Universidade
Federal de Santa Maria
Gutenberg
- Revista de Produção Editorial, Santa Maria, RS, Brasil, v. 1, n. 1, p. 26-39,
jan./jun., 2021
Apresentação
Uma apresentação e mais: um nascimento
I Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Departamento de Linguagem e Tecnologia, Belo Horizonte, MG, Brasil
anadigitalpro@gmail.com
Para uma parte da humanidade que se interessa profundamente pelos
livros, pela leitura, pela escrita e pelos processos editoriais, não é preciso
explicar por que razão uma revista como a Gutenberg nasce sob este nome.
É com imensa alegria que apresento este primeiro número, composto por textos de
pesquisadores e pesquisadoras brasileiros e estrangeiros que, tenho certeza,
assim como eu, ansiavam por uma publicação explicitamente dedicada à produção
editorial, sem subterfúgios, sem distorções, sem acomodações um pouco
incômodas. Meu agradecimento à professora Cláudia Bomfá
e a toda a equipe da revista na Universidade Federal de Santa Maria é tão
eterno quanto minha sensação de que teremos, de agora em diante, certa sensação
de “amadrinhamento” em relação a este
periódico, que nasce inclusive meio gêmeo de outro, que vimos desenvolvendo no
CEFET-MG. De modo semelhante, gêmeos são nossos cursos, nossas pesquisas e
nossos compromissos com a área, explicitados, há mais de uma década, na
colaboração efetiva que sempre fizemos questão de manter. É com respeito,
alegria, gratidão e sentindo-me honrada que apresento este primeiro número da
revista Gutenberg.
Este periódico científico, que nasce num solo fértil de
colaboração e afeto, mas também criterioso e cuidadoso, faz sua estreia com um
conjunto de dez textos, entre artigos, ensaios e uma resenha. Nessa diversidade
de gêneros discursivos também é possível entrever a diversidade de instituições,
geografias e pesquisadores/as que se dedicam a aspectos sortidos da edição, do
livro e da leitura.
Com enorme honra, o número 1 do primeiro volume da revista Gutenberg
conta com o texto “‘Eran estos libros no como los nuestros’: crónicas de un encuentro bibliográfico entre
dos mundos”, da professora e pesquisadora argentino-mexicana Marina Garone Gravier, do Instituto de Investigaciones Bibliográficas da Universidad
Nacional Autónoma de México (UNAM), com quem vimos trocando e aprendendo há vários
anos. No artigo, ela tenta precisar as características do que se compreendia
por “livro e escrita” “durante os processos culturais,
políticos e sociais da conquista da América”, sob o olhar estrangeiro,
que contrapôs o alfabeto latino e o livro europeu às estruturas, aos suportes e
aos sistemas de notação indígenas. Tal “intercâmbio cultural” é de
grande importância para o México, mas também para todos nós que passamos por
regimes e processos de colonização. O texto é aqui publicado em sua língua
original, numa demonstração de abertura e receptividade deste periódico
científico que nasce sob o signo das trocas predispostas à intercompreensão.
Na sequência, a professora e pesquisadora argentina Magdalena González
Almada (CIFFyH-CONICET, Universidad
Nacional de Córdoba), também editora, nos presenteia com o texto “La
literatura y sus tramas: panorama contemporáneo de la edición literaria
en Bolivia”, no qual
apresenta uma cartografia editorial da Bolívia. Trata-se de um trabalho não
exaustivo, mas muito esclarecedor, que nos põe em contato com o país vizinho
andino-amazônico que pouco conhecemos. Por lá, ao que parece, as pessoas também
têm atuado no duplo papel de escritoras e editoras.
Entre as pesquisadoras brasileiras que compõem este primeiro número está
a professora Livia Salles, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio,
com o artigo “A presença social do livro: cultura material e público
juvenil”, em que ela investiga a importância da materialidade do livro
para esse público. Por meio de um desenho metodológico de cunho qualitativo,
jovens leitoras puderam expressar sua relação com livros e leituras, questão
também de pertencimento e identidade. Mantendo o foco nos jovens, o professor
Marcelo Amaral Moraes, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Estudos de
Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
(CEFET-MG), apresenta resultados de uma investigação que tomou como
corpus best-sellers infantojuvenis. No artigo intitulado
“Leiam meninos: Uma análise das materialidades do livro e do conteúdo dos
best-sellers para crianças e pré-adolescentes do sexo masculino, entre 8 e 12
anos”, Moraes procurar distinguir “quais são os elementos
editoriais que potencialmente contribuem para o sucesso editorial de um livro
para meninos” nessa faixa etária. A pretensão do artigo é contribuir para
uma melhor compreensão do que deseja ler esse público e subsidiar a curadoria
de títulos no mercado editorial nacional.
Em “Edições de literatura indígena no Brasil: visibilidades e
opacidades”, a pesquisadora Marta A. P. da Rocha Costa, mestra em Estudos
de Linguagens pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
(CEFET-MG), se dedica a dois livros publicados no Brasil. O objetivo da
investigação relatada foi observar se tais obras seriam percebidas por leitores
como de autoria indígena e se “teriam alguma visibilidade questões como
gênero e autoria”, por meio dos projetos editoriais e gráficos. Grupos de
estudantes receberam essas edições para manusear, analisar paratextos e registrar
suas percepções por escrito. Desses registros saem as notas de Rocha Costa, que
conclui que tais livros não foram percebidos como de autoria indígena, ao menos
por meio de suas materialidades.
Para tratar, agora, do ponto de vista do editor, Leonardo Morais, do
CEFET-MG, em “Massao Ohno:
editor independente?”, se dedica à trajetória desse editor que atuou em
São Paulo. Voltada predominantemente para a publicação de literatura,
especialmente a poesia, Massao selecionava, editava e
era o designer da maioria absoluta dos livros que publicava. Morais propõe
pensar se ou como a editora de Ohno se configuraria
em relação ao que se tem chamado hoje de “independência”.
Dando prosseguimento ao nosso número inaugural, dois textos focalizam
uma etapa sempre fulcral e nem sempre visibilizada da produção editorial: a
revisão de textos. Em “A revisão de textos nos ritos genéticos
editoriais”, uma das maiores especialistas do país, a professora Luciana
Salazar Salgado, do Departamento de Letras da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar), aborda e detalha as “bases discursivas da noção
de ‘ritos genéticos editoriais’” e daí desdobra
conceitos como “código linguageiro”, “regimes de genericidade” e “ethos
discursivo”. A partir disso, a autora analisa materiais revisados e
ilumina o ofício de revisar textos, de algum modo também sugerindo um método de
trabalho, pesquisa e formação para revisores e revisoras.
De outro ângulo, mas também com as luzes sobre a revisão textual em
contexto editorial, a convite da editoria deste periódico que se inaugura, tive
a honra de apresentar meu ensaio “Outras margens da revisão de
textos: experiências com o literário”, em que abordo alguns saberes e
práticas mais específicos da revisão do texto literário, com breve discussão de
casos empíricos de revisão de textos literários contemporâneos. Este é um dos
temas a que me dedico há muitos anos, profissional e academicamente, e é uma
honra colaborar com a revista Gutenberg com este assunto. Neste texto,
como pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens do
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) e revisora de
prosa e verso, defendo a ideia de que “para um texto literário é
necessária uma revisão também literária, isto é, uma prática de revisão mais
sensível às questões que tocam esta arte, baseadas em decisões prévias ou
acordadas diligentemente com editores/as e autores/as”.
Outro ensaio que enriquece este primeiro número é o de Tagiane Mai, pesquisadora do Mestrado em Edição de Texto da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
(Portugal), revisora e preparadora de textos da Editora da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM). Mai se dedica a um tema extremamente atual, desenvolvido
a partir da questão que já expõe desde o título de seu texto: “Romance de
entretenimento no Prêmio Jabuti 2020: inclusão ou exclusão?”. Vale ver
como e com que argumentos ela responde a essa provocação.
Para encerrar o número inicial desta revista que nasce com viço e
frescor, apresentamos a resenha de autoria do pesquisador Mário Vinícius
Ribeiro Gonçalves, designer, mestre em Design Gráfico Multimídia pela École Supérieure d’Art des
Pyrénées (ESAP-Pau) e pós-graduado (post-master) em Pesquisa Tipográfica
no Atelier National de Recherche Typographique
(ANRT), na França, atualmente doutorando em Estudos de Linguagens no CEFET-MG.
Em “Tinha um editor no meio do caminho, de José de Souza Muniz
Jr.”, Mário Vinícius comenta e aprecia uma obra que existe como um dos
volumes da coleção “Questões contemporâneas de edição, preparação e
revisão textual”, em pleno andamento pela editora mineira Gulliver, no selo Artigo A.
Como se vê nesse elenco de textos submetidos à revista Gutenberg,
avaliados por um conselho que pôs a rodar as engrenagens deste periódico, agora
lançado, podemos dizer que os estudos de edição, sob diversos aspectos,
encontraram lugar acolhedor e adequado a que se dirigir na forma de artigos,
ensaios e resenhas. É questão de ouvir o clique.