Dossiê - Ensino de Filosofia, BNCC e Reforma do Ensino Médio

EDITORIAL

 

         A ideia do dossiê emergiu no contexto das reuniões do subgrupo do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar no ano de 2020, cujo objetivo era estudar a BNCC e analisar seus efeitos na disciplina Filosofia no ensino médio. Um de seus resultados foi a produção da Carta - Sem Filosofia não tem Base. Além das discussões do GT, consideramos importante ter acesso às análises de colegas que têm tomado tais temas como objeto de suas investigações e dar-lhes visibilidade. Desse modo, constituímos na Revista Digital de Ensino de Filosofia o dossiê para a composição de um arquivo que possa oferecer à comunidade filosófica-educacional indicativos de como a temática vem sendo pensada, bem como os modos possíveis de agir no contexto da escola, quando se encontram professor/a com sua turma de filosofia.

Cada texto que o compõe, acima de tudo, reafirma a importância da filosofia para a formação de jovens estudantes da escola básica. As mudanças curriculares que estão em curso, resultantes da reforma do ensino médio e da implementação da BNCC, são analisadas criticamente e seus autores e autoras nos convidam a pensar modos de dar concretude à Filosofia, em meio à rede discursiva da pedagogia das competências, sustentáculo teórico das referidas políticas curriculares. 

Ester Heuser em seu artigo - Políticas de obliteração do ensino de filosofia: uma narrativa sobre escombros filosóficos - toma como referência o filósofo Walter Benjamin e nos convida a pensar sobre o jogo entre presente-passado no qual o narrador, que constitui o presente, “é capaz de lamentar a felicidade perdida no passado; sem, no entanto, ficar no lamento, ele alcança a dimensão de uma felicidade possível”. E assim nos convoca a encontrar filosofia nos escombros da BNCC, “como fazem os cães farejadores que encontram vestígios de vida sob escombros e convido os leitores para que assim atuem também [...]”.

Erica Cristina Frau, Paulo Rogério da Silva e Daniel José de Araujonos oferecem o artigo Filosofia no Novo Ensino Médio: BNCC e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Nele, estabelece-se uma relação entre os componentes curriculares das áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, tendo como referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável proposto pela ONU. Levando em conta os Itinerários Formativos como elemento de flexibilização do currículo do Ensino Médio, examina as especificidades do ensino de filosofia nessa nova configuração da etapa terminal da educação básica.

Ellen Maianne Santos Melo e Walter Matias Lima participam do dossiê com o artigo Novo ensino médio: uma busca pelos alicerces em tempos de restruturação curricular. Ao partirem da ideia de que “os alicerces da educação brasileira foram profundamente abalados, segundo um conjunto de documentos legais produzidos no Brasil, a partir de 2016”, problematizam e buscam dar visibilidade ao que denominam de “brusca ruptura com a tradição epistemológica curricular vigente”. Desde esse ponto de vista fazem a defesa das fronteiras disciplinares.

No artigo O que pode o ensino de filosofia na BNCC? André Luis La Salvia e Osvaldo Cunha Neto perguntam se a BNCC pode realizar seus objetivos anunciados sem a filosofia. Uma análise das competências e habilidades da BNCC permitem encontrar conceitos e noções que implicam a especificidade da filosofia como disciplina, revelando sua necessidade para o desenvolvimento das competências gerais e de área. Com isso, se elabora uma argumentação a favor da presença da filosofia nas escolas e nos currículos, no artigo O que pode o ensino de filosofia na BNCC?

O artigo O Ensino de Filosofia no Contexto das Competências e Habilidades no Novo Ensino Médio, de autoria de Christian Lindberg Lopes do Nascimento e Nilmária Silveira Alves, analisa as noções de habilidade e competência, as quais dão sustentação às normativas que definem a reforma do ensino médio e a BNCC. O objetivo que norteia a escrita é examinar como o ensino de filosofia se insere em tal contexto, explorando de modo detalhado “as possibilidades existentes no âmbito da BNCC [para preservar] a presença de conteúdos filosóficos no processo de formação dos/as estudantes secundaristas”. Há filosofia na BNCC.

No artigo - Uma análise da Lei 13.415/17: o novo Ensino Médio e o lugar da Filosofia no Currículo, o professor Rafael de Barros apresenta resultados de seu estudo, que foi estruturado a partir de três questões: a primeira pergunta sobre os documentos deram sustentação à Lei 13.415/17; a segunda, sobre os interesses intrínsecos ao documento, e a terceira questão buscou identificar as consequências práticas da efetivação da Lei 13.415/17, especialmente para o ensino de filosofia. Destaca a falta de clareza às expressões “estudos e práticas”, que pode fazer com que os Estados retirem a filosofia do currículo do ensino médio ou diminuam sua carga horária.

O artigo Prelúdios das proposições para a Filosofia na Reforma do Ensino Médio em Santa Catarina, de Gilberto Oliari, examina a constituição da Base Curricular do Ensino Médio do Território Catarinense, em especial por meio da análise do documento ‘Marco Zero: Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense’. Avalia os conteúdos, assim como as competências e habilidades, designados para a Filosofia e o caráter que este componente curricular assume no currículo, apontando o risco dessa formação sofrer um alinhamento tecnicista e instrumental, e perder o seu caráter crítico.

O tema da escrita filosófica como uma técnica de ensino de filosofia, vem à luz no artigo de Daniel Salésio Vandresen, Bárbara Fabiani Lucini e Brenda Fabiani Lucini - O ensino de filosofia e a escrita filosófica: a experiência da escrita de si no ensino médio. Nele, a partir de uma experiência da iniciação científica júnior, envolvendo estudantes do ensino médio, o autor elabora uma ideia de formação como experiência agonística, articulada com os conceitos de cuidado de si e de escrita de si. Pretende-se, aí, desenvolver uma maior atenção ao presente e produzir uma relação menos abstrata com o ensino, o que se verifica na análise de textos das turmas do ensino médio técnico.

O artigo de João Batista Andrade Filho e Evanildo Costeski - Imaginação e possibilidades metodológicas no ensino de filosofia no contexto da BNCC - apresenta um estudo sobre a imaginação e sua relação com o ensino de filosofia, formulado a partir da obra de C.S. Lewis, que resultou numa proposta metodológica para o ensino médio, em consonância com a BNCC. Considerando a imaginação como uma faculdade que, aliada à razão, permite o aprendizado e a lucidez do pensamento, sua proposta inclui a leitura de textos não filosóficos e uma aproximação entre a literatura e a filosofia, conectada com a perspectiva de uma educação integral, que não se reduz à aquisição de algumas habilidades.

Wellington Santos no artigo - A filosofia do “chegar a ser o que se é” no jovem-Nietzsche enquanto prática didática do filosofar: reflexões para o professor de ensino médio de escola pública - toma como referência central alguns escritos de juventude de Nietzsche acerca da educação e se propõe a tratar criticamente o conceito de educação integral e “compará-lo com a noção de formação integral normatizada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”. Seu objetivo é analisar a situação da filosofia como componente curricular no que ele denomina de “crise de paradigma curricular”.

Que as análises e as problematizações oferecidas pelos artigos deem a pensar sobre o ensino da filosofia nesse tempo que nos convoca a manter vigilância crítica, resistência e capacidade inventiva. Que a leitura nos convoque a seguir acompanhando os efeitos das mudanças indicadas pelas políticas educacionais no destino da educação pública brasileira e da disciplina filosofia.

 

Elisete M. Tomazetti – UFSM

Marcelo Senna Guimarães - UNIRIO

 

 

 

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