O potencial de uso da Ficção Interativa (FI) e o Twineâ no ensino de Filosofia

The potential use of Interactive Fiction (IF) and TwineÓ in teaching Philosophy

 

Antonio Júlio Garcia Freire

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil

prof.antoniojulio@gmail.com

 

Recebido em 17 de outubro de 2024

Aprovado em 09 de dezembro de 2024

Publicado em 20 de dezembro de 2024

 

RESUMO

Este artigo discute o uso da Ficção Interativa (FI), com ênfase na ferramenta Twine®, no ensino de filosofia no Ensino Médio brasileiro. O objetivo é explorar como a FI pode ser aplicada para tornar o ensino de conceitos filosóficos mais dinâmico e envolvente. A pesquisa baseia-se na análise de metodologias imersivas e gamificadas, que promovem o engajamento dos alunos através de narrativas interativas. A utilização do Twine® permite a criação de histórias não lineares, em que os estudantes tomam decisões que influenciam o desenvolvimento da narrativa, simulando debates filosóficos e dilemas éticos. Como resultado, verificou-se que o uso da FI facilita a compreensão de conceitos abstratos e estimula o pensamento crítico. Conclui-se que a FI, ao ser integrada ao ensino de filosofia, pode promover uma aprendizagem mais ativa e participativa, contribuindo para a formação crítica dos estudantes.

Palavras-chave: Ficção Interativa; Twine; Ensino de Filosofia; Gamificação; Tecnologias Educacionais.

 

ABSTRACT

This article discusses the use of Interactive Fiction (IF), focusing on the Twine® tool, in high school philosophy education in Brazil. The objective is to explore how IF can be applied to make teaching philosophical concepts more dynamic and engaging. The research is based on the analysis of immersive and gamified methodologies, which promote student engagement through interactive narratives. The use of Twine® allows the creation of non-linear stories where students make decisions that influence the narrative's development, simulating philosophical debates and ethical dilemmas. As a result, it was found that the use of IF facilitates the understanding of abstract concepts and encourages critical thinking. It is concluded that, when integrated into philosophy teaching, IF can promote more active and participatory learning, contributing to students' critical formation.

Keywords: Interactive Fiction, Twine, Philosophy Teaching, Gamification, Educational Technologies.

 

Introdução

Nos últimos anos, o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC’s) tem se tornado onipresente em nossa vida cotidiana, impactando de maneira significativa a educação. Ferramentas tecnológicas desempenham um papel fundamental ao proporcionar novas formas de ensino e aprendizagem. Dentre essas, podemos destacar os simuladores das mais variadas disciplinas, plataformas de filmes interativos, além de softwares voltados para a construção de jogos voltados ao ensino, todos oferecendo experiências imersivas que transformam o aprendizado em algo mais dinâmico e engajador.

Enquanto aplicação das metodologias imersivas e lúdicas, a gamificação se estabeleceu como uma técnica motivacional poderosa, utilizando mecânicas e dinâmicas de jogos para motivar e engajar pessoas em diversas atividades e na solução de problemas (Zichermann; Cunningham, 2011, p. 03). Por outro lado, Fadel et al (2014, p. 06) nos diz que “O termo gamificação compreende a aplicação de elementos de jogos em atividades de não jogos”, enquanto no cenário educacional, o fenômeno da gamificação vem sendo utilizado como uma estratégia metodológica importante envolvendo professores e alunos (Alves et al, 2011, p. 07). Nesse contexto, a Ficção Interativa (FI)[i] – em que pese o seu aparecimento no final do último quartel do século passado - surge como um gênero de jogos inovador que pode ser aplicado com eficácia nos processos educacionais, permitindo aos alunos não apenas consumir conteúdo, mas também tomar decisões e influenciar os rumos da narrativa.

A Ficção Interativa (FI) tem o potencial de transformar o ensino de filosofia no Ensino Médio brasileiro, oferecendo uma abordagem dinâmica e envolvente para explorar conceitos filosóficos complexos. Tradicionalmente, o ensino de filosofia é estruturado em torno da leitura de textos e discussões em sala de aula, o que pode, por vezes, parecer distante para os alunos. A FI, no entanto, ao permitir que os estudantes sejam parte ativa na construção de narrativas e na tomada de decisões, cria uma experiência mais imersiva e prática, conectando-os diretamente aos dilemas filosóficos.

Entre as ferramentas de criação, edição, depuração e distribuição de FI, o Twine®, software de código aberto, tem ganhado destaque por ser uma plataforma acessível e eficiente para a criação de histórias interativas e não lineares, sem a necessidade de conhecimentos avançados em programação. Por meio do Twine®, é possível criar jogos educacionais que combinam aspectos teóricos com práticas interativas, oferecendo uma experiência de aprendizado rica e personalizada.

O objetivo deste artigo é discutir como o Twine® pode ser utilizado para construir jogos de FI, apresentar os conceitos históricos e teóricos por trás da gamificação, além de explorar as potencialidades dessa ferramenta no contexto do ensino de filosofia.

 

Gamificação: aspectos históricos e conceituais

A gamificação, como conceito, vem ganhando relevância nos últimos anos, especialmente com o advento da pandemia de Covid-19, que forçou uma reestruturação no modelo de ensino tradicional com ênfase em metodologias presenciais e não digitais. O ensino remoto emergencial, amplamente adotado durante esse período, evidenciou a importância de ferramentas tecnológicas para garantir a continuidade dos processos educativos. Nesse cenário, a gamificação se destacou como uma estratégia eficaz para manter o engajamento e a motivação dos alunos.

Uma vez que a gamificação é a aplicação dos mecanismos e dinâmicas dos jogos em contextos não exclusivamente lúdicos, podemos dizer que em relação à sua origem e seus aspectos filosóficos, os jogos estão situados no fenômeno da cultura, mas não estão restritos a ela.

 

O olhar da filosofia nos convida a refletir sobre os games a partir de sua natureza e significado cultural. O game é algo ainda mais antigo que a cultura, uma vez que cultura pressupõe a existência da sociedade humana. Os animais também brincam e, se observarmos um grupo de animaizinhos brincando, perceberemos que reproduzem atitudes e gestos que parecem um certo ritual. Brincam e se mordem com uma força que parece controlada para não machucar o outro e evidentemente se divertem com essas brincadeiras (Alves, 2015, p. 05).

 

A partir dessa observação simples, percebemos que o jogo parece representar mais do que apenas uma manifestação biológica; ele desempenha uma função significativa, o que é essencial quando o consideramos no contexto da gamificação. Existe, no jogo, algo que ultrapassa as necessidades básicas da vida, algo além do que está “em jogo”, e, conforme Huizinga (2000, p. 07) argumenta, o fato de o jogo ter um sentido implica a presença de um elemento imaterial em sua essência.

O termo gamification é recente. Apareceu pela primeira vez em 2002, mas foi McGonigal (2011) que popularizou o conceito. McGonigal argumenta que os jogos têm o potencial de não apenas entreter, mas também resolver problemas reais ao engajar os jogadores de maneira mais profunda e significativa. A gamificação, segundo a autora, envolve a aplicação de elementos dos jogos em contextos não lúdicos, como a educação, para promover o engajamento e a eficácia no alcance de objetivos. Como observa Filatro e Cavalcanti (2018, p. 162-163):

 

O termo gamification (traduzido para português por gamificação ou, mais raramente, ludificação) foi utilizado pela primeira vez em 2002 pelo programador britânico Nick Pelling, mas o tema só despertou atenção anos depois, com a publicação do livro A realidade em jogo: porque os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo[ii], de Jane McGonigal. Desde então, o tema se disseminou principalmente no mundo organizacional, que tem utilizado a gamificação como estratégia de mudança de comportamento dos colaboradores e garantia da eficiência em seus resultados.

 

Navarro (2013, p. 17) afirma, no entanto, que o termo ainda não está totalmente definido e tanto seu conceito como o de jogo, requerem uma compreensão mais ampla, conforme a seguir:

 

Ao considerar o jogo inerente ao homem e precedente à cultura, entende-se que os mecanismos dos jogos estão presentes na forma de viver e de se relacionar do ser humano desde o início da civilização. A própria sobrevivência pode ser considerada uma forma de jogar com a vida e, sendo assim, não se pode entender a gamificação como algo novo na sociedade. Assim como o jogo, a gamificação ainda não tem um conceito definitivo e exato, mas vem sendo compreendida por teóricos e desenvolvedores de jogos como a aplicação de elementos, mecanismos, dinâmicas e técnicas de jogos no contexto fora do jogo.

 

Na educação, a gamificação é vista como uma maneira de criar ambientes de aprendizagem imersivos, onde os alunos são desafiados a resolver problemas, tomar decisões e colaborar entre si. O uso de mecânicas de jogos, como pontuações, níveis de dificuldade e recompensas, pode tornar o aprendizado mais atraente e dinâmico. No entanto, ainda há desafios a serem superados em termos de implementação e aceitação desse modelo nos ambientes escolares tradicionais.

O que é Ficção Interativa (FI)?

A Ficção Interativa (FI) é um gênero de jogo em que as interações dos jogadores são predominantemente baseadas em texto. Ao longo das décadas, a FI assumiu muitas formas, desde as antigas “aventuras em texto” bastante populares em livros físicos nos anos 1970, passando por jogos eletrônicos em interfaces texto como o Zork, até jogos modernos baseados em escolhas, como o Depression Quest (IFTF, 2024). Atualmente, os jogos mais populares de FI utilizam ferramentas digitais e visuais de criação, edição e distribuição, como o Twine®, além de linguagens de programação como o Javascript®. Seja qual for a tecnologia empregada, uma das principais características da FI é a capacidade do jogador de influenciar a narrativa, tomando decisões que impactam o desenrolar da história.

 

A Ficção interativa, entendida como um tipo de programa de computador aplicado para um jogo de aventura em texto, foi uma parte significativa da experiência inicial da computação e tem sido uma grande corrente na literatura eletrônica. Trabalhos nesse formato se tornaram os primeiros best-sellers em PCs durante o início dos anos 1980 e influenciaram claramente a engenharia de software, design de interface, comunidades online como MUDs e MOOS e outras formas de mídia digital e não digital. Autores de ficção interativa incluem várias figuras literárias importantes do campo não eletrônico. Embora o apogeu comercial da ficção interativa tenha claramente acabado, esse modelo supostamente extinto ainda está fazendo avanços. Os autores de hoje, usando sistemas de desenvolvimento em software livre, continuam a inovar na forma, agradando aqueles nostálgicos pelas obras dos anos 1980 e atraindo novos devotos. O potencial da ficção interativa ainda está sendo revelado - mas claramente esse potencial é grande, seja a forma considerada apenas como uma diversão intrigante e desafiadora ou também como um novo tipo de arte literária (Montfort, 2005, p. 14, tradução nossa).

 

Os jogos de FI podem ser baseados em analisadores sintáticos, onde os jogadores inserem comandos em linguagem natural para interagir com o ambiente do jogo, ou em múltiplas escolhas, onde o jogador seleciona uma entre várias opções para avançar na narrativa. Esse segundo formato, bastante popular, permite que os jogadores explorem diferentes ramificações da história, resultando em finais variados.

 

Há um vasto mundo de ficção interativa por aí, e ele é dividido em duas categorias principais: jogos baseados em escolhas e jogos de análise sintática. Jogos baseados em escolhas são versões digitais dos livros Choose Your Own Adventure. O jogador lê um texto e clica em um link para obter a próxima parte da história. Jogos de análise sintática são outro tipo de história baseada em texto. Em vez de clicar em uma escolha, o usuário digita em uma linha de comando para dizer ao personagem o que fazer, como “pegue a espada” ou “vá para o norte”. O pensamento lateral é uma marca registrada dos jogos de análise sintática, e muitas pessoas os acham difíceis de jogar porque exigem que o leitor resolva quebra-cabeças dizendo ao personagem o que fazer no jogo. Se você não consegue adivinhar a solução do quebra-cabeça ou encontrar as palavras certas, não consegue fazer a história avançar (Ford, 2016, p. 23, tradução nossa).

 

No contexto do ensino de filosofia, ambos os tipos de FI - jogos baseados em escolhas e de análise sintática - podem ser ferramentas poderosas para explorar conceitos filosóficos. Os jogos baseados em escolhas permitem que os alunos confrontem dilemas éticos e filosóficos, tomando decisões que os levam a diferentes conclusões. Isso simula a reflexão filosófica, onde múltiplas perspectivas precisam ser avaliadas.

Já os jogos de análise sintática, com seu foco na resolução de quebra-cabeças e pensamento lateral, estimulam habilidades de raciocínio lógico e crítico, fundamentais na filosofia. Ao tentar resolver desafios, os alunos são forçados a pensar cuidadosamente sobre as palavras e ações, o que pode ser uma maneira eficaz de explorar questões filosóficas profundas, como as de epistemologia ou metafísica. Assim, ambos os formatos podem enriquecer o ensino de filosofia, promovendo uma aprendizagem interativa e reflexiva.

 

A ficção interativa e o ensino de filosofia

A natureza interativa da FI é particularmente adequada para o ensino de filosofia, especialmente em temas relacionados à ética, lógica e filosofia política. Por meio de narrativas que apresentam dilemas éticos ou problemas de lógica, os estudantes podem assumir o papel de tomadores de decisão, reforçando sua reflexão crítica e explorando as consequências de diferentes escolhas. Por exemplo, podemos considerar um jogo de FI que coloque o aluno diante de uma situação na qual deve escolher entre duas filosofias normativas, como o utilitarismo e o deontologismo, para resolver um problema ético. Ao vivenciar as implicações dessas escolhas na narrativa, o aluno não só compreende melhor os conceitos, como também desenvolve uma visão crítica e reflexiva sobre as diversas teorias filosóficas.

Além disso, a FI possibilita a criação de mundos simulados que reproduzem debates filosóficos clássicos. Os alunos podem, por exemplo, interagir com diversos pensadores, discutindo suas ideias em contextos simulados e observando como suas teorias influenciam a forma de pensar e agir. Essa interatividade permite uma aprendizagem significativa, pois o aluno não é apenas um receptor passivo do conteúdo, mas um participante ativo na construção do conhecimento filosófico.

No caso do ensino médio brasileiro, onde há uma necessidade de metodologias que engajem os alunos e despertem seu interesse pela filosofia, a FI se destaca por utilizar a linguagem digital com a qual os jovens já estão familiarizados. Ao trazer a filosofia para um ambiente gamificado e interativo, a FI pode aumentar o envolvimento e a motivação dos estudantes, fazendo com que vejam a disciplina como algo relevante e aplicável às suas vidas.

No que diz respeito à prática do professor, embora exista a singularidade de cada contexto de ensino de filosofia e que não há como definir uma metodologia universal, é essencial reconhecer a importância da didática na prática docente, especialmente no ensino médio. A filosofia, com sua complexidade conceitual, pode beneficiar-se de abordagens pedagógicas diversificadas e inovadoras, e uma delas é a metodologia baseada em jogos. Essa prática não busca substituir o papel fundamental do professor como mediador do conhecimento filosófico, mas sim oferecer novas formas de engajamento para os alunos. O uso dos jogos didáticos e a gamificação possibilitam que os estudantes participem ativamente do processo de aprendizagem, criando um ambiente escolar interativo e motivador. Os estudantes assumem o papel de protagonistas, tomam decisões e enfrentam dilemas que os aproximam de questões filosóficas. Isso pode facilitar a compreensão de conceitos abstratos, além de estimular o pensamento crítico e reflexivo.

Enquanto para o docente o ensino de filosofia requer flexibilidade e adaptação às condições de cada turma, o uso de jogos de FI e atividades gamificadas pode enriquecer a didática, tornando a filosofia mais acessível e envolvente para os alunos do ensino médio. Nesse sentido, Cerletti (2009, p. 77) afirma que:

 

[...] não há maneira privilegiada ou um método eficaz de ensinar, porque essa maneira dependerá do professor-filósofo ou da professora-filósofa que se seja e das condições em que se tente esse ensino. Pretender dispor de um conjunto de estratégias (um método, ou inclusive uma didática) que serviriam para ensinar, com mais ou menos sucesso, qualquer tema filosófico a qualquer aluno em qualquer contexto é ilusório - e muitas vezes frustrante - porque cada circunstância de ensinar filosofia é uma singularidade; mas, sobretudo, porque a aparente possessão daquelas estratégias costuma ocultar os supostos filosóficos e pedagógicos de todo ensino, e dissimular as decisões filosóficas que os professores devem tomar no dia a dia das aulas, em virtude das condições em que ensinam (Cerletti, 2009, p. 77).

 

Entendemos que ao integrar a Ficção Interativa ao ensino de filosofia, as escolas brasileiras podem enriquecer a experiência educacional dos alunos, promovendo um aprendizado mais envolvente e eficaz, que estimula a reflexão crítica, a tomada de decisões e a compreensão profunda dos principais conceitos filosóficos.

A FI tem grande potencial educacional, pois permite que os alunos explorem conceitos complexos de maneira interativa, oferecendo-lhes a oportunidade de aprender através da experiência direta e da tomada de decisões.

 

Conhecendo um pouco mais o Twine®

Lançado em 2009 por Chris Klimas[iii], o Twine® é uma plataforma gratuita e de código aberto que facilita a criação de histórias interativas. Uma das grandes vantagens do Twine® é sua simplicidade de uso: qualquer pessoa, independentemente de suas habilidades em programação, pode criar e publicar suas próprias histórias interativas. Com versões para Windows®, MacOS® e Linux, além de uma versão web que pode ser executada diretamente no navegador, o Twine® se tornou uma ferramenta acessível para professores e alunos.

O que diferencia o Twine® de outras plataformas é sua flexibilidade. As histórias criadas com o Twine® podem ser exportadas como arquivos HTML, o que facilita a sua distribuição e uso em diversos ambientes. Além disso, os usuários podem adicionar variáveis, lógica condicional e elementos multimídia, permitindo a criação de experiências ricas e complexas.

 

O básico do Twine®

O Twine® organiza as histórias em passagens, que podem ser conectadas entre si por meio de hiperlinks. Cada passagem é uma unidade de texto, e os jogadores navegam por elas clicando nos links, o que os leva a novas passagens. Isso permite que os autores criem narrativas ramificadas, onde as decisões dos jogadores influenciam o curso da história.

Uma das maiores vantagens do Twine® é a sua personalização. Os desenvolvedores podem modificar o layout e o estilo visual das histórias usando CSS, além de incorporar elementos de programação, como JavaScript, para criar mecânicas mais complexas. Isso faz com que o Twine® seja uma ferramenta versátil tanto para iniciantes quanto para desenvolvedores mais experientes.

 

A interface do Twine®

A interface do Twine® é bastante intuitiva, facilitando o processo de criação de histórias interativas. A aplicação poder ser usada tanto através da instalação de um programa específico (Linux®, macOS® ou Windows®), ou criando os jogos diretamente a partir do site (https://twinery.org). Ao iniciar o programa (ou acessar o site), o usuário se depara com uma tela que lista todas as histórias salvas (Figura 1). A partir dessa tela, é possível criar histórias ou editar histórias existentes, conforme mostrado abaixo:

Figura 1 – Tela inicial do Twine®

Interface gráfica do usuário, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente

Fonte: twinery.org.

 

Ao criar sua primeira história ou clicar sobre uma história já existente, o usuário tem acesso à área de desenvolvimento (dashboard). Num primeiro momento, são apresentadas as passagens já criadas. No exemplo da Fig. 2 abaixo, foi criada apenas uma passagem para história “Minha primeira história”.

 

Figura 2 – Dashboard do Twine®

Uma imagem contendo Interface gráfica do usuário

Descrição gerada automaticamente

Fonte: twinery.org.

 

O mapa da história ou dashboard, que é a principal área de desenvolvimento, exibe todas as passagens de uma história e as conexões entre elas. Cada passagem é representada por uma caixa, e as conexões entre elas são visualizadas por setas, facilitando a visualização e organização das ramificações da narrativa. A simplicidade dessa interface permite que os autores concentrem seus esforços na criação da história, sem se preocupar com aspectos técnicos complexos.

 

Figura 3 – Dashboard do Twine® com várias passagens.

Diagrama

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: twinery.org.

 

A filosofia do design do Twine®

O design do Twine® foi concebido para ser amigável e acessível a escritores. A ideia central por trás do software é permitir que qualquer pessoa possa criar narrativas interativas sem precisar lidar com a complexidade de programação. Isso é refletido tanto na interface quanto na documentação do software, que utiliza uma linguagem simples e voltada para a escrita criativa, em vez de jargões técnicos.

Esse foco no escritor é visível em cada aspecto do Twine®. As passagens, por exemplo, funcionam como blocos de construção da história, e sua interface visual, com caixas conectadas por setas, emula a experiência de trabalhar com notas autoadesivas, criando um ambiente familiar e acessível.

 

Conclusão

Ao longo deste artigo, discutimos o potencial da Ficção Interativa (FI), utilizando o Twine®, como uma ferramenta pedagógica inovadora no ensino de filosofia, especialmente no contexto do Ensino Médio brasileiro. A integração da tecnologia com a educação, mais especificamente por meio da gamificação e de métodos interativos, tem demonstrado resultados positivos ao promover maior engajamento dos estudantes, facilitando a compreensão de conceitos complexos e fomentando o pensamento crítico e reflexivo. O uso da gamificação, como vimos, não se restringe ao simples entretenimento, mas se configura como uma estratégia metodológica que pode enriquecer a experiência educacional. Ao incorporar elementos de jogos em ambientes de ensino, os professores podem transformar a dinâmica da sala de aula, tornando-a mais participativa e envolvente. Essa abordagem é especialmente relevante no ensino de filosofia, que frequentemente se depara com o desafio de tornar acessíveis conceitos abstratos e teorias complexas. A gamificação, ao lado de ferramentas como o Twine®, oferece a oportunidade de criar cenários interativos em que os alunos se deparam com dilemas éticos, debates filosóficos e problemas lógicos.

A FI se destaca por permitir que os alunos participem ativamente da construção do conhecimento, assumindo papéis de decisão dentro das narrativas interativas. Como exemplificado, um jogo de FI pode colocar o estudante diante de situações que envolvem escolhas filosóficas, como por exemplo, entre teorias normativas (utilitarismo vs. deontologismo). Essas escolhas, que impactam diretamente o desenvolvimento da narrativa, ajudam o aluno a refletir criticamente sobre as implicações de diferentes posicionamentos filosóficos, reforçando o aprendizado de forma prática e contextualizada.

Ademais, a flexibilidade da plataforma Twine® facilita a criação de experiências educacionais adaptadas às necessidades e objetivos pedagógicos de cada professor. Com suas possibilidades de personalização de histórias, integração de multimídia e uso de lógica condicional, o Twine® torna possível desenvolver jogos que não apenas envolvem os alunos, mas também os desafiam intelectualmente. A capacidade de integrar essas ferramentas com elementos da programação, como o uso de variáveis e scripts, também permite que educadores avancem em termos de complexidade nas narrativas e nos cenários propostos.

É importante ressaltar que, embora o potencial pedagógico da FI seja vasto, sua implementação requer planejamento cuidadoso por parte dos educadores. Não se trata de substituir os métodos tradicionais de ensino de filosofia, mas de complementá-los com uma abordagem inovadora, que favoreça o engajamento ativo dos alunos. Cada turma e cada contexto educacional apresentam suas peculiaridades, e cabe ao professor avaliar quando e como essas ferramentas podem ser mais eficazes para os objetivos propostos.

Em síntese, a integração da Ficção Interativa no ensino de filosofia pode ser uma estratégia valiosa para aproximar os alunos de conteúdos filosóficos, promovendo uma aprendizagem mais envolvente e participativa. O Twine®, com sua simplicidade de uso e potencial de criação, se mostra uma ferramenta acessível e versátil para a construção dessas experiências educacionais. Ao adotar essa abordagem, o professor possibilita que os estudantes não apenas compreendam conceitos filosóficos, mas também os vivenciem em cenários interativos, desenvolvendo habilidades críticas que são fundamentais para o pensamento filosófico. Assim, a FI, através do Twine®, pode desempenhar um papel central na renovação das metodologias de ensino de filosofia, tornando a disciplina mais acessível, dinâmica e relevante para os estudantes do Ensino Médio brasileiro.

 

Referências

ALVES, Flora. Gamification - como criar experiências de aprendizagem engajadoras. Um guia completo: do conceito à prática. 2ª ed. São Paulo: DVS, 2015.

 

ALVES, Lynn Rosalina Gama et al. Gamificação: diálogos com a educação. In: FADEL, L. M. et al, (org.). Gamificação na educação. São Paulo: Pimenta Cultural, 2014.

 

CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

 

FADEL, L. M; ULBRICHT, V. R; BATISTA, C. R; VANZIN, T. Gamificação na educação. São Paulo: Pimenta Cultural, 2014. 300p.

 

FILATRO, Andrea; CAVALCANTI, Carolina C. Metodologias inov-ativas na educação presencial, a distância e corporativa. São Paulo: Saraiva educação, 2014.

 

FORD, Melissa. Writing Interactive Fiction with Twine. Indianópolis (IN): Pearson Education, 2016.

 

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2000.

 

INTERNATIONAL FOUNDATION FOR TECHNOLOGY AND INNOVATION. Frequently Asked Questions About Interactive Fiction. Frequently Asked Questions. Disponível em: https://iftechfoundation.org/frequently-asked-questions/. Acesso em: 16 out. 2024.

 

MCGONIGAL, Jane. Reality is broken: why games make us better and how they can change the world. New York: The Penguin Press, 2011.

 

MONTFORT, Nick. Twisty little pages: an approach to interactive fiction. Cambridge (MA): MIT Press, 2005.

 

NAVARRO, Gabrielle. Gamificação: a transformação do conceito do termo jogo no contexto da pós-modernidade. Trabalho de conclusão do Curso de Especialização (lato sensu) em Mídia, Informação e Cultura, Universidade de São Paulo, 2013, 26 p.

 

ZICHERMANN, Gabe; CUNNINGHAM, Christopher. Gamification by Design: Implementing Game Mechanics in Web and Mobile Apps. Sebastopol, CA: O’Reilly Media, Inc. 2011.

 

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Notas



[i] A FI também é conhecida por outro termo: aventura de texto (ou Text Adventures). Por volta de 1975, Will Crowther, um programador e explorador de cavernas amador, escreveu o primeiro jogo de aventura de texto, o Colossal Cave Adventure (originalmente chamado de ADVENT porque um nome de arquivo poderia somente ser seis caracteres no sistema operacional que ele estava usando, e mais tarde chamado Colossal Cave). Tendo acabado de passar por um divórcio, ele estava procurando uma maneira de se conectar com seus dois filhos pequenos. Ao longo de alguns fins de semana, ele escreveu um jogo de exploração de cavernas de modo texto que contou com uma espécie de guia/narrador, que falava em frases completas e que compreendia comandos simples de duas palavras que se pareciam muito com o Inglês natural.

[ii] O título em inglês é Reality is broken: why games make us better and how they can change the world. Mantivemos a tradução do autor.

[iii] Klimas é o criador do Twine® e atualmente desenvolvedor web e designer de jogos nos Estados Unidos (EUA).