Universidade Federal de Santa Maria

Revista Monografias Ambientais, v. 18, e4, 2019

DOI: https://doi.org/10.5902/2236130838364

ISSN: 2236-1308

Recebido: 30/05/2019 Aceito: 20/08/2019 Publicado: 30/10/2019

Práticas Educativas Ambientais

Sustentabilidade em pequenas propriedades: uma

proposta educativa

Sustainability in small properties: an educational proposal

Lucilea Silva de Souza Figueroa I

Ana Carolina de Oliveira Salgueiro de Moura II

Jonas Anderson Simões das Neves III

I   Universidade Federal do Pampa. E-mail: lucileadesouza.82@gmail.com.

II Universidade Federal do Pampa. E-mail: anacarolinaosm@gmail.com.

III Universidade Federal do Pampa. E-mail: jonasneves@unipampa.edu.br.

RESUMO

A sustentabilidade preza pela biodiversidade e diversificação da produção numa mesma área agrícola, que possibilite a otimização do espaço produtivo, com menores impactos ambientais, adequando-se às condições climáticas da região e aos interesses do próprio agricultor. Neste trabalho, buscou-se fazer um levantamento das pesquisas realizadas no Rio Grande do Sul para verificar potencialidades de implementação da diversificação da produção em pequenas propriedades. Para isso foram pesquisados na base de dados Dialnet artigos que discorrem sobre os benefícios da diversificação das produções e suas potencialidades. Por fim, é apresentada uma proposta sustentável a partir do contexto do assentamento de reforma agrária “Liberdade no Futuro” em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Tal proposta foi elaborada com base na Metodologia das Árvores, a qual parte da identificação de causas e consequências de conflitos para planejar soluções que sejam viabilizadas pela própria comunidade.

Palavras-chave: Sustentabilidade; Metodologia das árvores; Educação do Campo.

ABSTRACT

Sustainability values the biodiversity and diversification of production in the same agricultural area, which allows the optimization of productive space, with lower environmental impacts, adapting to the climatic conditions of the region and the interests of the farmer himself. In this work, we sought to survey the research carried out in Rio Grande do Sul to verify the potential of implementing the diversification of production in small farms. For this purpose, articles were searched in the Dialnet database that discuss the benefits of diversification of production and its potentialities. Finally, a sustainable proposal is presented from the context of the “Freedom in the future” agrarian reform settlement in Santana do Livramento, Rio Grande do Sul. This proposal was elaborated based on the Methodology of Trees, which starts from the identification of causes and consequences of conflicts to plan solutions that are feasible by the community itself.

Keywords: Sustainability; Methodology of trees; Field education.

1 Conflitos da monocultura em pequenas propriedades

Quando falamos em monocultura, pensamos em produção em larga escala, em grandes plantações, mas, se pararmos para observar, a monocultura hoje está presente nas pequenas propriedades rurais também e, nesse sentido, o pequeno produtor rural investe em um só tipo de produção. A demanda de mercado e consumo para produção em grande escala, a desvalorização da cultura camponesa, que está perdendo práticas de guardar as sementes crioulas, por exemplo, em ter variedades de cultivo sendo permitido produzir durante todas as épocas do ano, respeitando as estações do ano, sabendo o que se deve plantar em cada estação, interfere diretamente na produção de muitas propriedades rurais.

Há grande subordinação dos meios de produção porque a monocultura gera uma determinada dependência, o produtor precisa comprar sementes, insumos de uma empresa e depois ele acaba vendendo sua produção a essa empresa. Aí fecha-se um ciclo. O produtor se submete a vender sua produção ao preço que essa empresa paga. O pequeno produtor para plantar acaba gerando uma dívida e depois precisa pagar por ela com sua produção.

A monocultura prejudica a economia dos pequenos produtores por não investirem em outros tipos de produção e também prejudica o ambiente contribuindo para a diminuição da biodiversidade, esgotamento do solo, contaminação de arroios e do próprio solo. Porém, em uma pequena propriedade, o risco de utilizar um tipo de produção pode ocasionar vários problemas e, dentre eles, destacam-se o acúmulo de dívidas que, dificilmente, serão pagas e o arrendamento da terra, para que a família possa ir viver na cidade. Além disso, provoca o escasseamento de alimentos para os pequenos produtores e moradores da comunidade, uso abusivo de agrotóxicos, causando impacto ambiental, degradação do solo e erosão. Gera menos mão de obra agregada contribuindo para o êxodo rural e diminuição da população do campo.

E por que pesquisar o policultivo em um curso de Licenciatura? Quais as relações de alimentar-se com produtos livres de agrotóxicos com a sustentabilidade e a identidade das pessoas do campo? Este trabalho pensa no território da população do campo, desenvolvimento rural, e meio ambiente. Um dos objetivos do curso de Educação do Campo é que as famílias tenham a oportunidade de estudar e permanecer na propriedade evitando o êxodo rural. A Educação do Campo visa o fortalecimento da agricultura familiar com especificidades voltadas para o campo. O curso é voltado para trabalhadores e trabalhadoras do campo, integrantes do Movimento Sem Terra, quilombolas, indígenas. O curso é diferenciado por possibilitar o acesso de camponeses ao Ensino Superior e a permanência no seu território durante e após possuir uma formação.

A partir deste cenário, esta pesquisa tem o objetivo de sistematizar as potencialidades da diversificação de produção em pequenas propriedades; além de realizar levantamento de produções científicas desenvolvidas a partir da análise das potencialidades da diversificação de produção em pequenas propriedades no Rio Grande do Sul; sistematizar os benefícios ecológicos, culturais e econômicos da diversificação de produção em pequenas propriedades; e propor uma metodologia para trabalhar o planejamento da diversificação da produção em pequenas propriedades em processos educativos do campo.

2 Sustentabilidade no campo

Pensar a diversificação da produção em pequenas propriedades contribui para pensarmos e propormos ações sustentáveis para tais propriedades, tanto no que se refere a forma de produção, quanto no que se refere ao próprio sustento e consumo dos produtores que ali residem. A gestão de práticas sustentáveis no campo nos conduz a pôr em prática a educação ambiental, imprescindível ao desenvolvimento ambiental da comunidade. Na origem dos atuais problemas socioambientais, existe esta lacuna fundamental entre o ser humano e a natureza, que é importante eliminar. É preciso reconstruir nosso sentimento de pertencer à natureza, a esse fluxo de vida de que participamos (SUÁVE, 2005).

Neste sentido, discorrer sobre desenvolvimento rural requer organização das pequenas propriedades para que as famílias possam vender e retirar seus mantimentos no próprio local e, neste contexto, é importante trabalhar as seis dimensões do desenvolvimento rural sustentável (CAPORAL E COSTABEBER, 2002) da agricultura familiar que são: ecológica, econômica, social - primeiro nível - , cultural, política - segundo nível - e ética - terceiro nível.

Com relação à dimensão ecológica, pode-se entender que é necessário sempre realizar uma manutenção e recuperação da base de recursos naturais – sobre a qual se sustentam e estruturam a vida dos seres vivos – para atingir um patamar crescente de sustentabilidade. Ademais, é importante manter e garantir que os recursos naturais estejam presentes no agroecossistema.

Na dimensão social, é importante que o produto gerado naquele agroecossistema também possa ser usufruído pelos diversos segmentos da sociedade e, com isso, buscar uma melhora nos níveis de qualidade de vida mediante a produção e o consumo de alimentos de qualidade, eliminando o consumo de agrotóxicos, por exemplo.

No nível da dimensão econômica, não se trata somente de buscar um aumento de produtividade a qualquer custo, uma vez que isso pode ocasionar reduções na renda e na subsistência da família agricultora, que tem de pensar na questão da produção para o seu próprio consumo e, ainda, para a comercialização, garantindo sua subsistência, de certa forma, estável.

Com relação à dimensão cultural, devem-se considerar a necessidade de que as intervenções sejam respeitosas com a cultural local (enquanto formas de ser, estar e produzir no campo), ou seja, os saberes das populações rurais devem ser levados em consideração na hora de pensar nos processos de desenvolvimento rural que, a partir daí, devem espelhar a identidade cultural daquela região e, por isso, práticas pré-estabelecidas, entretanto, àquelas que são nocivas ano meio ambiente devem deixar de ser empregadas.

Na dimensão política da sustentabilidade, levam-se em consideração os processos de participação, por meio da democracia, que se desenvolvem no contexto da produção agrícola e, nesse sentido, o desenvolvimento sustentável deve basear-se nas concepções sociais, culturais e políticas dos grupos sociais, considerando uma relação dialógica e integrante de sociedades maiores.

E, por último, na dimensão ética, observa-se a relação direta e indireta da preservação do meio ambiente, pois, como é sabido, a sociedade pode, de certa maneira, intervir de maneira negativa ou positiva no ambiente, fazendo com que muitas vezes se modifique aquela microrregião. Assim, a dimensão ética está no topo da pirâmide, dado que os resultados das ações humanas, podem afetar em maior ou menor grau os objetivos e resultados esperados nas dimensões inferiores.

Pensando nessas dimensões, hoje, com o atual modelo de produção, a concentração de capital está na mão de poucos, sem a preocupação com a igualdade social. O desenvolvimento de tecnologias agrícolas passou a investir em grandes plantações, sem se preocupar com o meio ambiente, resultando em monocultura. A forma como a agricultura é conduzida afeta em menor ou maior grau o meio ambiente em que ela está inserida através de impactos causados diretamente ao meio ambiente, com a possibilidade de comprometer a qualidade e a segurança dos alimentos produzidos. Esta atividade pode gerar fortes impactos sociais e ambientais.

Atualmente há um grande apelo para conversão dos sistemas de produção agrícola à sustentabilidade. O policultivo tem sido visto como uma aplicação dos princípios da agroecologia, a qual busca atingir a agricultura sustentável, economicamente viável, socialmente justa e ecologicamente correta, que pode ser definido como cultivos diferentes, plantados simultaneamente numa mesma área, num mesmo espaço de tempo, intensificando, assim, a produção (GLIESSMAN, 1985; MASERA et al., 2000).

Uma das principais razões pelas quais os agricultores em todo o mundo adotam a diversificação de culturas, deve-se ao fato de obter maior rendimento no plantio de uma determinada área, além de garantir ampla variedade de cultivo e práticas de manejo que possibilitam atender as necessidades das famílias rurais.

Estes sistemas agrícolas são considerados fundamentais para o desenvolvimento da agricultura sustentável, especialmente onde as propriedades são de pequeno porte devido as condições socioeconômicas. Ao contrário das monoculturas, intensificadas com a revolução verde que se utiliza do uso extensivo da mecanização agrícola e fertilizantes químicos, o policultivo é uma alternativa, um sistema complexo de cultivo, que preza pela biodiversidade e diversificação da produção numa mesma área agrícola, que possibilita a otimização do espaço produtivo, com menores impactos ambientais, adequando-se às condições climáticas da região e aos interesses do próprio agricultor (LIEBMAN 1997; MAZOIER 1993).

A sustentabilidade da produção depende do bom desempenho dos produtores em utilizar de forma eficaz a terra para a produção de alimento de forma sustentável e com retorno econômico. Sendo a agricultura uma atividade essencial à vida, o manejo dos recursos necessários a essa atividade refletirá nosso comprometimento com o futuro em especial, porque a atividade agrícola vem sendo questionada principalmente quanto à sua sustentabilidade, já que dela se espera suprir as necessidades e demandas da população por recursos em médio e longo prazo.

A agroecologia é vista por muitos como uma possibilidade de desenvolvimento sustentável para o meio rural, por dispor de base científica e estratégias com princípios conservacionistas compatíveis com a agricultura familiar e que não necessita de grandes investimentos. Agroecologia é definida como uma agricultura alternativa e se configura como prática social aproveitando os recursos naturais. Exige que o agricultor a compreenda e que a estude para assim conseguir os melhores resultados do meio ambiente.

Conforme Caporal e Costabeber (2002) é preciso ter clareza de que a agricultura ecológica e a agricultura orgânica, entre outras denominações existentes, conceitual e empiricamente, são o resultado da aplicação de técnicas e métodos diferenciados, normalmente estabelecidos de acordo e em função de regulamentos e regras que orientam a produção e impõem limites para o uso de certos tipos de insumos e liberdade para o uso de outros. A agricultura ecológica objetiva a permanência das famílias no campo através da produção diversificada de alimentos plantados dentro da pequena propriedade tanto para consumo próprio como também para a venda, o manejo sustentável dos solos, a conservação dos recursos naturais, a valorização dos saberes locais e a independência dos pequenos agricultores.

3 Experiências de policultivo no Rio Grande do Sul

Por meio de pesquisa de cunho bibliográfico e qualitativo (TRIVIÑOS, 1987; MINAYO, 2001) a partir do termo de busca: “diversificação da produção agrícola” na base de dados Dialnet[1] foram encontrados 23 documentos entre os anos de 2009 e 2018, dos quais 4 utilizamos neste artigo (aqueles que tratavam de experiências no Rio Grande do Sul), sendo descartados os demais, uma vez que não contemplavam o pré-requisito estabelecido e relatavam estudos em outros estados ou país. A partir da sistematização dos estudos pesquisados, mostram-se resultados alcançados a partir das pesquisas realizadas no Rio Grande do Sul sobre a diversificação da produção e os benefícios para a agricultura familiar.

No Rio Grande do Sul, encontramos os trabalhos de Mauch e Luzzardi (2005), Reichert et al (2011), Fritz et al (2011) e Arend (2014) que discutem a experiência e a importância da diversificação da produção em pequenas propriedades tanto para o rendimento das famílias agricultoras, quanto para a sua permanência no campo, evitando o êxodo rural, e, ainda, com relação a sua subsistência.

Mauch e Luzzardi (2005), em seus estudos, afirmaram que o monocultivo tem negligenciado os cultivos de subsistência e promovido uma situação de insegurança alimentar, uma vez que grande parte da alimentação tem sido comprada e não produzida inteiramente na propriedade. Isto ocorre pelo fato de muitos agricultores terem a necessidade de garantir uma renda que, minimamente, garanta a sobrevivência de sua família.

Os agricultores ao negligenciar os cultivos de subsistência, acabam dependendo somente da renda monetária da safra para a garantia da maior parte de sua alimentação, o que diminui drasticamente o poder de investimento na propriedade, já que a renda obtida com os monocultivos, por ser em uma pequena área, é baixa (MAUCH E LUZZARDI, 2005, p.04).

Diante disso, percebe-se que a diversificação da produção poderia acarretar em uma solução que abrangeria não somente a questão da produção para o próprio consumo, mas também para a comercialização, fazendo com que as famílias subsistam e, ainda, garantam outras fontes de renda, proporcionando, também, a sua permanência na propriedade.

Nesse sentido, com relação aos estudos dos autores, eles destacam o caso dos Assentamentos de Reforma Agrária de Tupanciretã – RS, que demonstrou uma clara orientação para o mercado e essencialmente para um único produto: a soja. A principal alternativa foi à criação de uma Cooperativa de leite, já que a orientação dominante naquela região, devido ao grande fomento pelos movimentos sociais, foi pela Bovinocultura de Leite, o que resultou na produção e comercialização deste produto à Coopeterra (Cooperativa de Mãe Terra). Com a estruturação desta cooperativa, muitos agricultores puderam sair do monocultivo de soja, pois, agora, eles dispunham de uma infraestrutura que garantia a comercialização de outro produto: o leite.

Com relação aos estudos de Reichert et al (2011), os autores buscaram avaliar a sustentabilidade técnica e econômica de um agroecossistema familiar de um município do Estado do Rio Grande do Sul e, nesse sentido, constaram que a propriedade apresentava um sistema de produção bem diversificado. Portanto, evidenciaram que atividades associadas à diversidade na produção e as práticas com orientações agroecológicas proporcionaram uma maior rentabilidade e sustentabilidade à propriedade familiar e, por isso, destacam que:

Com a organização gerencial da unidade, da diversificação de atividades, o agricultor pode aumentar a oferta de alimentos “in natura” e processados. Realizar os investimentos e melhorias na infraestrutura de produção conforme planejado, demonstrando ser tecnicamente sustentável, assegurando a sobrevivência e o desenvolvimento desta e quiçá das próximas gerações (REICHERT et al, 2011, p.131).

Deste modo, pode-se perceber que, além de uma diversificação da produção, neste caso em específico, houve práticas orientadas para uma melhor rentabilidade da propriedade familiar, auxiliando no processo de produção.

Já com relação ao estudo de Fritz et al (2011), que analisaram os indicadores de produção da agricultura familiar em um município do Rio Grande do Sul foram caracterizadas as relações e as estratégias de produção através da análise de duas propriedades privadas, ressaltaram que essas unidades familiares apresentavam peculiaridades que minimizam o êxodo rural dos produtores e, dentre elas, destaca-se a diversificação da produção para fins comercial e para o autoconsumo. Assim, FRITZ et al (2011, p.119) afirmam que “em algumas regiões, fatores como grupamentos locais, associações e cooperativas possibilitam a permanência do sistema familiar e, em outros fatores, como a diversificação produtiva ou pluriatividade, este sistema se destaca”. Ou seja, atualmente verificam-se várias estratégias de sobrevivência diferenciadas nos núcleos das unidades de produção familiar e, deste modo, percebe-se que a diversificação da produção e as atividades comerciais dessas duas propriedades são pontos fortes para a manutenção de suas atividades.

Arend (2014), em seus estudos, buscou verificar os aspectos econômicos das propriedades de tabaco no sul do Brasil, com o objetivo de analisá-las para a definição de alternativas de diversificação da produção agrícola que ora estão sendo gestadas na região. Para isso, o autor realizou uma pesquisa, entrevistando 1.200 agricultores familiares da Região Sul do Brasil, e constatou que mais de 60% dos produtores entrevistados têm uma situação declarada como estável, entretanto, apenas 29,3% não têm dívida. Além disso, mais da metade têm dívidas de custeio e quase 75% têm dívidas referentes a investimento na propriedade. O autor afirma que:

Entidades e instituições (inclusive do Governo Federal) diretamente vinculadas à cadeia produtiva de tabaco têm intensificado o debate em torno da fumicultura e da importância de programas de diversificação produtiva e de alternativas de desenvolvimento capazes de amenizar possíveis efeitos de uma maior restrição internacional (AREND, 2014, p. 119).

Ou seja, há uma grande preocupação, inclusive por parte do governo, com relação às dívidas dos produtores de tabaco na região Sul do Brasil e, por isso, busca incentivos para diversificar a produção a fim de amenizar os efeitos do cultivo de um único tipo de produto. Assim, a partir de 2006, o governo brasileiro, passou a executar o Programa de Apoio à Diversificação Produtiva das Áreas de Cultivadas com Fumo na Região Sul, com a intenção de criar oportunidades para os agricultores que produzem tabaco, diversificar suas atividades produtivas, de forma a garantir novas e alternativas fontes de renda (AREND, 2014).

Deste modo, evidencia-se que a produção de um único tipo de tabaco pode, de certa forma, não garantir uma fonte de renda estável, por ser um único produto a ser comercializado e, por isso, há, por parte de várias instituições, a preocupação com os agricultores familiares que possuem somente esta fonte de renda e, deste modo, busca incentivar a diversificação da produção.

Diante disto, pode-se afirmar que a diversificação das produções da agricultura familiar é de grande importância para que essas garantam não só a sua permanência na propriedade, obtendo renda para sua subsistência, mas também garantam possibilidades de competir no mercado.

Assim, pensando nessa questão, propõe-se, na próxima seção, um exercício pedagógico de como construir e avaliar as possibilidades de implementação da diversificação em pequenas propriedades rurais, partindo dos pressupostos da Metodologia das Árvores (CRIVELLARO, MARTINEZ NETO E RACHE, 2001).

4 Como trabalhar a diversificação da produção em pequenas propriedades em processos educativos do campo?

A Metodologia das Árvores, criada por Crivellaro; Martinez Neto e Rache (2001) através de um estudo do meio, parte da identificação de causas e consequências de conflitos para planejar soluções que sejam viabilizadas pela própria comunidade. A metodologia foi criada no contexto da formação de professores em Educação Ambiental e possibilita que os mesmos planejem e realizem ações que proporcionam soluções ou minimizações de situações conflito. Sauvé (2005) salienta que a corrente socialmente crítica da Educação Ambiental está associada a processos de compreensão dos contextos ambientais, sociais e educativos com a finalidade de transformação dos mesmos, considerando as características específicas da população e do contexto na qual se desenvolve. Com a compreensão desses contextos, é possível identificar os conflitos existentes na localidade e escolher qual deles será utilizado para desenvolver a metodologia:

Determinado o conflito, inicia-se a elaboração dessa árvore, no tronco vai o conflito principal definido em grupo. Em seguida, passa-se a pensar sobre as causas desse conflito, para que as mesmas sejam colocadas nas raízes da árvore. Esse é outro diferencial da Metodologia, pois além de possibilitar que a comunidade seja autora do diagnóstico do meio, possibilita que a própria comunidade identifique as causas do conflito (MOURA, et. al., 2018, p. 11 – tradução dos autores).

Com essa prática, a árvore conflito divide-se em tronco e aborda a situação conflito, na raiz as causas do problema enfrentado e nos galhos as consequências. Na árvore solução o tronco traz a situação conflito resolvida, na raiz os meios que estão sendo utilizados e nos galhos os fins e as maneiras encontradas para solucionar o problema na comunidade.

Eleger as ações para que se resolva a situação-conflito é um processo que exige muita discussão, é a etapa mais delicada, na qual mobiliza-se os participantes para protagonizar ações de mudança, ações que possam efetivamente ser realizadas pelo grupo (MOURA, et. al., 2018, p. 12 – tradução dos autores).

A partir das vivências concretas da primeira autora, que reside em um assentamento em Santana do Livramento no Rio Grande do Sul, apresentaremos um exercício de planejamento pedagógico com o uso da Metodologia das Árvores. Neste exercício de desenvolver a Metodologia das Árvores foi considerada a temática do policultivo para o assentamento de reforma agrária Liberdade no Futuro, o qual fica distante 24 km da cidade de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, onde moram cerca de sessenta e quatro famílias. O policultivo é uma forma de manter várias culturas na mesma área, mantendo a diversidade do ecossistema buscando a sustentabilidade.

No assentamento Liberdade no Futuro a maior parte das famílias está envolvida com a monocultura do leite, este é vendido direto para cooperativa, sendo que os próprios cooperados necessitam ir ao mercado para comprar até mesmo o leite e seus derivados. Com a crise atual da cooperativa as famílias estão endividadas. Por esse motivo é fundamental pensar em alternativas para famílias melhorarem suas rendas e diversificar a produção em suas pequenas propriedades. Nota-se que os pequenos produtores têm investido em somente um tipo de produção, deixando de lado o leque de produtos e derivados que podem ser produzidos dentro das pequenas propriedades como: iogurte, queijo, manteiga, requeijão, doce de leite, ambrosia, rapadura, etc.

A partir desta Metodologia, é possível pensar e repensar como planejar e pôr em prática projetos, primeiro com um olhar investigativo, identificando causas que nem sempre parecem tão evidentes. Na segunda etapa, colocar em prática e avaliar as ações que estão sendo desenvolvidas em consonância com a perspectiva sustentável. As figuras 1 e 2 ilustram uma possível implementação da diversificação das produções em propriedades que tem a monocultura como único modelo de produção, com o intuito de incentivar melhorias no contexto das famílias agricultoras que, muitas vezes, passam por dificuldades.

Os elementos que compõem a árvore-conflito foram identificados pela primeira autora deste artigo, a partir de suas vivências no campo. As árvores foram elaboradas como simulação de uma proposta educativa, durante o componente curricular “Gestão de Práticas Sustentáveis no/do Campo” do curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Pampa.

Figura 1 – Árvore-conflito

Uma imagem contendo texto, mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Lucilea Silva de Souza Figueroa, Aline Marluce Pires Freitas, Quessia Moraes Mello.

Figura 2 – Árvore-solução

Fonte: Lucilea Silva de Souza Figueroa, Aline Marluce Pires Freitas, Quessia Moraes Mello.

Conforme ilustrado nas figuras, a Metodologia das Árvores pode ser um caminho para o estudo de uma comunidade, feito pela própria comunidade, e para o dar-se-conta deste coletivo sobre determinado conflito e suas possíveis soluções, uma vez que essa Metodologia possibilita que se estudem os problemas de forma crítica para propor soluções que sejam pertinentes e possíveis de realizar.

5 Considerações finais

A monocultura presente em muitas propriedades rurais de famílias agricultoras mostra-se, de certa forma, um modo de produção recorrente. Porém, essa produção, muitas vezes, não é suficiente para que as famílias subsistam e, ainda, obtenham uma fonte de renda. Neste sentido, o presente trabalho buscou realizar um levantamento de produções cientificas que buscaram ressaltar os benefícios e as possibilidades da diversificação de produções em pequenas propriedades, com o objetivo de analisar em que medida essa diversificação é benéfica para essas propriedades.

Encontramos estudos no Rio Grande do Sul que afirmam que a policultura é possível e que apontam os benefícios tanto para a subsistência das famílias como para a geração de renda, o que pode acarretar, também, a diminuição do êxodo rural. Além disso, as pesquisas já produzidas mostram que existem benefícios ecológicos e culturais para as propriedades que têm este modelo de produção na atividade ou que o adotaram para as suas propriedades. Dentre eles, destacam-se: a produtividade do solo, a partir da biodiversificação de produtos e a sustentabilidade.

Referências

AREND, S. C. Famílias fumicultoras no sul do Brasil: situações econômicas dos associados à associação dos fumicultores do Brasil (AFUBRA). Revista do Desenvolvimento Regional (REDES), V.19 Ed Especial. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/5157/3564. Acesso em: 15 de abr 2019.

CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia como matriz disciplinar para um novo paradigma de desenvolvimento rural. In: Congresso Brasileiro de Agroecologia, 3., Florianópolis. Anais... Florianópolis: CBA, 2005.

CRIVELLARO, C. V.; MARTINEZ NETO, M. R.; RACHE, R. P. Ondas que te quero mar: educação ambiental para comunidades costeiras - Mentalidade marítima: relato de uma experiência. Porto Alegre: Gestal/NEMA, 2001. Disponível em: http://www.nema-rs.org.br/files/publicacoes/livro.pdf. Acesso em: 13 dez 2016.

FRITZ, K.B.B.;FRITZ FILHO, L.F.; BEZZUTI, H. A agricultura familiar no Municipio de Água Santa –RS: um estudo de caso dos indicadores agropecuários, estratégias de diversificação e autoconsumo em duas unidades de produção. Revista IDeAS, Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, 2011. Disponível em: https://r1.ufrrj.br/cpda/ideas/ojs/index.php/ideas/article/view/100/99 . Acesso em: 16 abr. 2019.

GLIESSMAN, S. R. Economic and ecological factors in designing and managing sustainable agroecosystems. In: Edens, T. C.; Fridgen, C.; Battenfield, S. L. (Eds.). Sustainable agriculture & integrated farming systems. East Lansing, Michigan: Michigan State University Press. p. 56-63, 1985

LIEBMAN, M. Sistemas de policultivos. Altieri, MA Agroecología. Bases científicas para una agricultura sustentable. CLADES. La Habana, p. 133-141, 1997. Disponível em: http://www.ayuntamientomotril.es/fileadmin/areas/medioambiente/ae/presentacion/document os /IOPolicultivos.pdf. Acessado em: 10 abr. 2019.

MAUCH, C. R; LUZZARDI, R. E. S. A segurança alimentar e a especialização do fumo da agricultura familiar no Estado do Rio Grande do Sul: um processo de erosão alimentar?. Disponível em: http://coral.ufsm.br/desenvolvimentorural/textos/artigo%20erosao%20alimentar.pdf. Acesso em: 14 de abr. 2019.

MASERA, O; ASTIER, M; LOPES-RIDAURA, S. Sustentabilidad y manejo de recursos naturales: el marco de evaluación MESMIS. México: Mundi-Prensa, 200.

MAZOYER M.; ROUDART L. História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea. [tradução de Cláudia F. Falluh Balduino Ferreira]. – São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: NEAD, 2010

MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001.

MOURA, A. C. de O. S. de; CICUTO, C. A. T. ; MONTEIRO, A. F. ; ANCINI, A. C.; GONÇALVES, M. C. G.; BATISTA, Z. G.; ROSA, S. M. da. Methodology of Trees and concept maps: paths that integrate and articulate Environmental Education and Science Teaching. Journal of Science Education. N 1, Vol 19, 2018. Disponível em: http://chinakxjy.com/downloads/V19-2018-1.html. Acesso em: 26 mar 2019.

SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, Michéle. e CARVALHO, Isabel (Org.). Educação Ambiental: pesquisa e desafio. Porto Alegre: Artmed, 2005, p.17-44.

REICHERT, L.J; GOMES, M. C.;. SCHWENGBER, J. E. Avaliação técnica e econômica de um agroecossistema familiar de base ecológica na região sul do Rio Grande do Sul. Current Agricultural Science and Technology (CAST). V.17, 2011. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/CAST/article/view/2039/1876 . Acesso em: 15 abr. 2019.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

 

 



[1] Disponível em: https://fundaciondialnet.unirioja.es/dialnet/dialnet/. Acesso em: 5 mar 2019.