Resenha de/Review of Didática e metodologia do

ensino de filosofia no Ensino Médio1

 

Fábio Antonio Gabriel

Professor doutor na Rede Estadual do Paraná, Ponta Grossa, PR, Brasil.

fabioantoniogabriel@gmail.com – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4990-4102

 

Ana Lúcia Pereira

Professora doutora na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil.

ana.lucia.pereira.173@gmail.com – ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0970-260X

 

Recebido em 29 de janeiro de 2021

Aprovado em 28 de maio de 2021

Publicado em 24 de junho de 2021

 

RESUMO: Esta resenha objetiva apresentar uma análise da obra Didática e metodologia do ensino de filosofia no Ensino Médio de Ademir Aparecido Pinhelli Mendes. Trata-se de uma obra que se constitui de metodologias que são fruto de uma trajetória como professor de filosofia no Ensino Médio e também de uma experiência como pesquisador sobre ensino e metodologias do ensino de filosofia. Em sua obra, o autor apresenta uma pluralidade de análises didáticas a partir de diversos filósofos, não resumindo suas considerações a apenas uma vertente de pensamento metodológico. O leitor não encontrará na obra uma receita de como dar aula de filosofia, mas, sim, uma profunda problematização sobre o ensino de filosofia e as possibilidades de como ela poderá ser ensinada.

Palavras-chave: Ensino de filosofia; Didática do ensino de filosofia; Educação filosófica; Metodologia do ensino de filosofia; Recepção completa da filosofia.

    

ABSTRACT: This review aims to present an analysis of the book Didática e metodologia do ensino de filosofia no Ensino Médio (Didactics and methodology of Philosophy teaching in High School), written by Ademir Aparecido Pinhelli Mendes. It is an important work that consists of methodologies that are the result of a long trajectory as a teacher of Philosophy in High School and, also, of a vast experience as a researcher on Philosophy teaching and teaching methodologies. In his work, the author presents a plurality of didactic analyzes from different philosophers, not summarizing his considerations to only one strand of methodological thinking. The reader will not find in the book a recipe for how to teach Philosophy, but rather a profound problematization about Philosophy teaching and the possibilities of how it can be taught.

Keywords: Philosophy teaching; Philosophy teaching didactics; Philosophical education; Philosophy teaching methodology; Complete reception of Philosophy.

A obra Didática e metodologia do ensino de filosofia no Ensino Médio, de Ademir Aparecido Pinhelli Mendes, constitui uma contribuição de referência para quem deseja problematizar a didática e a metodologia do ensino de filosofia, principalmente no Ensino Médio. Afirmamos “problematizar” porque o autor é bem claro quando afirma que o livro não é um manual de fórmulas prontas para ensinar filosofia.

O livro é resultante de dez anos de pesquisa na Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob a orientação do Geraldo Balduino Horn. Este, ao prefaciar a obra, enaltece as virtudes intelectuais de Mendes e destaca sua experiência de mais de 20 anos dedicados ao ensino de filosofia no Ensino Médio, além de sua participação no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino de Filosofia (NESEF), vinculado ao Mestrado/Doutorado em Educação da UFPR. O referido prefaciador afirma que a obra mostra a necessidade que todo professor tem de buscar uma profunda reflexão dos elementos que envolvem o processo didático-pedagógico do ensino de filosofia (HORN, 2017).

Uma das questões abordadas na apresentação e no prefácio é a problematização de que não existe uma filosofia, mas, sim, filosofias. E, no interior de cada filosofia, insere-se um entendimento epistemológico sobre sua própria identidade. O autor, ao longo do livro, debruça-se sobre a indagação: Qual filosofia ensinar, já que existe uma pluralidade de filosofias? Relacionada a essa questão instigante, Mendes (2017) apresenta o pensamento de Agnes Heller que discute a questão da recepção filosófica. O autor, no entanto, não se esquece de pensar na realidade daqueles que recebem a filosofia no Ensino Médio e pensam no seu cotidiano.

No capítulo 1, Mendes aborda a pluralidade do pensamento filosófico, reforçando a ideia de que não existe apenas uma filosofia, mas que existem filosofias. Ele problematiza isso com os seguintes dizeres:

 

A questão a ser posta é: Se existem filosofias ou explicações totalizantes, como afirma Chauí (2003), que foram produzidos por diferentes filósofos no interior de seus sistemas filosóficos, qual filosofia ensinar? É possível ensinar uma filosofia sem ser influenciado por seu sistema filosófico? É possível neutralidade no ensino de filosofia? (MENDES, 2017, p. 27).

 

 

A partir disso, ele prossegue a problematização didática questionando-se sobre quais os melhores métodos para provocar o pensamento filosófico dos estudantes do Ensino Médio. O autor cita filósofos para demarcar essa singularidade: Górgias, Protágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Hume e Kant. Mendes (2017, p. xv) entende que “se um sistema filosófico é organizado de acordo com uma lógica própria, esta terá fundamental importância na constituição da concepção metodológica e didática do ensino de filosofia”.

Entre os autores trabalhados no capítulo 1, destacamos Sócrates, Platão e Descartes. Mendes (2017, p. 31) salienta que Sócrates, inserido no sistema de filosofia platônico, durante os diálogos, ironizava e provocava o pensamento daqueles que se colocavam no lugar de conhecedores e fazia-os reconhecer sua própria ignorância. Em tal processo, ele também ajudava a construir um conhecimento mais próximo do verdadeiro.

Em outro contexto, agora da Idade Moderna, encontramos o filósofo Descartes. Descartes inicia a modernidade propondo a dúvida como método para chegar a uma verdade indubitável: “Descartes propôs, em primeiro lugar, a suspensão do juízo como regra básica” (MENDES, 2017, p. 39). Descartes questiona sobre o que aconteceria se tudo que temos como certo e verdadeiro não passasse de um sonho. O que faríamos nós? Descartes conclui que resta duvidar de tudo para se chegar a ideias evidentes. Ao duvidar de tudo, teremos a certeza de que estamos pensando; e, se tivermos certeza de estarmos pensando, teremos a certeza de existirmos. Nesse particular, assim afirma Mendes (2017):

 

A conclusão de Descartes não se refere ao conteúdo do pensamento, mas somente à compreensão de que o ato de duvidar não pode ser contestado, já que, para isso, é necessário estar pensando, não sendo possível duvidar sem pensar. Portanto, há uma certeza: a de que Renê Descartes se descobre como substância que pensa, daí a conclusão: “penso, logo existo”. (MENDES, 2017, p. 41).

 

O autor também reflete sobre a filosofia de Kant e Hegel no que tange ao ensino de filosofia. Para Mendes (2017), antes que visões opostas, elas são complementares para pensar o ensino de filosofia, pois o autor questiona se é possível filosofar sem recorrer ao pensamento dos clássicos da filosofia.

No capítulo 2, é tematizada a relação entre filosofia e currículo. O autor aborda o movimento pendular da inserção e da exclusão da filosofia no currículo da história educacional brasileira, “para apenas em 2008 passar novamente a ocupar seu lugar de disciplina obrigatória no currículo do ensino médio” (MENDES, 2017, p. 57). Mendes (2017) problematiza, ainda, a distância que existe entre a filosofia proposta nos documentos educacionais e a filosofia que é efetivamente ensinada no Ensino Médio.

Mendes (2017, p. 60), no esforço de buscar entender as origens da filosofia, retorna ao mito e se pergunta se a passagem do mito para a filosofia teria ocorrido por “rompimento milagroso” ou por “apropriação da racionalidade do pensamento mitológico”.

Nesse capítulo, o autor enfatiza que, assim como a filosofia teve uma origem histórica, é importante destacar que os sujeitos envolvidos na aprendizagem de filosofia no Ensino Médio também não podem ser concebidos idealmente, eles são materiais e têm uma história e um contexto cultural. Assim o autor expõe a sua compreensão do espaço escolar nessa perspectiva histórica:

 

Compreendemos a educação e a escola, ao contrário, como lugares de atuação política e construção social dos sujeitos que, em meio a processos muitas vezes contraditórios, produzem suas experiências e constroem caminhos de resistência. (MENDES, 2017, p. 63).

 

O autor destaca, ao longo do capítulo, a ausência da disciplina de filosofia do currículo, com ênfase para o período da ditadura, quando se alegou que a filosofia serviria apenas para a doutrinação política e, assim, ela foi suprimida do currículo. Mendes (2017, p. 68) destaca que a filosofia não foi excluída como um todo, porque suprimiram um tipo de filosofia e outro tipo foi mantido, a saber: a implantação da disciplina nominada Educação Moral e Cívica, “como forma de catequizar o estudante brasileiro, tendo em vista a doutrina de Segurança Nacional” (MENDES, 2017, p. 69).

O autor apresenta as diversas compreensões sobre o ensino de filosofia na busca pela efetivação da disciplina no currículo: 1) concepção enciclopédica de ensino de filosofia; 2) concepção do ensino de filosofia como reflexão crítica; 3) concepção de ensino de filosofia como aprender a aprender e 4) concepção de ensino de filosofia como criação de conceitos.

No capítulo 3, Mendes (2017) norteia suas reflexões partindo dos conceitos de jovem e de juventude e destaca a relevância de compreender quem são os sujeitos do Ensino Médio. O autor entende que é de grande relevância compreender, ao ensinar filosofia no Ensino Médio, quem é o jovem e que juventude é essa que se apresenta como sujeito da educação desse nível de ensino. O autor afirma que não podemos entender o ensino de filosofia de forma descontextualizada, como se ensinássemos filosofia a anjos. Ensinamos filosofia a seres concretos que são permeados por realidades concretas. É muito diferente também ensinar filosofia para sujeitos que têm condições mínimas de vida e, em contrapartida, ensinar filosofia para pessoas que vivem em condições em que passam fome.

Mendes (2017, p. 103, grifo do autor) acredita que é importante “analisar a categoria juventude sob o ponto de vista da transformação da escola, do mundo do trabalho, do mundo do consumo e das tecnologias da informação e comunicação (TICs)”. Ao longo do capítulo, o autor destaca a relevância das TICs que se inserem no mundo da internet e do uso de celulares para uma comunicação instantânea. O mundo do consumo também é tematizado por Mendes (2017). O autor discute que esse estudante do Ensino Médio está imerso nesse mundo da fluidez, daquilo que é líquido; não se trata de concordar ou discordar de tal situação, mas entender que é esse o contexto em que se inserem os estudantes de filosofia.

O capítulo 3 é um convite ao leitor para que este inteire-se sobre as pesquisas, principalmente as sociológicas, que buscam compreender a juventude. Esse capítulo particularmente inaugura o ineditismo no entendimento de certas ideias, se comparado a outros livros que discutem sobre a didática do ensino de filosofia. Outros estudiosos parecem mais preocupados com o método e como proceder para um ensino de filosofia que contribua para a aprendizagem dos alunos. Didática e metodologia do ensino de filosofia no Ensino Médio procura, entretanto, compreender a realidade subjetiva dos estudantes. Importante essa atenção do autor de contextualizar a discussão do ensino de filosofia pautando-se em compreender a situação de cada. Nas palavras do autor: “Os sujeitos do ensino médio definem os objetivos de suas estratégias no mercado, tendo em vista sua utilidade, e esse princípio está fundado na ideologia do capitalismo” (MENDES, 2017, p. 113).

A categoria de “vida cotidiana” permeia as discussões do capítulo 4, quando o autor baseia-se, sobretudo, na filósofa Agnes Heller (2004) para pensar o ensino de filosofia e o cotidiano dos jovens que aprendem filosofia no Ensino Médio. São considerados os estudos etnográficos de Rockwell e Ezpeleta sobre o cotidiano escolar. Mendes (2017) enfatiza que a vida escolar é desenvolvida no cotidiano dessa instituição e, por isso, é muito importante considerar essa categoria. Entre as categorias também examinadas, nesse capítulo, está a do trabalho docente do professor de filosofia. Ao explicar sobre a categoria “cotidiano escolar”, inserida na base da teoria sobre a vida cotidiana, assim diz o autor:

 

Analisamos a categoria cotidiano escolar aqui com base na teorização sobre a vida cotidiana (Heller, 2004, 2002). O homem produz e se autoproduz na vida cotidiana e, ainda, reproduz a própria sociedade e a história. Os sujeitos, por sua vez, participam da produção da escola e a escola reproduz os sujeitos. Sob essa compreensão, podemos dizer que qualquer uma das partes da vida cotidiana, mesmo que aparentemente fragmentária e imediata, faz parte da vida concreta. (MENDES, 2017, p. 143, grifo do autor).

 

O leitor encontrará, no capítulo 4, um aprofundamento teórico sobre os significados do cotidiano na vida escolar e na vida pessoal de cada estudante. Ao final do capítulo, Mendes (2017) disserta sobre o impacto da filosofia e do seu ensino nos valores do cotidiano dos estudantes de filosofia.

No capítulo 5, o autor faz uma incursão no pensamento de Agnes Heller e busca aprofundar a recepção filosófica no entendimento dessa pensadora, a qual se orienta pela resposta a três questões fundamentais sobre como deve-se pensar, viver e agir”. O modo como a filosofia é recebida determina o modo como essas questões serão respondidas. “A filosofia é uma forma de objetivação por meio da qual ocorre a satisfação de uma necessidade vital e a superação da vida cotidiana” (MENDES, 2017, p. 184). Ao longo do capítulo, o autor descreve sobre os tipos de receptores da filosofia, a saber: estético, entendedor e filosófico.

O autor, ao final do capítulo, esclarece que o modo de recepção filosófica dos estudantes é uma mediação praxiológica do trabalho docente, instigada pela mobilização e pela problematização. A filosofia, segundo Heller, na visão do autor, seria uma crítica à realidade. Nesse sentido, é importante a contribuição de Mendes (2017) para pensar o ensino de filosofia, sobretudo relacionando-o com a categoria “cotidiano”, explorada no capítulo 4 do livro.

No último capítulo, o autor realiza um estudo sobre o problema da avaliação no ensino de filosofia. Faz-se necessário um processo de avaliação formal do ensino de filosofia e isso constitui-se enquanto um desafio, na medida em que é difícil quantificar a aprendizagem da experiência do filosofar.

Em suma, a presente obra constitui uma contribuição teórica que inova ao pensar na situação cotidiana do estudante do Ensino Médio, o receptor da filosofia. O autor expõe sua experiência no ensino da filosofia e também sua experiência na pesquisa sobre seu ensino. Trata-se de uma obra que em muito contribui para o desenvolvimento de reflexões sobre uma problematização do ensinar filosófico.

 

Referências

 

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Tradução Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

 

HORN, Geraldo Balduino. Prefácio. In: MENDES, Ademir Aparecido Pinhelli. (ed.). Didática e metodologia do ensino de Filosofia no Ensino Médio. Curitiba: Intersaberes, 2017. p. ix-xii. (Série Estudos de Filosofia).

 

MENDES, Ademir Aparecido Pinhelli. Didática e metodologia do ensino de filosofia no ensino médio. Curitiba: Intersaberes, 2017. (Série Estudos de Filosofia).

 

Nota

 

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e com apoio da Fundação Araucária. 

 

DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2448065764019