Um estudo decolonial sobre os livros didáticos de filosofia distribuídos pelo PNLD 2012, 2015 e 2018

A decolonial study on philosophy textbooks distributed by PNLD 2012, 2015 and 2018

 

Jallys Mendes

Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil

jallysmmendes@gmail.com

 

Recebido em 28 de outubro de 2023

Aprovado em 31 de outubro de 2023

Publicado em 02 de abril de 2024

 

RESUMO

Nas últimas décadas houve o aumento da produção de materiais didáticos destinados ao ensino de filosofia no Brasil. Um dos responsáveis por esse aumento é a oferta de livros didáticos de Filosofia pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a partir de 2012. Diante dessa realidade, esse estudo tem por objetivos identificar nos livros didáticos de Filosofia aprovados pelo PNLD filosofias latino-americanas, analisar as representações dos cenários, paisagens e povos latino-americanos nas figuras e imagens desses livros didáticos e refletir sobre as ausências e presenças de filosofias e filósofos não europeus nos livros didáticos de Filosofia distribuídos pelo PNLD. Como problema central, coloca-se a seguinte questão: Qual a relevância dada ao pensamento filosófico latino-americano ou brasileiro nos livros didáticos de Filosofia distribuídos pelo PNLD 2012, 2015 e 2018? Quanto metodologia será realizada uma pesquisa exploratória dos materiais didáticos. Assim, recorreu-se ao referencial teórico de Aníbal Quijano (2005), Roberto Gomes (1994) e Silveira (2020). Portanto, sem esgotar a complexidade dessa temática, foi considerado à guisa de conclusão que os livros didáticos de Filosofia adquiridos e distribuídos pelo PNLD 2012, 2015 e 2018, não contemplam uma abordagem decolonial e, mesmo assim,contribuem para uma introdução aos estudos filosóficos gerais.

Palavras-chave: Ensino de Filosofia; Livro didático de Filosofia; Decolonialidade; PNLD.

 

ABSTRACT

In recent decades there has been an increase in the production of didactic materials for teaching philosophy in Brazil. One of those responsible for this increase is the supply of Philosophy textbooks by the National Textbook Program (PNLD), starting in 2012. In view of this reality, this study aims to identify in Philosophy textbooks approved by the PNLD Latinophilosophies. American, analyze the representations of Latin American scenarios, landscapes and peoples in the figures and images of these textbooks and reflect on the absences and presences of non-European philosophies and philosophers in the Philosophy textbooks distributed by the PNLD. As a central problem, the following question arises: What is the relevance given to Latin American or Brazilian philosophical thought in the Philosophy textbooks distributed by the PNLD 2012, 2015 and 2018? As for the research method, an exploratory research of the teaching materials will be carried out. Thus, the theoretical framework of Aníbal Quijano (2005), Roberto Gomes (1994) and Silveira (2020) was used. Therefore, without exhausting the complexity of this theme, it was considered by way of conclusion that the Philosophy textbooks acquired and distributed by PNLD 2012, 2015 and 2018, do not contemplate a decolonial approach, even so they contribute to the introduction to general philosophical studies.

Keywords: Teaching of Philosophy; Philosophy textbook; Decoloniality; PNLD.

 

Introdução

A ideia que levou a escrita desse artigo surgiu durante os estudos realizados na disciplina História do Ensino de Filosofia, do Mestrado em Filosofia (PROF-FILO) da Universidade Federal de Mato Grosso. No decorrer da disciplina, constatou-se a pouco relevância dada a experiência filosófica brasileira e/ou latino-americana no ensino de filosofia no Brasil. A partir dessa constatação foi iniciado um estudo bibliográfico dos livros didáticos de Filosofia distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) dos anos 2012, 2015 e 2018.

Diante dessa realidade, foram propostos os seguintes objetivos de pesquisa: 1) identificar nos livros didáticos de Filosofia distribuídos pelo PNLD 2012, 2015 e 2018 a presença de filosofias ou filósofos latino-americanos; 2) analisar como são representados os cenários, paisagens e povos latino-americanos nas figuras e imagens desses livros didáticos e 3) refletir sobre as ausências e presenças de filosofias e filósofos não europeus nos livros didáticos de Filosofia do PNLD 2012, 2015 e 2018.

Expostos os objetivos, colocou-se o seguinte questionamento: Qual a relevância dada ao pensamento filosófico latino-americano ou brasileiro nos livros didáticos de Filosofia distribuídos pelo PNLD 2012, 2015 e 2018? Na tentativa de respondê-lo, buscou-se nos escritos de  Aníbal Quijano (2005), Roberto Gomes (1994) e Silveira (2020) e em artigos anteriores com temática semelhante, como TOLENTINO (2020); CASTRO; OLIVEIRA (2021); STURZA; TOMAZETTI (2021) e SOUZA (2022) elementos que permitissem elucidar alguma resposta.

Cabe observar que não é intenção desse estudo desmerecer ou desqualificar a relevância ou pertinência dos livros didáticos de Filosofia distribuídos pelo PNLD. Muito menos acusar seus autores de ignorar a experiência filosófica brasileira ou latino americana em suas obras. A proposta desse artigo é apenas identificar quais as temáticas e filosofias são priorizadas nos livros didáticos de Filosofia e como a experiência filosófica latino-americana é apresentada nesses manuais.

Portanto, o resultado do estudo apresentado nesse artigo tem por finalidade elucidar, para não dizer provocar, a reflexão acerca do espaço dado a produção filosófica não europeia nos livros didáticos de Filosofia utilizados nas escolas públicas brasileiras. Por conseguinte, acredita-se que a reflexão dessa temática pode “abrir fendas para uma educação democrática, inclusiva, que reconheça e valorize a diversidade, fomentado a equidade e o respeito à diferença” (TOLENTINO, 2020, p. 110-111).

 

O livro didático brasileiro de filosofia

A produção e comercialização de livros didáticos no Brasil ganhou destaque a partir da década de 1960, com a aprovação da Lei 4.024/1961. Essa lei proporcionou a expansão da rede pública de ensino e, consequentemente, o aumento de matrículas. Em decorrência do aumento de estudantes em todas as fases do ensino público, “cresceu também a procura por livros didáticos em todo o país. Esse fato possibilitou a produção e a distribuição de livros didáticos nas diferentes disciplinas, inclusive os de Filosofia” (STURZA; TOMAZETTI, 2021, p. 03).

Com o Golpe Militar de 1964, a educação brasileira tomou novos rumos. Disciplinas como Filosofia e Sociologia não eram consideradas necessárias dentro do modelo tecnicista adotado pelo governo militar, visto que “a educação estava marcadamente a serviço dos interesses econômicos” (STURZA; TOMAZETTI, 2021, p. 03). Desse modo, a produção e distribuição de livros didáticos de Filosofia foi comprometida, uma vez que seu consumo estava restrito as poucas instituições de ensino particular ou dentro do ambiente universitário.

Dada a realidade pós-golpe, o governo militar promoveu a perseguição a intelectuais brasileiros e a proibição do estudo de alguns autores, os quais eram considerados subversivos. Mesmo assim, foram muitas as formas de resistência a perseguição empreendida pela Ditadura Militar. Podemos citar como exemplo de resistência dos estudos filosóficos a atuação da Associação de Estudos e Atividades Filosóficas (SEAF), criada em 1975 e organizada em quase todos os estados brasileiros.

A SEAF promoveu encontros, atividades, debates e publicações em parceria com outras entidades nacionais para tratar de questões referentes aos problemas da Filosofia e das relações entre a Ditadura militar e a sociedade civil. A SEAF também pode ser pensada como importante força articuladora e de resistência no âmbito do ensino de Filosofia e da produção de materiais didáticos de Filosofia (STURZA; TOMAZETTI, 2021, p. 04).

Como citado, durante a Ditadura Militar a atuação da SEAF representou forte mecanismo de resistência à censura e a perseguição ao livre pensamento. Esse movimento de resistência intelectual realizou importante colaboração para a promoção dos estudos filosóficos no Brasil. O exemplo da SEAF testemunha o esforço de uma parcela significativa da comunidade filosófica brasileira em produzir material didático adequado ao ensino de filosofia.

Diante do cenário de perseguição ao livre pensamento, cuja disciplina mestra é a Filosofia, diversos professores, filósofos e filósofas e intelectuais brasileiros dedicaram-se ao trabalho de retomada do ensino de filosofia no Brasil. Como exemplo, pode ser destacada a experiência da professora e filósofa brasileira Marilena Chauí, a qual foi relatada por Sturza e Tomazetti (2021, p.05):

 

Na época em que foi aluna do ensino secundário, relembra que os alunos anotavam o que o professor dizia durante as aulas e depois iam para a biblioteca e consultavam a bibliografia estrangeira. Como possuíam cursos de línguas, como francês, inglês, espanhol, grego e latim, conseguiam consultar os livros no idioma de publicação e complementar as aulas. Para a Chauí, a partir do momento em que houve a democratização do ensino e a expansão da escola, houve barreiras que dificultavam o acesso a uma compreensão de filosofia europeia, o que provocou a necessidade de materiais didáticos que dissolvessem os privilégios sociais e atendessem às necessidades dos jovens estudantes das camadas populares que começavam a chegar no segundo grau. Era preciso garantir que os jovens professores tivessem um material didático mínimo, e foi, então, que a editora Ática propôs, segundo ela, a publicação de um livro didático de Filosofia; surgia assim o livro ‘Convite à Filosofia’ (1994).

 

Como percebido no relato anterior, a necessidade de um material didático para o ensino de filosofia era fundamental. A democratização do conhecimento, e de modo especial do conhecimento filosófico, exigia a publicação de materiais didáticos que auxiliassem os professores e professoras no seu trabalho docente. Desse modo, a partir da década de 1980, começaram a surgir cada vez mais livros didáticos de Filosofia no Brasil.

Em 1985, o governo federal criou o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) com o objetivo de fornecer livros didáticos para todos os estudantes da Educação Básica. Nesse primeiro momento o PNLD não contemplava a disciplina de Filosofia, visto que ela ainda não havia sido reinserida como disciplina obrigatória nos currículos escolares. Contudo, com a aprovação da Lei 11.684/2008, a Filosofia retornou ao currículo do Ensino Médio como disciplina obrigatória. Desse modo, no PNLD 2012 foram distribuídos, pela primeira vez, livros didáticos de Filosofia para todos os estudantes matriculados no Ensino Médio da rede pública de ensino do país.

Com a volta da Filosofia aos currículos do Ensino Médio e a distribuição de livros didáticos pelo PNLD, os autores e editoras precisaram observar a legislação vigente, ou seja, era necessário obedecer às leis 10.639/2003 e 11.645/2008 que tratam da obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Indígena e da História e Cultura Africana e Afro-brasileira nos currículos escolares, respectivamente. Assim, além das orientações curriculares para o ensino de filosofia, os livros didáticos deveriam contemplar essas temáticas, o que representou um avanço para o ensino brasileiro.

Referente ao livro didático de Filosofia, é possível identificar o fator histórico como elemento predominante. De acordo com Von Zuben, Araújo e Costa, (2013, p. 160) “em um livro didático de filosofia podem surgir diferentes abordagens conteudinais. Os conteúdos de filosofia podem ser apresentados por meio de uma abordagem das áreas filosóficas, problemática ou histórica”. Mesmo assim, o que se percebe é a predominância da exposição histórica na maioria dos manuais de Filosofia.

O livro didático de Filosofia não deve ser apenas um livro de história da Filosofia, ou seja, uma enciclopédia de filósofos antigos, mas um instrumento que auxilie no desenvolvimento do pensamento filosófico entre os estudantes. Ele não deve ignorar sua história, mas reconhecê-la como condição para que as atitudes filosóficas sejam desenvolvidas.Contudo, vale ressaltar que “é impossível pensar um ensino de filosofia em que a sua história não ocupe lugar de destaque” (VON ZUBEN; ARAÚJO e COSTA, 2013, p. 161).

Portanto, pode-se considerar que os livros didáticos de Filosofia brasileiros são a materialização da preocupação em promover o ensino de Filosofia nas escolas. Mesmo que algumas publicações enfatizem muito o aspecto histórico, eles ainda são um importante recurso para a concretização do ensino de filosofia e democratização do pensamento filosófico, principalmente entre as camadas mais simples da sociedade.

 

Por um ensino de Filosofia decolonial

Pensar o ensino de filosofia no Brasil a partir de uma perspectiva decolonial não é tarefa fácil. Isso porque esbarraria em questões que ainda carecem de respostas, como por exemplo: O que é Filosofia? É possível ensinar Filosofia? Se é possível ensinar Filosofia, como ensiná-la? Não só a essas questões, cujas respostas não são um consenso, haveria uma outra ainda mais complexa e a qual somente nós, brasileiros e brasileiras, poderíamos responder: o que é filosofia brasileira e como ensiná-la?

            A complexidade da última pergunta está relacionada com a constatação de Roberto Gomes (1994, p. 23): “desde sempre nosso pensar tem sido estranho, providenciado no estrangeiro”. Por conseguinte, pode-se relacionar a afirmação de Roberto Gomes ao objeto desse estudo, visto que é possível notar a predominância de temas, problemas e filósofos que em nenhum momento tiveram como referência a realidade brasileira ou latino-americana como referencial para seus exercícios filosóficos. Mesmo assim, nossos livros didáticos estão recheados de elementos estranhos a realidade nacional.

            Considerar os clássicos do cânone filosófico, a exemplo de Platão, Agostinho, Descartes e Nietsche, como estranhos à realidade brasileira não significa diminuir a sua importância para a construção do pensamento filosófico ocidental. Pelo contrário, pois ao destacar essa realidade o que se espera é refletir o fato de apenas eles, e outros igualmente elevados ao mesmo patamar, serem dignos de estudo nos livros didáticos de filosofia. Mais uma vez, Roberto Gomes (1994, p. 21) pode contribuir para essa reflexão.

 

Entre nós, por exemplo, encontramos um apego extremo ao pensamento de outros por julgarmos que só os outros poderão nos dar qualquer chave de saber. Aguardamos uma solução estrangeira sem nos darmos conta de que, sendo estrangeira, será precisamente isto: estranha”.

 

Roberto Gomes chama a atenção para o fato de os pensadores brasileiros estarem constantemente voltados para uma realidade filosófica que não é a deles. Assumir como referência autores clássicos e consagrados ao longo da história da Filosofia não é um problema. Eles não precisam ser negados ou desprezados pelo simples fato de não serem brasileiros ou latino-americanos. O problema é a ausência ou a pouca relevância dada aos filósofos não europeus no ensino de filosofia desenvolvido nas escolas.

Ainda na tentativa de compreender esse problema, pode-se recorrer as contribuições do sociólogo peruano Aníbal Quijano (1928-2018). Segundo ele, o processo de colonização da América Latina se deu não apenas no controle político e territorial dessa parte do globo. A colonização que aqui ocorreu também aconteceu no aspecto cultural e ainda continua a ocorrer mesmo após a independência política em relação as metrópoles ibéricas, no século XIX.

De acordo com Quijano, a dominação colonial da América Latina foi efetivada tendo como pressuposto a ideia de raça. A partir dessa ideia, constituiu-se uma hierarquia racial na qual é identificado o branco europeu como superior e referência cultural. Logo, subalternamente ao branco, se classificariam os mestiços, os povos originários sobreviventes ao genocídio promovido pelos conquistadores europeus e relegados a condição de servidão e os povos africanos, os quais foram sequestrados de suas terras e escravizados.

A hierarquia racial decorrente da colonização cultural ainda existe no inconsciente coletivo dos povos latino-americanos. Segundo Quijano (2005, p.17), “a ideia de que os dominados são o que são, não como vítimas de um conflito de poder, mas sim enquanto inferiores em sua natureza material e, por isso, em sua capacidade de produção histórico-cultural” ainda sobrevive mesmo após a independência. Essa relação de subalternidade subsiste pelo fato de olharmos para nós mesmos com o olhar do dominador, isto é, com inferioridade diante daqueles que são considerados superiores.

Tratar de um assunto complexo como esse é um tanto desagradável e ao mesmo tempo necessário, uma vez que se constata uma situação de colonialidade enraizada em nós mesmos, sendo esse nós, professores de Filosofia da Educação Básica e Superior ou filósofos e filósofas brasileiros. Mesmo assim, refletir sobre essa condição é necessária para questionar as estruturas coloniais que ainda se fazem presentes no pensamento latino-americano e, ao mesmo tempo, permitir que o exercício filosófico desenvolvido nessa parte do mundo tenha características daqueles que vivem nele.

Para elucidar a contextualização da Filosofia em solo latino-americano, pode-se recorrer a intrínseca relação entre Filosofia e cultura. “Nesse sentido, a filosofia encontra-se desde sempre envolvida em algum tipo de diálogo cultural” (SILVEIRA, 2020, p. 184-185). Assim, mesmo que a atividade filosófica seja desenvolvida a partir de uma filosofia europeia, que ela seja realizada tendo por referência a dimensão cultural daqueles que a ela recorreram. Caso contrário, não promoveria o diálogo cultural destacado por Silveira (2020, p. 186):

 

Dessa maneira, podemos perceber que nos encontramos diante de um desafio de primeira ordem: formular uma função filosófica compatível com a cultura latino-americana. Para chegar a isso, basta observar que a filosofia é uma atividade que cumpre uma função cultural e que essa função necessita ser redefinida no contexto latino-americano, já que aquela antiga, oriunda do mundo grego, não faz sentido para nós.

 

Portanto, assumir uma postura didática decolonial no ensino de filosofia não é uma tarefa fácil, visto que é um desafio a ser compartilhado por todos os docentes de Filosofia. Uma guinada epistêmica, cultural e política é necessária para que se possa dialogar com as múltiplas culturas e valores existentes entre os povos e sociedades latino-americanas. Para isso é necessário a retirada das lentes que foram impostas e que fazem com que esses povos se enxerguem como inferiores aos europeus.

 

Metodologia

A metodologia empregada neste estudo é a pesquisa exploratória, uma vez que se “busca com ela levantar informações sobre um determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho, mapeando as condições de manifestação desse objeto” (SEVERINO, 2016, p. 132). Desse modo, foi catalogado 09 (nove) livros didáticos de Filosofia distribuídos pelo PNLD dos anos 2012, 2015 e 2018.

Para orientar a pesquisa, cada livro didático foi submetido a um questionário para possibilitar a avaliação final. Esse questionário não foi respondido na íntegra, mas foi tomado como modelo referencial para conduzir a avaliação dos manuais de Filosofia selecionados. Ao todo foram (07) sete as perguntas orientadoras, as quais estão dispostas no quadro abaixo:

 

Quadro 01 - Formulário

Formulário de análise

1

O livro faz referência a espaços geográficos, etnias ou expressões culturais latino-americanos?

2

O livro faz referência a filósofos ou filósofas latino-americanos?

3

O livro explica didaticamente alguma teoria de filósofos ou filósofas latino-americanos?

4

O livro aborda de alguma maneira a experiência filosófica brasileira?

5

O livro contém imagens com temática latino-americana, tais como monumentos, pessoas, expressões culturais etc.?

6

O livro cita a mitologia de povos latino-americanos?

7

Os exercícios do livro contemplam algum problema ou temática fora da Europa?

Fonte: Quadro elaborado pelo pesquisador, 2023.

 

Os resultados obtidos com o estudo foram sintetizados em três categorias. A primeira é a estética da obra: linguagem visual e conteúdo das imagens. A segunda é o conteúdo da obra: temas, problemas e referências. A terceira é o aspecto didático: exercícios e apresentação didática dos conteúdos. Assim sendo, a classificação das obras respeitou a ordem alfabética, visto que algumas delas foram distribuídas em mais de uma edição do PNLD.


 

Descrição dos livros didáticos de Filosofia aprovados e distribuídos pelo PNLD 2012, 2015 e 2018

Diálogo: primeiros estudos em Filosofia

O livro didático elaborado por Ricardo Melani, Diálogos: primeiros estudos em Filosofia (2016), está organizado em temas filosóficos. Cada capítulo é nomeado por uma pergunta, para a qual são apresentados filósofos e teorias filosóficas que possibilitam refletir sobre o questionamento inicial. A linguagem empregada é de fácil compreensão para os estudantes, visto que utiliza uma linguagem menos erudita recorrendo a metáforas do dia a dia. As imagens, ao mesmo tempo que dialogam com o texto, são independentes do texto verbal, permitindo, assim, a transposição didática entre os conteúdos e a realidade dos estudantes.

Com relação a estética da obra, são apresentadas muitas imagens. Há a presença de fotografias, cartazes de filmes, capas de livros, manifestações culturais e obras de arte. No que se refere ao Brasil e América Latina, são apresentadas obras de Tarsila do Amaral (Brasil), Anita Malfatti (Brasil) e Diego Rivera (México). Como expressões culturais nacionais, são identificadas a fabricação de cerâmica marajoara, roda de capoeira e apresentação de congo. Outro aspecto importante é a utilização de tiras e charges, como as de Laerte, Baldo e Mauricio de Sousa.

No que tange ao conteúdo filosófico, em especial a produção filosófica brasileira, Ricardo Melani sistematiza brevemente o pensamento de Sérgio Paulo Rouanet e Olegária Matos. Porém, nos exercícios de cada capítulo, o autor recorre a trechos de textos produzidos por filósofos brasileiros, como por exemplo, Cesar Augusto Mortari, Marilena Chauí, Acylene Maria Cabral, Caio Liudvik, Marco Aurélio Werle, Marco Antonio Sousa, Ricardo Terra e Danilo Marcondes. Ainda sobre os conteúdos filosóficos nacionais, o livro possui duas seções direcionadas ao Brasil. São elas “A existência da mulher brasileira” e “Ordem e Progresso: o Positivismo no Brasil”.

Outro aspecto que chama a atenção nesse livro didático é a constante referência a literatura e a representantes de outros campos do conhecimento. Para cada capítulo, o autor apresenta algum trecho de escritores, poetas, compositores e profissionais de outras áreas. Como exemplo, podem ser citados Raduan Nassar, Jair Ferreira dos Santos, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa, Paulo Leminsk, Clarice Lispector, Marcelo Gleiser, Cartola, Tom Jobim, Caetano Veloso, Frei Beto e o argentino Jorge Luis Borges.

Sendo assim, o livro didático Diálogo: primeiros estudos em Filosofia, apresenta um rico diálogo entre a Filosofia e a produção cultural brasileira. O aspecto iconográfico da obra faz com que o conteúdo apresentado seja contextualizado com a realidade dos estudantes, ou seja, aproxima a teoria dos problemas contemporâneos nacionais. Além do mais, os exercícios propostos possuem uma variedade de trechos de filósofos e filósofas brasileiros.

 

Figura 01­ — Roda de capoeira.

Fonte: Melani, 2016, p. 125.

 

Filosofando: Introdução à Filosofia

No livro didático Filosofando: Introdução à Filosofia (2012), das professoras Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, são apresentadas imagens ilustrativas onde podem ser contextualizados os temas clássicos da Filosofia com a realidade brasileira ou latino-americana. É possível identificar obras de arte de Diego Rivera (México), Frida Kahlo (México), Rego Monteiro (Brasil), Adelina Gomes (Brasil), Fernando Botero (Colômbia), bem como fotografias de diversas realidades brasileiras e internacionais e, também, da cultura pop.

A obra conta com muitas tiras ilustrativas de problemas filosóficos, o que faz com que sejam atualizados para a realidade contemporânea. Essas tiras são em sua maioria do cartunista argentino Quino, autor da personagem Mafalda, e dos brasileiros Glauco e Luis Fernando Veríssimo. Além do mais, a obra conta com alguns quadros ilustrativos de profissionais de outras áreas, em sua maioria brasileiros, tais como Artes Plásticas, Psicologia, História e Ciência Política proporcionando, assim, maior interdisciplinaridade.

Quanto ao conteúdo, a obra aborda os temas clássicos da Filosofia, como por exemplo, patrística e escolástica, racionalismo, estética, metafísica e seus respectivos filósofos. Mas também aborda de maneira sucinta alguns desdobramentos dessas temáticas filosóficas no Brasil. Com relação a experiência filosófica brasileira, existem três seções nomeadas como: Positivismo no Brasil, Anarquismo no Brasil e Pensamento Estético no Brasil. Além do mais, contextualizam as questões teóricas e políticas a partir da realidade brasileira como, por exemplo, o neoliberalismo, direitos humanos, arte urbana e ditadura militar.

No que diz respeito ao pensamento filosófico brasileiro, as autoras destacam os estudos de Demerval Saviani, Newton da Costa e José Teixeira Coelho Neto. Mas de modo geral, a abordagem da produção filosófica brasileira está relacionada ao nível do comentário de autores clássicos, como ocorre com a inserção do trabalho de Scarlett Marton e Franklin Leopoldo e Silva. Ao final do livro as autoras acrescentam um quadro cronológico onde apresentam a experiência filosófica brasileira a partir de movimentos como o Ecletismo, Positivismo, Escola de Recife e Reação espiritualista.

No que diz respeito a didática empregada e aos exercícios propostos, o livro pode ser considerado um recurso didático importante. O livro traz textos complementares que facilitam a compreensão dos temas abordados nos capítulos e exercícios que dialogam com a teoria e a sua aplicação prática. Constata-se a preocupação em despertar o interesse dos estudantes aos temas de Filosofia e o despertar para o filosofar.

 

Filosofia: experiência do pensamento

O livro didático, Filosofia: experiência do pensamento (2016), do professor e filósofo brasileiro Sílvio Gallo, aborda pouco a realidade latino-americana. São poucas as menções sobre realidade da América Latina, restringindo-o, assim, apenas ao contexto político brasileiro na maioria das vezes. Quanto aos povos originários, há apenas uma imagem retratando uma mulher peruana, moradora de uma ilha flutuante do lago Titicaca, e três imagens abordando os conflitos vivenciados pelos povos indígenas brasileiros.

O livro aborda algumas manifestações culturais nacionais, como o festival de Parintins. Também faz menção a cultura indígena, pré-colombiana e africana sem desenvolver a temática. O contexto brasileiro é abordado sempre a partir da dimensão política e social. Para isso, textos complementares e imagens da realidade brasileira contemporânea são utilizadas como ilustração.

Podem ser identificados na obra os temas clássicos da Filosofia, mas poucas referências a filósofos brasileiros ou latino-americanos. Entre os brasileiros são destacados Álvaro Valls, Newton da Costa e Marco Zingano, além do filósofo peruano Francisco Miró Quesada Cantuarias. Com relação ao aspecto didático, o livro apresenta os conteúdos a partir de temáticas e tenta conciliá-las com a realidade atual, a exemplo das questões de gênero.

 

Figura 02: Mulher peruana

Fonte: Gallo, 2016, p. 280.

 

Filosofia e Filosofias: existências e sentidos

No livro de Juvenal Savian Filho, Filosofia e Filosofias: experiências e sentidos (2016), são apresentadas muitas imagens ilustrativas. Entre elas, poucas fazem referência a realidade brasileira. A maioria delas tem como temática os espaços urbanos das grandes cidades ou eventos ilustrativos relacionadosà convivência social. Mesmo assim, essas imagens ajudam a compreender didaticamente as teorias filosóficas abordadas no livro.

Um ponto a ser destacado na obra é a referência a presença das mulheres na Filosofia. Mesmo sendo minoria comparadas a quantidade de homens citados, o número de filósofas é algo que chama atenção. Entre elas é possível identificar Hannah Arendt, Edith Stein, Simone de Beauvoir, Judith Butler, Iris Murdoch, Simone Weil, Hildegarda de Bingen e Rosa Luxemburgo. Além de serem citadas, o autor discute o pensamento filosófico dessas pensadoras, inserindo, quando possível, trechos de suas obras.

No que se refere a experiência filosófica brasileira, Juvenal Savian Filho dedica uma seção na unidade III para discutir a temática da Filosofia no Brasil. A seção, que possui 2 páginas, aborda brevemente a produção filosófica brasileira e considera o período colonial como possuidor de uma experiência filosófica original.Também estende discretamente essa temática ao contexto da América Latina durante esse período. Seu foco se concentra na Filosofia produzida no século XX, a qual dá destaque a linha da História da Filosofia e os estudos de Filosofia a partir das universidades.

Entre os filósofos brasileiros destacam-se Gilda de Melo, Henrique de Lima Vaz, Gerd Bornhein, Benedito Nunes e Bento Prado Junior. Entre os não brasileiros do período colonial, o autor cita Tomas de Mercado (mexicano) Bartolomeu de las Casas (espanhol) e Antonio Vieira (português). O único filósofo brasileiro que tem sua produção filosófica discutida no texto é o do professor Oswaldo Porchat Pereira.

Quanto ao aspecto didático, constata-se que há uma tentativa de relacionar a teoria à realidade vivencial dos estudantes. A seleção e disposição dos conteúdos e textos complementares reforçam essa preocupação. Também é notório a tentativa do autor em evitar a apresentação dos conteúdos seguindo a linha histórica, optando pela abordagem temática dos conteúdos.


 

Filosofia: Por uma inteligência da complexidade

Celito Maier apresenta no livro Filosofia: por uma inteligência da complexidade (2014) um clássico manual de Filosofia. O livro é dividido em dez unidades nas quais são apresentadas as grandes áreas da Filosofia ocidental dispostas a partir da linha histórica. A obra conta com textos complementares que permitem a compreensão de alguns conceitos filosóficos e textos de aprofundamento para alguns dos temas abordados nos capítulos.

Por se tratar de um livro didático destinado aos estudantes do Ensino Médio, considera que o autor utilizou poucas imagens, comparado aos outros livros avaliados nesse estudo. Assim, sob o ponto de vista imagético, o livro didático carece de maior contextualização das imagens, além de serem poucas as referências às imagens utilizadas, tais como o ano e o local.

Quanto as referências a personalidades brasileiras, Celito Maier cita os músicos Gabriel, o Pensador, Cazuza, Frejat e Zé Ramalho. Os literatos Clarice Lispector, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. O antropólogo Roque de Barros Laraia e o geógrafo Milton Santos. Ademais, o livro conta com duas reproduções de telas de artistas latino-americanos, são eles José Orozco e Frida Kahlo, ambos mexicanos.

Com relação a ocorrência de filósofos brasileiros, o autor dá ênfase ao pensamento de Rubem Alves ao abordar a temática da filosofia da ciência, além de mencionar Roberto Machado, Francisco Carlos Weffort e Juvenal Arduini. Outros filósofos e filósofas brasileiros são citados na condição de tradutores de textos clássicos. Em nenhum momento a obra discorre sobre a produção filosófica brasileira. Há apenas uma breve menção a influência positivista na proclamação da república no Brasil.


 

Filosofia: temas e percursos

A obra de Vinicius de Figueiredo, intitulada Filosofia: temas e percursos (2016), apresenta de maneira resumida os principais temas e perspectivas filosóficas através de uma abordagem conceitual. Sua linguagem é de fácil compreensão sem abrir mão do rigor conceitual que a escrita filosófica exige. A utilização de temas do cotidiano, tais como futebol, casamento homoafetivo e cinema, ajudam a compreender as teorias filosóficas apresentadas ao longo do material didático.

O livro conta com textos dos filósofos brasileiros Lívio Teixeira, Ensaio sobre a moral de Descartes (1990), e Bento Prado Junior, A retórica de Rousseau e outros ensaios (2008). Ambos os autores são apresentados no manual como comentadores de filósofos clássicos. As exceções são identificadas na exposição do pensamento de Oswaldo Porchat Pereira e de Newton da Costa, abordados a partir da conceituação de Filosofia e dos estudos de lógica, respectivamente.

Com relação a experiência filosófica nacional, o autor cita o anarquismo no Brasil no século XX. Também destaca as contribuições do pensamento social brasileiro do início do século passado ao fazer referência a Gilberto Freyre, Euclides da Cunha e Sergio Buarque de Holanda. Para tratar desse assunto foi destacada a seção intitulada “A complexa formação social brasileira”, cuja Guerra de Canudos é tomada como ilustração desse recorte temático.


 

Figura 03: Filósofo brasileiro

Fonte: Figueiredo, 2016, p. 140.

 

Fundamentos de Filosofia

O livro didático Fundamentos de Filosofia (2016), dos professores Gilberto Cotrim e Mirna Fernandes, aborda as principais áreas da Filosofia, como a epistemologia, a metafísica, a ética e a política. A distribuição dos conteúdos segue a perspectiva temática, evitando assim, reduzir a obra a um manual de história da Filosofia.

            Com relação a estética da obra, os autores utilizam várias imagens e figuras. Entre elas pode-se destacar imagens que retratam o lago Titicaca no Peru, oferenda para Iemanjá na Bahia, o Bumba meu Boi no Maranhão, repentistas em Alagoas, arte asteca no México e crianças ianomâmis na fronteira do Brasil com a Venezuela. São identificadas, também, cenas dos grandes centros urbanos de cidades do Brasil e da América Latina.

            A obra faz poucas referências a intelectuais e filósofos latino-americanos. No caso dos filósofos, podem ser destacados Roland Corbisier, Rubem Alves, Oswaldo Porchat Pereira, Luis Roberto Salinas Fortes, Marilena Chauí e o argentino Luís Langón. Entre os artistas ou intelectuais, podem ser citados o argentino Jorge Luís Borges, o chileno Humberto Maturana e os brasileiros Machado de Assis, Sérgio Buarque de Holanda e Augusto de Campos.

 

Iniciação à Filosofia

            O livro didático Iniciação à Filosofia (2016) da professora e filósofa brasileira Marilena Chauí, contém diversas imagens abordando a realidade nacional e latino-americana. Essas imagens são expostas de acordo com a temática proposta, variando entre representações positivas da cultura e tradições brasileiras ou representações dos problemas sociais vivenciados no Brasil e em países latino-americanos.

            O recurso as imagens na obra passam a mensagem de que o discurso filosófico é atual por recorrer constantemente a situações de fácil identificação, além de conter indicações de filmes, que em sua maioria são produções nacionais. No que se refere as expressões da cultura brasileira, a autora destaca imagens de povos indígenas, da cultura afro-brasileira, os elementos da cultura nordestina e de expressões artísticas dos grandes centros urbanos, como o grafite e o Hip Hop.

            O livro aborda os temas clássicos da Filosofia, mas não dá destaque para os filósofos brasileiros, os quais quando são mencionados e aparecem em poucas linhas. Um exemplo é o pensamento de Paulo Freire e Paulo Margutti Pinto. Mesmo não dando muita ênfase a produção filosófica fora da Europa, há uma tentativa de relacionar constantemente esses conteúdos à realidade nacional. Para isso a autora recorre a charges, imagens, tirinhas e cenas da vida cotidiana.

            Quanto ao aspecto didático, a obra possui linguagem acessível e estimula o pensamento crítico, provocando os estudantes a pensarem a realidade em que vivem. Busca dar ênfase aos movimentos sociais e identifica problemas sociais contemporâneos. Apresenta vários textos complementares com temática atual, bem como exercícios complementares. Ainda conta com exercícios que buscam aliar a teoria com a realidade vivenciada pelos estudantes.

 

Figura 04: Indígenas Kalapalo

Fonte: Chauí, 2016, p. 268.

 

Reflexões: Filosofia e cotidiano

            O livro didático de José Antonio Vasconcelos está dividido em 04 unidades. As três primeiras unidades versam sobre temas clássicos da história da Filosofia, tais como política, ética, estética e metafísica. A unidade 04, cujo título é Para além do eurocentrismo, aborda a produção filosófica de outros continentes, dando destaque as filosofias orientais e africanas. Por outro lado, a produção filosófica latino-americana não é destacada da mesma maneira como as demais.

            A unidade 04 está subdividido em três capítulos, a saber: Filosofia oriental, As filosofias africanas e afrodescendentes, Filosofias feministas e seus desdobramentos. Comparado com outros manuais de Filosofia distribuídos pelo PNLD, esse livro didático é o que mais dá destaque para a produção filosófica fora da Europa. Nele são citados filósofos e filósofas e correntes filosóficas não europeias. Além de abordar a condição da mulher nas sociedades patriarcais e o pensamento filosófico feminino.

            A obra contém vasto acervo imagético, contemplando desde fotografias a memes. As imagens retratam o cotidiano dos povos indígenas, cerimônia de candomblé, vista da Cordilheira dos Andes, no Peru, e a reprodução de uma pintura do artista mexicano Diego Rivera. Ademais, a obra conta com diversas tiras e charges, como as de Laerte, Carlos Ruas e André Dahmer; também utiliza memes, o que aproxima ainda mais as temáticas filosóficas do cotidiano dos estudantes.

            No que se refere a produção filosófica nacional, o autor apresenta no final de alguns capítulos, recortes de textos produzidos por filósofos e filósofas brasileiros. Por exemplo, Renato Janine Ribeiro, Alberto Oliva, Vinicius de Figueiredo, Marilena Chauí, Eduardo Oliveira e Suzana Albornoz. Para cada um desses trechos há atividades de interpretação e reflexão. O destaque entre os filósofos brasileiros é dado ao pensamento de Eduardo Oliveira, expoente da filosofia afro-brasileira e iniciador da perspectiva filosófica da ancestralidade.


 

Figura 05: Cerimônia de Candomblé

Fonte: Vasconcelos, 2016, p. 129.

 

Resultados e discussões

Esse estudo constatou que os livros didáticos de Filosofia distribuídos pelo PNLD 2012, 2015 e 2018 são bons materiais didáticos para a introdução aos estudos filosóficos.No entanto,pouco contribuem para um ensino de filosofia sob uma perspectiva decolonial. Esses materiais didáticos contemplam as grandes áreas da Filosofia, tais como metafísica, epistemologia, ética, política, estética e lógica. Contudo, as discussões desses temas tendem a ter por referencial o contexto europeu, ainda que contenham imagens, filósofos, intelectuais e artistas não europeus em suas páginas.

Um aspecto relevante para essa constatação são os critérios de seleção dos livros didáticos de Filosofia exigidos pelo Ministério da Educação, os quais devem estar de acordo com alguns princípios avaliativos dispostos nos Editais de Convocação. No entanto, os editais não exigem explicitamente uma abordagem decolonial dos conteúdos das obras analisadas. Na edição do PNLD 2015, por exemplo, O guia de Livros Didáticos PNLD 2015. Ensino Médio. Filosofia, assim estabelece:

 

Para serem considerados obras didáticas de qualidade, os livros inscritos no PNLD 2015 precisaram atender aos requisitos definidos no Edital de Convocação, cuja formulação tem por ponto de partida o artigo 35 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei no 9394/96), quanto às finalidades do ensino médio. Esses requisitos incluem critérios eliminatórios comuns a todos os componentes curriculares que participam da edição do programa e específicos a cada um deles. A avaliação pedagógica consistiu em apreciar se e quais das obras atendiam a esses requisitos, bem como em que medida os satisfaziam (BRASIL, 2014, p. 15).

 

Como visto na citação anterior, as obras inscritas deveriam atender aos requisitos do Edital de Convocação e da LDB 9.394/96. Mas entre esses requisitos não foi exigido uma abordagem dos temas, problemas, áreas ou filosofias a partir de uma abordagem nacional ou latino-americana. Os critérios de exclusão das obras estão relacionados a questões metodológicas, interdisciplinares e a observância dos princípios éticos e republicanos, como pode ser observado no quadro abaixo extraído de O guia de Livros Didáticos PNLD 2015. Ensino Médio. Filosofia:

 

Quadro 02: Critérios eliminatórios comuns

 

CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS COMUNS

1

Respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino

médio;

2

Observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e

ao convívio social republicano;

3

Coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica assumida pelaobra no que diz respeito à proposta didático-pedagógica explicitada e aosobjetivos visados;

4

Respeito à perspectiva interdisciplinar na apresentação e abordagem dosconteúdos;

5

Correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos;

6

Observância das características e finalidades específicas do Manual do Professor e adequação da obra à linha pedagógica nela apresentada;

7

Adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivosdidático-pedagógicos da obra;

8

Pertinência e adequação do conteúdo multimídia ao projeto pedagógico eao texto impresso.

Fonte: MEC, Guia de livros didáticos PNLD 2015 (2014). Adaptado.

 

Além dos requisitos citados, os livros didáticos devem respeitar as determinações das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 que tratam da História e Cultura Indígena, Africana e Afro-brasileira. No entanto, percebeu-se a ausência de pensadores indígenas para contrapor a visão eurocêntrica de temas clássicos da Filosofia, o que poderia ser enriquecedor para contrapor duas cosmovisões distintas sobre um mesmo tema filosófico. Com relação a essa problemática, pode ser destacada a consideração de Souza (2022, p. 07):

 

Os livros de Filosofia do PNLD analisados abordam outras questões que podem ser relacionadas a problemas ligados aos povos indígenas. Contudo, a perspectiva aqui reconhecida para o ensino de Filosofia, que defende um ensino de Filosofia indígena a partir de problemas filosóficos e conceitos dos próprios indígenas, não é pensada como horizonte de trabalho em quase nenhum trecho dos livros analisados. Outro ponto observado foi a ausência de pensadores que discutem a questão do pensamento indígena, como Viveiros de Castro, Davi Kopenawa Yanomami, Ailton Krenak, Kaká Werá e outros. Mesmo que a Filosofia indígena seja, no pensamento brasileiro, algo ainda incipiente no período de escrita das obras do PNLD analisados, é preciso observar essa lacuna que mostra para onde direciona-se os olhares, que podem estar permeados por preconceitos ou indiferenças.

 

Portanto, ainda que constatado a distância entre a teoria e a realidade sociocultural latino-americana no exercício filosófico a partir dos livros didáticos distribuídos pelo PNLD 2012, 2015 e 2018, torna-se importante frisar que eles são materiais relevantes para o desenvolvimento do ensino de filosofia. Ademais, esses materiais são instrumentos pedagógicos que visam sanar uma lacuna histórica na produção editorial didática da Filosofia no Brasil, bem como mais um elemento para se refletir o ensino de filosofia desenvolvido nas escolas brasileiras.

 

Considerações finais

            O estudo apresentado nessas páginas não possui caráter conclusivo e muito menos pretende ser uma análise completa dos livros didáticos de Filosofia distribuídos na rede de ensino público do país, via o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Desse modo, o estudo realizado tentou refletir sobre a maneira como os temas filosóficos são abordados nas obras analisadas, para que fosse possível identificar qual a relação entre a Filosofia ocidental e a experiência filosófica latino-americana ou brasileira.

            Portanto, mesmo que a constatação seja a de que os livros didáticos de Filosofia da rede pública de ensino contribuam pouco para o exercício filosófico decolonial, ainda assim esses materiais didáticos são importantes instrumentos de ensino e aprendizado. Ademais, o fato de serem distribuídos gratuitamente para todos os estudantes matriculados nas escolas públicas brasileiras representam um avanço na política pública de acesso ao conhecimento formal.

 

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