As Tecnologias Digitais como condição habitativa e o Ensino de Filosofia
Digital Technologies as a housing condition and the Teaching of Philosophy
Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo, SP, Brasil
gilberto.miranda@ufabc.edu.br
Recebido em 20 de outubro de 2024
Aprovado em 09 de dezembro de 2024
Publicado em 20 de dezembro de 2024
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo refletir sobre Filosofia, Tecnologia e Ensino de Filosofia no contexto do impacto das tecnologias digitais na sociedade atual e como isso se relaciona com o ensino de filosofia na escola básica. Ele resulta da pesquisa em desenvolvimento no Mestrado Profissional em Filosofia / PROFFILO. A discussão se desenvolverá sob três interrogações: que tipo de Filosofia deveria ser mobilizada politicamente na escolarização básica para se cumprir o previsto na LDB? De que forma a Tecnologia, enquanto condição habitativa, se insere na experiência social e na formação de nossa subjetividade nos exigindo que reflitamos sobre ela para além do aspecto do ensino profissional em que está inserida? E, por fim, de que forma o Ensino da Filosofia, enquanto campo científico autônomo, pode unir o tipo de Filosofia a ser mobilizada na escola e a compreensão crítica da Tecnologia em seu papel contemporâneo? Se hoje nossa vivência está imbricada com a tecnologia de forma muito mais fundamental que em outras épocas, é papel da Filosofia mobilizar um ensino tal que capacite a sociedade a pensar-se para transformar essa vivência, caso decida, inclusive de forma rebelde, colocando em questão as estruturas que criam, desenvolvem e mantém essa relação que coisifica o ser humano a favor de quem detém o poder sobre essas mesmas estruturas. O presente artigo reflete sobre isso e procura criar condições para a criação coletiva de um consenso de classe, trazendo uma articulação entre diversos pensadores, com maior ênfase para o pensador chinês Yuk Hui.
Palavras-chave: Filosofia da Tecnologia, Ensino de Filosofia, Cosmotécnica, Cosmopolítica, Tecnologia Digital.
ABSTRACT
This article aims to reflect on Philosophy, Technology and Teaching of Philosophy in the context of the impact of digital technologies on today's society and how this relates to the teaching of philosophy in basic school. It results from the research under development in the Professional Master's Degree in Philosophy / PROFFILO. The discussion will develop under three questions: what type of Philosophy should be politically mobilized in basic schooling to comply with the provisions of the LDB? In what way does Technology, as a habitable condition, insert itself in the social experience and in the formation of our subjectivity, requiring us to reflect on it beyond the aspect of professional education in which it is inserted? And, finally, how can the Teaching of Philosophy, as an autonomous scientific field, unite the type of Philosophy to be mobilized in school and the critical understanding of Technology in its contemporary role? If today our experience is imbricated with technology in a much more fundamental way than in other times, it is the role of Philosophy to mobilize a teaching that enables society to think about itself to transform this experience, if it decides, even in a rebellious way, questioning the structures that create, develop and maintain this relationship that objectifies the human being in favor of those who hold power over these same structures. This article reflects on this and seeks to create conditions for the collective creation of a class consensus, bringing an articulation between different thinkers, with greater emphasis on the chinese thinker Yuk Hui.
Keywords: Philosophy of Technology, Teaching Philosophy, Cosmotechnics, Cosmopolitics, Digital Technology.
Introdução
Refletir sobre o ensino de filosofia sob o impacto das tecnologias digitais nos impõe, pelo menos, três dimensões ou abordagens para, em um primeiro momento, compreendermos a relação entre Filosofia, Tecnologia e Ensino de Filosofia e, em um segundo momento, preparar a construção de uma proposta concreta que ofereça respostas possíveis acerca do tema. A primeira dimensão irá procurar discutir ou problematizar que tipo de filosofia, hoje, é preciso estar na escola básica no Brasil, na medida em que não se pretende que alunos de Ensino Médio se tornem bacharéis, mas tendo como orientação a própria LDB, cujo objetivo é “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Senado Federal, 2017, p. 8). A segunda dimensão problematizará de que forma a Tecnologia, mais especificamente, as Tecnologias Digitais, compõem (ou seja: invadem e se apropriam) a experiência social e a realidade humana e, por isso, demandam uma abordagem filosófica não apenas para a sua compreensão, mas para a proposição de novas relações ou olhares sobre essa realidade. A terceira dimensão diz respeito, justamente, à relação entre a primeira e a segunda dimensões, na medida em que ambas devam se encontrar na prática de Ensino da Filosofia na escola básica e nos traz, pelo menos, duas questões: a) a necessidade de considerar o ensino da filosofia como um campo de saber próprio que não é, especificamente, nem só filosofia, nem só pedagogia e nem só filosofia da educação, mas une os três e se amplia em características próprias e b) a imprescindível compreensão filosófica envolvida no ensino de tecnologia enquanto nova condição habitativa ecológica humana e planetária, seja para futuros profissionais de TI ou para o cidadão comum dentro dessa nova condição existencial, desdobrando-se na possibilidade de criar novas relações existenciais com a tecnologia.
1ª Dimensão: Qual Filosofia deve estar na escolarização básica brasileira?
Muito mais do que uma questão política, embora, fundamentalmente, o seja, a pergunta sobre o tipo de filosofia que deve estar presente na escolarização básica nos remete a como o pensamento filosófico pode e deve enfrentar as questões mais contemporâneas de nossa existência. Especificamente no Brasil, país de origem colonial, cuja história oficial se inaugura no alvorecer da modernidade europeia e é marcada por trezentos anos de escravidão, impõe-se, quase como obrigação, um olhar crítico sobre nossa história e a genealogia do tipo de pensamento que nos tornou cativos e subalternos: o universalismo europeu.
Quando Kant nos apontou para uma possível história universal de um ponto de vista cosmopolita, sua ideia era universalizar a dinâmica social a partir do que Kepler e Newton haviam feito com a Física. Ou seja, ele hipostasiou conceitualmente um particular na construção de leis gerais que aumentariam nossa compreensão sobre os fenômenos sociais e históricos observáveis. Ao assinalar de longe o irrompimento da modernidade a partir da Revolução Francesa, Kant acreditou que poderia traçar uma história universal com leis baseadas no que acontecia na Europa. Curiosamente, colonizados, não foi permitido à América Latina e África surpreenderem o mundo com revoluções contra a opressão colonial: fomos assimilados em novas formas coloniais que têm nos impactado negativamente até hoje. As rebeliões tentadas ou possíveis são vistas como retrocesso e logo questionadas ou sufocadas pelas estruturas da Colonialidade do Poder e do Saber nos termos de Anibal Quijano[i].
Estudar Kant, o pensamento iluminista e a história do pensamento ocidental sem resgatar e estabelecer que todo eurocentrismo se trata de um particular que, politicamente, foi escolhido como universal, é um erro filosófico imperdoável na contemporaneidade. Portanto, o tipo de Filosofia necessário para se ensinar na escola passa pela desconstrução do pensamento colonial e eurocêntrico ainda presentes, buscando investigar filosoficamente as rupturas e continuidades que tornam os particulares e o imanente muito mais ilustrativos de nossa realidade do que as pretensões universalizantes em se encontrar leis gerais.
É na prática dessa Filosofia e na relação de ensino-aprendizagem na escola, que se tornam possíveis novas concepções de mundo e o resgate da possibilidade de imaginar mundos possíveis fora das estruturas que estão nos levando à extinção. Ou seja, uma Filosofia que compreenda o mundo atual de forma imanente e contribua para a construção coletiva da potência de transformá-lo a partir de seus atores: os particulares que vivem seus efeitos e não o “homem padrão” com seu narcisismo transcendente, racista e autodestrutivo.
Obviamente, trata-se de uma escolha política consciente que não descarta o estudo dos clássicos, a problematização de seus métodos, a rediscussão de seus pensamentos à luz do que vivemos e, sobretudo, procura dotar os e as estudantes das ferramentas filosóficas de um pensar que pode ir além do que já foi pensado, principalmente a partir de métodos e conceitos que possam ser criados em diálogo com a tradição filosófica, mas que digam respeito, fundamentalmente, à nossa condição existencial no Sul Global.
Parece-nos de suma importância que o tipo de Filosofia a ser mobilizado no ensino básico tenha como intuito o desvelamento das estruturas que se apresentam aos alunos a partir de uma superfície ideologizada e, principalmente, da forma como são apresentadas pelas estruturas do poder midiático. Esse intuito, porém, não é de revelar um mundo perfeito de formas puras a serem conhecidas como no racionalismo platônico, mas desencobrir o que está por trás das aparências que emolduram, condicionam e determinam nossa mentalidade, os interesses e poderes constituídos historicamente e que estão ocultos de forma proposital, afetando nossas escolhas, crenças, formas de pensar e que organizam nossa sociabilidade, nossas instituições e as maneiras pelas quais decidimos politicamente sobre a vida coletiva.
Essa decisão, sendo iminentemente política, é também metodológica e epistêmica, conforme nos ensina Patrícia Velasco:
Diferentes concepções de Filosofia implicam distintos modos de ensinar Filosofia: a escolha de temas, autores, períodos históricos e/ou habilidades cognitivas/objetivos de aprendizagem não é neutra. As reflexões sobre o ensino da Filosofia estarão, sempre, imbricadas por perspectivas filosóficas, não havendo imparcialidade docente na seleção de conteúdos e métodos de ensino, nem tampouco nas discussões sobre estes últimos. (Velasco, 2019, p. 3)
Portanto, é sob a perspectiva da Filosofia do Ensino de Filosofia que devemos decidir politicamente a identidade da Filosofia a ser mobilizada; sua finalidade e sentido formativo, como ensinar e o que ensinar, bem como as relações entre sua história, o pensamento e a história geral em sua genealogia colonialista de poderes e saberes.
2ª Dimensão: a tecnologia digital como condição habitativa.
Entendemos que somente fará sentido pensar filosoficamente a tecnologia enquanto condição habitativa contemporânea se a primeira dimensão que apresentamos estiver mobilizada no ensino de filosofia na escola. Ou seja, é somente sob a perspectiva de uma Filosofia que investigue as estruturas que determinam a ontologia em que estamos imersos e que, não só esteja disposta, mas seja capaz de criticá-la, que fará sentido pensar a tecnologia na contemporaneidade. Isso ocorre porque é a tecnologia nossa nova condição de possibilidade de experiência do real no contemporâneo; ou seja, seu contexto de produção, determinado ideologicamente enquanto cosmotécnica[ii], desde dentro da modernidade, é o que se oferece a nós enquanto usuários imersos na economia da atenção dos front-ends das plataformas.
Portanto, falar sobre tecnologia não pode se reduzir a encontrar bons usos (inclusive éticos), como se ela fosse mera ferramenta a nosso dispor. Falar sobre tecnologia significa compreender de que forma ela reorganiza e cria subjetividades e sociabilidades, sua relação com a temporalidade e o meio ambiente e, quase que inescapavelmente, como ela se imbrica e determina geopolíticas inseparáveis das percepções de nossa relação com a computação, a automação e a digitalização plataformizada enquanto condição de vida e epistêmica no século XXI.
Se grande parte do que somos, seja em nossa dimensão psíquica, seja em nossa dimensão social, guarda íntima relação com a forma como interagimos e nos comunicamos uns com os outros, a tecnologia digital enquanto condição habitativa está a construir novas e insuspeitas subjetividades. Para Valéria Wilke:
[...] a sociedade em rede foi acompanhada por um novo paradigma comunicacional, Todos-Todos, à medida que os observadores-interconectados e de posse dos aparatos tecnológicos necessários para o trânsito pelas infovias passaram poder receber e enviar as informações, e também produzir, alterar e armazená-las, formando uma rede de comunicação totalmente interconectada e interativa. Esse modelo gerou a interatividade digital e fez de cada sujeito conectado um agente receptor-produtor-disseminador de conteúdo informacional. O pressuposto desse processo foi a conversão algorítmica de sons, imagens, textos em bits. Ademais, essa circunstância provocou a ruptura nas maneiras de produzir e difundir a informação, porque ela passou a ser produzida pelos processos microeletrônicos (Wilke, 2024, p. 380).
Wilke ainda salienta que, apesar da construção de cada agente em receptor-produtor-disseminador, essa ruptura não alcançou as estruturas da lógica de acumulação pelas quais essa interconectividade acontece, havendo pouquíssimas empresas proprietárias dentro do que pode ser entendido como um oligopólio global. Esse oligopólio também se apresenta como monopólio modelar, onde apenas um tipo de modelo de negócios rege a atuação dessas poucas e grandes empresas.
E como isso nos afeta? Uma nova organização social marcada pela linguagem digital e pela mentalidade monopolista (e, por que não, colonialista?) de negócios disseminou várias categorias analíticas que, mais do que explicar um fenômeno, demonstra a que estamos sujeitos em cada conexão que fazemos ou mantemos, como: Capitalismo de Vigilância, Capitalismo de Plataformas, Dataficação e Plataformização Educacional, para citar alguns (Wilke, 2024, p. 381).
Quando em 2020, em plena pandemia da COVID-19, o mundo amargava retração em seu PIB na ordem de, pelo menos, 5,2% (Bucci, 2021, p. 8) e o Brasil, no melhor dos prognósticos, sequer ultrapassaria 1,5 trilhão de dólares de PIB, as gigantes das tecnologias, as Big Techs Apple, Amazon, Google, Microsoft e Facebook, alcançavam juntas 5 trilhões de dólares em valor de mercado. Em que pese o fato de que valor de mercado se traduza em estoque e PIB se traduza em fluxo, ainda assim essa comparação nos dá a ideia do poder dessas empresas em nível global:
O contraste não era cruel apenas para o Brasil. Era humilhante para todos os países. Os indicadores mostravam que só o PIB dos Estados Unidos (cerca de vinte trilhões de dólares) e o da China (pouco acima dos quinze trilhões) superariam os cinco trilhões. Mais nenhum outro país seria capaz de produzir, ao longo de um ano inteiro, uma riqueza suficiente para arrematar o valor de mercado das quatro maiores big techs norte-americanas (Bucci, 2021, p. 8).
Podemos dizer que nas primeiras décadas do século XXI, essas empresas levaram à excelência o que os EUA iniciaram 100 anos antes, quando criaram e potencializaram o consumo de massa baseado no desejo em substituição ao consumo baseado na necessidade. Chamado também de Soft Power, a hegemonia estadunidense se consolidou a partir da própria manipulação de sua população para, depois, se estender ao mundo através de sua potente Indústria Cultural e a sistemática manipulação de signos no inconsciente das pessoas. Uma das grandes personagens por trás dessa virada é, nada menos, que o sobrinho de Sigmund Freud, Edward Bernays[iii], que conseguiu associar o consumo a como as pessoas gostariam de serem vistas e consideradas pela sociedade.
Se parte do segredo da hegemonia estadunidense esteve alicerçado na franca propaganda que manipula signos e implanta desejos para impulsionar o consumo de massa, há de se perguntar se a fórmula continua a mesma e só se mudou os meios técnicos para tal. Teria, hoje, a economia baseada em dados os mesmos objetivos da indústria de massa do início do século passado? Hoje, nossos dados se tornaram extremamente valiosos, mas não como um fim em si mesmos, mas como insumos, ou seja; meios de se atingir de forma muito mais eficiente aquilo que Bernays conseguiu há mais de 100 anos atrás:
No correr da segunda década do século XXI, os agentes mais sagazes do mercado compreenderam como capturar e monetizar essa entidade chamada “atenção”, numa nova modalidade de negócio que conquistou um lugar próprio nos planos produtivos e nos cálculos de valor da indústria. Na capa de sua edição de 6 de maio de 2017, a revista semanal britânica The Economist trouxe uma manchete que dizia que os dados pessoais tinham se convertido no “novo petróleo”, isto é, nos recursos mais valiosos entre todos os disponíveis na natureza (Bucci, 2021, p. 10).
Da mesma forma que Bernays conseguiu amealhar a opinião pública para que os EUA entrassem na Primeira Guerra através da ideia de levar a democracia à Europa e, posteriormente, manipulou as sufragistas para que o fumo feminino fosse visto como uma contestação ao poder masculino, resultando no aumento das vendas da Lucky Strike, hoje, o Big Data consegue exponencialmente muito mais do que as pesquisas de opinião voluntárias que as agências faziam antes de qualquer campanha publicitária. Involuntariamente, mas com a sensação de uma liberdade sem precedentes, deixamos rastros comprometedores de nossos likes, deslikes, compartilhamentos e navegação que dizem muito mais sobre nossos desejos e pulsões do que qualquer questionário dirigido que possam nos fazer.
Sendo nossos dados o grande insumo para a efetividade da economia das pulsões que rege a indústria digital online, o termo Colonialismo Digital[iv] emerge como categoria indiscutível nas relações geopolíticas envolvendo a tecnologia digital. Ou seja, da mesma forma que o lítio na Bolívia atraiu a sanha golpista de Elon Musk[v] em nome da “liberdade”, a mineração de dados é feita nos territórios nacionais, enquanto seu tratamento para compor camadas algorítmicas na formatação de nossa subjetividade são feitos e armazenados em servidores externos alheios às legislações dos países. É o que Byung-Chul Han chama de Infocracia; o Kratos da informação, Regime de Informação:
Chamamos regime de informação a forma de dominação na qual informações e seu processamento por algoritmos e inteligência artificial determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos. Em oposição ao regime disciplinar, não são corpos e energias que são explorados, mas informações e dados. Não é, então, a posse de meios de produção que é decisiva para o ganho de poder, mas o acesso a dados utilizados para vigilância, controle e prognóstico de comportamento psicopolíticos (Han, 2022, p. 8).
Determinar decisivamente processos sociais, econômicos e políticos é o que todo colonialismo faz. Mas há um elemento mais decisivo do que esse domínio inicial da mineração, coleta e tratamento de dados feitos por baixo dos atrativos e úteis front-ends dos aplicativos: a Psicopolítica enquanto controle e prognóstico de comportamentos humanos. É a psicopolítica que alicerça a cosmopolítica que dispensa a violência e o uso bélico no domínio geopolítico contemporâneo. Não se trata mais da mera manipulação de desejos para aumento do consumo de mercadorias, mas da construção de cativeiros ideológicos consensuais e pseudovoluntários que estabelecem hegemonias epistêmicas e políticas.
A “desculpa” mais conhecida veiculada pelas Big Techs para os discursos de ódio, genocídios e atrocidades que já aconteceram a partir de suas conexões e são incentivados algoritmicamente para que permaneçamos conectados, foca-se no poder de amplificação que as mídias sociais deram à própria natureza humana e na ignorância atual de seu potencial, o que faz com que seus efeitos reais indesejados escapassem ao “zeloso” trabalho de moderação que fazem. Ou seja, para elas, a internet apenas revelou quem realmente somos enquanto espécie e não há muito o que fazer, pois regulá-la significa ferir o nosso mais valioso bem: a liberdade. O problema é que esse raciocínio ultrapassa, em muito, certa inocência ou o mero equívoco demonstrado: tem a ver com a lógica de seu modelo de negócios e com a ideologia dominante entre seus CEOs:
Muitos na empresa pareciam quase ignorar que os algoritmos e o design da plataforma moldavam propositalmente as experiências e os estímulos dos usuários e, portanto, os próprios usuários. Tais elementos são o cerne do produto [...]. Era como estar em uma fábrica de cigarros e seus executivos afirmarem que não entendiam por que as pessoas reclamavam dos impactos na saúde que as pequenas caixas de papelão que eles vendiam causavam (Fisher, 2023, p. 17).
Não nos iludamos, portanto, sobre a neutralidade da tecnologia. Inserida em um sistema de exploração que visa o enriquecimento exponencial privado em detrimento das pessoas e do planeta, a tecnologia precisa ser confrontada em sua natureza mais profunda a partir do contexto em que é produzida. Para o pensador chinês Yuk Hui, devemos confrontar o conceito de tecnologia desde dentro dos contextos em que elas são criadas, planejadas e desenvolvidas, pois:
[...] esses vieses ontológicos e epistemológicos só sobrevivem e triunfam porque são concretizados (talvez até pudéssemos dizer embutidos) nas tecnologias, como na arquitetura de bancos de dados e de algoritmos, na definição de usuários e nos modos de acesso. O capitalismo evolui ao investir em máquinas, ao se atualizar constantemente de acordo com os avanços tecnológicos e ao criar fontes de lucro na invenção de novos dispositifs (Hui, 2020, p. 11).
É, ao nosso ver, por meio da escola e do ensino de um certo tipo de Filosofia no interior da escolarização básica, que poderemos confrontar o conceito de tecnologia e, consequentemente, confrontar o Colonialismo de Dados com a construção de uma verdadeira Cidadania que, talvez, nem demande ser chamada, especificamente, de Cidadania Digital.
3ª Dimensão: Como o Ensino de Filosofia na escola pode ajudar a pensar a Tecnologia?
Se até aqui concordarmos com o tipo de Filosofia a ser mobilizada na escola (1ª dimensão) e concordarmos com a condição habitativa que a tecnologia se apresenta a nós (2ª dimensão), será preciso tratar sobre de que forma a Filosofia deva se imiscuir no ensino de Tecnologia e, principalmente, de que forma seu ensino e a própria tecnologia podem se beneficiar (e nos beneficiar) a partir da reflexão filosófica possível na escola.
A primeira questão a ser abordada é a importância de se interrogar o próprio Ensino da Filosofia enquanto campo científico com especificidades próprias. Se hoje ainda pairam dúvidas sobre a importância do ensino de filosofia ou sobre o que ensinar de filosofia na escola, é porque a reflexão sobre o Ensino de Filosofia não adquiriu o estatuto que merece. Apesar da vasta produção surgida nas últimas décadas (Velasco, 2019, p. 8), o que nos ajuda muito enquanto professores, há ainda uma resistência acadêmica relevante quanto ao estatuto epistemológico do Ensino da Filosofia. Ou seja, nas formações acadêmicas aprendemos filosofia, pedagogia e didática separadas, mas não discutimos seriamente sobre o que significa ensinar filosofia ou sobre seu valor formativo para o ser humano.
Sem essa discussão, a escolha consciente e política sobre o tipo de filosofia que deva ser mobilizada na escola e a forma como os temas podem ser problematizados para seu ensino não se impõem enquanto consenso de classe, pois sua inserção acaba ficando a cargo, majoritariamente, de burocratas governamentais que, embora possam até advogar a favor da filosofia, não se amparam nas verdadeiras questões da área com potencial de fazer diferença na sociedade ou na vida dos estudantes. Isso se complica ainda mais quando pretendemos interferir no que é ensinado sobre tecnologia na escola.
Segundo Patrícia Velasco, no entanto, já existe um estado da arte que poderia culminar no reconhecimento do estatuto epistemológico do Ensino da Filosofia, o que nos proporcionaria condições de melhoria contínua e de aumento de relevância junto à comunidade escolar e à sociedade. Valendo-se do conceito de “campo” em Pierre Bourdieu, Velasco reconhece a contribuição essencial de um possível reconhecimento do Ensino de Filosofia enquanto “um campo científico produtor de conhecimentos e de práticas sociais próprios” (Velasco, 2022, p. 6). É no interior de um pensamento livre, mas dentro de práticas sociais próprias e específicas, que a tematização do Ensino da Filosofia como campo científico deve melhor se traduzir em uma política efetiva e com relevância dentro da escola e do seu ensino, seja na formação docente, seja, principalmente, na prática docente.
Nós, professores, fazemos o nosso melhor dentro das condições oferecidas no ensino público nacional, mas sabemos que, dotados das reflexões e ferramentas apropriadas, participando coletivamente da problematização de nosso ofício, seremos capazes de despertar nos próprios alunos (de ensino médio e de graduação) as ações necessárias para que atuem politicamente na própria melhoria dessas condições. Essa provocação faz ecos no pensamento do filósofo francês Michel Onfray, cuja atuação como professor no ensino médio francês por muitos anos pode nos ajudar a refletir. Ao falar sobre a necessidade de “retomarmos a tocha” do pragmatismo de William James, Onfray escreve:
O pensamento deixa de ser um fim em si que legitimaria o jogo retórico, o prazer de confundir a metáfora e o real, os fatos e o virtual, para se tomar um instrumento com objetivo prático. O pensamento pelo pensamento, a filosofia pelo único prazer da filosofia, valem tanto quanto a arte pela arte: jogos que não inquietam os atores do capitalismo agressivo, grandes senhores e tolerantes enquanto se divertem os pensadores em colóquios, universidades, revistas ou editoras. A filosofia em circuito fechado, semelhante àquela que vive do sistema liberal, por e para ele, não causa nenhuma desordem, nenhum perigo, nenhum risco. [...] Uma preocupação pragmática supõe a submissão de cada ideia àquilo que ela pode produzir de efeitos dentro do real, às consequências suscetíveis de surgir nos fatos ou na história (Onfray, 2001, p. 231).
Apesar dos potenciais perdidos com a falta de reconhecimento do Ensino de Filosofia como campo científico autônomo, é necessário que reflitamos sobre como o Ensino de Filosofia pode e deve interferir no ensino de tecnologia na escola, levando em consideração, imprescindivelmente, o aspecto mais rebelde do pensar filosófico.
A nosso ver, pensar a Tecnologia na escola básica através do Ensino de Filosofia, em muitos aspectos, significa nos apropriarmos do conceito de Tecnodiversidade desenvolvido pelo pensador chinês Yuk Hui. Em sua visita ao Brasil em 2019, Hui confirmou a necessidade de pensar a decolonização a partir da perspectiva da tecnologia, na medida em que, em seu pensamento, a tecnologia é inseparável do contexto eurocêntrico e moderno em que foi desenvolvida.
O próximo passo, ao pensar a tecnologia dentro de seu contexto ontológico enquanto cosmopolítica, é permitir que se crie as condições de produção vinculadas a outras cosmopolíticas não-europeias. Para isso, Hui se vale da chamada “virada ontológica” na antropologia encabeçada por pensadores como Pierre Latour e Philippe Descola na França e Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski no Brasil. Ou seja, ao considerar a tecnologia enquanto um particular dentro de um sistema também particular moderno, abre-se espaço epistêmico para se pensar sistemas de mundo diferentes com sua própria tecnologia, seja para criar o novo ou ressignificar o já conhecido.
Para Hui esse momento é oportuno por dois motivos: o primeiro se refere ao fim da globalização unilateral; aquela em que as epistemologias particulares se impuseram como metafísica global e nos legou a hegemonia europeia e estadunidense. Não apenas porque a China, hoje, rivaliza com os EUA em seu próprio jogo, mas também, simbolicamente, na medida em que o 11 de Setembro pode ser considerado um evento “autoimune” da própria OTAN, onde “suas próprias células anticomunistas, adormecidas desde o fim da Guerra Fria, se voltaram contra seu hospedeiro” (Hui, 2020, p. 14). O segundo motivo se refere à onde nos encontramos enquanto espécie diante da crise do Antropoceno. Ambos, obviamente, estão ligados e o Antropoceno é a consequência direta da construção progressiva de uma hegemonia unilateral, cuja episteme particular foi imposta como metafísica. No entanto – e o pensamento de Hui parece ir nessa direção – é só a partir da práxis para a criação de outras cosmopolíticas, que a tendência autodestrutiva antropocênica poderá ser revertida. Não dá para saber se dará tempo ou não, mas precisamos pensar e agir no agora, preparando a próxima geração para uma mentalidade e formas de pensar que lhes deem criticidade e autonomia.
Os conceitos de Cosmopolítica e mais especificamente, de Cosmotécnica se tornam caros a esse empreendimento. É preciso que os alunos entendam que, por mais natural que nos pareça nosso meio de existência, e do quanto o próprio meio se vende assim a partir de seus aparatos ideológicos, nossa experiência de vida e o meio que nos constitui são apenas um entre tantos outros possíveis, dos quais imensa variedade já existiu, existe e/ou foi destruída na história planetária.
Kosmos significa ordem em grego e Cosmologia é o estudo de uma dada ordem supostamente constituinte do universo a partir da relação entre humanos e não-humanos, acontecendo de forma hierárquica e podendo ser teleológica ou não. Essa participação cosmológica de humanos e não-humanos e sua relação interdependente é justificada na medida em que revela ou atende a uma moral, enquanto modo de ser. Ou seja, na relação entre natureza e cultura, revela-se uma segunda natureza, aquela que constitui um mundo e já não pode ser vista como um mero ambiente, pois está sujeito a crenças:
É na questão da segunda natureza que nós podemos localizar a questão da moral, já que a moral só é revelada através de uma certa interpretação de natureza; ou colocado diferente, a natureza é conhecida de acordo com ordens e exceções (Hui, 2017, p. 322). [tradução nossa]
Para Hui, a cosmologia nunca se tratou de um conhecimento teórico puro, mas de cosmopolíticas, na medida em que sua formulação sempre esteve imbricada com uma certa definição de natureza impregnada de uma moral. Hui vai mais além. Na medida em que se empreende uma unificação entre ordem cósmica e ordem moral através de atividades técnicas, já estamos falando de Cosmotécnica. Ou seja, toda cosmologia antiga é uma cosmotécnica, na medida em que toda atividade humana é mediada e acompanhada de objetos técnicos como ferramentas que, nos termos de Heidegger, não apenas ampliam a ação humana, mas nos constitui enquanto humanos.
A intenção de Yuk Hui, e que entendemos deva se tornar a intenção do ensino de filosofia na escolarização básica, é promover a discussão da cosmotécnica enquanto pluralidade ontológica na produção e desenvolvimento tecnológico. Unindo a Filosofia da Tecnologia com os pensamentos da virada ontológica na Antropologia, propõe-se uma prática social e política que, ao mesmo tempo em que compreende o Antropoceno e é capaz de diagnosticar nossa situação existencial, pode também criar subjetividades capazes de transformar a participação humana e não-humana em um novo cosmo plural de múltiplas ontologias.
Na prática, é necessário unir uma concepção de Filosofia a ser mobilizada na escola, um olhar antropológico para a Tecnologia e um Ensino de Filosofia que se imponha a uma tarefa contrária ao que foi oferecida pela filosofia iluminista: “fragmentar o mundo de acordo com o diferente, em vez de universalizá-lo através do mesmo; induzir o mesmo através do diferente, em vez de deduzir o diferente a partir do mesmo”, já que “um novo pensamento histórico-mundial precisa emergir diante do derretimento do mundo” (Hui, 2020, p. 46).
Se há uma dimensão universal na tecnologia é seu papel no processo de hominização, ou seja, nossa compreensão enquanto espécie a partir da “exteriorização da memória e da superação da dependência dos órgãos” (Hui, 2020, p. 57). Abandonar a ideia de que só existem duas cosmotécnicas (a pré-moderna e a moderna) é uma imposição epistemológica e ético-política, na medida em que essa “hominização” ocorre de maneiras variadas e plurais a depender do local e da história de cada grupo humano. Obviamente – e Hui nos alerta para isso – esse trabalho deve ser empreendido de forma dialética, evitando que se cultive um espírito nostálgico de tradições e culturas que pode culminar em nacionalismos, etnocentrismos e essencialismos culturais.
Portanto, advogamos que só pode ser no interior de uma comunidade científica de professores de filosofia, discutindo o Ensino de Filosofia como campo próprio de saber, que poderemos construir uma Filosofia que faça diferença na sociedade, na formação humana e na nossa história como espécie, e, dessa forma, nos imiscuirmos pedagogicamente na formação tecnológica dos estudantes, sejam eles futuros programadores e/ou futuros cidadãos.
Considerações Finais
É importante salientar que, da mesma forma como pretendemos que o Ensino de Filosofia interfira no ensino de tecnologia na escola básica, é preciso compreender de que forma nossa vida imersa na tecnologia interfere e pode até melhorar o ensino de filosofia. A estrutura pública e hiperfragmentada da internet molda nossos modos de pensar, sentir, aprender e ser de maneira irremediável. O aspecto linear do aprendizado que ainda resiste na escola está sendo massacrado pela reticularidade da forma como nos informamos na internet. Claro que aprender não é, meramente, se informar, mas se concordamos que a tecnologia digital se impõe a nós como condição habitativa, o ensino precisa estar, minimamente, alinhado com as modificações que a tecnologia nos proporciona.
Cada vez mais nossa própria cognição se modifica, migrando, inadvertidamente, dessa forma anterior linear para uma cognição em rede. A internet pode proporcionar tornarmo-nos curadores competentes e cooperativos se, com seu uso, a escola for um local em que essas posturas sejam incentivadas e desenvolvidas.
Sempre que pretendemos refletir sobre como algo deveria ser, frustramos a expectativa de quem esperava que nos fosse oferecido um passo a passo de como fazer. Esse texto não é uma cartilha, mas reflete sobre questões que precisam ser discutidas coletivamente para que encontremos, juntos, as melhores práticas com potencial transformador de nossa situação atual. Pessoalmente, não consigo ver saída para onde estamos nos dirigindo enquanto espécie sem uma mobilização coletiva que passe a se importar e a refletir sobre essas coisas todas. E essa mobilização, a meu ver, só será possível via educação.
É preciso, portanto, promover a rebeldia pedagógica no interior das estruturas opressivas que tem como objetivo deixar tudo sempre como esteve. Mais do que nunca, é preciso hackear o sistema de ensino atual e deixar de esperar um salvador da pátria assumir o governo ou uma gestão mais aberta para tentar provar que isso é possível. E isso vai além do reconhecimento do Ensino de Filosofia com estatuto epistemológico próprio, mas passa pela própria formação dos futuros docentes nas licenciaturas e bacharelados da área.
Nossa sociedade precisa reaprender a sonhar e a construir imageticamente novos mundos possíveis para contrariarmos o grande Mark Fisher que nos diagnosticou como sendo mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Ser incapaz de imaginar o fim de um sistema de opressão sistemático da humanidade em prol do enriquecimento de uma minoria, já é estar no fim do mundo, no estertor do cosmos e cancelando o futuro.
Referências
BUCCI, Eugênio. A Superindústria do Imaginário: como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. (Coleção Ensaior)
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Notas
[i] Colonialidade é um conceito introduzido pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano no final dos anos 1980 e início dos anos 90 do século XX, definido pela lógica subjacente aos desdobramentos da civilização ocidental desde o Renascimento até os dias atuais. Nesta lógica, segundo Walter Mignolo (parceiro argentino de Quijano), os colonialismos históricos se apresentam como dimensão constitutiva das relações entre o norte global e o sul global, apagando identidades e formas de vida a favor de um padrão de poder eurocêntrico hegemônico. Para Quijano, a Colonialidade de Saber se refere a uma perspectiva de conhecimento que se torna hegemônica a partir do eurocentrismo, que: “[...] não se refere a todos os modos de conhecer de todos os europeus e em todas as épocas, mas a uma específica racionalidade ou perspectiva de conhecimento que se torna mundialmente hegemônica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais, prévias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos, tanto na Europa como no resto do mundo” (Quijano, 2005, p. 126). Por outro lado, a Colonialidade de Poder refere-se, entre outras questões abordadas por Quijano – como raça, divisão do trabalho e capitalismo – à formação de Estados-Nação de padrão eurocêntrico, como um: “[...] piso básico de práticas sociais comuns para todo o mundo, e uma esfera intersubjetiva que existe e atua como esfera central de orientação valorativa do conjunto. Por isso as instituições hegemônicas de cada âmbito de existência social, são universais para a população do mundo como modelos intersubjetivos. Assim, o Estado-nação, a família burguesa, a empresa, a racionalidade eurocêntrica” (Quijano, 2005, p. 124).
[ii] Explicamos o conceito de Cosmotécnica na abordagem da 3ª dimensão.
[iii] Bernays foi o criador do termo “Relações Públicas” em rejeição ao termo “Propaganda”, o que, fundamentalmente, trata-se de um mero eufemismo. Bernays se utilizou das diversas teorias e pesquisas sobre a psique (inclusive as de seu tio, Freud) e forneceu embasamento teórico para a “nova propaganda” que havia criado: “[...] ele [Bernays] afirmou que o problema dos estudos da psicologia social era justamente o fato de permanecerem na teoria, enquanto ele se propôs a colocar
seus achados em prática, testando-as diretamente através de suas campanhas” (Gehres, 2021, p. 37). Seu pensamento político associava a democracia ao consumo de massas, cuja propaganda lhe serviria de controle social ao substituir a identidade política pela identidade de consumidor.
[iv] O sociólogo sul-africano Michael Kwet conceitua o Colonialismo Digital como o uso extensivo da tecnologia digital para a dominação política, econômica e social de nações por outras nações que detém o controle dessa tecnologia (Faustino e Lippold, 2023, p. 71). No entanto, como nos alerta o professor Sérgio Amadeu da Silveira, esse conceito ainda não é consensual, havendo “tensões importantes a serem percorridas” (Silveira, Souza e Cassino, 2021, p. 8) cujo esforço deve ser empreendido em direção a uma caracterização e entendimento mais amplos.
[v] Após uma insinuação de um usuário do X (antigo Twitter) de que o bilionário teria apoiado os EUA na tentativa de um golpe na Bolívia, Elon Musk respondeu à provocação publicando a seguinte resposta: “Vamos dar um golpe em quem quisermos! Lide com isso”. Posteriormente a postagem foi apagada após a repercussão negativa da declaração (Redação Revista Exame, 2020).