E PRÁTICAS PARA INTEGRAÇÃO DE RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS (REA) NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

 

Elena Maria Mallmann

Professora associada na Universidade Federal de Santa Maria - elena.ufsm@gmail.com 

Mara Denize Mazzardo

Professora na Universidade Aberta do Brasil/UFSM - maradmazzardo@gmail.com

  

Resumo: O foco deste artigo é explicitar as políticas públicas brasileiras sobre os Recursos Educacionais Abertos (REA), as ações de formação e pesquisas realizadas sobre REA, pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Tecnologias Educacionais em Rede (GEPETER), da Universidade Federal de Santa Maria. O propósito é analisar resultados de pesquisa a respeito do fomento e da indução das políticas públicas educacionais para integração de REA nas práticas escolares, dos professores da Educação Básica das redes públicas do Rio Grande do Sul, os quais foram participantes do curso REA: Educação para o Futuro, no ano de 2018. Os resultados, obtidos por meio da pesquisa-ação, evidenciam o desconhecimento dos REA, antes do curso, pela maioria dos participantes, os desafios enfrentados e avanços obtidos nas primeiras ações de seleção e produção de REA para integrar nas práticas escolares.

Palavras-chave: Recursos Educacionais Abertos. Políticas Públicas. Formação de Professores. Fluência Tecnológico-Pedagógica.

 

PUBLIC POLICIES AND PRACTICES FOR INTEGRATING OPEN EDUCATIONAL RESOURCES (OER) IN TEACHER EDUCATION

 

Abstract: The focus of this article is to analyze the Brazilian public policies on Open Educational Resources (OER). Also, we will approach the educational and research actions carried out, about OER, by the Study and Research Group on Educational Network Technologies (GEPETER) from the Federal University of Santa Maria. The purpose is to analyze research results regarding the promotion and induction of public educational policies for integrating OER into school practices. The teachers of Basic Education in public schools in Rio Grande do Sul were participants in the OER Small Open Online Course (SOOC) “Education for the Future”, in 2018.The results, obtained through action research, show the lack of knowledge of OER, by most participants, before the course. The results also show the challenges faced and advances made in the first OER selection and production actions to integrate into school practices.

Keywords: Open Educational Resources. Public Policy. Teacher Training. Technological-Pedagogical Fluency.

 


 

Introdução

 

As formações e as práticas escolares, implementadas no âmbito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), têm como parâmetros as diretrizes e as metas estabelecidas pelas políticas públicas vigentes para formação de professores. Nesse contexto, o desenvolvimento de pesquisa é fundamental para melhorar a formação e as práticas escolares.

Nossas pesquisas têm analisado as possibilidades e os desafios no que se refere à integração de Recursos Educacionais Abertos (REA) perspectivando a necessidade de avançar continuamente para que o movimento internacional da Educação Aberta se consolide. No momento atual, as ações do Grupo de Estudos e Pesquisas em Tecnologias Educacionais em Rede (GEPETER) têm se concentrado no contexto da rede pública da educação básica no estado do Rio Grande do Sul (RS) e nos cursos de licenciatura da UFSM. Para tanto, o tripé ensino, pesquisa e extensão tem sido vivenciado cotidianamente como pesquisa-ação por meio da interação e colaboração mediada pelas ferramentas da plataforma livre Moodle.

Assim, na sequência são abordadas as Políticas Públicas e Práticas Escolares com REA, a Fluência Tecnológico-Pedagógica dos Professores, dados de pesquisa sobre o impacto das políticas públicas para integração dos REA e as Considerações Finais.

 

Recursos Educacionais Abertos (REA): políticas públicas e práticas escolares

 

Salientamos que a integração dos REA nas práticas escolares está diretamente atrelada às políticas públicas educacionais, sendo que esse ponto de partida leva em consideração: a) o viés diretivo do que que já está textualmente estabelecido na legislação vigente no que tange à pesquisa, docência, recursos, financiamento, gestão, avaliação e regulação; b) o caráter de mudança das políticas que se dá, por um lado, pelas demandas sociais e, por outro lado, pela efetiva dinâmica de compreensão e transposição no contexto da prática.

Nesse universo de princípios constitutivos das políticas públicas educacionais é importante considerar o amplo leque de interferências e influências, inclusive, dos mecanismos internacionais. Ou seja, o movimento pela Educação Aberta no Brasil, associado às iniciativas de educação a distância e fomento aos REA, não está isolado das tendências globais. O movimento REA tem como precursores a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), sendo referência desde 2002, com a organização do Primeiro Fórum Global em REA, no qual foi cunhada a denominação Open Educational Resources (OER). A citação mais utilizada para definir os REA é vinculada ao Congresso Mundial sobre Recursos Educacionais Abertos (REA), realizado em Paris no ano de 2012, sob coordenação da UNESCO. Naquele ano, foi elaborado o documento chamado Declaração REA de Paris de 2012 que retoma o conceito REA criado em 2002 da seguinte forma:

os materiais de ensino, aprendizagem e investigação em quaisquer suportes, digitais ou outros, que se situem no domínio público ou que tenham sido divulgados sob licença aberta que permite acesso, uso, adaptação e redistribuição gratuitos por terceiros, mediante nenhuma restrição ou poucas restrições. O licenciamento aberto é construído no âmbito da estrutura existente dos direitos de propriedade intelectual, tais como se encontram definidos por convenções internacionais pertinentes, e respeita a autoria da obra (UNESCO, 2012, p. 1).

 

O documento de Paris deixa evidente que esse conceito está associado ao que já vinha sendo elaborado em outros momentos,  tais como a Declaração de 2007 da Cidade do Cabo sobre a Educação Aberta, a Declaração de 2009 de Dacar sobre os Recursos Educacionais Abertos e as Diretivas de 2011 da "Commonwealth of Learning" (Comunidade da Aprendizagem - COL) e da UNESCO sobre os Recursos Educacionais Abertos na área da Educação Superior. Além disso, uma marca do próprio trabalho realizado pela UNESCO relacionado aos REA é o apoio, desde 2005, da Hewlett Foundation (https://hewlett.org/). Embora essa instituição seja declaradamente uma fundação não partidária e filantrópica, que atua há mais de 50 anos em frentes como educação, meio ambiente e artes, numa visão crítica, é inegável vislumbrar que o apoio empreendido não está livre de neutralidades.

Tendo esse cenário em conta, é notório saber que concepções lineares das políticas públicas educacionais precisam ser constantemente problematizadas. Van Zanten (2011, p. 640) explica que uma perspectiva clássica toma como prerrogativa que “as políticas educativas podem ser definidas como programas de ação governamental, estruturados a partir de valores e ideias, que se dirigem a públicos escolares e são implementados pela administração e pelos profissionais da educação”.

Ora, essa definição é particularmente problemática quando se trata de movimentos tão amplos como a integração das tecnologias e, especialmente os REA, diante da diversidade das economias, das culturas e dos contextos. Políticas educacionais são muito mais do que programas governamentais e, para além da estrutura de valores e princípios que cada texto comporta, a consolidação depende essencialmente do trabalho de todos os envolvidos. Isso quer dizer que, por mais que tenhamos a presença dos REA nos documentos da legislação vigente, o seu efetivo alcance dependerá das concepções, compreensões, valores dos professores, gestores, comunidade, pais e estudantes de cada instituição.

Neubauer (2015, p. 785) considera que atualmente as políticas educacionais estão em uma geração

de políticas que pressupõe o papel insubstituível, mas não suficiente do Estado e a presença de parcerias entre diferentes setores da sociedade (governo, empresários, organizações não governamentais). Política pública deixa de ser sinônimo de governo, pois existe uma esfera pública não governamental constituída e administrada por agentes da sociedade civil, mas com caráter público.

 

 

Na perspectiva dessa autora, o caráter público das políticas não se limita ao papel do Estado abrindo um amplo leque de possibilidades para o financiamento e sistemas de avaliação externos no contorno das parcerias público-privado. Isso está na seara do que muitos autores têm denominado como avanço das concepções neoliberais e perspectivas gerencialistas na educação (LIMA, 2018; NASCENTE, CONTI e DE LIMA, 2018). Embora a compreensão dos setores privados possa trazer um entendimento de mais flexibilidade, é preciso cautela quanto ao estabelecimento de parcerias entre os setores públicos e privados. Notadamente, como diz Souza (2016), a política é um campo de conflitos e de luta pelo poder.  Portanto, a implicação direta disso tudo no campo das interfaces entre tecnologia e educação concentra-se em torno, não somente nas concepções pedagógicas operacionalizadas por metodologias mais ou menos ativas, mas explicitamente no papel da escola e nas relações imediatas com o mundo do trabalho.

No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 emergiu com notados aspectos que permitiram a flexibilização da oferta educacional para diversas modalidades como educação quilombola, do campo, jovens e adultos, indígena, especial, profissional tecnológica, a distância. O texto da lei contempla a diversidade de fenômenos e desafios desde a oferta de vagas na educação infantil até o ensino superior. A partir de 1996, uma série de aparatos legais complementares, por meio de decretos, portarias e resoluções, têm sido emitidas pelo Ministério da Educação (MEC) para estabelecer o caráter operacional, curricular, avaliativo, regulatório, etc. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os diferentes níveis, modalidades e fins formativos são um bom exemplo.

Sobre REA, o destaque é o Plano Nacional de Educação (PNE) que menciona claramente, na Meta 5 – Estratégia 5.3 e na Meta 7 – Estratégia 7.12, a adoção de REA nas práticas pedagógicas (BRASIL, 2014). Além do PNE, no Brasil existem políticas e programas de incentivo sobre os REA que contemplam a disponibilização em repositórios, a adoção de licenças abertas nos recursos educacionais e materiais didáticos produzidos com recursos públicos, nas obras digitais complementares aos livros do professor, do Programa Nacional de Livro Didático (PNLD), adquiridos para o ano letivo de 2019 e nos conjuntos de robótica educacional adquiridos Pregão Eletrônico nº 4/2018. O Programa de Inovação Educação Conectada fomenta a produção e compartilhamento de REA e contempla também a formação de professores para integração de tecnologias nas aulas e a melhoria da infraestrutura tecnológica das escolas. No Quadro 1 constam as políticas públicas brasileiras sobre REA definidas a partir de 2014.

 

Quadro 1 – Políticas recentes do MEC relacionadas aos Recursos Educacionais Abertos e Licenças Creative Commons

Documento

Assunto

Data Publicação

Link

Lei 13.005 de 25/06/14 Plano Nacional da Educação (PNE)

Contempla a educação em todos os níveis e estabeleceu 20 metas e estratégias a serem cumpridas entre 2014-2024. As referências ao uso de REA estão contempladas na estratégia 5.3 da meta 5 e na estratégia 7.12 da meta sete

26/6/2014, DOU, Página Seção 1 - Edição Extra -

Lei 13.005 de 25/06/14

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm

 

Anexo - Metas e Estratégias

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm#anexo

 

 

Resolução CNE/CES nº 1, de 11 de março de 2016

Estabelece Diretrizes e Normas Nacionais para a Oferta de Programas e Cursos de Educação Superior na Modalidade a Distância. Assegura a disponibilização dos recursos educacionais, produzidos com financiamento público, com licenças abertas que possibilitem a produção de obra derivada.

11 de março de 2016

DOU, Seção 1, págs. 23-24

 http://portal.mec.gov.br/escola-de-gestores-da-educacao-basica/323-secretarias-112877938/orgaos-vinculados-82187207/34891-resolucoes-cne-ces-2016

Edital de Convocação 01/2017– CGPLI

Edital de convocação para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o Programa Nacional do Livro e do Material Didático

PNLD 2019

Programa Nacional de Livro Didático (PNLD) pede licença Creative Commons para obras digitais complementares aos livros do professor que serão adquiridos para o ano letivo de 2019

 

Edital PNLD Consolidado

27/07/2017

http://www.fnde.gov.br/programas/programas-do-livro/consultas/editais-programas-livro/item/10521-pnld-2019

Decreto Nº 9.204, de 23 de novembro de 2017

 

Institui o Programa de Inovação Educação Conectada e dá outras providências.

DOU - Seção 1 - 24/11/2017, Página 41

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto-9204-23-novembro-2017-785784-publicacaooriginal-154288-pe.html

Portaria Nº 1.602, de 28 de dezembro de 2017

Dispõe sobre a implementação, junto às redes de educação básica municipais, estaduais e do Distrito Federal, das ações do Programa de Inovação Educação Conectada

28/12/2017

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=82391-portaria-1602&category_slug=fevereiro-2018-pdf-2&Itemid=30192

Portaria Nº 1.591, de 27 de dezembro de 2017

Comitê da Plataforma Integrada de Recursos Educacionais Digitais - CPI-RED

27/12/2017

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=82381-portaria-1591&category_slug=fevereiro-2018-pdf-2&Itemid=30192 

Plataforma MEC de Recursos Educacionais Digitais

Proposta de reunir em único lugar os recursos digitais de vários portais brasileiros

2017

https://plataformaintegrada.mec.gov.br/home

Pregão Eletrônico nº 4/2018 - Registro de Preços Nacional

 

Aquisição de conjuntos de robótica educacional, em atendimento às entidades educacionais das redes públicas de ensino.

Menciona uso de uma licença Creative Commons Atribuição Não-Comercial

Compras Governamentais - Pregões Eletrônicos

16/01/2018

http://www.fnde.gov.br/acoes/compras-governamentais/compras-nacionais/pregoes-eletronicos

Portaria Nº 451, de 16 de maio de 2018

 

Define critérios e procedimentos para a produção, recepção, avaliação e distribuição de recursos educacionais abertos ou gratuitos voltados para a educação básica em programas e plataformas oficiais do Ministério da Educação

DOU - Seção 1 - 17/05/2018 Página 11

 

http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/14729210/do1-2018-05-17-portaria-n-451-de-16-de-maio-de-2018-14729206

Fonte:  elaborado pelas autoras.

As políticas públicas destacadas incentivam o reuso, a produção e a disponibilização de REA. Nesse contexto, o reuso de REA disponíveis, a adaptação, o remix, a produção de REA originais e o compartilhamento ampliam a oferta e o acesso aos recursos educacionais. Os REA alteram o modo de produção de materiais didáticos, pois a produção pode ocorrer com o aproveitamento de recursos existentes (adaptação/remix), isto é, “produzir a partir do já produzido” (PRETTO, 2012, p. 105), ser realizada de forma colaborativa ou individualmente e os materiais produzidos podem ser compartilhados com licenças abertas. O compartilhamento dos REA produzidos completa o círculo virtuoso dos REA que é o reter, reusar, revisar (adaptar), remixar e redistribuir (WINDLE et al., 2010; PRETTO, 2012; AMIEL, 2014).

Nesse contexto, e observando o tripé ensino, pesquisa e extensão, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Tecnologias Educacionais em Rede da UFSM tem estabelecido objetivos, metas e procedimentos metodológicos para produzir resultados à luz de categorias analíticas e considerações sobre o impacto das políticas públicas nas práticas escolares, tendo em vista a integração das tecnologias educacionais em rede e de REA na formação inicial e continuada de professores. A partir disso, temos criado pautas de pesquisa e teorizações a respeito da docência, das performances em equipes multidisciplinares, da produção de materiais didáticos, sobre leis de direitos autorais, plágio, sobre licenças que marcam os REA, tais como Creative Commons, sobre os formatos emergentes de formação como os Massive/Small Open Online Courses (MOOC) e sobre a Fluência Tecnológico-Pedagógica (FTP) necessária aos professores para atuar nesse contexto (JACQUES, 2017; MALLMANN, 2018; MAZZARDO, 2018; BAGETTI, 2019).

Por mais que se tenha em destaque as iniciativas atuais, tais como as políticas públicas citados no Quadro 1, não se encontra, na parte textual das políticas públicas educacionais, um referencial teórico-metodológico que advoga a favor de uma formação para FTP. Da mesma forma, por ser um tema relativamente recente, não consta no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), no Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e nos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) da UFSM, referencial teórico-metodológico, objetivos e orientações sobre os REA.

 

Fluência Tecnológico-Pedagógica dos Professores (FTP)

 

A FTP constitui-se em saber utilizar as tecnologias em rede tanto no campo tecnológico (conhecer a ferramenta e operacionalizá-la em suas diferentes atualizações) quanto no pedagógico (transpor saberes lançando mão das potencialidades da tecnologia).

O conceito de FTP parte de estudos embasados nas concepções de National Research Council (1999) que abordam como desenvolvimento de habilidades contemporâneas, conceitos fundamentais e capacidades intelectuais. Schneider (2012) traz o conceito de fluência tecnológica como o desenvolvimento de níveis técnico, prático e emancipatório. Ao estabelecer relação entre as concepções estudadas, chegou-se, em movimento de ação-reflexão-ação propiciado por pesquisas, discussões e análises, ao conceito de Fluência Tecnológico-Pedagógica, o qual Mallmann, Schneider e Mazzardo (2013, p. 5) definem como:

 

[…] capacidade de mediar o processo de ensino-aprendizagem com conhecimentos sobre planejamento, estratégias metodológicas, conteúdos, material didático, tecnologias educacionais em rede com destaque para os AVEA, realização de ações com os alunos para desafiar, dialogar, problematizar, instigar a reflexão e a criticidade, incentivar a interação com o grupo e interatividade com ambiente e materiais didáticos, o desenvolvimento de trabalhos colaborativos, a autonomia, autoria e coautoria, a emancipação, monitorar o estudo e realização das atividades dos alunos identificando dificuldades e propondo soluções, manter boa comunicação no ambiente virtual com todos os envolvidos, reflexão sobre as potencialidades didáticas dos recursos utilizados, práticas didáticas implementadas e sobre a própria atuação.

 

 

O professor(a) com FTP considera os aspectos pedagógicos ao selecionar uma tecnologia para integrar nas suas práticas didáticas. Analisa o diferencial da tecnologia para ensinar um conteúdo específico, os benefícios, as desvantagens e o potencial para favorecer o envolvimento e a aprendizagem dos alunos. Da mesma forma, a fluência possibilita aos professores a produção de material didático em formatos diversos, o planejamento e implementação de atividades inovadoras para aulas presenciais e online, pois como afirma Jennifer Sparrow, diretora sênior de ensino e aprendizagem da Penn State University “a fluência é a capacidade de criar algo novo com as tecnologias” (LALONDE, 2019, p. 1).

Nesse sentido, a FTP é construção essencial na performance docente. Isso porque, na linha teórica que se defende, a transposição didática embasa-se no diálogo-problematizador como meio para transformar o saber sábio ao saber a ser ensinado. Lançar mão das tecnologias para transpor saberes nessa perspectiva de ensino-aprendizagem requer o conhecimento tecnológico para acessar a tecnologia, operacionalizá-la de acordo com suas atualizações, integrar hipermídia, compreender a própria concepção de ensino-aprendizagem e tê-la como basilar nas práticas pedagógicas. Isso pressupõe planejar e desenvolver práticas pedagógicas cujo ensino-aprendizagem seja recíproco entre professor e estudantes, pautando na resolução de problemas sustentada na ação-reflexão-ação.

 

Pesquisando impactos das políticas públicas para integração dos REA

 

            No Edital FAPERGS 02/2017 - Programa Pesquisador Gaúcho (PqG), o GEPETER foi contemplado com o projeto “Formação de professores da educação básica no RS: inovação didático-metodológica mediada por Recursos Educacionais Abertos (REA)”. Nesse projeto, de Mallmann et al. (2017), que está em andamento, os objetivos concentram-se em:

 

- Compreender o potencial da integração de tecnologias educacionais hipermídia, especialmente Recursos Educacionais Abertos (REA), na inovação didático-metodológica na educação básica no RS;

- Mapear e analisar os impactos da formação de professores da educação básica no RS em formatos emergentes como os Small Open Online Courses (SOOC)[1];

- Conhecer os movimentos de transposição e implementação das políticas públicas educacionais vigentes no que se refere à integração de tecnologias educacionais hipermídia, especialmente Recursos Educacionais Abertos (REA) na educação básica no RS.

             

A esses objetivos estão associadas metas como:

 

- Capacitar pelo menos 1.000 (mil) professores da rede pública da educação básica da região de abrangência da 8ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) e Núcleo de Tecnologia Educacional de Santa Maria/RS (NTEM);

- Capacitar técnicos/tecnólogos diretamente envolvidos com elaboração de projetos pedagógicos de cursos, elaboração de materiais didáticos, equipe multidisciplinar, principalmente dos Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE) da região de abrangência da 8ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) e Núcleo de Tecnologia Educacional de Santa Maria/RS (NTEM);

- Produzir indicadores de avaliação sobre a transposição das políticas públicas educacionais para integração de tecnologias educacionais hipermídia, especialmente Recursos Educacionais Abertos (REA) no processo ensino-aprendizagem na educação básica no RS;

- Propor estratégias de ações no Small Open Online Course (SOOC) conforme orientações contempladas no Plano Nacional de Educação e Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores e da Educação Básica, a respeito das tecnologias educacionais;

- Elaborar e implementar materiais didáticos em formato livre e aberto destinados para cursos de formação de professores utilizando as ferramentas de criação de páginas, disponibilização de links, diretórios, arquivos, wiki, fórum, salas de discussão, tarefas, pesquisa de avaliação, glossários;

- Produzir, remixar, adaptar e publicar Recursos Educacionais Abertos (REA) em portais públicos na Internet;

- Colaborar com professores da educação básica no RS no planejamento e criação de materiais didáticos inovadores e contextualização hipermídia de conteúdos curriculares em acordo com o estabelecido no Documento Orientador da Reestruturação Curricular Ensino Fundamental e Médio do RS de 2016. (Malmann et al. , 2017)

 

Por ser uma maneira de efetivar as políticas públicas sobre integração de tecnologias e REA, nas práticas didáticas, e concretizar os objetivos e metas do projeto “Formação de professores da educação básica no RS: inovação didático-metodológica mediada por Recursos Educacionais Abertos (REA)”, o GEPETER tem implementado, desde 2018, edições do curso “REA: Educação para o Futuro”, no formato Small Open Online Course, cujo design e materiais didáticos possuem licenças abertas.

A versão do curso para os professores da Educação Básica é uma adaptação das primeiras edições do curso, implementadas em 2016, com professores do Ensino Médio da região central do RS (MAZZARDO, 2018).

Os quadros 2 e 3 apresentam alguns dados e depoimentos obtidos nas edições do curso “REA: Educação para o Futuro”, implementadas em 2018:

 

Quadro 2 - Conhecimento prévio (antes de iniciar o curso) sobre REA:

Conhecimento sobre REA

Conhecimento

%

Conheciam os REA

25%

Conhecimento parcial

4%

Não conheciam

71%

Fonte: Mallmann (2019)

 


 

Quadro 3 - Frequência da integração de REA nas atividades profissionais dos participantes (dados obtidos no questionário de avaliação do curso)

Frequência da integração de REA nas suas atividades profissionais

Frequência

%

Nunca

6%

Raramente

23%

Às vezes

0%

Frequentemente

63%

Sempre

8%

Fonte: Mallmann (2019)

 

Antes de iniciar o curso, 71% dos participantes não conheciam os REA. No final do curso, 63% afirmaram que estavam integrando REA nas atividades profissionais frequentemente e 8% sempre.  O conhecimento adquirido sobre REA e as atividades práticas realizadas durante o curso provocaram mudanças nas práticas didáticas dos participantes, como demonstram os dados do Quadro 4.

 

Quadro 4 - O impacto do SOOC sobre REA na prática escolar

O impacto do SOOC sobre REA na prática escolar

A implementação de cursos de formação continuada, para professores, no formato SOOC, potencializa a inovação didático-metodológica e curricular através da integração de REA?

%

Nunca

0%

Raramente

2%

Às vezes

12%

Frequentemente

21%

Sempre

65%

Fonte: Mallmann (2019)

 

A inovação acontece ao integrar recursos abertos nas práticas didáticas e na forma de organizar/produzir materiais didáticos, utilizando REA existentes e adotando licenças abertas nos materiais produzidos. Nesse processo de seleção e produção de recursos educacionais aberto é importante destacar outra mudança, provocada pelo curso, que é a observação da forma como os recursos são disponibilizados na Internet, com licenças abertas para reuso e produção de obra derivada ou de forma fechada (Copyright). Essas mudanças foram relatadas pelos participantes, na avaliação do curso:

- Passei a verificar as licenças antes de utilizar ou adaptar qualquer material.

- Com o curso, minhas práticas estão se alterando. Tenho o cuidado de verificar as licenças dos materiais. O que posso adaptar e reutilizar.

- A partir das leituras, já tenho outra visão e me preocupo em compartilhar com meus aprendentes do Ensino Fundamental a preocupação em utilizar imagens para os trabalhos, por exemplo, que sejam licenciadas.

 

Nas avaliações destacadas, observamos mudanças na forma de pesquisar recursos/conteúdos na Internet, como a observação das licenças e direitos autorais dos recursos disponíveis. Um participante destacou que compartilhou com seus alunos as orientações sobre como pesquisar e utilizar recursos da Internet.

O compartilhamento de recursos com os colegas foi outra mudança citada:

Os principais avanços foram realmente na área da criação e na disponibilização dos REA para outros colegas. Esse compartilhamento contribuiu bastante para a interação entre os professores da minha escola. O maior desafio tem sido a postagem nos repositórios online, pois o tempo é curto e nossa internet é muito lenta.

 

Na avaliação acima destacada constam também duas dificuldades vivenciadas pelos participantes, que é a demanda de tempo para produzir REA e a baixa velocidade da conexão com a Internet.

No acompanhamento das atividades e na análise dos REA selecionados e produzidos pelos participantes (REA adaptados e REA originais), realizada pela equipe de professores do curso, foram identificadas outras dificuldades dos participantes: a) falta de Fluência Tecnológico-Pedagógica para encontrar, adaptar e produzir REA original; b) dificuldade para identificar as licenças dos recursos nos repositórios; c) falta de conhecimento sobre os direitos autorais e sobre as licenças abertas; d) cultura de usuário de recursos disponíveis na Internet e não de autoria.

Por ser um tema novo para os professores da Educação Básica e a formação incipiente, é recomendável a continuidade de ações formativas para aprofundar os conhecimentos, aumentar a integração de REA nas práticas escolares, a produção e o compartilhamento de REA em repositórios.

 


 

Considerações Finais

 

O GEPETER tem realizado estudo sobre as tecnologias educacionais em rede, sobre formação de professores, sobre os REA e sobre as políticas públicas que regem esses temas. As práticas são realizadas nos cursos, de formação inicial e continuada de professores, da UFSM, nas modalidades presencial e a distância.

Os cursos a distância ampliam as oportunidades de formação, porque independem de localização geográfica dos participantes, de horários fixos para realizar as atividades e do afastamento dos participantes das atividades profissionais. Cursos no formato do SOOC podem responder às necessidades de formação continuada dos professores sobre temas de interesse e/ou necessidade.

Com o SOOC “REA: Educação para o Futuro” estamos compartilhando conhecimentos sobre REA, principalmente com os professores da Educação Básica, conhecimentos que, além da identificação e reuso, possibilitam a autoria de REA. Os resultados inovadores do curso são: a compreensão, pelos participantes, do potencial da abertura dos REA para produzir material didático, sem infringir os direitos autorais; professores autores de recursos educacionais por meio da adaptação de recursos existentes e autores de REA originais e o compartilhamento das produções.

Desse modo, as ações de ensino, pesquisa e extensão preconizadas pelo GEPETER, na formação de professores da rede pública da Educação Básica do RS, estão em sintonia com o que há de mais inovador e emergente nas políticas públicas educacionais.

 

Referências

 

AMIEL, Tel. Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro didático de história. Revista História Hoje, v. 3, n. 5, p. 189-205, 2014. DOI: https://doi.org/10.20949/rhhj.v3i5.128.

BAGETTI, Sabrina. Produsage de Recursos educacionais Abertos (REA): cultura participativa nas práticas escolares. Tese (Doutorado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria. 2019.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96). Brasília, 1996.

BRASIL. Plano Nacional de Educação. Brasília, 2014.

DECLARAÇÃO DA CIDADE DO CABO. Declaração da cidade do Cabo para Educação Aberta: Abrindo a promessa de Recursos Educativos Abertos. 2007. Disponível em:  https://goo.gl/tTpSvx. Acesso em: 10 out. 2019.

DE SOUZA, Ângelo Ricardo. A política educacional e seus objetos de estudo. Revista de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa (ReLePe), v. 1, n. 1, p. 75-89, 2016.

JACQUES, Juliana Sales. Performance docente na (co)autoria de recursos educacionais abertos (REA) no ensino superior: atos éticos e estéticos. 2017. Tese (Doutorado em Educação), Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2017.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL. Being Fluent with Information Technology. Washington, DC: The National Academies Press, 1999.  https://doi.org/10.17226/6482. Disponível em:  https://www.nap.edu/catalog/6482/being-fluent-with-information-technology. Acesso em: 15 dez. 2017.

LIMA, Licínio. C. Por que é tão difícil democratizar a gestão da escola pública? Educar em Revista, Curitiba, v. 34, n. 68, 2018.

LALONDE, Clint. Digital Fluency vs Digital Literacy. EdTech, 22 Fevereiro, 2019. Disponível em: https://edtechfactotum.com/digital-fluency-vs-digital-literacy/. Acesso em: 16 out. 2019.

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[1] SOOC é um curso online, com inscrição aberta, que pode ser organizado sobre temas diversos, com número de participantes não massivo, aspecto que possibilita o acompanhamento e avaliação das atividades por um professor.