A Arte de Pensar: investigações sobre os percursos da Lógica[1]

 

The art of thinking: investigations on the paths of logic

 

 

Clarice Rosa Machado

Mestra pela Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil.

clarice.r.machado@gmail.com - https://orcid.org/0000-0001-9402-8909

 

Recebido em 21 de fevereiro de 2022

Aprovado em 18 de abril de 2022

Publicado em 20 de junho de 2022

 

RESUMO: Neste estudo, pretendo apresentar um esboço histórico da lógica, construído ao colocar em evidência alguns aspectos da formação do pensamento humano que propiciaram o seu desenvolvimento, partindo da necessidade humana do bem pensar. O estudo foi realizado por meio da vertente teórico-metodológica da Análise Crítica do Discurso (ACD) de Norman Fairclough (2001) e da Análise de Conteúdo (AC) de Laurence Bardin (2010), tomando como pressuposto a concepção do texto verbal como materialidade discursiva e o discurso como a plenitude da prática social que o abrange e constitui (FAIRCLOUGH, 2001). De maneira transversal, a lógica era vista como a arte de pensar e o seu ensino realizava-se através de reflexões e discussões cotidianas, em outras palavras, o ensino da lógica não se limitava a uma exposição histórico-didática da lógica tradicional, porém, visava a formar bem a mente dos estudantes, orientando o intelecto na busca da verdade.A lógica é importante tanto como instrumento de análise de argumentos, quanto do ponto de vista histórico, porque ela foi inventada e sistematizada dentro de um contexto da Filosofia Grega, e, portanto, está aliada à história do pensamento ocidental. O ensino de lógica se faz necessário atualmente porque ela oferece ferramentas que permitem interpretar as informações que chegam até os sujeitos e perceber que elas não representam todas as realidades existentes, então não se pode moldar comportamentos, pensamentos e disseminar essas informações sem uma análise crítica, racional e cuidadosa.

Palavras-chave: Autonomia; Ensino de lógica; Formação do Pensamento Humano; História da Lógica.

 

ABSTRACT: In this study I intend to show a historical sketch of logic, constructed by putting in evidence some aspects of the formation of the human though that propitiated its development, starting from the human need for good thinking. The study was accomplished by a theoretical-methodological aspect of Critical Discourse Analysis (ACD) by Norman Fairclough (2001) and Content Analysis (AC) by Laurence Bardin (2010), taking as presupposition the conception of the verbal text as discursive materiality and the discourse as the plenitude of the social practice that encompasses and constitutes it (FAIRCLOUGH, 2001). In a transversal way, logic was seen as the art of thinking and its teaching was carried out through daily reflections and discussions, in other words, the logic teaching was not limited to a historical-didactic exposition of traditional logic, however, it aimed to well form the students minds, guiding the intellect, searching for the truth. The logic is important both as an instrument for analyzing arguments and from a historical point of view, because it was invented and systematized within the context of Greek Philosophy, and, therefore, it is allied to the history of the Western thought. The logic teaching is currently necessary because it offers tools that allow us to verify the available information so we can perceive when it is true or false through a critical, rational and careful analysis.

Keywords: Autonomy; The teaching of logic; Human thinking formation; Logic history.

 

Introdução

As transformações da/e na sociedade provocam alterações na vida dos seres humanos que, desde muito cedo, são expostos a informações de diversas procedências. Como essas informações chegam aos seres humanos após inúmeras modificações, algumas em função da adequação ao meio em que são incluídas e outras por relações de poder inseridas nos discursos, torna-se imprescindível adquirir ferramentas que nos permitam pensar corretamente e apresentar razões que garantam a posição defendida nas diversas situações do cotidiano. Isso porque, a partir das mensagens que são produzidas e conduzidas por esses meios, acabamos disseminando aquelas informações que consideramos relevantes ou de interesse público e moldando nosso modo de pensar e agir, mesmo que isso aconteça inconscientemente.

Considerando que o ser humano é “[...] um ser da pólis, e, por isso, necessita expressar e defender suas ideias de modo coerente e consistente para se fazer entender pelos demais [...]”, parece relevante o estudo da lógica, haja vista que ela "[...] é um fundamento muito importante para a expressão e comunicação do pensamento humano” (MACHADO; RIBAS; ZANELLA, 2021, p. 5). Nesse sentido, considerando os desafios que o mundo contemporâneo suscita para que ainda se faça necessário ensinar lógica aos estudantes, como funciona o ensino da lógica atualmente? E como isso aparece nos documentos que norteiam a Educação Básica?

Para responder questões ou ao menos traçar um caminho para tal e para encaminhar a construção do corpus, foram selecionados os seguintes documentos: i) Parecer CNE/CES 492/2001[2]; ii) Parecer CNE/CES 1.302/2001[3]; iii) Orientações Curriculares para o Ensino Médio[4] (2006); iv) Referencial Curricular Gaúcho[5] (2018) e v) Base Nacional Comum Curricular[6] (2018), sendo a última o corpus empírico da pesquisa. Ao priorizar este conjunto de materiais para a análise, considerei que tratam de documentos oficiais produzidos por instâncias decisórias no campo educacional (Ministério da Educação, Secretaria da Educação, etc.) que orientam o que, e, em certos casos como, se deve ensinar nos sistemas de ensino. A definição dos três componentes curriculares se direcionou à Filosofia, visto que estou tratando de questões do ser humano; à Língua Portuguesa, cuja importância é evidente, afinal, é pela via da linguagem que se analisa o pensamento; e à Matemática, já que hoje ela é reconhecida como parte da Matemática.

O estudo foi realizado a partir da vertente teórico-metodológica da Análise Crítica do Discurso (ACD) de Norman Fairclough (2001) e da Análise de Conteúdo (AC) de Laurence Bardin (2010), tomando como pressuposto a concepção do texto verbal como materialidade discursiva e o discurso como a plenitude da prática social que o abrange e constitui (FAIRCLOUGH, 2001). A escolha deste método, levou em consideração que a construção de significados, sentidos e representações da realidade são influenciadas por fatores históricos, econômicos, culturais e políticos que moldam a forma como conhecemos, pensamos, aceitamos ou reprimimos as coisas no mundo (MACHADO, 2020).

Neste estudo, não tenho a pretensão de definir o que é a lógica, visto que sobre essa questão há muitas tentativas que podem ser encontradas com Irving Copi (1978); Cezar Mortari (2001); Vicente Keller e Cleverson Bastos (2011); Patrícia Velasco (2016) entre outros. Mas, apresentar um esboço histórico da lógica construído ao colocar em evidência alguns aspectos da formação do pensamento humano que propiciaram o seu desenvolvimento. Para tanto, o texto encontra-se dividido em quatro partes, sendo que a primeira corresponde à introdução. Na segunda parte, realizo uma revisão teórica acerca da formação do pensamento humano e do desenvolvimento da lógica que permitiu a construção do esboço histórico da lógica com os principais períodos, autores e noções recorrentes. Na sequência, investigo a presença da lógica nos documentos que orientam a educação brasileira e seus desdobramentos. Por fim, as considerações finais.

 

Formação do Pensamento Humano e o Desenvolvimento da Lógica

No mundo ocidental, o surgimento do pensamento humano encontra-se atrelado à origem da pólis, à linguagem, à comunicação e, consequentemente, à formação do ser humano. Segundo Abrão, a forma de organização social e política do século VIII a.C, mostra uma transformação nas decisões públicas que passa a depender, “apenas da força das palavras dos oradores, cuja condição social e econômica não é mais levada em conta” (1999, p. 17). Em outras palavras, na pólis, vencia aquele que sabia convencer, valendo-se exclusivamente do raciocínio e da exposição correta das ideias, e aqui já se apresentam algumas noções com as quais a lógica se ocupa. Nesse sentido, emerge com a pólis, esse novo modo de pensar, racional e filosófico, que se distanciado pensamento mítico que se tinha até aquele momento.

Nesse período, na Grécia Antiga, surgem os primeiros filósofos que se ocupavam com questões sobre a natureza e a origem das coisas, buscando compreendê-las por meio da observação, da reflexão e da razão. Entretanto, como eles não produziram reflexões que pudessem ser relacionadas com a lógica nos propósitos deste artigo, passarei aos sofistas. Os sofistas eram considerados os sábios eruditos que dominavam técnicas de retórica, do discurso e vendiam seus conhecimentos para os filhos dos nobres que iriam, mais tarde, assumir a direção da pólis. Reconhecendo essa futura ocupação na pólis, uma das preocupações dos sofistas era que seus discípulos aprendessem a falar de modo convincente já que se tornariam figuras públicas. Sinalizo, neste ponto, outra noção de lógica que é estudada quando se trabalha com argumentos.

Dando continuidade à reconstrução histórica, na Idade Média, as Sete Artes Liberais[7] constituíam o modelo de educação greco-romana que contemplava o ensino da retórica, da gramática, da lógica, da aritmética, da música, da geometria e da astronomia.

 

[...] A lógica, é a arte do pensamento; a gramática, a arte de inventar símbolos e combiná-los para expressar pensamento; e a retórica, a arte de comunicar pensamento de uma mente a outra, ou adaptação da linguagem à circunstância. A aritmética, ou a teoria do número, e a música, uma aplicação da teoria do número (a medição de quantidades discretas em movimento), são as artes da quantidade discreta ou número. A geometria, ou a teoria do espaço, e a astronomia, uma aplicação da teoria do espaço, são as artes da quantidade contínua ou expansão. (JOSEPH, 2011, p. 21).

 

Essas artes constituem a base tradicional da educação liberal, ensinando como viver e aperfeiçoando as faculdades dos sujeitos, pois permitem que estes elevem-se para uma vida intelectual e livre na buscada verdade (JOSEPH, 2011). Ainda que as Sete Artes Liberais sejam voltadas para a formação do ser humano, na Idade Média, podemos tê-las como apoio para pensar a necessidade de ensinar lógica aos estudantes nos dias atuais.

No trivium, a lógica é apresentada como a arte do pensamento que se ocupa com as operações do intelecto e que faz parte da arte de comunicar, uma vez que o pensamento é inerente aos meios de comunicação, tais como o ler, o escrever, o falar e o ouvir. Além disso, é considerada como a arte das artes, porque conduz o ato de raciocinar, do pensar corretamente, e esta, por sua vez, orienta todos os outros atos do ser humano. Para Miriam Joseph (2011),o pensar corretamente ou pensar bem é o meio de se chegar à verdade, mediante a conformidade do pensamento com a realidade das coisas, o que significa melhorar as habilidades de raciocínio, de resoluções de problemas e de tomada de decisões.

Em vista disso, Hottois argumenta que “a lógica demorou muito tempo a definir a sua originalidade própria e a impô-la” (2004, p. 13), por isso, o emprego do termo, muitas vezes, limita-se a uma exposição histórico-didática da lógica tradicional, mais conhecida por silogismo.

 

Em Platão, ela quase não se distingue da própria filosofia, que é dialéctica e metafísica. Em Aristóteles, como veremos, ela adquire, mas não com o seu nome, um estatuto autónomo e torna-se um objecto sistematicamente explorado. Até aos tempos modernos, a confusão, especialmente entre lógica e dialéctica, será frequente. Do mesmo modo, quando, no seu Nietzsche, Heidegger determina a metafísica ocidental como lógica, as suas referências fundamentais são Platão e Hegel, ou seja, os dois grandes filósofos da dialéctica. Além disso, até finais do século XIX, o essencial da lógica continuará a ser essencialmente a silogística. (HOTTOIS, 2004, p. 13).

 

A partir destas exposições, é possível perceber que por muito tempo a lógica permaneceu na órbita da linguagem, do raciocínio discursivo e do pensamento especulativo. Apesar de alguns temas da lógica terem sido tratados por pensadores anteriores a Aristóteles, muitos matemáticos e pensadores o consideram como seu fundador, pois é ele quem realiza um estudo sistemático da lógica que vai permanecer como referência por vários séculos.

Para avançar na análise, foi construído um Esboço Histórico com os principais períodos em que surgiram estudos considerados cruciais e que serviram como base para o desenvolvimento da Lógica Ocidental. O quadro foi elaborado com base nas obras de Willian Kneale e Marta Kneale (1980); Cezar Mortari (2001); Gilbert Hottois (2004) e Pierre Wagner (2009). Ao escolher esses autores, não estou negando a existência de outros que também possibilitaram o desenvolvimento da lógica, mas apenas um recorte julgado necessário aos objetivos e limites do estudo, considerando os autores mais frequentes acerca da temática.

 

     Quadro 1 – Esboço Histórico da Lógica

Autores

Nome

Obras

Noções

Lida com:

Trata de:

 

Tales de Mileto

(624-546 a.C)

 

Teorema da demonstração

 

Não existe autoria do próprio filósofo[8]

 

Validade

Inferência

Argumentos Dedução

Premissas verdadeiras Argumentos válidos

Raciocínio dedutivo

 

Premissa

 

Argumento

Pitágoras de Samos

(570-495 a.C)

 

Teorema de Pitágoras

Não existe autoria do próprio filósofo[9]

 

Raciocínio

Unidade

Demonstração

Números

Raciocínio dedutivo

Razões

Proporções



Platão

(427-347 a.C)

Método dialético

Teoria das Formas

 

Diálogos[10]

 

Teeteto

 

Sofista

Argumentos

Falácias

Identidade

Hipóteses

Proposições

Contradição

Relação necessária

Princípios lógicos válidos e inválidos

Contradição

Argumentos falaciosos

Sofismas

Dialética



Filosofia da lógica

 

 

 



Aristóteles

(384-322 a.C)

 

Teoria do Silogismo

 

Lógica Modal

 

Lógica Formal

Lógica Clássica

 

Órganon

 

Tópicos

 

De Interpretatione

 

Primeiros Analíticos

 

Segundos Analíticos

Necessidade Possibilidade

Identidade

Não contradição

Terceiro excluído

Contingência

Inferência

Raciocínio apodítico

Raciocínio dialético

Verdade

Potência

Essência

 

Termos gerais

Termos singulares

Predicados

Premissa demonstrativa e dialética

Quantificadores

Afirmação

Variáveis

Conectivos

Negação

Proposições categóricas

 

Proposições

Singulares

 

Princípios lógicos

Tabelas de verdade

Frases declarativas

 

 

Megáricos

 

Euclides de Mégara

(435-365 a.C)

 

Eubulides de Mileto

(450-349 a.C)





Lógica Megárica

 

Lógica Modal



Os elementos

 

 

 

Fragmentos nas obras de Platão e Aristóteles

Valor de verdade

Movimento

Paradoxo

Conceitos

Natureza

Frases

Ambiguidades

Possível

Necessário

Proposições

Modalidades

Antecedente Consequente

Predicados

Invenção de paradoxos

Reexaminação de conceitos modais

Natureza das frases declarativas condicionais

Falácias

Cadeias de demonstração

Operadores modais

 

Dialética de Zenão

 

Paradoxos

 

Sofismas

 

Oração subordinada

 

Frases declarativas condicionais

Estóicos

 

Zenão de Cítio

(340-264 a.C)

 

Crísipo de Solos

(279-206 a.C)





Lógica Estóica





Fragmentos conservados por escritores de outras escolas[11]

 

Proposições

Condicionais

 

Valor de Verdade

 

Inferência

 

Disjunção

Teoria das proposições condicionais

Paradoxos

Princípio da bivalência

Proposições complexas

Conectivos lógicos



Teoria da demonstração

 

Esquemas de inferência

 

Marco Túlio Cícero

(106-43 a.C)

 

Lógica Romana

 

Topica

Inferência

Conectivos

Premissas

Equivalência

Proposições

Inclusivo

Exclusivo

Simples

Composto

Conectivos fortes

Conectivos fracos

Figuras

Premissa maior

Premissa menor

 

Silogismo hipotético

 

Frases declarativas

 

Anício Mânlio Torquato Severino Boécio

(480-525 d.C)

 

 

Lógica Medieval

 

Lógica Escolástica

 

Introductio ad Syllogismos Categoricos

Inferência

Conectivos

Premissas

Equivalência

Proposições

Inclusivo

Exclusivo

Simples

Composto

 

Termos gerais

Classificação de predicados

Silogismos complexos hipotéticos

 

Conceitos preliminares da silogística

 

Problema dos universais

 

Porfírio de Tiro

(233-305 d.C)

 

Lógica Medieval

 

Lógica Escolástica

 

Isagoge

(Introdução à lógica em geral)

Inferência

Implicação

Conjunção Disjunção

Negação

Paradoxos

Espécies

Gênero

Diferença

Acidente

Propriedade

 

Lógica das proposições

Alberto Magno, O Grande;

(1193-1280)

Jão Duns Scotus;

(1266-1308)

Gilherme d’Occam

(1288-1347)

 

Lógica Medieval

 

Lógica Escolástica

Fragmentos de fontes diversas

 

 

Opera omnia

 

Summa Totius Logicae

 

 

Suposições

Categoremática

Referência

Entinema

Conversão

 

Termos realistas

 

Termos nominalistas

 

Teoria das consequências

 

Lógica modal

 

Questão dos universais

 

Usos, significados e representação das palavras



Gottfried Wilhelm Leibniz

(1646-1716)




Lógica combinatória

 

Lógica do Renascimento

 

Dissertatio de arte Combinatoria

 

Specimen Calculi Universalis

Símbolos compostos

Raciocínio como cálculo

Ideografia

Uso de quantificador

Redução

Conversão

Cálculo do raciocínio

Operações baseadas em símbolos

Implicação existencial para todas as proposições universais

Linguagem simbólica

Notação universal e artificial

Teoria das relações

Demonstração formal

 

Leonhard Euler

(1707-1783)

 

Lógica do Renascimento

 

Letrres à une Princesse d’ Allemagne

 

Analogias geométricas

Extensão

Classes

Proposições

Interpretação extensional

Classes de proposições gerais

Figuras espaciais

Lógica matemática

Formas aristotélicas de proposições gerais

 

Immanuel Kant

(1724-1804)

 

Lógica Moderna

 

Lógica

Conhecimento intuitivo e discursivo

Verdade material, formal e lógica

Modalidade

Qualidade

quantidade

Raciocínios dedutivos

Perfeições lógicas

Probabilidade matemática e filosófica

Juízos

Lógica com ciência das leis formais do pensamento



Augustus De Morgan

(1806-1871)

 

Álgebra da Lógica

 

Lógica Moderna

 

Os fundamentos da Álgebra

 

Formal Logic

Universo do discurso

Uso de quantificadores

Categorias

Variáveis

Cânones

Relativo

Transitivo

 

Ambiguidades do discurso ordinário

Símbolos

Operações

Cálculos

Classes

Lógica como álgebra

Indução matemática

Equações lógicas

Teria das relações




George

Boole

(1815-1864)



Álgebra da Lógica

 

 

Lógica Moderna

 

A General Method in Analysis



Mathematical Analysis of Logic

Generalização

Quantificadores

Símbolos

Linguagem

Número

Grandeza

Probabilidade

Classe universal

Classe nulo

Convenção

Intersecções

Variáveis

Relações lógicas

Cálculos de operadores

Uso de quantificadores

Relações supostas

Esquemas de interpretação

Cálculos de probabilidade

Generalidade abstrata

 

Equações lógicas

 

Leis do pensamento

Lógica como uma ciência independente

 

Georg

Cantor

(1845-1918)

 

Teoria dos conjuntos

 

Lógica Moderna

Contributions to the Founding of the Theory of Transfinite Numbers

Infinito

Conjuntos

Sucessão

Elementos

Equivalência

Argumentos

da

diagonalização

Conjuntos incontáveis

Paradoxos

Teoria lógica da aritmética

 

Prova matemática



Gottlob

Frege

(1848-1925)

 

Logicismo ou Lógística

 

 

Lógica matemática Moderna

Conceitografia:

uma linguagem formular do pensamento puro decalcada sobre a aritmética

 

Die Grundlagen der Arithemetic

 

Função proposicional;

Conceito; relações;

Quantificador;

Axiomas lógicos;

Demonstração

Significado;

Referência;

 

Cálculo de predicados;

Cálculo das proposições;

Teoria da identidade;

Sistema de notação;

Redução das matemáticas à lógica

Filosofia Analítica

Aritmética

Indução matemática

Linguagem formalizada do pensamento puro

 

David

Hilbert

(1862-1943)

 

Lógica Moderna

 

Os Fundamentos da Geometria

Expressões

Designações

Funções

Proposições

Inconsistência

Expressões de proposições

Funções proposicionais

Axiomatização da geometria

 

Método axiomático

 

Ludwig Wittgenstein

(1889-1951)

 

Lógica Moderna

 

Tractatus Logico -Philosophicus

Tautologia

Axiomas

Linguagem

Representação

Funções de verdade

Relações entre lógica e linguagem

Positivismo lógico

Filosofia Analítica da linguagem

 

Bertrand Russell

(1872-1970)

Alfred North Whitehead

(1861-1947)

 

 

Lógica

Moderna

 

 

Principia Mathematica

Variáveis

Quantificadores

Operadores

Inferência

Implicação material

Variáveis reais/livre

Quantificadores universais

Teoremas

Princípios de inferência

 

Filosofia Analítica da linguagem

 

Esquemas axiomáticos

 

 

 

 

Rudolf Carnap

(1891-1970)

 

 

 

Álgebra da Lógica

 

 

Introduction to Symbolic Logic with Applications

 

Formalization of Logic

Contraste

Conjuntos

Axiomas

Verdade

Negação

Consequência

Regras de inferência

Envolvimento lógico

Contraste entre conjuntos de axiomas monomórficos e polimórficos

Estrutura lógica

Relações entre lógica e linguagem

 

Filosofia Analítica da linguagem

 

Abstração matemática

 

Kurt Gödel

(1906-1978)

 

Lógica Contemporânea

Über formal unentscheidbare Sätze der Principia Mathematica und verwandter Systeme

 

Correção

Completude

Incompletude

Notação

Espécies

 

Predicados

Expressão bem formada

Princípio de redução

Teorema da Completude

Teorema da incompletude

Filosofia Analítica

     Fonte: MACHADO, 2021.

 

A partir desse quadro, podemos perceber que não ocorreu um rompimento entre a Idade Média e o período que se seguiu, no que diz respeito à lógica, pois os textos da lógica Escolástica ou Medieval continuavam sendo estudados. Durante 400 anos, que vai do meio do século XV até o meio do século XIX, encontram-se inúmeros manuais de lógica, mas poucas obras que contemplam algo que possa ser considerado radicalmente novo e bom (KNEALE; KNEALE, 1980).

No início do século XX alguns lógicos e filósofos tentaram provar que parte da Matemática poderia ser reduzida à lógica. No entanto, perceberam que a lógica formal era insuficiente para alcançar o rigor necessário no estudo da Matemática, porque estava apoiada na linguagem cotidiana, então se dedicaram a formalizar regras de demonstração e a sistematizar o raciocínio matemático, sem recorrer a esse tipo de linguagem. Immanuel Kant tentou resolver esse problema ao considerar a lógica como a ciência das leis formais do pensamento, se tornando um precursor de Gottlob Frege (1992). No século depois da publicação de Begriffsschrift[12], ocorreu um avanço nos desenvolvimentos de sistemas lógicos, distinguindo-se quatro áreas principais, as quais são: (i) o desenvolvimento do aparato lógico padrão; (ii) o desenvolvimento de cálculos não-clássicos; (iii) o estudo filosófico da aplicação desses sistemas ao argumento informal, e (iv) o estudo dos objetivos e capacidades da formalização (HAACK, 2002).

Ao analisar os estudos de lógica e textos com essa temática, percebe-se que o primeiro ataque à lógica, exclusivamente, com objeções à escolástica e a Lógica medieval, foi atribuído pelos humanistas do Renascimento. A objeção considerava as relações de poder estabelecidas na época, e, consequentemente, a partir dessas relações, se estruturava a finalidade da educação, que naquele momento estava centrada na capacidade de escrever um latim elegante e não em habilidades lógicas, por isso, era considerada "bárbara no estilo e desinteressante no conteúdo, em contraste com a literatura da Antiguidade recentemente redescoberta” (KNEALE; KNEALE, 1980, p. 305).

Em razão deste ataque é que, talvez, a lógica tenha perdido sua importância enquanto disciplina e ciência que oferece certas técnicas que permite mostrar quando um raciocínio é válido ou inválido, e que também, nos capacita para tomar decisões e solucionar problemas em diferentes situações do cotidiano por meio do uso da nossa razão. E, que quando se fala sobre lógica, usualmente, encontra-se associada a Matemática, extraviando-se da sua relevância por si mesma para a formação de seres pensantes, conscientes, críticos e autônomos.

Outro ponto que o esboço nos permite pensar com relação à História da Lógica é a questão da presença das mulheres na área. O fato é que o quadro foi elaborado a partir dos principais manuais de lógica e em nenhum momento as mulheres apareceram para compor o desenvolvimento da lógica, nem mesmo em nota de rodapé.

Ainda, tecendo interpretações acerca do Quadro 1, parece natural concluir que existem diferentes Lógicas, e aqui tomo como ponto de partida a sistematização de Aristóteles. Diante disso, surge a necessidade de se pensar em outras distinções de sentidos de lógica, embora o foco do estudo não seja uma análise minuciosa das diferentes Lógicas, presumo que expor essa distinção seja importante para mostrar ao leitor as variedades de lógicas existentes.

Existem opiniões e concepções diferentes de lógica, as quais se pode reportar outras tantas. Por essa razão, não seria mais correto falar de lógicas, no plural, ao invés de uma lógica, no singular? Nesse viés, a partir da obra de Susan Haack (2002) e do Esboço Histórico da Lógica, pode-se pensar, imediatamente, que a ideia de uma lógica universal e válida para todo e qualquer sistema de raciocínio, de inferência é um tanto quanto equivocada. Haack (2002) apresentou algumas variedades de Lógicas, as quais serviram para inspirar a construção do quadro a seguir: 

 

Quadro 2- Variedades de Lógica(s)

Lógica tradicional

Silogística aristotélica

Lógica clássica

Lógica proposicional

Lógica de predicados (1ª ordem e superior)

 

Lógicas ampliadas

Lógicas modais (temporais, deônticas, epistêmicas...)

Lógicas da preferência

Lógicas imperativas

Lógicas erotéticas (interrogativas)

 

Lógicas alternativas

Lógicas polivalentes

Lógicas intuicionistas

Lógicas livres

Lógicas quânticas

Lógicas paraconsistentes

Fonte: MACHADO, 2021.

 

Haack (2002) coloca em evidência a existência de variedades de lógicas, resta indagar em que medida essas variedades dialogam entre si ou são extensões umas das outras? Será que ao assumir que há tantas lógicas não se estaria resolvendo um problema de ordem conceitual, tendo em vista que a busca de uma definição do que é lógica permeia muitos estudos e pode ser um dos motivos de sua estagnação?

 Isso porque definições explícitas e precisas de lógica são difíceis de obter, pois, ao caracterizar uma definição de lógica parece uma forma de excluir outras tantas possibilidades de pensá-la a partir dos períodos históricos do seu desenvolvimento e do que os autores consideravam como aspectos desta em determinada época. Pierre Wagner salienta que Aristóteles, Leibniz, Kant e Frege (dentre outros autores) “não só tinham ideias muito distanciadas da lógica, como simplesmente não a definiam a partir do mesmo projeto teórico” (2009, p. 10), que podem ser percebidos no Quadro 1. Além disso, a lógica é um campo por si só complexo, árduo e a maneira como é habitualmente trabalhada nas escolas perpetua seu caráter “duro”, frio e vazio (SECCO, 2013). Em função disso, as pessoas tendem a fugir desse âmbito, deixando-o para os pesquisadores, universitários. Nesse sentido, penso que uma atitude apropriada seria aceitar a existência de variedades de Lógicas e, assim, avançar o estudo para outros aspectos em seu entorno.

A ideia do esboço foi mostrar que as evidências históricas permitem conjecturas razoáveis acerca do desenvolvimento e/ou evolução do pensamento lógico. Com base nisso, podemos dizer que a lógica é importante enquanto instrumento de análise de argumentos, mas também é importante do ponto de vista histórico, porque ela foi inventada e sistematizada dentro de um contexto da Filosofia Grega, e, portanto, está aliada à história do pensamento ocidental. Com o aporte do Esboço Histórico da Lógica e todos os questionamentos e interpretações levantadas a partir deste, a pesquisa pode avançar para as investigações de como essas noções da lógica aparecem nos documentos que orientam a educação brasileira.

 

A Lógica nos Documentos Educacionais

          A seleção dos documentos decorreu devido ao seu caráter normativo enquanto registros do Ministério da Educação que estabelecem os conteúdos que devem ser abordados em sala de aula pelos docentes. Embora não expliquem como os conteúdos devem ser desenvolvidos, eles regulam quais devem ser enfatizados.

Dentre os cursos superiores mencionados no Parecer CNE/CES 492/2001, a análise exploratória se centrará nas diretrizes para o curso de Graduação em Filosofia. Embora o Parecer não responda aos questionamentos sobre a importância de ensinar lógica ou os desafios que emergem no mundo contemporâneo, ele permite extrair informações que servem para pensar como funciona o ensino da lógica e ainda, a elenca como uma das disciplinas básicas da diretriz do curso, porém não desenvolve o que precisa ser trabalhado na disciplina. O documento apresenta um conjunto de competências e habilidades que o licenciado ou bacharel em Filosofia precisa possuir até o final do curso, mas é possível inferir algumas habilidades lógicas que podem ser adquiridas por estudantes do Ensino Médio e que são ratificadas pelas Orientações Curriculares para o Ensino Médio[13] no terceiro volume (2006).

Com base na análise de conteúdo do componente curricular da Filosofia, da Língua Portuguesa e da Matemática, as quais pertencem às áreas do conhecimento escolhidas para o estudo, identificou-se nas OCEM’s, sob o ponto de vista lógico, as seguintes habilidades: i) pensar criticamente ii) busca da verdade; iii) extrair consequências; iv) capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema; v) evitar erros e mal-entendidos em contextos escolares e não escolares; vi) apresentar boas razões.

Na seção “Identidade da Filosofia”, é explorado a importância da distinção entre uma mera crença e a necessidade de boas razões e argumentos, todavia, o documento está falando sobre a Filosofia, e não no ensino de lógica, entretanto, como são conteúdos lógicos, fiz essa interpretação. No desenrolar da OCEMFIL, o documento apresenta os “Objetivos da Filosofia no Ensino Médio”, novamente, o foco é a Filosofia, mas entendo que em todos os níveis da educação e as disciplinas que o processo abarca, se têm em vistas “um tipo de formação que não é uma mera oferta de conhecimentos a serem assimilados pelo estudante”, ou seja, que os estudantes consigam, através dos ensinamentos, aplicar e adaptar os conhecimentos e as habilidades aprendidas na escola em todas as dimensões da sua vida, deste modo, os conhecimentos “devem ser para ele vivos e adquiridos como apoio para a vida, pois do contrário dificilmente teriam sentido para um jovem nessa fase de formação” (BRASIL, 2006, v. 3, p. 28).

Esta proposta de ensino pretende desenvolver nos jovens a capacidade de responder às questões que surgem na vida das mais variadas situações, ultrapassando a mera repetição das informações adquiridas no âmbito escolar, mas que consiga manuseá-las integrando os conhecimentos prévios, as habilidades e o agir frente as situações-problemas. Na sequência, o documento aponta uma lista de sugestões de conteúdos com vistas a “fornecer um roteiro de trabalho”, tomando como referência os temas extraídos das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em e itens cobrados em avaliações dos docentes para o Ensino Médio (BRASIL, 2006, p. 34; BRASIL, 2001). A listagem estabeleceu uma relação de trinta conteúdos, sendo estes a sequência de temas que perpassam a História da Filosofia. Dentre os temas, identifiquei cinco conteúdos[14] de Lógica selecionados para formular o currículo da disciplina de Filosofia no Ensino Médio, os quais são:

 

2) validade e verdade; proposição e argumento;

3) falácias não formais; reconhecimento de argumentos; conteúdo e forma;

4) quadro de oposições entre proposições categóricas; inferências imediatas em contexto categórico; conteúdo existencial e proposições categóricas;

5) tabelas de verdade; cálculo proposicional;

27) Filosofia analítica; Frege, Russell e Wittgenstein; o Círculo de Viena;

 

Estabelecidos o conjunto de conteúdos lógicos presentes na OCEMFIL, cabe agora questionar como desenvolvê-los em sala de aula, de forma, que os alunos consigam utilizá-los em suas atividades diárias e faça algum sentido aprendê-los? Com que tipo de conteúdo lógico se está lidando? É um conhecimento do tipo proposicional, habilidade ou atitudinal? Como esses conteúdos se articulam com os demais e favorecem a interdisciplinaridade? Ao finalizar a leitura do documento, não é possível encontrar indícios de solução ou respostas para estas questões.

 

Com isso, temos tudo o que precisamos para perguntar: como a transposição didática de tais conteúdos deve ser trabalhada de modo tal a permitir não somente o “proveitoso intercâmbio” com as demais disciplinas (científicas e linguísticas) mas a lida com os textos da tradição? Como se articulam os conteúdos de lógica formal (os pontos 4 e 5 e, em certo sentido, o ponto 2) com os demais? A essa altura, é preciso reconhecer, o documento não é de muito auxílio a seu público-alvo. Ainda que encontremos afirmações como a de que se trata “de referências, de pontos de apoio para a montagem de propostas curriculares, e não de uma proposta curricular propriamente dita”, ou de que os conteúdos “não precisam todos ser trabalhados, nem devem ser trabalhados de maneira idêntica à que costumam ser tratados nos cursos de graduação” (OCEMFIL, 2006, p. 27 apud SECCO, 2013, p. 95).

 

Com os indícios deste desamparo identificados por Secco (2013) e confirmados durante o estudo, o que resta aos docentes de Filosofia além de recorrer ao que aprenderam de Lógica em sua graduação (e aqui pode se tornar problemático, visto que muitos não se sentem afeiçoados com a Lógica); aos manuais do professor que acompanham os livros didáticos (que se torna outro problema, devido à desconexão dos capítulos de lógica com os demais capítulos do livro ou a sua ausência).

A partir desta relação dos conteúdos de Lógica, foi possível detectar duas tendências do ensino de lógica: a primeira, trabalhar com conteúdo de Lógica formal – na qual se estuda a distinção entre as noções de validade e verdade (tal como sugerido pelo ponto 2 da lista das OCEMFIL), aqui entra também, os critérios para a diferenciação entre forma e conteúdo, a Lógica silogística e suas variações (tal como sugerido pelos pontos 4 e 5 da lista das OCEMFIL), e as regras mais fundamentais ou princípios lógicos e princípios de inferência válida, inaugurada por Aristóteles e revisada por Frege, como pode ser percebido no Esboço histórico da Lógica.

 

O alvo da lógica, nesse sentido, ainda mais com seu rico e exponencial desenvolvimento desde fins do século XIX, acabou sendo sempre a inferência dedutiva e a noção de validade formal. Sua propensão originária sempre esteve associada a algum tipo ou grau de formalização destas inferências – ao ponto de se ter desenvolvido uma noção própria de conhecimento, qual seja, a noção de conhecimento simbólico, para dar conta do tipo de saber que se adquire através da manipulação regrada de símbolos e ao modo algébrico, peculiar à lógica tal como praticada pelos lógicos (SECCO, 2013, p. 97).

 

E a segunda, relacionada com a Lógica informal ou tópicos de teoria da argumentação em que se estuda as falácias não formais, a persuasão, o reconhecimento entre argumentos indutivos e dedutivos (tal como sugerido pelo ponto 3 da lista das OCEMFIL). Quais os resultados esperados com essas tendências para o ensino de lógica?

Talvez o modo mais adequado de pensar o ensino de lógica seja considerar os desafios que os estudantes enfrentam na vida, do que direcionar as aulas a partir do conteúdo. Todavia, não se está negando a importância deles, mas refletindo sobre a possibilidade de que, quem sabe, esta seja uma tentativa que melhor resolva a problemática com o ensino da lógica. No caso, de pensar em um objetivo, em um problema, e somente depois de estabelecido, é que se busque nos conteúdos maneiras de solucioná-los. Isso, tendo em vista que ficar na discussão de qual tendência pode ser considerada mais eficiente, já é tema de algumas pesquisas, isso pode ser conferido no próprio texto que está sendo utilizado como apoio. Quiçá, a ênfase precisa ser no objetivo ou resultado da necessidade de ensinar lógica aos estudantes, isso permitiria que os docentes possam empregar recursos tanto de Lógica formal quanto da Lógica informal como apoio para desenvolver ou possibilitar que os alunos atinjam os objetivos ou resultados desejados com problemas e temas advindo da sua realidade.

Ademais, essa ideia de conectar essas tendências de ensino de lógica pode ser fundamentada, de certa maneira, pela BNCC, considerando que ela tem um foco interdisciplinar nas orientações da Educação Básica, em que não elimina as especificidades dos saberes construídos historicamente pelas disciplinas, mas implica o fortalecimento das relações entre elas para a intervenção na realidade dos sujeitos (BRASIL, 2018).

Na BNCC pode-se encontrar alguns traços da Lógica mesmo que seja de forma sutil e que não tenha o tratamento como pertencente a lógica, até porque este não é o motivo do documento. Em cada modalidade aparecem assuntos que a lógica se dedica como objetivos de aprendizagens, nas competências gerais, bem como nas competências específicas de cada área ou componente curricular, termos como argumentar, consequência lógica, expressar ideias e opiniões com clareza, inferir ou deduzir informações, conectores, recursos de persuasão, justificar a posição, equivalência, ordem, variação, axiomas, a reflexão entre outros.

 

O estímulo ao pensamento criativo, lógico e crítico, por meio da construção e do fortalecimento da capacidade de fazer perguntas e de avaliar respostas, de argumentar, de interagir com diversas produções culturais, de fazer uso de tecnologias de informação e comunicação, possibilita aos alunos ampliar sua compreensão de si mesmos, do mundo natural e social, das relações dos seres humanos entre si e com a natureza. (BRASIL, 2018, p. 58).

 

Os termos mencionados são utilizados sem uma definição prévia do que é ou do que, naquele momento, está significando. Não se tem a pretensão de explorar, exaustivamente, todos os atributos da Lógica, mas mostrar a sua representação nos documentos e através disso, estabelecer os critérios para selecionar as competências lógicas.

O RCG (2018) reafirma as características da lógica presentes na BNCC, termos como, por exemplo, a verdade, o pensamento crítico, elaborar hipóteses, formular e resolver problemas, expressar ideias, argumentar, raciocínio lógico e o ensinar a pensar. Palavras caras para os dias de hoje, em que cada vez mais as pessoas precisam exercer em suas atividades intelectuais para construir um conhecimento ou solução de um problema de forma ativa e transformar a realidade a partir do conhecimento adquirido.

Ao explorar as Diretrizes curriculares para o ensino de Filosofia, as OCEM’s (2006), a BNCC (2018) e o RCG (2018), observa-se que as habilidades apresentadas se enquadram em cívicas e comunicativas, ambas necessárias para viver em sociedade. No que comporta a habilidades cívicas, admite-se que não é recente o cuidado ou a responsabilidade do campo educacional com a formação geral dos jovens de valores para o exercício da cidadania e a preparação básica para o trabalho (BRASIL, 1996). No que se refere a habilidades comunicativas, há uma significativa preocupação com o uso correto da linguagem para a argumentação, o que pode ser propiciado por conteúdos lógicos, por meio do desenvolvimento da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, da reconstrução racional e crítica de argumentos. Como resultado disso, a possibilidade de tomar posição, o que é decisivo para o exercício da autonomia e, por conseguinte, da cidadania.

 

Considerações Finais

Com esse texto, espero que seja possível cativar, nos leitores, o desejo de conhecer um pouco mais sobre a Lógica. Em razão disso, mais do que oferecer respostas pré-estabelecidas, busquei a todo momento problematizar aquilo que foi sendo deixado em segundo plano ao longo do tempo nos estudos acerca da temática. Embora os documentos selecionados para a pesquisa não expliquem como os conteúdos devem ser desenvolvidos, eles regulam quais devem ser enfatizados.

Sob o prisma do bem pensar, compreendeu-se que o desenvolvimento da lógica está intimamente relacionado a formação do pensamento humano, desde a origem da pólis e então, da organização social e política do século VIII a. C. Para esta compreensão o caminho percorrido, no artigo, se respalda no pensamento ocidental, embora não se exclua a possibilidade de investigações orientais e, consequentemente, outros desdobramentos. A lógica mostrou-se importante tanto como instrumento de análise de argumentos, quanto do ponto de vista histórico, porque ela foi inventada e sistematizada dentro de um contexto da Filosofia Grega, e, portanto, está aliada à história do pensamento ocidental.

Para além disso, o ensino de lógica se faz necessário atualmente em virtude de que: as mensagens produzidas por determinados grupos são transmitidas a outros em circunstâncias espaciais e temporais diferentes do contexto original, e é necessário saber interpretá-las e perceber que, algumas vezes, as realidades e condições de existências de quem as produz e de quem as recebe, são discrepantes. Os meios de comunicação podem ser utilizados tanto para oferecer informações úteis quanto para alienar as pessoas, determinar os modos de agir, então, com as ferramentas oferecidas pela lógica é possível analisar essas informações, submetendo-as a um processo racional e crítico em que as verdades e as mentiras serão desvendadas pelos sujeitos.

O estudo tornou possível perceber que por muito tempo a lógica permaneceu na órbita da linguagem, do raciocínio discursivo e do pensamento especulativo. Como consequência disso, a sua desvalorização como ciência que tem um conhecimento, princípios e métodos que lhe são próprios independentemente de sua inter-relação com a Matemática e áreas afins.

Abdiquei de discutir cada uma das noções lógicas que foram aparecendo no decorrer da investigação, em razão de que essas discussões podem ser encontras nos manuais de lógica citados no trabalho, e, porque a proposta era evidenciar que a lógica foi sendo desenvolvida concomitantemente ao processo de formação do pensamento humano por intermédio da identificação dessas noções e conteúdos ao longo da história do pensamento.

Inferir que a Lógica, independentemente de suas variantes, é a arte de bem conduzir a própria razão no conhecimento das coisas através do raciocínio, da organização das ideias e do julgamento destes, e, portanto, a arte do pensar. Se ela é a arte de conduzir de forma correta a busca pelo conhecimento, faz sentido, que ela seja ensinada aos estudantes, visando prepará-los para uma vida que os desafiará constantemente.

          Para respeitar os limites da revista e a importância desta pesquisa, alguns pontos deixados em aberto serão desenvolvidos em artigos futuros. Por exemplo, aprofundar a investigação sobre o Esboço Histórico da Lógica, a fim de transformá-lo em um material didático que auxiliar os docentes no ensino da lógica. Outro ponto, mostrar como os conteúdos lógicos podem ser trabalhados em sala de aula a fim de potencializar as habilidades que foram identificadas nos documentos que constituíram o corpus da pesquisa e evitar a problemática das duas tendências do ensino de lógica, formal e informal.  

 

Referências

 

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VELASCO, Patrícia Del Nero. Educando para a argumentação: contribuições do ensino da lógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.

 

Notas



[1] O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

 

[2] Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia.

 

[3] Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura.

 

[4] As Orientações Curriculares para o Ensino Médio têm “como objetivo contribuir para o diálogo entre professor e escola sobre a prática docente” (2006, p. 5). A construção do documento teve como intuito possibilitar uma reflexão permanente acerca da prática pedagógica, e, como resultado a melhoria do ensino, oferecendo alternativas didático-pedagógicas que consideram às necessidades e expectativas tanto da escola quanto dos professores na estruturação do currículo do Ensino Médio (2006).

 

[5] Documento construído sob um regime de colaboração entre Estado e Municípios, escolas privadas e públicas para pensar e refletir sobre os currículos e suas implicações reconhecendo a educação com marcas e subjetividades significativas para a formação integral dos sujeitos em condição de pertencimento a um Território.

 

[6] Doravante BNCC, nortear os currículos de sistemas de ensino Federais e as propostas pedagógicas de escolas públicas e privadas de todo o território brasileiro.

 

[7] As Artes Liberais divididas em trivium (retórica, gramática e lógica) e quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia), tomaram esta forma por volta do ano oitocentos, quando se inaugurou o império de Carlos Magno, primeira tentativa de reorganizar o Império Romano, e são o resultado de lenta maturação a partir de fontes pitagóricas e possivelmente anteriores, com decisivas influências platônicas, aristotélicas e agostinianas e complementações metodológicas de Marciano Capela (início do século V), Severino Boécio (480-524) e Flávio Cassiodoro (490-580), até chegar em Alcuíno (735-804). (JOSEPH, 2011, p. 12).

 

[8] O que se conhece de Tales de Mileto provém dos escritos de Aristóteles e Heródoto (SPINELLI, 2003).

 

[9] Seus ensinamentos e história podem ser encontrado nos escritos de Heródoto, Xenófanes, Aristóteles (SPINELLI, 2003).

 

[10] Embora os Diálogos de Platão contenham bastante material lógico, nenhum deles tem um conteúdo puramente lógico, isso porque o filósofo não favorecia a investigação lógica como um fim em si mesmo, mas se servia desta para suas investigações filosóficas dos problemas metafísicos e epistemológicos. Os Diálogos mais importantes, do ponto de vista lógico, são os dois do último período, indicados no Quadro 1 (KNEALE; KNEALE, 1980; PLATÃO, 1980; 1988; SPINELLI, 2003).

 

[11] Principalmente do fim da Antiguidade (KNEALE; KNEALE, 1980, p. 118).

 

[12] Ou Ideografia é um livro da lógica desenvolvido pelo lógico Gottlob Frege.

 

[13] As orientações para o ensino de Filosofia podem ser encontradas no primeiro capítulo das Orientações Curriculares para o Ensino Médio, doravante, OCEMFIL.

 

[14] As numerações seguem a ordem da OCEMFIL (BRASIL, 2006, v. 3, p. 34-35).

 

 

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