O Ensino de Filosofia na Sociedade do Desempenho: implicações tecnológicas neoliberais na escola e a importância das emoções na aprendizagem
Teaching Philosophy in the Performance Society: neoliberal technological implications in school and the importance of emotions in learning
Rafael Douglas Sousa de Andrade
Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil
rafaeldouglassousa@hotmail.com
Recebido em 08 de outubro de 2024
Aprovado em 12 de dezembro de 2024
Publicado em 23 de dezembro de 2024
RESUMO
Na contemporaneidade da era digital, sujeitos são solapados pela pandemia tecnológica que emprega em suas vidas novas maneiras de agir e pensar. A sociedade do desempenho é produto desse novo período. Cobranças excessivas e excesso de positividade marcam sujeitos adoecidos com patologias psicossomáticas, tais como ansiedade e depressão. No contexto escolar, tal realidade é exponencial, devido às cobranças sobre discentes, negação de emoções que não seguem a lógica do desempenho e “irrelevância” de disciplinas que questionam esse devir social. A reflexão presente neste artigo pondera o ensino de filosofia como marco emancipatório do fenômeno supracitado e, além disso, possui o objetivo de salientar a importância de considerar as emoções dos alunos como ferramenta auxiliadora da aprendizagem, em contramão ao nexo de um corpo social dominado pelo desempenho. A metodologia guiadora da pesquisa é teórico bibliográfica crítica. O presente estudo divide-se em 3 tópicos que examinam a realidade digital na vida humana, bem como as inferências na realidade escolar e o ensino de filosofia como prática resistente sobre a acriticidade. Como resultado, concluiu-se que, a lógica neoliberal de desempenho tecnológica é um utensílio poderoso na formatação dos sujeitos e na expropriação e exploração de um indivíduo envolto do capitalismo de vigilância e capitalismo da informação. Ambos os fenômenos são oriundos desse meio tomado pela realidade digital e que afetam, diretamente, o ambiente escolar. Contudo, o ensino filosófico, respaldado na importância de ponderar a realidade e as emoções discentes, evoca-se como magistral forma de resistência e perseverança na formação da criticidade.
Palavras-chave: Ensino de Filosofia; Sociedade do Desempenho; Neoliberalismo; Aprendizagem; Emoções.
ABSTRACT
In the contemporary digital era, subjects are undermined by the technological pandemic that employs new ways of acting and thinking in their lives. The performance society is a product or this new period. Excessive demands and excessive positivity mark subjects suffering from psychosomatic pathologies, such as anxiety and depression. In the school context, this reality is exponential, due to the demands on students, denial of emotions that do not follow the logic of performance and “irrelevance” of subjects that question this social becoming. The reflection present in this article considers the teaching of philosophy as an emancipatory landmark of the aforementioned phenomenon and, in addition, has the objective of highlighting the importance of considering students' emotions as a tool to aid learning, contrary to the nexus of a social body dominated by performance. The research guiding methodology is critical bibliographic theory. The present study is divided into 3 topics that examine digital reality in human life, as well as inferences in school reality and the teaching of philosophy as a resistant practice on uncriticality. As a result, it was concluded that the neoliberal logic of technological performance is a powerful tool in shaping subjects and in the expropriation and exploitation of an individual surrounded by surveillance capitalism and information capitalism. Both phenomena come from this environment taken over by digital reality and directly affect the school environment. However, philosophical teaching, supported by the importance of considering reality and student emotions, is evoked as a masterful form of resistance and perseverance in the formation of criticality.
Keywords: Teaching Philosophy; Performance Society; Neoliberalism; Learning; Emotions.
Introdução
No século XXI, os avanços exponenciais da internet, em concomitante às redes sociais, fomentam sujeitos entrelaçados ao novo fenômeno social/digital, caracterizado pelo excesso de exposição e imediatez, oriundos do mundo digital. É posto em voga um dilema aos sujeitos, no que tange seu papel de desempenho¹ na sociedade. Cada vez mais, indivíduos cobram-se excessivamente na desenvoltura de um protagonismo social sobre os outros. A auto-cobrança força sujeitos a estarem ampliando mais trabalhos e cobranças para si, exaurindo espaços de descanso em prol de uma “proatividade” sem limites.
O marco de uma sociedade que caminha ao desempenho e positividade descomunal obtém como produto, indivíduos quebrados em níveis psicológicos. Essa quebra resulta em doenças psicossomáticas que, tomam a dianteira e fomentam sujeitos nessa nova lógica social. Depressão, ansiedade, burnout (síndrome do trabalho excessivo), entre outras patologias explicitam as lacunas sociais da contemporaneidade:
Cada época possuiu suas enfermidades fundamentais. Desse modo, temos uma época bacteriológica, que chegou ao seu fim com a descoberta dos antibióticos. Apesar do medo imenso que temos hoje de uma pandemia gripal, não vivemos numa época viral. Graças à técnica imunológica, já deixamos para trás essa época. Visto a partir da perspectiva patológica, o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal. Doenças neuronais como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou a Síndrome de Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI. Não são infecções, mas infartos, provocados não pela negatividade de algo imunologicamente diverso, mas pelo excesso de positividade. Assim, eles escapam a qualquer técnica imunológica, que tem a função de afastar a negatividade daquilo que é estranho. (Han, 2017b, p. 07-08)
No contexto escolar, é pandêmico o uso de tecnologias como ferramentas presentes no cotidiano da sala de aula, por consequência, o bombardeamento da positividade proativa - de um regime neoliberal de desempenho - entrelaça os discentes com cobranças excessivas. Como resultado, obtêm-se uma sociedade mergulhada em problemas neuronais psicossomáticos.
Tratando especificamente da disciplina de filosofia, é de fundamental importância o seu fomento, visto sua característica intrínseca questionadora. Dada essa particularidade, é notável que, em um espaço dominado pelo tecnológico, a filosofia surge como válvula de escape para compreensão e reflexão desse fenômeno contemporâneo. Contudo, sofre ataques que incentivam sua negação, em uma sociedade que volta-se para um regime neoliberal de funcionamento. Isso deriva-se de movimentos políticos e sociais que perfazem a negatividade sobre uma educação crítica:
Essa pedagogização se expressa disciplinando, hierarquizando, transformando a educação em um organismo, no qual cada órgão tem uma função; e também subjetivando conforme critérios e práticas educacionais que sirvam ao mercado. Trata-se de territorializações coniventes com os movimentos capitalísticos. (Marinho; Sousa, 2023, p. 108)
Um questionamento é imperativo na temática do binômio contemporâneo escola-tecnologia: Como tecnologias sociais/digitais influenciam o aprendizado dos discentes? Refinando ainda mais a indagação, carregando o debate para seara do ensino de filosofia, quais as influências dessa mazela contemporânea, sobretudo em uma disciplina escolar historicamente marginalizada? A partir desse refinamento, trataremos de traçar um paralelo entre o ensino de filosofia em um corpo social dominado pela lógica neoliberal e o domínio do digital que, sistematicamente, obstaculiza o aprendizado.
Trabalhando no cerne da contemporaneidade digital, são variados os referenciais teóricos críticos que discorrem sobre a problemática tecnológica nas relações humanas. Filósofos(a) como Byung-Chul Han, Shoshana Zuboff e Luciano Floridi, destacam-se nesse ínterim. Outrossim, no que tange o domínio da educação, exercido pela teoria de poder neoliberal, falas potentes da filósofa Ada Kroef tecem importantes reflexões sobre a realidade brasileira do ensino de filosofia.
Guiando-se por tais referenciais, o presente artigo une-se no esforço teórico de pensar a importância do ensino de filosofia como forma de resistência, frente à lógica neoliberal digital. A metodologia que guiará a escrita do artigo científico será bibliográfica. A presente pesquisa será dividida em três tópicos da seguinte forma: 1º será abordado a fase tecnológica do século XXI, em que o imperativo vigilante das tecnologias digitais/sociais, desenvolvem a política neoliberal, concomitantemente, chegando na realidade escolar; 2º será trabalhado a sociedade do desempenho, oriunda daquele fenômeno social abordado na primeira parte, e o impacto no ensino de filosofia; Por fim, no 3º tópico do artigo, abordar-se-á o ensino de filosofia como meio reflexivo sobre a questão das emoções e da aprendizagem e forma de resistência ao presente fenômeno social supracitado.
É significativo destacar que, ferramentas tecnológicas surgem, a princípio, como meios auxiliares de gestão de tarefas humanas. Porém, a realidade neoliberal do século XXI usurpa esses equipamentos em prol de sua lógica. Esta ideia parte da formatação de um sujeito crítico, em um estado de controle acrítico² , muito fomentado pela caracterização de discursos e políticas públicas que lutam pelo fim da filosofia. No ambiente escolar, os resultados assustadores de desinteresse dos discentes em sala de aula, encontra prerrogativas em um ambiente tomado pela concepção do desempenho. Este artigo, para além de alarmante, é um clamor pela ação. Professores, uni-vos!
Contemporaneidade tecnológica: infosfera, capitalismo de vigilância e crise da liberdade
É importante, antes de adentrar profundamente no debate acerca da educação, elucidar ao leitor em qual estágio a tecnologia social/digital perpetra-se no presente. Afunilando esse escopo, é eminente a compreensão do corpo social dominado pela vigilância do capitalismo de informação e do capitalismo de vigilância. O esclarecimento é necessário, pois, parte da perspectiva dessa lógica capitalística os impactos individuais, sociais, políticos e econômicos sobre os sujeitos. Este artigo deterá-se no nexo que envolve as investidas sobre a educação, em especial o ensino de filosofia. Portanto, o conjunto social e político, supracitados anteriormente, tornam-se o denominador comum daquele efeito. Entender que há no século XXI uma epidemia tecnológica, é primordial para debater quais os moldes da educação hoje. Nesse sentido, é importante destacar o papel da informação e como ela transfigurou-se nessa nova realidade. Floridi (2013) salienta a existência de um espaço, real e digital, no qual a informação circula livremente, é a chamada infosfera: "A infosfera é a esfera constituída por toda informação, entendida como um todo abrangente, incluindo dados, fatos, conhecimentos, crenças e qualquer outra forma de conteúdo informacional" (Floridi, 2013, p. 10). A percepção desse novo estágio da informação, que agora possui status digital, é basilar para o conhecimento do capitalismo de vigilância.
O capitalismo de vigilância é o novo status que o neoliberalismo desenvolve para patrulhamento dos sujeitos. Desenvolvido pela filósofa norte-americana Shoshana Zuboff, esse conceito reflete o vigente estado vigilante fulcral para a nova faceta do poder neoliberal.
O capitalismo de vigilância reivindica de maneira unilateral a experiência humana como matéria-prima gratuita para a tradução em dados comportamentais. Embora alguns desses dados sejam aplicados para o aprimoramento de produtos e serviços, o restante é declarado como superávit comportamental do proprietário, alimentando avançados processos de fabricação conhecidos como “inteligência de máquina” e manufaturado em produtos de predição que antecipam o que um determinado indivíduo faria agora, daqui a pouco e mais tarde. Por fim, esses produtos de predições são comercializados num novo tipo de mercado para predições comportamentais que chamo de mercados de comportamentos futuros. Os capitalistas de vigilância têm acumulado uma riqueza enorme a partir dessas operações comerciais, uma vez que muitas companhias estão ávidas para apostar no nosso comportamento futuro. (Zuboff, 2020, p.21).
A transformação de usuários das mídias sociais em dados mercantis é essencial em dois aspectos: 1º fomentar o mercado de dados; 2º a partir da mercantilização desses dados, seja feito um “perfil” desses usuários. Esse delineamento do sujeito possui o intuito de conhecer, controlar e até predizer seus comportamentos. Os impactos tangem às esferas sociais, políticas e econômicas. O método melindroso de obtenção desse conhecimento do sujeito é quase imperceptível, pois, a vigilância por vezes é aceita pelo próprio indivíduo:
Essa nova forma de controle é permissiva, silenciosa e afável: permissiva,pois o sujeito aceita termos e licenças para uso dessas novas tecnologias –notebooks, smartphones, televisores
–concedendo acesso aos microfones, às câmeras e às mensagens de texto –se não o aceita, acaba por não conseguir usar os aparelhos ou aplicativos –; silenciosa,pois o sujeito não nota o constante estado de vigilância e o contínuo oferecimento de seus dados e de sua individualidade ao virtual; afável,pois o sujeito sente-se abraçado pela nova onda das redes sociais (Andrade, 2023, p. 124).
Depreende-se um feroz modo de controlar os sujeitos. A condução do corpo social é envolto de uma rede algorítmica³ complexa, que dita as ações de seus usuários. O controle sobre o agir determina os passos dos usuários, condenando todos a uma crise de sua liberdade. Esta é evocada em uma realidade engolida pelos dados das tecnologias digitais/sociais:
Vivemos em um momento histórico particular, no qual a própria liberdade provoca coerções. A liberdade de poder (Können) produz até mais coações do que o dever (Sollen) disciplinar, que expressa regras e interditos. O dever tem um limite; o poder não. Portanto, a coerção proveniente de poder é ilimitada e, por esse motivo, encontramo-nos em uma situação paradoxal. A liberdade é a antagonista da coerção. Ser livre significa estar livre de coerções. Ora, mas essa liberdade que deveria ser o contrário da coação também produz ela mesma coerções. Doenças psíquicas, como depressão ou burnout são expressões de uma profunda crise da liberdade: são sintomas patológicos de que hoje ela se transforma muitas vezes em coerção. O sujeito do desempenho, que se julga livre, é na realidade um servo: é um servo absoluto, na medida em que, sem um senhor, explora voluntariamente a si mesmo. Nenhum senhor o obriga a trabalhar. O sujeito absolutiza a vida nua e trabalha. A vida nua e o trabalho são dois lados de uma mesma moeda: a saúde representa o ideal da vida nua. A esse servo neoliberal a soberania é estranha, ou melhor, a liberdade daquele senhor que, segundo a dialética hegeliana servo-senhor, não trabalha e apenas goza. Essa soberania do senhor consiste em elevar-se além da vida nua e, consequentemente, em aceitar até mesmo a própria morte (Han, 2018b, p. 9-10).
Conclui-se então que, o capitalismo de vigilância é um poderoso meio no qual a tecnologia entranha-se na vida. O controle dos sujeitos é cada vez mais eficaz, tanto por sua silenciosidade ativa, bem como pela sua onipresença intrínseca nos instrumentos digitais, sociais, informacionais e comunicacionais. A sociedade do desempenho reside, então, no âmago desta problemática informacional/comunicacional/digital. Sua presença auxilia o meio como forma ativa de exploração dos sujeitos, determinando um estado protagonista de extração de comportamentos e aniquilação silenciosa da criticidade. No sentido político, a educação é severamente atacada, sobretudo disciplinas ditas ciências humanas. Tais atos oportunizam-se da acriticidade social, formas de exclusão daquelas matérias escolares.
Portanto, a partir da breve explanação de como as ferramentas de vigilância digital perpetram, hoje, na vida humana, seguem as perguntas voltadas para educação: como o ambiente escolar encontra-se vigente com tal imperativo vigilante digital? De que modo o ensino de filosofia é afetado por conta dessa tecnologia? Do mesmo modo que sujeitos são solapados a essa lógica, a escola situa-se afetada ativamente sobre esse meio. Aliada a ideia de desempenho, o discurso da positividade⁴, oriundo das redes sociais, afeta ensino-aprendizagem. Destarte, no tópico a seguir, será debatido como a supressão da disciplina filosófica, em um meio dominado tecnologicamente, salienta a ignorância e suprime, dos discentes, as emoções, estas, importantes auxiliadoras da aprendizagem. Ademais, como o ensino de filosofia torna-se uma técnica de resistência frente ao regresso destacado anteriormente.
Aprendizagem na realidade neoliberal: a negação das emoções discentes como salientadora da ignorância e o ensino de filosofia como prática resistente
“É preciso perseverar no ensino de filosofia”.
(Silvio Gallo, 2014)
Tratando-se da aprendizagem, a imposição sutil da sociedade do desempenho analgesia os indivíduos em toda sua forma. A coação violenta de tal sociedade efetua-se pela negação do outro, das emoções e de qualquer forma que questiona essas imposições.
A coação à conformidade e a pressão por consenso crescem [...] A política paliativa não é capaz de visões ou de reformas penetrantes. Ela prefere tomar analgésicos de curto efeito, que apenas aceleram disfunções e rejeições [...] Vivemos em uma sociedade da positividade, que busca se desonerar de toda forma de negatividade. A dor é a negatividade pura e simplesmente. Também a psicologia segue essa mudança de paradigma e passa, da psicologia positiva como “psicologia do sofrimento”, para a “psicologia positiva”, que se ocupa com o bem-estar, a felicidade e o otimismo. Pensamentos negativos devem ser evitados. Eles devem ser substituídos imediatamente por pensamentos positivos. A psicologia positiva submete a própria dor a uma lógica do desempenho. (Han, 2021, p.10-11)
O digital possui influência sobre essa nova lógica. Mídias sociais, fomentam esse papel da positividade, seja na exploração do desempenho dos sujeitos ao máximo, como também em sua imposição como força dominante. A criticidade, os valores emocionais dos sujeitos e seu protagonismo são postos de lado, promovendo então um estado de acriticidade e negação das emoções:
Mídias sociais e sites de busca constroem um espaço de proximidade absoluto onde elimina o fora. Ali encontra-se apenas o si mesmo e os que são iguais; já não há mais negatividade. que possibilitaria alguma modificação. Essa proximidade digital presenteia o participante com aqueles setores do mundo que lhe agradam. Com isso, ela derruba o caráter público, a consciência pública; sim, a consciência crítica, privatizando o mundo. A rede se transforma em esfera íntima ou zona de conforto. A proximidade pela qual se elimina a distância também é uma forma de expressão da transparência (Han, 2017a, p.81).
Refletindo sobre o contexto escolar, alunos são submetidos a um meio voraz de disputa. A lógica da presente sociedade corrompe sujeitos em seu âmago. Essa corrosão dos indivíduos desenrola-se em sua negação como sujeitos, mas sim como produtos de uma lógica neoliberal de desempenho. Sobretudo, a precisão desse desgaste é emocional, pois, como já falado anteriormente, doenças psicossomáticas que afetam as emoções são o ápice desse meio.
Falar em emoções no contexto da aprendizagem dos sujeitos é importantíssimo, visto que “emoções são, basicamente, mecanismos biológicos ligados ao modo como os seres humanos agem ou reagem diante de determinados fatos ou acontecimentos” (Carvalho Souza et al, 2020, p.391). Nessa circunstância aprendizado e emoção estão entrelaçados na formação dos sujeitos. Além desta característica da aprendizagem, é importante salientar como o professor também deve entender seu papel na formação ética dos discentes
A função do educador não é somente transmitir informações ou conhecimentos, mas, sobretudo, ajudar o escolar a conhecer a si mesmo e a tomar ciência de suas ações. Por isso, o professor precisa acolher e praticar a escuta ativa [...] É também papel do educador prover conhecimentos, desenvolver habilidades e transmitir valores para esses alunos. Desse modo, crianças e adolescentes poderão se integrar a uma sociedade e agir de forma ética e responsável (Carvalho Souza et al, 2020, p.393)
Como agir filosófico para aprendizagem, a base de um modo de ensino socrático é interessante para fundamentar a aprendizagem dos estudantes, bem como, forma de resistência ao aligeiramento das ações. Debruçar-se sobre o pensamento e experimentar o diálogo, a provocação e a observação crítica da realidade é não só uma atividade socrática aplicada em escola, mas um processo de encarar a aprendizagem e a vida de modo filosófico (Neto, 2023). É importante pensar o ensino de filosofia como meio de auxílio de aprendizagem dos sujeitos, pois, em seu conceito intrínseco socrático de conhecer a si, as emoções magistralmente ocupam papel de protagonismo junto a estudantes em seu processo de aprendizagem.
As aulas de Filosofia, como lugar de experiência filosófica, são objeto de estudo e produção filosófica. Nelas, a cada dia, surge o novo, pois são espaços de criação, configurando movimentos de provocação: provoca-se o surgimento de pensamento original; suscita-se a busca de compreensão; engendra-se a checagem do que se chamou de meu e de mim até então; incentiva-se a imaginação do que poderia ser e do que não está; e o professor é a figura responsável pelo nascimento desse espaço no qual acontece esse jogo, colocando-se como um provocador. As relações que são criadas entre os participantes dessa experiência revelam uma equipe, ou um time, que joga não competitivamente contra um adversário, mas entre si, com o objetivo comum de construir saídas filosóficas para seus problemas (Neto, 2023, p.69)
É preciso, no fazer pedagógico, levar em consideração o que é falado, expressado, pensado e ousado pelo discente, reforçando então inovação, debate e o parto de ideias. Como forma criativa, a aprendizagem dos alunos culmina em uma progressão geométrica, tendo em vista sua formação como cidadão crítico. “Somente ouvindo o que o aluno tem a dizer é que seremos capazes de compreender os sujeitos que existem por detrás dele em suas especificidades“ (Bueno; Sant’ana, 2011, p. 324). A seguir será ponderado a capacidade crítica em que o ensino de filosofia encaixa-se, a crítica aos currículos que engendram a lógica do desempenho tecnológico neoliberal e a relação aprendizagem-emoções.
Ensino de Filosofia Resistente: aprendizagem por emoções como reação ao desempenho tecnológico neoliberal
A educação de um sujeito é um ponto fundamental para sua formação crítica, filosófica e científica. É importante que o professor saliente a realidade dos alunos em seus estudos, não obstante o patrono da educação brasileira, Paulo Freire afirma o seguinte:
Nesse sentido, quanto mais conhecer, criticamente, as condições concretas, objetivas, de seu aqui e de seu agora, de sua realidade, mais poderá realizar a busca, mediante a transformação da realidade. Precisamente porque sua posição fundamental é, a de ‘estar em situação’, ao debruçar-se reflexivamente sobre a ‘situacionalidade’, conhecendo-a criticamente, insere-se nela. Quanto mais inserido, e não puramente adaptado à realidade concreta, mais se tomará sujeito das modificações, mais se afirmará como um ser de opções. (Freire, 1997, p. 12).
No entanto, os moldes da contemporaneidade afirmam os movimentos capitalísticos para uma educação enrijecida. Críticas acerca dos currículos brasileiros da formação educacional dos sujeitos são debatidas desde o final do século XX até hoje, porém, o devir da sociedade culmina justamente no desenvolvimento de indivíduos focados no desempenho e em seu esgotamento. Uma espécie de territorialização da educação as coisas que servem ao mercado. A pressão por conformidade guia o presente para uma lógica contrária ao aprendizado, mas sim a transformação capital de tudo. A potência assustadora dessa ideia encontra nos campos tecnológicos digitais/sociais o norte necessário para sua ação.
Eis o papel crucial da filosofia, em especial em seu ensino. Como ressaltado por Gallo (2014), existem possibilidade de ensino da filosofia, seja partindo de textos filosóficos para compreensão de conceitos e qual o problema que surgiu que levou a criação dele, ou partindo da problematização filosófica das coisas, no intuito de reflexão e/ou produção de novos conceitos. É nessa veia em que o professor que leciona filosofia deve guiar-se. Ensinar a partir dos problemas dos alunos, contextualizando questões contemporâneas e inquietações de cada discente, fundamenta o fazer filosófico. A resistência perante a logicidade de uma sociedade que suga o sujeito é: através do questionamento, da dúvida, do método.
[...] contextos educativos que canalizam as ações e as práticas em princípios pedagógicos de reestruturação curricular, geram possibilidades de rasgos e linhas de fuga nos arranjamentos maquínicos. A máquina-educação tanto pode consistir em uma totalização reificante das multiplicidades, como pode abrir a possibilidade de desterritorializar as estratificações, fazendo jorrar as linhas de fuga que a atravessam por todas as partes. Os arranjamentos maquínicos que fazem estratos povoando as máquinas abstratas de consistência, podem constituir os pontos de singularização. (Kroef, 2018, pp. 103-104).
É necessária a crítica acerca dos presentes currículos em voga, fomentadores de uma não-aprendizagem. Isso porque a conformação dos sujeitos aos arquétipos do desempenho neoliberal tecnológico suprime os indivíduos. O papel desenvolvido pelo Estado nesse cenário é devastador, pois, é dele que: “Os movimentos curriculares são produto-produtores de máquinas burocráticas de Estado, instauradoras de espaços estriados, e de máquinas de guerra, produtoras de espaços lisos” (Kroef, 2018, p. 114). Nessa concepção,
Uma das tarefas fundamentais do Estado, através de seus currículos oficiais, é [...] estriar o espaço liso, vencer o nomadismo, controlar as migrações. Sempre que possível, o Estado investe em processos de captura sobre os fluxos. Para tanto, são necessários trajetos fixos, com direções bem determinadas, que limitem a velocidade, regulem as circulações e que mesurem, nos seus detalhes, os movimentos [...] (Kroef, 2018, p. 115).
Por fim, chegamos aquela pergunta indagada na introdução: Pode o ensino de filosofia ser uma ferramenta emancipatória para a atual conjuntura social, constituidora do desempenho ao seu máximo? A resposta para esse questionamento não foca-se apenas na filosofia em si, mas em toda disciplina escolar que expanda o desejo de indagação sobre tudo. A formação de uma aprendizagem emancipatória das amarras lógicas do desempenho neoliberal tecnológico é o norte, tanto em questão de formação cidadã, bem como a constituição de um ser humano ético. A filosofia propicia conhecimentos, mas, sobretudo dúvidas acerca do que rodeia-nos, e é desse duvidar que carrega a ferramenta resistente contra o meio.
Contudo, cabe a resistência e persistência do corpo docente em meio àqueles que querem o fim da filosofia. Compete também o comprometimento com a educação, com o ensino e como seu receptor apreende o que é ensinado. Trabalhar em conjunto com a filosofia, instigar para além, transformar os sujeitos com uma postura de inquietude. Quanto a isso, Sócrates era fenomenal:
Para Sócrates, no entanto, sua filosofia de vida estava assentada no sentido oposto dessa “verdade inquestionável”. O intelectual grego se propõe a construir uma postura de inquietude, ou seja, de fazer questionamentos ao outro a fim de que esse saia da zona de conforto daquilo que é imposto pela realidade. Sua verificação sobre a mensagem do oráculo tornou-se uma trilha metodológica para a vida, caracterizada como um processo de “verificação”, uma forma de constatação, conferência e investigação acerca do que foi proferido. Trata-se de uma postura frente aos contextos submetidos, refere-se a uma atitude filosófica de investigação e, posteriormente, de refutação ou aceitação. Ora, o “Só sei que nada sei” é o desdobrar do autoconhecimento socrático, de sua decisão de ir além das coisas aparentes. (Neto, 2023, p.66).
No que tange às emoções, relações dos sujeitos com outros e o aprendizado é importante que:
Acreditamos que a ponta do iceberg pode ser o índice que nos leva a perceber a importância da qualidade das relações interpessoais, da afetividade, do contexto ecológico e da mediação do professor como fatores que interferem na motivação dos alunos para a aprendizagem (Asinelli-Luz; Hickmann; Moura Hickmann, 2014, p. 158).
Em síntese, é um grande desafio para professores que trabalham com o ensino de filosofia, especialmente em um meio averso aos seus ensinamentos e sua existência. É desafiador também, ponderar as emoções dos estudantes como maneira importante de reforçar sua aprendizagem. Porém, alguns pontos são importante destacar, tópicos que foram abordados no presente artigo, em que auxiliam o ensino da filosofia pelo docente, ferramentas críticas de resistência contra o atual currículo, a relevância da escuta, das relações interpessoais e das emoções dos estudantes em seu processo de aprendizagem, por fim a importância da filosofia para a vida dos discentes. Como explorado anteriormente, é salutar resistir, e resistir através do ensino da filosofia. Indagar, duvidar e explorar são as ferramentas filosóficas perfeitas, de aspecto crítico, como força, perseverança e persistência perante o neoliberalismo e da tomada da tecnologia como meio fomentador de uma realidade acrítica.
Considerações Finais
É valoroso e urgente a reflexão sobre os novos desafios que o ensino de filosofia vem enfrentando, sob os ares de uma sociedade voltada ao desempenho neoliberal, a inclusão de uma tecnologia idiotizante no corpo social e as tentativas de apagamento da matéria filosófica, seja do ensino básico ao superior. É trivial que o debate seja suscitado, haja vista que seu escopo encontra-se na contemporaneidade. Não apenas saliento tais pontos anteriores, mas também os meios de resistir e a função do docente nesse meio.
O fazer político do presente possui cada vez mais ares capciosos e melindrosos. O neoliberalismo ganha respaldo e status de potência cada vez mais progressivos. É importante a resistência contra essa lógica imperativa e o ressaltamento de uma aprendizagem emancipatória, uma valorização emocional dos alunos, que encontrarão no ares filosóficos meios de tal ato.
O ensino de filosofia é, acima de tudo, humano. Para além de matéria escolar e curso de graduação no ensino superior, a filosofia é um modo de resistência frente às desorganizações sociais, políticas e econômicas. Desorganização compreende-se aqui como toda forma de silenciamento da racionalidade. A crítica é intrínseca da filosofia, porém, exercitando a maiêutica socrática, procurando parir novas ideias, aliando-se com a dúvida cartesiana, a questão sobre “o que impulsiona a crítica?”, deparamo-nos com a dúvida. É desta que surgem, não só ideias, mas meios de resistir. Perseverança, luta e resistência então são sinônimos do fazer filosófico, do ensino da filosofia.
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Notas
1 O conceito de desempenho a ser trabalhado neste artigo é do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. Ele retrata as relações neoliberais como relações que visam a exploração do sujeito ao máximo, dispondo do vasto campo das redes sociais como ferramenta de obtenção de conhecimento sobre eles. A sociedade culmina então na chamada “sociedade do desempenho”, na qual todos os sujeitos exploram-se consigo mesmo em busca de um papel principal no corpo social. Tal ação resulta em sujeitos adoecidos psicossomaticamente, devido a auto-cobrança: “Arrastamo-nos atrás da mídia digital, que, aquém da decisão consciente, transforma decisivamente nosso comportamento, nossa percepção , nossa sensação, nosso pensamento, nossa vida em conjunto. Embriagamo-nos hoje em dia da mídia digital, sem que possamos avaliar inteiramente as consequências dessa embriaguez. Essa cegueira e a estupidez simultânea a ela constituem a crise atual” (Han, 2018a, p.10).
² Acriticidade é uma marca do regime vigilante do capitalismo da informação/vigilância: “O monitoramento constante dos sujeitos é basilar para a coerção deles, haja vista que da coerção surge o controle dos comportamentos, contudo, não mais rígido ou disciplinar, mas agora, afável e na unidade mais profunda do sujeito. A psique do sujeito é o primeiro alvo das armas algorítmicas, pois, é nela que reside o âmago do controle total. O método utilizado para sujeição da subjetivação do sujeito permeia no bombardeamento de informações e na exploração excessiva da comunicação. Na sociedade da hiperconectividade, comunicação e informação é o pilar para lapidação de sujeitos coagidos. O intuito é a geração de uma acriticidade geral, afinal, a explosão vertiginosa do digital trouxe (reforçou) para mesa contemporânea diálogos anti-científicos, discurso de ódio, entre outras manifestações oriundas daquele fenômeno” (Sousa de Andrade, 2024, p. 330-331).
³ Também chamados de ADMs - Armas de Destruição Matemáticas - são aplicações matemáticas que fomentam dados pessoais de usuários de tecnologias digitais, coagindo e gerenciando escolhas humanas: “Mesmo assim, muitos desses modelos programavam preconceitos, equívocos e vieses humanos nos sistemas de software que cada vez mais geriam nossas vidas. Como deuses, esses modelos matemáticos eram opacos, seus mecanismos invisíveis a todos [...] Suas decisões, mesmo quando erradas ou danosas, estavam para além de qualquer contestação” (O’Neil, 2020, p.8).
⁴ O alarme sobre a política e o discurso da positividade são sistemáticos em todas as obras de Byung-Chul Han, visto que, a concepção da positividade solapa a realidade do desempenho e alimenta a venenosa ação de infarto da alma. Em vista disso, Han diz: “O excesso de positividade se manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos. Modifica radicalmente a estrutura e economia da atenção. Com isso se fragmenta e destrói a atenção. Também a crescente sobrecarga de trabalho torna necessária uma técnica específica relacionada ao tempo e à atenção. A técnica temporal e de atenção multitasking (multitarefa) não representa nenhum progresso civilizatório. A multitarefa não é uma capacidade para qual só seria capaz o homem na sociedade trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se de um retrocesso. A multitarefa está amplamente disseminada entre os animais em estado selvagem” (Han, 2017b, p. 31).