Universidade
Federal de Santa Maria
Gutenberg
- Revista de Produção Editorial, Santa Maria, RS, Brasil, v. 1, n. 1, p. 76-97,
jan./jun., 2021
Submissão:
10/12/2020 • Publicação: 23/07/2021
Artigo
publicado sob licença CC BY-NC-SA 4.0
Artigo
Edições
de literatura indígena no Brasil: visibilidades e opacidades
Editions of indigenous literature in Brazil: visibilities and opacities
Marta Aparecida Pereira da Rocha CostaI
I Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Minas Gerais, MG, Brasil
martarocha@intexto.com.br
RESUMO
Este estudo analisa a leitura de duas edições de
autoria indígena, editadas e publicadas no Brasil. O objetivo foi observar se
essas edições seriam percebidas como sendo edições indígenas e se teriam alguma
visibilidade, questões sobre o gênero, a autoria e a produção desses livros.
Dois grupos de dez alunos cada receberam edições indígenas diferentes para
manusear, observar os paratextos e registrar por escrito as suas percepções
sobre essas edições. Os resultados demonstraram que os livros não foram
percebidos como edições indígenas na sua materialidade. Também não foram
percebidas a existência da autoria indígena e da literatura indígena[1].
Neste estudo, o livro indígena foi definido com base em Almeida (2004) e
Almeida (2009), e os aspectos referentes à visibilidade mediada embasados em
Thompson (2008) e Thompson (2013).
Palavras-chave: Edições indígenas; Literatura indígena; Livro; Livro indígena
ABSTRACT
This study analyzes the reading of two editions of indigenous authorship, edited and published in Brazil. The objective was to see if these issues would be perceived as indigenous issues and have some visibility questions such as gender and authorship. Two groups of ten students each received different indigenous issues to handle, observe the paratexts and writing their perceptions about these issues. The results showed that the books were not perceived as indigenous issues in its materiality. They were not perceived the existence of indigenous authorship and indigenous literature. In this study, the indigenous book was defined based on Almeida (2004) and Almeida (2009), and aspects relating to mediated visibility based in Thompson (2008) and Thompson (2013).
Keywords: Indigenous Issues; Indigenous literature; Book; Indigenous book
1 INTRODUÇÃO
A proposta deste
artigo nasceu de uma inquietação após a leitura, em dezembro de 2015, dos
textos de Almeida (2009) sobre livros de literatura indígena e em terras indígenas.
Livros “com cara de índio”, como diz a autora. O que seria livro
“com cara de índio”? Seriam livros artesanais, manuscritos e
ilustrados com tintas orgânicas? Estariam restritos ao espaço das aldeias ou
seria possível ter acesso a um exemplar em alguma biblioteca ou livraria,
física ou virtual? Almeida (2009) refere-se a um movimento literário e a uma
experiência de autoria nas aldeias desde 1979 e ao constatar isso minha questão
começou a desdobrar-se. Como são esses livros? Por que não estão nas livrarias?
Por que não se encontram nos estandes das editoras em feiras de livros? Haveria
alguma visibilidade para essas obras? Como seriam planejados e produzidos?
Foram muitas as questões que se apresentaram. Optei por investigar e buscar
compreender as possíveis visibilidades ou opacidades dessas edições. Seria, o
livro indígena, uma edição fácil de se reconhecer como tal? Seriam, de fato,
livros “com cara de índio”? Seria, ainda, a literatura indígena, um
gênero fácil de se reconhecer nesses livros em um primeiro contato com eles?
Estariam visíveis, na perigrafia[2] dessas edições, possíveis
respostas para essas questões? Definidas
as questões, o próximo passo foi conhecer as edições indígenas na sua
materialidade. Procurei por exemplares em livrarias e também
sites de vendas de livros, novos e usados, pela Web. Essa procura
durou três semanas até que localizei dois títulos na Biblioteca Universitária
da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os quais
apresentarei mais adiante, na metodologia.
2 O LIVRO E A ESCOLA INDÍGENA
Para que se tenha uma noção sobre o que são edições indígenas no Brasil é
preciso colocar algumas informações apuradas e que passo a apresentar aqui. A
atual população indígena no Brasil, verificada pelo censo de 2010 e disponível
no portal da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é de 896 mil indivíduos, sendo
que 517 mil vivem em terras indígenas oficialmente reconhecidas. Em estudo
sobre o livro indígena, Lima (2012) afirma que esses vêm sendo escritos desde o
fim da década de 1970, mas “só agora os povos indígenas do Brasil estão
escrevendo em suas línguas e publicando suas histórias” (LIMA, 2012,
p.17). Sobre publicar suas histórias, Pizarro (2012) acrescenta que a escrita
indígena já não precisa de intermediários. Na literatura indígena já “não
existe mais o escritor que interpreta, representa, reivindica ou traduz suas
palavras; não há mais a antiga necessidade do antropólogo ou intelectual que
autorizava a palavra indígena” (PIZARRO, 2012, p. 225).
Um fator foi decisivo para alavancar a edição de livros indígenas no Brasil.
Em 2008, a Lei de número 11.645/2008 criou a obrigatoriedade de se tratar da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” no âmbito
de todo o currículo escolar, especialmente nas áreas de educação artística,
história e literatura. A partir dessa publicação estava criada uma demanda
escolar por uma literatura indígena impressa e que antes existia basicamente na
sua oralidade. Em estudos sobre a experiência literária em terras indígenas,
Almeida (2009) nos dá uma ideia do desafio que deveria ser enfrentado.
Era preciso transcrever as línguas indígenas para que fosse possível o
registro de uma literatura própria dos povos e essa transcrição não poderia ser
feita sem o pleno conhecimento dessas línguas. Dessa forma, falantes das
línguas indígenas, além da língua portuguesa, professores indígenas,
intelectuais e líderes comunitários passaram a escrever e publicar em suas
línguas nativas e também em Língua Portuguesa. Os
livros produzidos auxiliaram os professores indígenas em seu desafio de ensinar
às crianças a ler e escrever nas aldeias.
Estudo de Almeida (2004) sobre edições da narrativa oral no Brasil
registrou a existência de mais de 1.500 escolas indígenas, muitas delas
bilíngues. São esses professores, afirma a autora, que estão construindo a
literatura de suas comunidades, em grande parte das escolas indígenas. Tão
singular quanto a escola indígena, algumas estruturadas em ocas de alvenaria
nas aldeias (figura 1), é o livro de autoria indígena, como explica Almeida
(2004).
No espaço de representação do livro indígena, uma
imagem que prevalece é a da aldeia. Na maioria dos livros publicados pelos
índios, o signo da aldeia encontra espaço privilegiado de circulação. Para os
índios, é na aldeia que se encontra a sua única possibilidade de sobrevivência,
quer como grupo, etnia, quer individualmente (ALMEIDA, 2004, p. 222).
Trata-se, o livro indígena, de uma escritura coletiva. Não é um ou mais
autores que escrevem o livro indígena, mas toda a comunidade, principalmente os
mais velhos. São eles que narram as histórias transcritas pelos tradutores.
Juntos narram seus mitos em edições que registram suas línguas, a história de
seus povos, o cotidiano das aldeias e revelam ao mundo sua literatura. Dessa
forma, os indígenas, “ao criarem seu sistema escolar, alfabetizando as
crianças nas suas próprias línguas, estão criando as condições para o
desenvolvimento de suas poéticas da escrita” (ALMEIDA, 2004, p. 277).
Figura 1 - Escola da reserva Pataxó da
Jaqueira em Porto Seguro – BA
Fonte: Renato Soares.
Imagens do Brasil (2016).
3
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O conceito de visibilidade com o qual trabalhei neste estudo foi dado por
Thompson (2008) em um ensaio sobre a nova visibilidade mediada. Thompson (2008)
afirma que a visibilidade das pessoas, suas ações e acontecimentos é situada,
mas também livre. Este conceito me pareceu pertinente para a análise que
pretendia realizar por contemplar, além da visibilidade dos indivíduos, também
a visibilidade de suas ações, no caso, a edição de livros indígenas planejados,
escritos, ilustrados e publicados por eles mesmos. Diz esse autor acerca da visibilidade:
Aqueles que são visíveis para nós são os que
compartilham a mesma situação espácio-temporal. A
visibilidade é também recíproca (ao menos por princípio): nós podemos ver
outros que estão dentro do nosso campo de visão, mas eles também podem nos ver
(considerando que não estejamos ocultos de alguma forma). É a visibilidade
situada da co-presença. No entanto, com o
desenvolvimento da comunicação mediática a visibilidade está livre das
propriedades espaciais e temporais do aqui e agora. A
visibilidade das pessoas, suas ações e acontecimentos estão libertos do
compartilhamento de um solo comum (THOMPSON, 2008, p. 20).
A nossa percepção do visível estaria assim, segundo Thompson (2008),
libertada de uma condição espaço-temporal para se manifestar. Logo, não faria
sentido dizer que não conheço determinadas edições por que
foram publicadas em alguma aldeia no interior de uma floresta e em determinado
tempo histórico, uma vez que a comunicação mediática tornaria possível esta
visibilidade. Em outro estudo, agora sobre as edições comerciais nos Estados
Unidos e no Reino Unido, Thompson (2013) reconhece que a visibilidade é algo
que custa caro. Paga-se muito para que determinadas edições sejam notadas
dentro das livrarias. Além disso, a publicidade nos meios de comunicação de
massa já não ajudaria tanto a vender livros. Os esforços para se conquistar a
visibilidade naqueles mercados se concentram hoje na divulgação de livros por
meio de e-mails, sites e blogs. Partindo desses
pressupostos, busquei compreender a existência de uma possível visibilidade das
edições indígenas na sua materialidade; mediada por livros impressos em
primeiro lugar, e depois por meio das micromídias[3], para usar aqui uma
expressão do próprio Thompson (2013). Reiterando, o que busquei ao longo deste
estudo foi descobrir como o leitor percebe tais objetos de leitura, o que
poderia demonstrar, ou não, alguma visibilidade das edições indígenas como tal.
Afinal, existiriam livros indígenas “com cara de índio”? Ou esse
traço de identidade existiria apenas em seu conteúdo e seriam, por assim dizer,
livros com alma de índio?
4 METODOLOGIA
Minha opção por analisar edições indígenas do gênero literatura e não
didáticos, por exemplo, se deu devido ao fato de serem mais acessíveis. Até a
finalização deste artigo ainda não havia visualizado, nem impresso e nem na Web,
um exemplar de livro didático indígena. Outra razão foi a curiosidade sobre que
narrativas os indígenas estariam projetando para fora de suas aldeias, frente
ao que diz Pizarro (2012) ao afirmar que atualmente, “uma mudança
fundamental está ocorrendo no campo dos imaginários, pois os indígenas começam
a escrever e publicar seus próprios textos, para conhecimento do grande
público” (PIZARRO, 2012, p. 225).
O primeiro passo foi listar os títulos de edições indígenas citados nos
estudos de Almeida (2004 e 2009) e tentar adquiri-los em sites de vendas
de livros, mas nenhum título foi encontrado disponível para venda. Em seguida,
tentei acessá-los em bibliotecas digitais, novamente sem sucesso. Localizei
dois títulos na Biblioteca Universitária da Faculdade de Letras da UFMG, e
solicitei o empréstimo desses exemplares para este estudo. O primeiro exemplar
intitula-se Encontros Traduções, (figura 2), de autoria de professores
indígenas da tribo Xacriabá e publicado em 2009 pela editora FALE/UFMG. Encontros
Traduções traz dez narrativas escritas e ilustradas por autores indígenas.
O Segundo exemplar intitula-se Com os Mais
Velhos, (figura 3), também de autoria dos Índios Xacriabá e publicado em
2005 pela editora FALE/UFMG. Essa edição traz vinte e quatro narrativas de
autores indígenas, narrativas essas que foram gravadas, transcritas, digitadas,
revisadas e editadas por professores indígenas com a participação de estudantes
e pesquisadores das áreas de letras, música, artes cênicas e artes plásticas da
UFMG.
Figura 2 - Capa da edição Encontros
Traduções, de autoria dos Índios Xacriabá
Fonte: Literaterras (2016).
Figura 3 - Capa da edição Com os
mais velhos, de autoria dos Índios Xacriabá
Fonte: Imagem da
capa escaneada pela autora.
Definidos os objetos de análise passei à coleta de dados. Preparei um
formulário simples, composto por uma única questão precedida de algumas
instruções. Após ler essas instruções, o leitor participante deveria manusear a
edição e registrar, de forma simples e em frases curtas, quais
teriam sido as suas primeiras percepções sobre o livro. Para tanto deveriam
observar as informações verbais e não verbais presentes na capa, contracapa e
paratextos. Esses formulários foram submetidos a vinte alunos do segundo período
do curso de Letras de uma escola pública federal. Dez alunos trabalharam com o
livro Encontros Traduções e outros dez com o livro Com os mais velhos.
O tempo da coleta dos dados estendeu-se pelo período de duas aulas seguidas,
considerando que cada leitor participante deveria manusear o exemplar, observar
e registrar por escrito suas percepções. Esses leitores foram identificados
aqui como sendo L1, L2, L3, e assim sucessivamente. Após a coleta, os dados
foram organizados para a análise que apresentamos a seguir.
4 ANÁLISES E RESULTADOS
4.1 Visibilidade mediada pelo livro impresso
Antes de dar início à análise, observei cada exemplar e listei os
elementos verbais e não verbais, presentes nas duas edições. No caso, elementos
que apresentaram algum indício sobre o caráter indígena das edições. Verifiquei
que havia informações sobre a autoria indígena nas fichas catalográficas e
folhas de rosto. Também nessas fichas estavam indicados o gênero literatura
indígena e os nomes dos povos indígenas autores. Organizei essas observações no
quadro 1, na ordem em que elas se apresentaram. Em seguida organizei, no quadro
2, os elementos que se mostraram visíveis e opacos[4] na observação dos leitores
participantes.
Quadro 1 - Informações verbais e não
verbais sobre o caráter indígena das edições
Livro 1 |
· Grafismo
étnico apresentado na capa, contracapa e na perigrafia
da edição. · Ficha
catalográfica indicando: a autoria dos Índios Xacriabá, texto e ilustrações
de Creuza Nunes Lopes Xacriabá, primeira entrada de assunto: Índios Xacriabá,
segunda entrada: Índios Pataxó, Terceira entrada: Literatura Indígena. · Folha de rosto
traz a expressão “Professores Indígenas”. · O verso da
folha de rosto lista os dez colaboradores que trabalharam textos e
ilustrações da edição. Todos eles trazem os sobrenomes indígenas Xacriabá e
Pataxó. · O último
título apresentado no sumário está escrito em língua indígena com tradução
para o português. · Grafismo
ético, o mesmo da capa, impresso ao lado da página que traz a apresentação do
livro. · Na
apresentação, primeiro parágrafo, somos informados de que a obra resultou de
trabalhos realizados durante um curso de formação intercultural para
professores indígenas. |
Livro 2 |
· Acima da ficha
catalográfica estão listadas as instituições que colaboraram para a edição.
Entre elas, a Organização da Educação Indígena Xacriabá – OEIX. · Ficha
catalográfica indicando: a autoria dos Índios Xacriabá, pesquisa de
professores Xacriabá, primeira entrada de assunto: Índios Xacriabá, segunda
entrada: Literatura Indígena – Brasil, terceira entrada: Índios
Xacriabá – História, quarta entrada: Índios Xacriabá – Usos e
costumes. · Folha de rosto
traz a expressão “Povo Xacriabá” na margem superior. · O verso da
folha de rosto lista sessenta professores indígenas que trabalharam na
pesquisa, gravação, escrita e transcriação dos textos. Nesta página também se
observa referência ao apoio da Fundação Nacional do Índio – FUNAI. · Na
apresentação, primeiro parágrafo, há referência ao Programa de Implantação
das Escolas Indígenas de Minas Gerais. Também refere-se
aos professores indígenas das tribos Xacriabá, Krenak,
Maxacali e Pataxó. · Após o
sumário, em folha isolada, há uma epígrafe de Emílio Gomes que refere-se ao “viver” do Povo Xacriabá. · Fotografia em
preto e branco com a legenda: “Dona Ercina
Bispo de Santana – Aldeia Brejo Mata Fome”. |
Fonte: a autora.
Quadro 2 - Elementos
visíveis e opacos na observação dos leitores
Elementos
visíveis e transparentes nas edições |
|||
Livro 1 |
Livro 2 |
||
Visíveis |
Opacos |
Visíveis |
Opacos |
capa/contracapa |
autoria |
capa/contracapa |
autoria |
título |
editora |
título |
editora |
fonte |
gênero |
papel |
gênero |
sumário |
propriedade |
fonte |
propriedade |
imagem |
patrocínio |
apresentação |
epígrafe |
papel |
grafismo
étnico |
sumário |
ano |
apresentação |
ano |
imagem |
ISBN |
folha de rosto |
ISBN |
orelha |
empréstimos |
texto |
empréstimos |
texto |
colofão |
Fonte: a autora.
4.1.1 Percepções dos leitores sobre a edição Encontros Traduções
Dos leitores
que manusearam e observaram o livro Encontros Traduções nenhum percebeu
a autoria indígena e o gênero literatura indígena, dados na perigrafia
da edição, mesmo sem encontrar dificuldades em suas leituras. L3 afirmou que as
letras dos paratextos tinham “um formato agradável de ler”. Ainda
assim, na sua leitura não percebeu a natureza indígena da edição, presente na
folha de rosto, ficha catalográfica, apresentação, dentre outros. Já L5 se
referiu às informações introdutórias como “bom texto” e L7 como
“apresentação didática” sendo que nessa apresentação é dado que a
edição resultou da formação intercultural de professores indígenas. A edição
indígena e sua autoria indígena mostrou-se, portanto, para o grupo de leitores
participantes que observou a edição Encontros Traduções, algo
transparente em um primeiro contato. A capa mostrou-se o item mais visível.
Oito, dentre os dez leitores, se referiram a ela diretamente. L1 afirmou ser
“pobre”, L2 “sem orelha”, L3 “vermelha”, L4
“com letras”, L7, L8 e L9 como sendo “simples” e L10
como “muito limpa”. Ainda que ilustrada com grafismos étnicos, a
capa não ofereceu alguma visibilidade ao grupo de leitores sobre o caráter
indígena da edição. L7 chegou a dizer que a imagem, apresentada na capa e
repetida na contracapa, era “desconexa” e “sem sentido”
em relação ao conteúdo interno. Voltaremos e essa percepção de L7 mais adiante.
Sobre as
imagens, L1 citou “desenho gráfico inadequado”, L2 percebeu os
“desenhos simétricos”, L5 achou “bem ilustrado”, L6
mencionou “desenhos para chamar a atenção”, ou seja, os desenhos
estavam ali para cumprir uma função e não propriamente por seus significados.
Já L7 referiu-se às imagens como “desenho desconexo do conteúdo
interno” e também como “sem sentido”, não reconhecendo o
caráter étnico do grafismo estampado na edição, que pode ser visto aqui na
figura 2. Frente a essa percepção de L7 considero oportuno dizer que o grafismo
indígena é traço importante e sempre presente na manifestação da identidade das
tribos. Em estudo sobre o grafismo indígena, Ribeiro (2012) afirma que as
sociedades indígenas reproduzem traços geométricos não apenas como códigos, mas
também como “um discurso extra local que situa estes artistas-artesãos
indígenas no pilar de uma luta pelo reconhecimento étnico” (RIBEIRO,
2012, p. 21). Continuando, L9 afirmou “gostei das ilustrações”.
Sobre a edição como um todo apenas um leitor L5 apresentou uma percepção mais
ampla da obra, ainda que subjetiva. L5 percebeu “um toque de delicadeza e
boas aspirações” e ainda como “bem convidativo à leitura”.
Sua fala não nos permite inferir se houve, ou não, percepção do caráter
indígena da edição. Também por meio de suas imagens a Edição indígena observada
pelo grupo de leitores participantes permaneceu marcada pela opacidade.
Organizei no quadro 3 os elementos não percebidos pelos leitores sobre o livro Encontros
Traduções e no quadro 4 as percepções individuais dos leitores sobre essa
edição.
A observação
desta edição de Encontros Traduções revelou-me algo curioso e que
compartilho aqui. Trata-se de uma edição publicada em 2009, doada à Biblioteca
Universitária em junho de 2013 e até então nunca emprestada para leitores,
estudantes, professores ou mesmo pesquisadores. A retirada do exemplar da
biblioteca se deu, pela primeira vez, em setembro de 2016 e, em seguida, para
fins deste estudo. Isso nos faz pensar sobre a circulação dessas edições também
nas bibliotecas. Thompson (2013) coloca uma questão que me parece oportuna
aqui: O que estamos fazendo para chamar a atenção dos leitores para o livro? No
entanto, essa é uma questão para ser discutida em outro estudo.
Quadro 3 - Elementos não percebidos
pelos leitores no Livro 1
Elementos não percebidos no Livro 1 – Encontros
Traduções |
|
Autoria |
Professores
Indígenas. |
Editora |
Fale/UFMG. |
Gênero |
Literatura
indígena. |
Propriedade |
Biblioteca
Universitária da FALE. |
Publicação |
2009. |
Patrocínio |
Governo
Federal. |
Imagens |
Grafismos
étnicos impressos na capa/contracapa e na apresentação. |
ISBN |
Número e
código de barras impressos na contracapa. |
Empréstimos |
Uma vez, para
fins deste estudo, em 08/09/2016. |
Fonte: a autora.
Quadro 4 - Percepções individuais dos leitores
sobre o livro 1
Percepções individuais dos leitores do livro 1 – Encontros
Traduções |
|
L1 |
CAPA:
“Capa extremamente pobre”; CONTRACAPA: “Cores
desconexas”; IMAGEM:
“Desenho gráfico inadequado”; FONTE: “Fontes não
atrativas”. TÍTULO:
“Título desconexo”. |
L2 |
CAPA:
“Tem uns desenhos simétricos”. “Sem orelha”;
CONTRACAPA: “de uma cor diferente da capa”; PARATEXTOS: “O
livro tem um sumário e uma apresentação”. “Tem uma Folha de Rosto
com o Título”. |
L3 |
CAPA: “A
capa do livro, por ser vermelha, se destaca”; CONTRACAPA: “Traz
uma sensação mais alegre, por ser amarela”; FONTE: “As letras do
paratexto são grandes e de um formato agradável”. |
L4 |
CAPA:
“Brincadeiras com as letras escritas”; CONTRACAPA: “Cores
chamativas”; PARATEXTO: “Sumário objetivo”. Presença de:
instituições, agradecimentos, formas geométricas e título. |
L5 |
IMAGEM:
“Um livro bem ilustrado e bem elaborado”; TEXTO: “Bom
texto”; OBRA: “Tem um toque de delicadeza e boas
inspirações”; “Bem convidativo à leitura”; PAPEL:
“Bom material”. |
L6 |
TÍTULO:
“Título forte. Título visível”; PARATEXTOS: “Sumário
organizado”; IMAGEM: “Desenhos para chamar a atenção do
leitor”. FONTE:
“Letra pequena, mas organizada”; CONTRACAPA: “Contracapa
vaga”. |
L7 |
CAPA:
“Capa bem simples”; “Desenho da capa e contracapa
desconexo”. TÍTULO:
“Título vago e nada chamativo”; FONTE: “Fontes muito
informais, que não atraem”; PARATEXTOS: “Apresentação
didática”; “Sumário muito marcado”; IMAGENS: “Imagens
da capa e contracapa sem sentido”. |
L8 |
CAPA: “A
capa é simples”; TÍTULO: “O título não nos diz muito sobre o que
pode conter no livro”; FONTE: “As fontes utilizadas deixam o
livro um pouco ‘desleixado’”. |
L9 |
FONTE:
“A letra poderia ser maior”; CAPA: “Capa simples”;
PAPEL: “Folhas de boa qualidade”; IMAGENS: “Gostei das
ilustrações”. PARATEXTOS:
“Folha de rosto bem feita”;
“Sumário bem centralizado”. |
L10 |
CAPA e
CONTRACAPA: “O contraste das cores é algo aprisionante”; “O
verniz localizado dá um toque especial à capa”; PAPEL: “A
gramatura das páginas me causou grande estranhamento”. |
Fonte: a autora.
4.1.2 Percepções dos leitores sobre a edição Com os mais velhos
Dos leitores que manusearam e observaram o livro Com os mais velhos,
dois reconheceram tratar-se de uma edição com temática
indígena e um terceiro reconheceu que a obra se referia a “um povo que
vive num lugar afastado e humilde”. Vejamos como se deram essas
percepções. L7 afirmou que percebeu, pelo título, que o livro se referia ao passado
e que a retomada ao passado foi “em relação ao povo Xacriabá, uma
comunidade indígena”. Esse leitor não apenas identificou a temática
indígena da edição como também identificou qual a comunidade indígena à qual se
referia, no caso, o povo Xacriabá. O que L1 não percebeu foi que além de tratar
de temática indígena o livro também tinha autoria indígena. Sobre o que tratava o livro mostrou-se
visível, mas a autoria indígena e a literatura indígena mostraram-se
imperceptíveis. L2, observando capa e contracapa, percebeu um contexto, ainda
que não muito claro, semelhante “ao mundo indígena”. L2 afirmou que
os paratextos que observou “são explicativos, vistosos, quase prolíxos ou extenso”, mas sua leitura desses textos
não foi suficiente para identificar a autoria indígena ou mesmo o gênero
literatura indígena. L6 percebeu que o livro tratava “de algo relacionado
à natureza e costumes de um povo que vive num lugar afastado e humilde”.
L6 afirmou que percebeu isso “devido aos desenhos da capa, as cores das
folhas e a foto da senhora, no início”. A foto da senhora, no caso, é uma
composição de três imagens de uma mesma mulher indígena, usando roupas simples
e um colar de contas brancas. A foto trazia uma legenda com o nome da senhora Ercina Bispo de Santana e sua localização “Aldeia
Brejo Mata Fome”. L6, portanto, ao observar a imagem legendada da senhora
não suspeitou de que ela pudesse fazer parte de uma comunidade indígena. Para
esse leitor as informações na modalidade não verbal articulada[5] com a verbal não foi
suficiente para tornar visível a temática indígena presente na edição. De certa
forma, as percepções de L7 e L2, ainda que marcadas pela opacidade, foram as
que mais se aproximaram da identidade indígena da edição Com os mais velhos,
sem, contudo, reconhecê-la em sua autoria indígena e em sua literatura, também
indígena. Antes de seguir apresentando as leituras individuais vejamos, no
quadro 5, que elementos não foram percebidos pelos leitores, lembrando que
todos estão inscritos na edição.
Quadro 5 - Elementos não percebidos no
Livro 2
Elementos não percebidos no Livro 2 – Com os
mais velhos |
|
Autoria |
Comunidade
Indígena. |
Editora |
Fale/UFMG. |
Gênero |
Literatura
indígena. |
Propriedade |
Biblioteca
Universitária da FALE. |
Publicação |
2005. |
Citação |
Fala de Emílio
Gomes referindo-se ao povo Xacriabá. |
ISBN |
Número e
código de barras impressos na contracapa. |
Colofão |
Edições Cipó
Voador. |
Empréstimos |
Quatro vezes,
contando com a sua retirada da biblioteca para este trabalho. |
Fonte: a autora.
Sigo com o meu
relato sobre as percepções individuais dos leitores. L1 percebeu no título uma
“sensação de tradição”, queixou-se da fonte utilizada na
apresentação, a qual lhe pareceu “deslocada”. Também referiu-se ao brilho do papel couchê como
“incômodo”. L3, referindo-se à capa, disse não ser possível
“deduzir o conteúdo da obra”. Essa percepção vai de encontro à de
L6 que percebeu, pela capa, tratar a edição de “algo relacionado à
natureza e costumes de um povo”. L4, L5, L8, L9 e L10 relataram percepções
sobre a materialidade da edição. Sobre a capa, L4 a percebeu como
“atraente”, L5 como “simples”, L9 como
“embaçada”, L10 como “bem acabada”
e L8 percebeu sua ilustração como “obra de arte antiga”. Sobre os
paratextos, L4 referiu-se à fonte como “atraente” e percebeu a
mudança de papel; L5 sentiu falta de texto nas orelhas e percebeu o papel
reciclado do miolo; L8 se referiu à tipografia como “não-padrão”,
mas classificou o seu uso como “interessante”; L9 percebeu
“todos os textos com a mesma tipografia na folha de rosto e o sumário
como “limpo, bem diagramado, com espaçamentos e negrito que facilitam a
visualização”, e L10 percebeu apenas o sumário como
“simples”.
Assim como as percepções de L9 e L10 sobre a capa se mostraram, de certa
forma, contrárias, também suas percepções sobre o sumário foram muito
distintas. O que L10 percebeu como “simples”, para L9 era algo
“limpo, bem diagramado, com espaçamentos e negrito facilitando a
visualização”. Esta percepção de L9 sobre o sumário coincide com
resultados de um estudo sobre os elementos da microtipografia
em textos. No quadro 6 estão organizadas as percepções individuais dos leitores
participantes que manusearam e observaram o livro 2, Com
os mais velhos. Também para os leitores desse livro mostrou-se transparente
tanto a autoria indígena quanto a literatura indígena. Apenas a temática
indígena foi percebida e, mesmo assim, por apenas dois leitores participantes.
Quadro 6 - Percepções
individuais dos leitores do Livro 2
Percepções individuais dos leitores do Livro 2 – Com
os mais velhos |
|
L1 |
CAPA:
“reforça a sensação de tradição do título”; FONTE: “fonte
da apresentação destoa do texto interno e parece deslocada”; FICHA:
“fácil entendimento dos dados”; APRESENTAÇÃO: “o brilho do
papel couchê é incômodo”. |
L2 |
CAPA e
CONTRACAPA: “remetem a um contexto não tão claro em referência ao mundo
indígena, assemelhando-se ao mundo contemporâneo”. PARATEXTOS:
“são explicativos, vistosos, quase prolixo ou extensos, concorrendo com
o conteúdo mais simples”. |
L3 |
CAPA:
“Ao observar-se a capa do livro não é possível deduzir o conteúdo da
obra. É uma pintura bem rústica que não permite perceber o seu
sentido”. IMAGENS:
“Nota-se que o livro possui imagens fotográficas e narrativas sobre
acontecimentos reais”. |
L4 |
TÍTULO:
“Dá ideia do que a história irá abordar”; PAPEL: “Chama
atenção por não ser tão utilizado”; CAPA: “O desenho da capa é
atraente”; FONTE: “A letra escolhida também é atraente”;
PARATEXTO: “A parte em que muda-se o papel,
também chama atenção”. |
L5 |
CAPA:
“simples, mas bonita”; ORELHAS: “Sem texto ou qualquer
informação complementar”; PAPEL: “Parece reciclado, bem
bonito”. |
L6 |
TEXTO:
“O livro trata de algo relacionado à natureza e costumes de um povo que
vive num lugar afastado e humilde”; IMAGEM: percebeu isso “devido
aos desenhos da capa, as cores das folhas e a foto da senhora, no
início”. |
L7 |
TÍTULO:
“Através do título do livro ‘Com os mais velhos’ percebi
que o conteúdo se trata de algo que retoma o passado”; TEMÁTICA:
“Percebi que a retomada ao passado é em relação ao povo xacriabá, uma
comunidade indígena”; PAPEL: “O uso da folha reciclada dá um
aspecto amarelado que também relembra história/passado”; CAPA:
Utilizou-se na capa algum tipo de pintura que acredito ter relação com a
arte/cultura do povo estudado”. PARATEXTO:
“O sumário me passa uma ideia de percepção do povo estudado em diversos
aspectos, como relação com a terra ou ambiente em que vivem, forma de tratar
enfermidades, muitos mitos e/ou histórias”. |
L8 |
CAPA:
“Ilustrada com essa obra de arte antiga, conversa bem com o título e
com o material de capa e miolo”. TÍTULO: “Colocado de forma
interessante”. “A tipografia, bem como a separação da palavra
‘velhos’ do todo não valorizam a leiturabilidade”. PARATEXTO:
“Essa tipografia se repete nos paratextos. Não é padrão, mas seu uso é interessantes pela temática”. |
L9 |
CAPA:
“Deu uma sensação estranha, pois a imagem estava embaçada” ORELHAS:
“Esperava textos nas orelhas” PARATEXTOS:
“Todos os textos com a mesma tipografia”. Sumário “limpo, bem diagramado, com
espaçamentos e negrito que facilitam a visualização”. |
L10 |
CAPA: “A
capa ilustrada está mais bem acabada”; PARATEXTO:
Sumário “simples, gostei muito”. |
Fonte: a autora.
4.2 Visibilidade mediada pelas micromídias
Como pontuado aqui, minha prioridade foi observar a percepção dos
leitores diante de edições indígenas produzidas por indígenas verificando a
visibilidade dessas edições materializadas no livro impresso. Em seguida,
busquei sondar a visibilidade dessas edições também nas micromídias
por se constituírem “canais-chave para o marketing e a publicidade
de livros” (THOMPSON, 2013, p. 265). Em minha primeira busca por sites
que pudessem hospedar algum conteúdo sobre edições indígenas, sem aspas,
encontrei dez resultados dos quais oito eram links para jogos e dois para
publicação científica. A busca com a expressão “edições indígenas”
entre aspas trouxe, na primeira página, quinze resultados sobre artigos
científicos, eventos, editais, apresentações, portal de estudos e também anúncios e notícias. Nenhum link para
trechos de edições indígenas em resumos, comentários ou resenhas foi
localizado. Busquei também por essas edições nos sites de venda de
livros, não apenas nos grandes distribuidores como também nos sebos literários
e ainda de livros didáticos, sem sucesso. Nos sites de venda de livros a
busca foi feita pelo título das edições utilizadas neste estudo. Quanto às
bibliotecas digitais, localizei oitenta e três livros em busca sobre literatura
indígena na Biblioteca Brasiliana Guitá e José
Mindlin, todos eles escritos por autores não indígenas, entre eles Casimiro de
Abreu, Machado de Assis e Euclides da Cunha. A busca nessa biblioteca sobre
edições indígenas não trouxe resultados. Na Biblioteca Digital Mundial, a busca
por literatura indígena trouxe cinco resultados, nenhum deles para livros. Já a
busca por edições indígenas trouxe 48 resultados, dentre os quais 39 fornecidos
pela Biblioteca Nacional do Peru. São textos sobre religiões, mitos, artes,
dicionários, gramáticas e vocabulários, dentre outros. Nenhum deles de autoria
indígena brasileira.
Após utilizar as expressões ‘edições indígenas’ e
‘literatura indígena’ para localizar essas publicações, ou mesmo
parte delas, retomei a busca, desta vez com a expressão ‘livro
indígena’ em uma tentativa de encontrar algum conteúdo sobre a produção
editorial desses objetos de leitura. Dentre os links que encabeçaram a lista
dos resultados estavam a Biblioteca Brasiliana Guitá
e José Mindlin, o site Educar para crescer, da Editora Abril; o site
Carta Educação, que listou um conjunto de dez obras sobre a cultura indígena
sendo metade de autoria indígena; o Estante Blog que indicou cinco livros sobre
a cultura indígena, sendo três de autoria indígena; o site Povos
indígenas no Brasil com downloads de livros de autoria não indígena; o portal
da Folha que listou doze edições para crianças, dos quais cinco com autoria
indígena; o site da Editora Unesp apresentando edições sobre povos
indígenas, mas não de autoria indígena; e, finalmente, o portal da Rádio Yandê com a literatura indígena em uma das abas do menu.
Neste portal não apenas a literatura indígena era mostrada como também as
autorias de Povo Pataxó, Tupi Guarani, Povo Baniwa, Povo Kaxinawá,
Povo Yawanawa e Daniel Munduruku.
Sobre os processos de produção editorial indígena: traduções, transcrições,
ilustrações, escrita coletiva e impressão, não encontrei registros.
Foi
descobrindo as autorias indígenas e a divulgação que fazem de suas obras, em
seus espaços virtuais, que encontrei alguma visibilidade dessas edições na Web.
Muitos autores indígenas como Daniel Munduruku,
Olívio Jekupe, Graça Graúna e Eliane Potiguara mantêm
blogs pessoais e neles publicam seus textos e divulgam a venda de seus
livros, como ilustrado pela figura 4. São autores que escrevem individualmente,
mas que trazem consigo o eco das vozes de seus povos. Além dos livros de
autoria indígena, os blogs divulgam também eventos literários, alguns
organizados por instituições públicas o que se observa na figura 5. Há ainda blogs
institucionais trabalhando na divulgação de edições indígenas e de suas
autorias, como o blog do Núcleo de Escritores e Artistas Indígenas (NEArin), vinculado ao Instituto Indígena Brasileiro para
Propriedade Intelectual (IMBRAPI).
Figura 4 - Divulgação de
livro indígena pela autora na internet
Fonte:
elianepotiguara.blogspot.com.br (2016).
Figura 5 - Convite digital do Primeiro
Sarau de Poéticas Indígenas realizado em abril de 2016
Fonte: Global
Voices, (2016).
Fechando essa sessão, seja por meio das mídias comunicacionais às quais
se referiu Thompson (2008) acerca da visibilidade mediada, seja por meio das micromídias às quais esse autor se refere no texto de 2013
sobre a publicidade de livros, posso dizer que as edições indígenas e a autoria
indígena no Brasil são reais, mas ainda se mostram “imperceptíveis”
tanto no livro impresso quanto em espaços como livrarias ou bibliotecas, sejam
esses espaços físicos ou virtuais.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão deste estudo foi verificar se o livro indígena seria uma edição
assim reconhecida pelos leitores. Se seria possível reconhecer um livro
indígena, escrito e editado por indígenas, apenas por meio do contato com ele.
No contexto deste breve estudo não o foi. Os leitores que participaram se
limitaram a mostrar o que viram sobre materialidades como papel, tipografia,
imagens, textos e seus diferentes gêneros presentes nas edições de livros como
capa, sumário, título, apresentação e folha de rosto. Minha hipótese para isso
é o fato de que a identidade indígena impressa nas edições indígenas foi feita
por meio da língua portuguesa, mas isso requer estudos mais aprofundados. É fato que a produção de livros por indígenas
no Brasil é recente, mas acredito que isso não seja suficiente para justificar
o fato de os leitores participantes, alunos de um curso de letras, terem
interagido com um produto editorial indígena sem reconhecê-lo como tal. Sobre a
possibilidade de serem livros “com cara de índio”, este estudo
demonstrou serem livros genuinamente indígenas, mas que precisariam ser mais
que vistos ou manuseados para terem reconhecida a sua identidade. Precisariam
ser lidos, pois é na sua escrita que se inscreve a marca da sua literatura.
Seriam, por assim dizer, livros com essência de índio. Os resultados também
mostraram que o gênero literatura indígena não foi de fácil reconhecimento para
os leitores. Nenhum dos participantes fez qualquer referência às edições
analisadas como sendo de literatura indígena. Outra questão foi saber se na perigrafia dessas edições haveria marcas da identidade
indígena. Verifiquei essas marcas inscritas nas edições estudadas. Ambas
mostram a autoria indígena na folha de rosto, indicam a literatura indígena na
ficha catalográfica e fazem referência aos povos indígenas nos textos de
apresentação, só para citar as mais importantes.
Thompson (2013) diz que a visibilidade depende do que é mostrado e também falado. É possível construir uma visibilidade boca
a boca, afirma o autor. Provavelmente muito mais poderá ser construído e
mostrado se esse movimento individual alcançar os espaços da micromídia.
Referências
ALMEIDA, Maria Inês. Desocidentada: Experiência
literária em terra indígena. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
ALMEIDA, Maria Inês. Na captura da Voz: as edições da narrativa oral no Brasil. Belo
Horizonte: Editora Autêntica; FALE/UFMG, 2004.
BRASIL. Lei n. 11.645, de 10 de março de
2008. Torna obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio. Brasília, 2008. Legislação Federal.
KRESS, Gunther; LEEUWEN, Theo Van. Reading
Images. The Grammar
of Visual Design. London: Routledge,
1996.
LITERATERRAS, Núcleo transdisciplinar de
pesquisa em tradução, edição e publicação de textos de autoria indígena.
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. Disponível em: https://issuu.com/literaterras/docs/livro_encontro_traducoes. Acesso em: 10
nov. 2016.
PIZARRO, Ana. Amazônia: As Vozes do Rio. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
POTIGUARA, Eliane. Divulgação de obra
impressa em rede social. Disponível em: http://www.elianepotiguara.org.br. Acesso em: 10
nov. 2016.
RIBEIRO, Maristela Maria. Grafismo Indígena. Trabalho de
Conclusão de Curso (Habilitação em Artes Visuais) – Departamento de Artes
Visuais, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.
ROCHA-COSTA. Marta Aparecida Pereira da. Microtipografia: uma abordagem sobre a recepção de um
texto em três diferentes formas de inscrição. Diálogo das Letras, Vol. 4, n.º
2, 2015. Disponível em: http://periodicos.uern.br/index.php/dialogodasletras/article/view/1786. Acesso em: 8
dez. 2020.
SARAU DAS POÉTICAS INDÍGENAS, 1, 2016, São
Paulo. Casa das Rosas.
THOMPSON, John Brookshire.
Mercadores de Cultura: o mercado
editorial no século XXI. Tradução Alzira Allegro. São
Paulo: Editora Unesp, 2013.
THOMPSON, John Brookshire.
A Nova Visibilidade. Tradução de
Andrea Limberto. Disponível em: www.revistas.usp.br/matrizes/article/download/38190/40930. Acesso em: 19 set. 2016.
XACRIABÁ, Indios. Encontros Traduções; coordenação: Maria
Inês Almeida. Belo Horizonte: Editora FALE/UFMG, 2009.
XACRIABÁ, Povo. Com os mais velhos. Belo Horizonte: Editora FALE/UFMG, 2005.
[1] Esses resultados foram apresentados no XII Jogo do Livro, evento bianual realizado em novembro de 2017 pelo Gpell/Ceale – UFMG, dedicado à literatura e reflexão do texto poético entre as diferentes linguagens. No contexto deste periódico esses resultados buscam contribuir para uma reflexão crítica sobre a visibilidade de edições indígenas como produtos de um processo editorial.
[2] Na concepção de Almeida e Queiroz (2004), são textos introdutórios que fazem parte das edições indígenas.
[3] Thompson (2013) se refere à micromídia como sendo sites, blogs ou mesmo listas de e-mails, a qual ele apresenta como alternativa para a divulgação de livros frente à tradicional comunicação de massa.
[4]
Neste texto nos referimos aos elementos opacos como sendo aqueles que
apresentam pouca visibilidade para o leitor ou mesmo que não são percebidos por
ele.
[5] Kress e van Leeuwen (1996) afirmam que diferentes modalidades de linguagens se somam na leitura e construção de significados. Para esses autores imagem e texto trabalham juntos.