Marketing preditivo: a armadilha da personalização da informação
Predictive Marketing: the trap of information personalization
Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil
thalles1203@gmail.com
Recebido em 13 de outubro de 2024
Aprovado em 12 de dezembro de 2024
Publicado em 20 de dezembro de 2024
RESUMO
O presente texto versa sobre o marketing preditivo e a personalização da informação. A personalização compreende o caráter inaugurador da pós-modernidade, dado que esta ideia elabora o empreendimento de si, o torna-se a si mesmo. É concebida em um momento de flexibilidade da sociedade, alto consumo de bens e, a julgar que este consumo causa prazer, logo invoca-se a estrutura do hedonismo a partir da lógica da sedução pelo marketing. É importante uma leitura pragmática sobre a pós-verdade e a personalização algorítmica, com base na filosofia de Charles Sanders Peirce. Pretende-se evidenciar, a partir do pensamento do filósofo C.S. Peirce, a organização dos internautas por um método de fixação da crença. Peirce afirma que o objetivo da crença é um estado de calmaria. Em razão da procura por essa posição estável, os usuários adotam o Método da Tenacidade, segundo o qual é suficiente apenas ter uma crença, que não necessariamente deve ser fundamentada, mas que deve, sim, cumprir o objetivo de uma crença, que é a felicidade. Portanto, busca refletir como o método utilizado fortalece o surgimento da Pós-verdade e dos seus elementos Fake News e Negacionismo. A Fake News vem a ser um discurso construído com o fim da manipulação, já o negacionismo é o sentimento de ódio e a luta pelo enfraquecimento das instituições estatais e científicas que têm o intuito de estabelecer a produção de conhecimento.
Palavras-chave: Pós-verdade; Método da Tenacidade; Personalização da Informação.
ABSTRACT
The present text discusses predictive marketing and the personalization of information. Personalization embodies the inaugural nature of post-modernity, as this idea develops the notion of self-enterprise the becoming of oneself. It emerges in a period of societal flexibility, high consumption of goods, and the assumption that this consumption brings pleasure, invoking the structure of hedonism through the logic of marketing seduction. A pragmatic reading of post-truth and algorithmic personalization is essential, based on the philosophy of Charles Sanders Peirce. The intention is to highlight, through the lens of C.S. Peirce, how internet users are organized by a method of belief fixation. Peirce asserts that the goal of belief is a state of calmness. Due to the pursuit of this stable position, users adopt the Method of Tenacity, according to which it is sufficient merely to hold a belief, regardless of whether it is well-founded, as long as it fulfills the purpose of belief, which is happiness. Thus, the text seeks to reflect on how this method strengthens the emergence of post-truth and its elements, Fake News and Negationism. Fake News is a discourse constructed with the purpose of manipulation, while Negationism is the sentiment of hatred and the struggle to weaken state and scientific institutions that aim to establish the production of knowledge.
Keywords: Post-truth; Tenacity Method; Personalization of information.
Introdução
O presente artigo tem o intuito de pensar sobre o Marketing Preditivo como uma ferramenta para a personalização da informação, a qual induz a formação de crença dos indivíduos nos ciberespaços, haja vista que as mídias digitais utilizam o arcabouço dos algoritmos, principalmente os machine learning ou algoritmos de aprendizagem, para desenvolver a personalização da informação. Como efeito da personalização da informação, é necessário pensar como o problema contemporâneo da pós-verdade interage no processo formativo.
Este artigo tem como metodologia os estudos bibliográficos dos filósofos Gilles Lipovetsky, Charles Sanders Peirce, Pierre Lévy, além de outros autores preocupados com os estudos da informação e comunicação, como Lucia Santaella, Max Fisher e Giuliano da Empoli. Para finalizar, duas referências específicas para os algoritmos: Thomas Cormen e Pedro Domingos.
A personalização, segundo Gilles Lipovestsky (2022), é a autodeterminação do sujeito, é a maneira dele se construir desde a pós-modernidade, onde essa característica nasce, até a hipermodernidade. No tempo hipermoderno, as personalizações não ficam restritas apenas aos objetos de consumo, mas também englobam as informações. Eli Pariser (2012) destaca a mudança do algoritmo do Google como caminho para essa mudança nas práticas de divulgação, trabalhando títulos mais chamativos (clickbaits) e com referências mais específicas para determinados grupos de usuários.
A personalização da informação produz meios para modificação das crenças dos usuários da rede mundial de computadores, tendo como efeito as bolhas de ressonância da pós-verdade, juntamente com os seus sintomas, que são a Fake News e o Negacionismo. Ao analisar os métodos de fixação das crenças nos ciberespaços e como eles são organizados, percebe-se que os sujeitos se organizam em câmaras de ressonância das suas crenças, ou seja, os usuários buscam se organizar em ambientes que credenciam as suas opiniões.
Portanto, compreende-se que essa busca pela felicidade, consubstanciada em opiniões e ambientes acolhedores, conduz o indivíduo a certos hábitos. Logo, ao refletir sobre esses aspectos, chega-se à perspectiva pragmática, a qual guiará as discussões aqui abordadas. O filósofo C.S. Peirce (2003), no texto A Fixação da Crença, destaca que o sujeito que está suscetível à crença em algum princípio modifica seus hábitos de modo a torná-los compatíveis com a sua crença, visto que esse é um estado de espírito confortável e, por essa razão, tende-se a permanecer nele. Essa categoria se opõe ao estado de dúvida, que, por sua vez, é uma posição de inquietação, pois, quando não é possível a fixação da crença, não há o estabelecimento dos hábitos.
O filósofo explica, também, a presença de métodos de fixação da crença. Dos métodos trabalhados pelo pragmata, será destacado o método da tenacidade, pois tem como fundamento a reafirmação daquilo que o sujeito acredita. Desta forma, o sujeito não está preocupado com o caráter epistêmico da sua opinião, mas tão somente em ter uma opinião. Sendo assim, ao participar de um grupo que seja uma caixa de ressonância das suas crenças, o indivíduo tende a fixá-las cada vez mais e, assim, alcança a felicidade.
Algoritmos
Devido à necessidade de uma maior compreensão do que são os algoritmos, essa seção visa fundamentar o seu uso nas mídias sociais. Segundo o livro de Thomas Cormen, Desmistificando Algoritmos, algoritmos são definidos, de maneira geral, como “um conjunto de etapas para executar uma tarefa descrita com precisão suficiente para que um computador possa executá-la” (Cormen, 2014, p. 2). O autor descreve que o algoritmo de computador tem a função de sempre resolver de maneira correta o problema a partir de recursos computacionais: “Queremos duas coisas de um algoritmo de computador: dada uma entrada para um problema, o algoritmo deve sempre produzir uma solução correta para o problema e usar recursos computacionais eficientemente ao fazê-lo” (Cormen, 2014, p. 2).
O primeiro aspecto é denominado de correção, que é o ato de produzir uma resposta correta a certo problema. A forma de operação da correção consiste em determinar um padrão ou um fator de referência para que aquela sequência de etapas possa conduzir a solução mais eficaz:
Para alguns problemas, não temos nenhum algoritmo que determine uma solução ótima em qualquer quantidade de tempo razoável, mas sabemos de um algoritmo de aproximação que, em quantidade razoável de tempo, pode encontrar uma solução que é quase ótima. Nesse caso, “quase ótima” normalmente quer dizer que a medida quantitativa da solução encontrada pelo algoritmo de aproximação está dentro de algum fator da medida quantitativa da solução ótima. Contanto que especifiquemos qual é o fator desejado, podemos dizer que uma solução correta dada por um algoritmo de aproximação é qualquer solução que esteja dentro daquele fator da solução ótima (Cormen, 2014, p. 3).
O segundo aspecto é a utilização de recursos computacionais, a qual se refere à utilização do recurso de maneira efetiva. Portanto, é um algoritmo que oferece determinada solução correta, dentro de um tempo hábil e não custoso:
Se o seu GPS demorou uma hora para determinar qual rota ele recomenda, você se daria o trabalho de ligá-lo? Na verdade, o tempo é a medida principal de eficiência que usamos para avaliar um algoritmo, uma vez demonstrado que o algoritmo dá uma solução correta” (Cormen, 2014, p. 2).
O resultado da eficiência do sistema advém do algoritmo escrito, visto que é o algoritmo que executa de maneira eficaz no hardware e software. Caso o hardware entregue um bom desempenho, mas o algoritmo opere de maneira lenta, não existe a utilização dos recursos computacionais. Por consequência, ele não realiza um dos seus requisitos
Mesmo com os impressionantes avanços que vemos continuamente no hardware de computador, o desempenho total do sistema depende de escolher algoritmos eficientes, tanto quanto de escolher hardware rápido ou sistemas operacionais eficientes. Exatamente como há avanços rápidos em outras tecnologias de computador, também há esses mesmos avanços em algoritmos (Cormen, 2014, p. 7).
O autor explica que os programas de computador contêm os “procedimentos”, a “chamada” e os parâmetros. O primeiro é a função que é estabelecida para o programa operar uma determinada ação “[...] programas de computador contêm procedimentos (também conhecidos como funções ou métodos em linguagens de programas reais) que especificam como fazer algo” (Cormen, 2014, p.10). O segundo é o começo para o procedimento, ou seja, é o que “motiva” o código a fazer o que foi programado:
Quando chamamos um procedimento, nós lhe fornecemos entrada (usualmente, no mínimo, uma, mas alguns procedimentos não precisam de nenhuma). Especificamos a entrada como parâmetros entre parênteses após o nome do procedimento. Por exemplo, para calcular a raiz quadrada de um número, podemos definir um procedimento SQUARE-ROOT(x); nesse caso, nos referimos à entrada para o procedimento como parâmetro x (Cormen, 2014, p. 10).
Muitos algoritmos trabalham com transmissão de dados, como já citado sobre os machine learning. Eles operam fundamentados em um arranjo que associa dados do mesmo tipo em um grupo específico. Portanto, eles se comunicam por meio de agrupamentos dos dados identificados pelas máquinas, a partir dos quais são detectadas anomalias e agrupados os iguais. Os machine learning contêm, ainda, a capacidade de fazer novas operações mediante as Big datas arquivadas nos processos, mesmo sem ter sido programadas. Os dados que alimentam a máquina possibilitam as novas operações de previsões ou classificações, sendo que esses processos não são mediados pelo passo a passo dado pelo programador. Para seguir o padrão, existe o arranjo, que é o conjunto de elementos que se comunicam ou não, e os índices, que são as sequências do arranjo. Todavia, não se pode pensar nesses elementos como entidades separadas, conforme auxilia nesse entendimento o exemplo citado por Cormen:
Vamos imaginar que os livros que estão na prateleira forma um arranjo. O livro na extrema esquerda está na posição 1, o próximo livro à direita dele está na posição 2, e assim por diante. Se tivermos n livros na prateleira, o livro na extrema direita estará na posição n. Queremos determinar o número de posição na prateleira de qualquer livro de Jonathan Swift. Como um problema de computador geral, temos um arranjo A (a prateleira inteira cheia de livros na qual teremos de procurar) de n elementos (os livros individuais) e queremos determinar se um valo x (um livro de Jonathan Swift) está presente no arranjo A (Cormen, 2014, p.10).
A obra O Algoritmo mestre: como a busca pelo algoritmo de machine learning definitivo recriará nosso mundo, de Pedro Domingos, contribui para complementar o raciocínio anterior. O autor compreende que o algoritmo mais simples é a informação exclusiva, como: “Um único bit em algum local dos computadores de um banco informa se nossa conta tem ou não saldo” (Domingos, 2017, p. 20). Um outro algoritmo compõe um raciocínio, visto que ele é a combinação de dois bits em princípios lógicos:
Se o transistor A só liga quando os transistores B e C estão ligados, ele está envolvido em um pequeno esforço de raciocínio lógico. Se A liga quando B ou C está ligado, essa é outra minúscula operação lógica. E se A liga sempre que B está desligado, e vice-versa, é uma terceira operação (Domingos, 2017, p. 20 - 21).
Segundo o autor, os algoritmos são reduzidos a apenas três operações “E, OU, NÃO” (Domingos, 2017, p. 21). Todavia, essas operações tornam-se cadeias complexas de raciocínio lógico. Percebe-se, então, que o computador tem uma gama de possibilidades que são manipuladas a partir do algoritmo escrito. Ele pode desligar ou ligar algum transistor e elevar a complexidade ou a simplicidade da função: “um algoritmo desativa os transistores excedentes no computador até a função pretendida ser executada, seja o piloto automático de uma aeronave ou um novo filme da Pixar” (Domingos, 2017, p. 21).
Depois de um panorama geral, percebe-se que cada linguagem de programação tem um tipo de algoritmo. Sendo assim, para cada programador, programa e função é necessário um determinado tipo de linguagem para se criar o algoritmo. Pensar assim é pensar em um campo vasto de possibilidades de como o algoritmo pode lidar com os bancos de dados que forem atribuídos ao código. Além disso, o algoritmo tem um tempo de treinamento, ajustando os seus parâmetros internos para aprender os padrões dos dados.
O funcionamento do machine learning é diferente, pois enquanto os demais algoritmos fornecem um resultado a partir de uma demanda, os machine learning:
[...] entram os dados e o resultado desejado, e é produzido o algoritmo que transforma um no outro. Os algoritmos de aprendizado — também conhecidos como aprendizes — são aqueles que criam outros algoritmos. Com o machine learning, os computadores escrevem seus próprios programas, logo não precisamos mais fazê-lo (Domingos, 2017, p. 23)
Como já exposto, a figura do machine learning tem a capacidade de modificar as ações dos humanos, já que eles se valem de diversos filtros e, assim, possibilitam um ressoar de crenças. Deve-se entender que o algoritmo de aprendizado precisa das Big datas para conhecer e, a cada dado, manifestar-se em modelos estatísticos e, posteriormente, transformarem-se em procedimentos:
No machine learning, com frequência o conhecimento assume a forma de modelos estatísticos, porque em grande parte ele é estatístico: todos os humanos são mortais, mas apenas 4% são americanos. As aptidões costumam assumir a forma de procedimentos: se a estrada virar à esquerda, gire a direção nesse sentido; se um cervo pular na sua frente, pise no freio. [...] Em geral, os procedimentos são bem simples e o conhecimento é que é complexo. Se você conseguir distinguir quais emails são spam, saberá quais excluir. Se souber qual posição é boa em um tabuleiro de xadrez, saberá qual jogada fazer (a que leve à melhor posição) (Domingos, 2017, p. 26).
São os procedimentos que geram as análises para as máquinas de marketing preditivo, análise preditiva, mineração de dados ou qualquer outra nomenclatura que o machine learning pode assumir. Isso mostra como várias linhas programadas podem gerar outras milhões de linhas e trazer novos problemas nos campos social, político, econômico, de valor epistemológico, como também solucionar diferentes problemas computacionais.
O mercado que gira em torno da utilização de machine learning é imenso. Quem tem o maior número de dados tem o melhor algoritmo de aprendizado, por consequência, tem mais marketing preditivo e maior mercado de ambientes publicitários “Com a receita anual de 50 bilhões de dólares do Google, cada melhoria de 1% na previsão de cliques significa potencialmente mais meio bilhão de dólares anuais no banco para a empresa” (Domingos, 2017, p. 29). Além disso, existe a possibilidade de modificar a opinião pública, haja vista que há grandes interesses políticos por trás das grandes mídias sociais, considerando que as mídias se tornam um conglomerado de dados e cálculos algorítmicos prontos para organizar e prever a personalização da informação para os usuários.
A personalização da informação, os cálculos algorítmicos e as linguagens de aprendizado permeiam o novo campo político-social, onde o interesse econômico da extrema-direita favorece um discurso de liberdade de expressão. Nesse contexto, infiltra operações algorítmicas para o marketing preditivo, para a previsão dos clicks dos usuários das plataformas, dos novos estabelecimentos de subjetividades, de atitudes e de organização social, efetivando um pensamento “conciso” e “estático” entre os seus.
A análise de dados e as mídias sociais criam novas formas de lidar com os estratos sociais, com as ideologias, com o conhecimento. Portanto, deve-se estabelecer linhas de conhecimento destinadas a compreender como os usuários estão dispostos nesse universo estatístico dos dados, onde existem máquinas de aprendizado de demasiada potência.
As mídias sociais bem instrumentalizadas pelos agentes políticos capturam indivíduos de maneira ímpar com as suas formas de sedução, a sedução que não é feita simplesmente pelo aspecto do gozo, mas também pelo ódio. Cabe ressalvar que as mídias tradicionais impõem dificuldades para a instrumentalização do sentimento de ódio, pois são mídias estruturadas e limitadas por legislação. Entretanto, dentro das plataformas das mídias sociais são atribuídas as análises de dados, porque assim elas conseguem deter os dados necessários para multiplicar os seus consumidores, além de possibilitar a captura do ódio e a criação de um mundo específico para aquele grupo, como pode-se perceber em:
A partir de 2012, outros sites se unem ao blog beppegrillo.it. Entre eles, La Cosa, uma espécie de web.tv, e Tze-Tze, um site de informações compostos exclusivamente de notícias pinçadas do universo on-line tendo como critério sua popularidade. Durante essa fase, o Movimento [5 Estrela], experimenta um salto qualitativo na produção da realidade paralela teorizada há muito tempo por Casaleggio. Para os discípulos de Grillo, não é mais necessário sair da bolha para recorrer às mídias tradicionais. A Casaleggio Associati produz as informações e as distribui em seus próprios canais. Elas já são recortadas, sob medida, para viralizar no Facebook e nas outras redes sociais. Os títulos são sedutores, muitas vezes enganosos, outras vezes violentos. Começam quase sempre com as mesmas palavras e expressões: Vergonhoso, Péssima notícia, Isto é a Itália!, Vocês vão ficar chocados [...] (Empoli, 2019, p. 46-47. Grifo nossos).
A utilização do ódio no ambiente digital pela extrema-direita ocasiona diversas situações de violência, como os ataques às instituições de conhecimento, à imprensa e a outros grupos e instituições já estabelecidos e regulados. Essas situações comumente estão acompanhadas de um discurso de pela liberdade de expressão, mas que, na realidade, limita a exposição e a disseminação dos veículos de imprensa e outros divulgadores científico-culturais:
Mas a violência das declarações do Movimento 5 Estrelas contra as instituições democráticas é só o reflexo da violência verbal que a metralhadora giratória de Casaleggio continua a insuflar no debate político. Na Itália, todo jornalista ou comentarista compreendeu rápido que o simples fato de redigir um texto sobre o M5S (Movimento 5 Stelle, em italiano) o deixava exposto não só a uma onda de críticas – como seria normal –, mas a uma tempestade de insultos. A partir do final de 2013, o blog introduz uma seção dedicada ao “jornalista do dia”: geralmente, um repórter que criticou o movimento. A vítima é apresentada às massas de grillinhos como um exemplo de má-fé e da corrupção das mídias italianas e se torna pontualmente objeto de injúrias e ameaças nas telas das redes. Não é por acaso que, em seu relatório anual, o Repórteres sem Fronteiras denuncia, a partir de 2015, o Movimento 5 Estrelas como um dos fatores que mais limitam a liberdade de imprensa na Itália.” (Empoli, 2019, p. 49-50. Grifos do autor).
A aplicação desse sentimento pelo espectro político da extrema-direita constitui um modus operandi no mundo inteiro. Existem diferentes referências da utilização do ódio, como os diversos exemplos citados no livro A Máquina do Caos (2023) de Max Fisher:
A filosofia moral, antes domínio de intelectuais reflexivos, estava ficando mais empírica, alavancando as ciências exatas para encontrar a natureza efetiva da moralidade. As descobertas sugeriam uma explicação para o comportamento de Brady. Passar raiva na sua mesa ou disparar um xingamento eram coisas que o faziam se sentir mais mal do que bem. Mas, quando suas expressões de indignação atraíram atenção na internet, principalmente o incentivo de outros com ideias afins, aquela sensação tornou-se viciante (Fisher, 2023, p. 125).
A argumentação prossegue com a compreensão de que a indignação moral é um instinto de internalização social, o qual faz com que os sujeitos se aglutinem e compartilhem as ideias nas suas bolhas:
Para sobreviver, o grupo tinha que garantir que todos agiriam em prol do coletivo, sendo parte disso se darem bem uns com os outros. Para tal, era preciso um código de comportamento em comum. Mas o que você faz para todo mundo internalizar e seguir esse código? A indignação moral é a adaptação que a nossa espécie fez para atender a esse desafio. Quando você vê alguém desrespeitando uma norma importante, você se irrita. Quer que essa pessoa sofra um castigo. E se sente impelido a transmitir essa raiva para que outros também vejam essa violação e queiram participar da humilhação — e talvez do castigo — do transgressor (Fisher, 2023, p. 126).
Os processos de fixação de crença têm o intuito de criar uma teleologia do estado de calmaria da mente, o qual permeia o ressoar das crenças que os sujeitos acreditam e uma noção de pertencimento a determinado grupo. O processo não é, como diz os racionalistas, um acontecimento puro e guiado pelo logos, mas Peirce permite refletir sobre alegria de ter uma opinião que é validada por um determinado grupo social ao qual o indivíduo pertence. Logo, é importante apreender que os processos partem de questões emocionais. Gomes e Broens (2020) deixam claro como as emoções têm um papel fundamental na formação das crenças: “apesar da lógica implicar raciocínio e demonstração, viver é agir e, na maior parte das vezes, não é o exercício lógico da razão que o leva à ação” (Gomes e Broens, 2020, p. 15).
Associado a isso, as pesquisadoras compõem um paralelo em relação ao motivo da desinformação:
[...], se na contemporaneidade, os usuários das redes sociais prescindem dos fatos para validar suas crenças, um dos principais motivos da desinformação, entendemos que outros elementos de reforço descrenças estão em funcionamento, inclusive aspectos afetivos (Gomes e Broens, 2020, p. 16)
Atualmente, nas mídias sociais estão inseridos vários modos para capturar os usuários dos ciberespaços, ligados ao consumo, à manipulação das massas, tudo permeado por sedução e utilização das emoções para fixação e propagação das crenças na cibercultura. Esses artifícios emergem como sintoma dessas novas formas de comunicação e organização social, envoltas pelas tecnologias digitais de informação e comunicação, em uma sociedade hipermoderna, que nasce e se constitui com esses avanços técnicos científicos do século XXI.
A sociedade hipermoderna retoma o caráter central da modernidade, que é o progresso; amplia a questão singular da pós-modernidade, que é a personalização; e, com isso, nasce o sintoma da pós-verdade. O intuito do próximo tópico é fundamentar o que é a fixação das crenças, a pós-verdade, a fake news, o negacionismo e os seus respectivos efeitos sobre as instituições de formação, além de refletir sobre a fuga pela corrente filosófica do pragmatismo peirceano.
Pós-Verdade e o Pragmatismo
É importante refletir sobre os aspectos da desinformação com foco nos processos de fixação das crenças nas mídias sociais. Tendo em vista que as mídias sociais têm características próprias de conexão social, de aprendizagem, de linguagens e de modos de construção subjetividade, estes processos são atravessados pela personalização dos diversos produtos, incluindo a informação.
A rede mundial de computadores se desenvolve, cada dia mais, utilizando padrões de comportamento das pessoas com o intuito de manipular. Desde a chegada dos algoritmos e suas linguagens sofisticadas, não são mais necessários programadores para treinar e, assim, evoluir as máquinas.
Há, portanto, nas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) agentes que engendram cálculos que proporcionam aos sujeitos possibilidade de maior facilidade nas suas pesquisas. Ademais, envolvem os anúncios personalizados para seduzir aqueles indivíduos que talvez não estivessem interessados em ouvir música X, ler a notícia sobre a personagem Y que pronunciou algo obtuso ou sobre político que levou a uma reunião do legislativo a representação de um feto abortado. Ainda assim, os sujeitos acessam essas notícias por palavras-chaves que despertam neles o sentimento de ódio ou pertencimento.
Percebe-se que, nos ciberespaços, a busca maior por clicks gera maior capital para financiar os sítios eletrônicos, por esse motivo, a sedução é usada para aprisionar os sujeitos em suas bolhas de filtros e nelas são espalhadas informações, que são, em grande parte, formas de estabelecer a clientela unida e com as suas crenças bem estabelecidas. Os sujeitos se envolvem nessas trocas de informação não de maneira dialógica, dialética, mas sim, com a necessidade de se ter uma opinião, de fixar a crença que o conduza para o processo de pertencimento daquele grupo de conexões. Logo, ocorre o afastamento das preocupações a respeito da fundamentação da crença, pois dedica-se a outras intencionalidades que não penetram nas questões epistêmicas.
A sociedade entra em contradição quando entende-se que a conexão com a rede mundial de computadores tem acesso demasiado à informação, todavia, os usuários se restringem às suas câmaras de eco. Sendo assim, o indivíduo que está envolto no ciberespaço visualiza o telos da crença e não se preocupa em ter o valor verdade das informações contidas nesses espaços, pois o pertencimento e a alegria de estar no estado de repouso é mais instigante que nas indagações do estado de dúvida.
As instituições de fomento à educação e à ciência estão sendo constantemente atacadas por grupos de pessoas que acreditam em um “novo” modo de ordenação das ideias, o que se pode chamar de Pós-Verdade. Esse termo possibilita compreender os processos atuais de pensamento de alguns grupos da sociedade, porque explica suas implicações. É notável que a pós-verdade caracteriza o fato de indivíduos acreditarem em certos juízos que não são fundamentados em razões epistemológicas. Portanto, as informações encontram outras matrizes que fundamentam a opinião.
A pós-verdade possui elementos singulares de representação para cada grupo que participa dessas novas fundamentações de juízos, visto que alguns modos tendem a começar com ideias que promovam a manipulação, enquanto há outros que negam qualquer tipo de conhecimento. O primeiro modo pode ser chamado de fake news, pois se constitui do ato de manipular os dados científicos, as divulgações, os métodos e as mídias tradicionais, com o intuito de promover o discurso político-ideológico, além de uma posição de uma formação de crença.
Por outro lado, é razoável pensar que o negacionismo ocorre por uma ação mais contundente, devido a sua capacidade de rejeitar todas as instituições de fomento, criação e divulgação de conhecimento, além das instituições estatais. Esse movimento de desinformação também recorre a elementos inconsistentes de evidências, provocando nos seus seguidores o Anti-intelectualismo, que gera tensões nas experiências sociais, pois é contrário não só às instituições, como àqueles que conduzem as suas crenças a partir dos pressupostos científicos. Esse problema tem a proporção ampliada quando se chega ao ambiente escolar, haja vista que o professor, na sua prática pedagógica, conduz o discente a compreender aspectos que muitas vezes são opostos ao que são expostos na bolha do seu aluno.
Identifica-se que os processos gerados nos ciberespaços evocam novos critérios de fixação das crenças, já que esses processos qualificam não a virtude epistêmica das afirmações, mas sim o pathos, uma paixão, um sentimento que ressignifica as afirmações para os indivíduos. Os indivíduos, na sua vida comum, não se engajam para o desenvolvimento de uma crença com valores científicos, entretanto, se alimentam dessa condição do sentimento de pertencimento a tal grupo.
O filósofo estadunidense Charles Sanders Peirce destaca alguns métodos de fixação das crenças, os quais orientam a formulação de uma crença e todo método tem como finalidade estado de calmaria. Haja vista que, em sua teoria, existem dois estados mentais: crença e dúvida. O primeiro remete ao estado calmo e alegre, enquanto o segundo diz respeito à inquietação. Portanto, é necessário ter um método para fixar a crença e permanecer em repouso.
A filosofia pragmática de Peirce considera a aproximação entre teoria e prática, pensamento e ação, além de ser um método que possibilita o avanço do conhecimento científico. Ao aglutinar a concepção de aproximação do pensamento e ação, Peirce entende que a crença modifica os hábitos daqueles que acreditam em determinado juízo.
Com o recorte espacial do ciberespaço, e temporal da hipermodernidade, declara-se que o método de fixação da crença que se encontra nesse espaço não advém dos fundamentos científicos, logo, entende-se que as suas matrizes são orientadas por outras finalidades. Denota-se que o telos de se ter uma crença é o sentimento de pertencimento a determinado grupo. Assim, ao compreender tal exposição é apropriado refletir que o os usuários dos ciberespaços estão imersos no Método da Tenacidade.
O método da tenacidade, segundo Peirce, é modo de fixação das crenças pelo processo de reafirmação daquilo que o sujeito já aceita, tendo em vista que, por esse método o sujeito busca espaços que possam ressoar as suas crenças e, desse modo, fortalece aquilo que já acredita. Nesse sentido, com a personalização da informação, com o desenvolvimento dos algoritmos e do marketing preditivo, a capacidade de reverberação das opiniões é reforçada nos ciberespaços.
A Escola na Era da Pós-Verdade
Faz-se necessário pensar o papel da escola e dos professores dentro desse novo modelo de sociedade, de maneira a enfrentar as tecnologias digitais de informação e comunicação. Nos últimos séculos, a escola acompanhou as tamanhas transformações das tecnologias da informação como o rádio, a televisão e, mais recentemente, o advento da internet e a sua popularização. Essa disseminação trouxe várias transformações em um curto período de tempo, concomitantemente com o avanço do celular, da televisão e de outros eletrônicos que realizam comunicação no ciberespaço. Ademais, a internet concebe evoluções tecnológicas como a Articial Intelligence ou Inteligência Estendida. Será preferível o último termo, usado pela professora Lucia Santaella, porque não será atribuído um valor de autonomia da consciência. Pelo motivo de ser uma criação humana, a Inteligência Estendida carrega os valores subjetivos de quem a cria, seguindo os códigos e suas linhas de comando, as Large Language Model (LLM), cuja operação é coletar dados e buscar certos padrões para formular respostas estatisticamente possíveis. Todavia, essa criação não será sempre correta, pois pode-se criar falsas respostas às perguntas ou ações pedidas nas ferramentas.
A ferramenta de Inteligência Estendida mais conhecida é o ChatGPT, da empresa OpenAI. Esse chat possui a linguagem LLM e, como o próprio nome já informa, Generative Pre-Trained Transformer (transformação generativa pré-treinada) é um programa que tem um treinamento prévio da sua linguagem e linha de raciocínio, o qual pode permitir a criação de informações falsas e a sua vinculação a algum meio informacional, além de existir a possibilidade de manipulação de vídeos e imagens, o que pode gerar Deepfake (é a utilização de algoritmos para trocar o rosto de pessoas, sincronizar a fala com expressões faciais e demais movimentos em vídeos).
Os processamentos de informações vinculados à rede mundial de computadores realizam de maneira rápida e fácil processos de organização e busca, dentre outras funções. Por isso ela se torna estendida: por facilitar os caminhos que são pré-definidos nas suas linguagens. É necessário observar que existem algoritmos que se desenvolvem cada vez mais a partir das linguagens learning, ou de aprendizagem, as quais possibilitam um avanço significativo das suas “aprendizagens”. Aos olhos dos entusiastas da ferramenta, ela representa uma transformação na forma de pesquisar e na forma de lidar com a informação, com a criação de textos, imagens e músicas.
Todavia, o instrumental utilizado pelos discentes é, em sua maioria, o nível mais básico, pois é gratuito e assim restringe o acesso a diversas funcionalidades. Essas limitações impedem o usuário de ter a oportunidade de usar elementos para ampliar as respostas, de forma a deixá-las com teor de pesquisa e veracidade. Portanto, há a necessidade de se observar o uso das ferramentas de Inteligência Estendida com o intuito de ampliar o uso positivo, e não um uso despretensioso, que contribui para o desinteresse do discente sobre o assunto diante da facilidade de elaboração sem nenhuma atuação ativa do discente. Ao contrário, deve-se orientar a utilização da ferramenta no sentido de favorecer uma compreensão maior dos objetos estudados em sala de aula, além de contribuir para a formação de pessoas com mais uma importante tecnologia educacional.
Muitas vezes, percebe-se a escola pública de maneira isolada neste caminho, fechada para além de seus muros. Entretanto, sempre quando existe o reconhecimento desse local desconectado, critica-se o espaço escolar, sem antes entender as possibilidades que o mesmo tem de perfazer nessas poucas décadas de evolução tecnológica.
A escola é um lugar de aprendizados que capta múltiplos modos de vida. Ela funciona como uma microssociedade, porém opera da mesma maneira do período moderno, sem elo entre os conhecimentos e com uma estrutura disciplinar rígida. A escola é formada por uma busca de resultados quantificados em exames e por projeção tecnológica que não condizem com a maioria das escolas públicas, por falta de investimento e estrutura predial. Todas as novas metodologias didático-pedagógicas implementadas pelo mercado, as quais trilham para a subjetividade hipermoderna, são implementadas por meio de resoluções, pareceres e mudanças curriculares em todo território nacional.
A justificativa para a aplicação das metodologias reside na melhoria do futuro profissional dos estudantes e da posição do Brasil no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Infelizmente, não existe valorização salarial para os profissionais, tampouco investimento estrutural e fomento a pesquisas para implementação de uma educação propriamente brasileira. Observa-se que essa tentativa de implementação sem especialização e estrutura para ocorrer de forma adequada às novas técnicas pedagógicas gera desmotivação dos profissionais da educação e dos educandos.
Existe nos ciberespaços uma conduta de fixação das crenças que se torna, inconscientemente, escolhida pelos usuários das mídias sociais, a qual induz os sujeitos a acreditarem e a modificarem os seus hábitos. O método da tenacidade fortalece a crença na opinião, sem a necessidade de uma justificação legítima e universal, o que motiva uma tensão entre professor e aluno. Essa tensão pode ser reforçada pelos algoritmos, mas também pelo grupo em que os indivíduos estão inseridos dentro da escola e no seio familiar, impedindo que o indivíduo saia do estado de crença e passe para o estado de inquirição, por acreditar, naturalmente, na proposição de que a crença do outro tem uma formulação incontestável.
A hipermodernidade e os seus sujeitos hipermodernos são organizados a partir do modo narcisista de vida, orientados para a personalização do ser, daquilo que o torna ele mesmo. A individualidade, perante tais princípios, altera a ordem não apenas da organização social, mas também o modo pelo qual os indivíduos se relacionam com as estruturas de conhecimento. Por consequência, essa ruptura com o pensamento moderno, disciplinatório e institucionalizado, oferta a possibilidade para um pensamento pós-verdadeiro, como afirma o pesquisador Murilo Oliveira Marquez:
Todas essas transformações aceleradas, que têm como premissa romper com qualquer estrutura verticalizada, padronizada ou objetiva, que é, sem dúvida, passível de críticas, também podem abrir caminho para o fenômeno social da pós-verdade nas salas de aula (Marquez, 2023, p. 70-71).
O pensamento personalizado e individualizado, juntamente com a informação algorítmica, conduz os estudantes a questionarem a figura do professor, bem como as ciências e todas as estruturas formais de conhecimento, não mais como oposição argumentativa para a condução de um momento reflexivo e aglutinador, mas com o intuito de alcançar uma “vitória” qualquer, ordenado por um momento de prazer e intimidação do outro. Portanto, difere-se do exercício da dialética socrática, cujo fim último é o nascimento da ideia.
A distância entre as instituições científicas, pedagógicas, as mídias e os consumidores de informação com a iniciação das linguagens predominantes, condiciona uma forma limitada de reflexão, conclui caminhos hipermodernos de instabilidades com o conhecimento, uma vez que não há distinção entre os saberes concebidos com virtudes epistemológicas e saberes que são vazios de argumentação ou aqueles que são meras opiniões individuais dos seres. “Essa centralidade do eu em detrimento das verdades advindas do Outro favorece o afrouxamento de critérios importantes para distinguir argumentos factuais de opiniões pessoais” (Marquez, 2023, p.71).
As tensões adquiridas na experiência em sala de aula entre discentes e docentes são causadas por um produto que resulta dos movimentos da pós-verdade. O Anti-intelectualismo é marcado pela hostilidade aos ambientes de formação acadêmica e às pessoas que desenvolvem o conhecimento pelos pressupostos científicos, que têm o compromisso ético com a evolução e descoberta de novos saberes. Não só produz a hostilidade, mas, também, amplia as formas de negação dos conhecimentos advindos desses espaços e os sujeitos que o compõem. Fica claro, então, que a utilização do método da tenacidade, o qual orienta a ressonância dos próprios pensamentos, provoca hábitos circunscritos no dia a dia desses sujeitos, que resultam, por conseguinte, em movimentos de aversão àqueles que não pensam de maneira igual.
O Anti-intelectualismo, segundo o professor José Szwako, é uma forma de pensamento que produz repulsa ao pensamento intelectual, o qual pressupõe a lógica do irracionalismo, do instrumentalismo e do populismo. Pode-se pensar nessas três características como exemplos: primeiro, efetua-se, a partir da compreensão da utilização da fé como ponte de escape do pensamento científico, a aplicação de um pensamento fundamentalista para o emprego de crenças que ignoram os resultados essenciais para apreensão dos saberes científicos e seus efeitos sobre o dia a dia dos indivíduos.
Depois, dar-se-ão principalmente as inferências apresentadas pelos gestores de organizações que olham para a educação de maneira quantitativa, independentemente de serem instituições de ensino superior ou de educação básica, perspectiva que distingue a importância dos saberes reflexivos dos conhecimentos de caráter práticos, colocando o segundo em posição de valorização em detrimento do primeiro.
Por último, mas não menos importante, há a instrumentalização das instituições de formação por grupos políticos, como as falas ligadas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, as quais orientavam a redução de verba para educação, o elitismo das universidades, dentre outros ataques à educação.
É necessário que a escola estimule a diversificação de pensamento do aluno no processo formativo, buscando delimitar problemas à medida que concebe as suas raízes e agenciam os espaços onde crescem e desenvolvem os seus frutos. O professor, cumprindo a atribuição de mediador do ensino, e não de detentor do conhecimento, produz um duplo pensar, no qual o aluno é instigado a resgatar seus conhecimentos empíricos e, a partir deles, refletir sobre aquilo que está sendo mediado pelo professor. Isto é, pensar as suas atitudes referentes aos problemas e ponderar sobre como englobar aquilo que é passado de novo com o seu envolvimento em tal problema, conduzindo a dialética, na qual as suas teses são colocadas à prova pelos novos saberes, e, por meio da inquirição, pensar em uma atualização. Desse modo, o aluno terá acesso a elementos que favorecerão a conquista da consciência do seu estar no mundo, do seu papel histórico e da sua responsabilidade sobre os seus conhecimentos. Nas palavras de Paulo Freire, “é exatamente esta unidade dialética que gera um atuar e um pensar certos na e sobre a realidade para transformá-la” (Freire, 2020, p. 35).
A necessidade de abarcar a conscientização dos discentes no processo didático-pedagógico é própria de uma tentativa de fazer com que eles enxerguem o que é real na vivência, pois, ainda segundo Freire, “o medo da liberdade, de que necessariamente não tem consciência o seu portador, o faz ver o que não existe” (Freire, 2020, p. 32).
Infelizmente, na atual conjuntura educacional, em que o poder disciplinar ainda guia os movimentos dos discentes, é perceptível que não existe essa troca proposta, ao contrário, persiste a tensão que é provocada pela rigidez deste espaço. Os sujeitos calados, não pertencentes ao espaço educacional, revoltam-se com a mesma força que os pressiona, provocando um movimento reativo, no qual os indivíduos antes oprimidos, tornam-se opressores.
O docente deve afastar de sua prática a desconfiança do seu aluno, desconfiança esta que acredita que o discente não sairá do seu lugar de oprimido, de negacionista, contribuindo para o advento da autonomia no seu aspecto intelectual e social. Deve, pois, crer na possibilidade de transversalizar as linhas rígidas, crer na mudança da experiência desses indivíduos e na fuga do posto de oprimido, mas sem sucumbir à querela de ser o opressor: “[...] crer no povo é a condição prévia, indispensável, à mudança revolucionária. Um revolucionário se reconhece mais por esta crença no povo, que o engaja, do que por mil ações sem ela” (Freire, 2020, p.66).
A educação formal deve reconhecer as perspectivas que as tecnologias digitais de informação e comunicação evocam aos problemas sociais, político-ideológico e ao conhecimento, perceber, assim, a complexidade que é lidar com os equipamentos tecnológicos e as consequências produzidas pela cibercultura. Além, é claro, de aproximar os processos de formação com os processos de sociabilidade dos adolescentes, com o objetivo de trazer uma formação plural e tecnológica.
Sendo assim, é importante salientar os modos de se combater a pós-verdade, enfatizando que os ambientes de construção do saber, como as escolas, devem modificar como são atribuídos os entendimentos e compreenderem que a pós-verdade é sintoma do desenvolvimento da hipermodernidade e da cibercultura. Além disso, faz-se necessário romper com a ideia de que a internet é um instrumental, considerando que, atualmente, a rede mundial de computadores se desloca dessa perspectiva a partir das gerações que estão imersas no processo de digitalização. Como já observado no estudo, está presente, também, a influência dos aspectos informacionais, sociais, políticos-ideológicos e econômicos.
Conclusão
Conclui-se, então, que é necessário compreender o avanço das tecnologias digitais de informação e comunicação e como a personalização opera no aspecto mercadológico e na informação, além de se debruçar sobre as funcionalidades dos algoritmos de aprendizagem e suas funções no marketing preditivo. Percebe-se com o estudo a importância de estar atento ao método de fixação da crença pautado pela filosofia de C. S. Peirce, a qual estabelece parâmetros para se pensar a formação das crenças nos ciberespaços. A escola, enquanto espaço de formação, deve desenvolver práticas direcionadas à ruptura com o método da tenacidade, privilegiando os conhecimentos científicos de maneira a contrapor o pensamento do discente, fazendo-o transitar do estado de crença para o estado de dúvida.
Logo, o professor precisa caminhar e tornar o conhecimento prazeroso e complexo, evitando as frases de efeito e as aulas como monólogos decorados e decorativos. Pode-se, assim, levar ao processo de investigação daquilo que é dado ao cotidiano dos alunos, porque a motivação das aulas, nesta proposta, é o incentivo do discente a perguntar, a questionar, a indagar, para sair do estado de curiosidade ingênua e evocar as perguntas fundamentais. Para tanto, exige-se do docente a compreensão dos aspectos que envolvem a crença e a cadeia de produção destas.
Destarte, também é necessário evidenciar os argumentos científicos, a fim de proporcionar uma atitude crítica a esses discentes, levando o conhecimento científico, a linguagem científica, de modo que, mesmo fora do espaço escolar, tenham ferramentas para coordenar as linhas argumentativas, tenham autonomia dos seus hábitos, das experiências de conhecimento para além dos ambientes de formação.
O conhecimento deve ser mediado pelo processo de pesquisa, provocação, filtragem de dados e construção de argumentos, para que o aluno seja instrumentalizado, para que se envolva no aprendizado, pois, caso contrário, não é aprendizagem, é reprodução.
Este grande avanço tecnológico sem a devida regulamentação e sem a consideração do que ocorre, como ocorre, e porquê ocorre, demonstra o quanto a educação, a política e a sociedade estão sofrendo com os processos de negacionismo, fake News e com os discursos de ódio, os quais a extrema-direita conseguiu capturar muito bem e utilizar de maneira efetiva aos seus interesses. Num primeiro momento, Pierre Lévy e outros pensadores colocam essa nova forma de tecnologia como expoente do avanço de novas estruturas de poder que tornam a informação mais acessível, porém essa acessibilidade à informação não implica produção de conhecimento, mas resulta no artifício da crença em uma realidade que não é pautada em virtudes epistêmicas. A escola, por sua vez, em meio a esse avanço demasiado das tecnologias digitais de informação e comunicação, ficou estagnada no pensamento de liberdade ou restrição do uso das tecnologias.
Com isto posto, precisa-se criar novas formas de lecionar, produzir novas formas de experimentar o conhecimento com toda a possibilidade que a tecnologia oferece e que o mundo hipermoderno pede, e, ao mesmo tempo, fazer com que essas inovações sejam capazes de efetivar um pensamento reflexivo, que instrumentalize os alunos a sempre terem uma atitude crítico-filosófica.
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