Universidade
Federal de Santa Maria
Gutenberg
- Revista de Produção Editorial, Santa Maria, RS, Brasil, v. 1, n. 1, p. 98-116,
jan./jun., 2021
Submissão:
30/11/2020 • Publicação: 23/07/2021
Artigo
publicado sob licença CC BY-NC-SA 4.0
Artigo
Massao Ohno: editor independente?
Massao Ohno: an independent
editor?
I Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Minas Gerais, MG, Brasil
leodemorais@gmail.com
RESUMO
A trajetória do editor Massao Ohno esteve voltada predominantemente para a publicação de
literatura, especialmente a poesia, gênero esse que, por conta das tiragens
reduzidas em relação a outras manifestações literárias, acabou sendo fomentado,
em parte significativa, por pequenas editoras, as assim chamadas independentes.
Além de selecionar pessoalmente os textos que editou, Massao
também foi designer de sua maioria absoluta, ademais de ter empreendido
parcerias com outros editores no intuito de ampliar a circulação de sua
produção. Nesse sentido, esta investigação propõe pensar se ou como a editora
capitaneada por Ohno se configuraria à luz de alguns
conceitos relativos à edição e à independência. O objetivo é o de atualizar,
ainda que de maneira incipiente, a travessia editorial de Massao
Ohno no campo literário brasileiro.
Palavras-chave: Campo literário; Edição; Independência; Massao Ohno
ABSTRACT
The trajectory of the editor Massao
Ohno was predominantly focused on the publication of literature, especially
poetry, a genre that, due to the reduced circulation in relation to other
literary manifestations, ended up being promoted, in a significant part, by
small publishers, the so-called independent. In addition to personally
selecting the texts he edited, Massao was also the
graphical designer of his absolute majority, in addition to having entered into partnerships with other publishers in order to
expand the circulation of his production. In this sense, this investigation
proposes to think about whether or how the publisher led by Ohno would be
configured in the light of some concepts related to editorial pratices and independence. The objective is to update Massao Ohno's editorial journey in the Brazilian literary
field, albeit in an incipient way.
Keywords: Literary field; Edition; Independence; Massao Ohno
A produção editorial do paulista Massao Ohno
(1936-2010) esteve voltada predominantemente para a publicação de literatura,
sobretudo a poesia, gênero esse que, no Brasil, foi propagado, em parte
significativa, por pequenas e médias editoras, as assim chamadas independentes.
Além de selecionar pessoalmente os textos que editou, Massao
também foi designer da maioria absoluta dos livros por intermédio dele
publicados, ademais de ter empreendido parcerias com outros editores no intuito
de ampliar a disseminação de sua produção. Nesse sentido, esta investigação
propõe pensar se ou como a editora capitaneada por Ohno
se configuraria à luz de alguns conceitos relativos à edição e à independência.
O objetivo é o de atualizar, ainda que de maneira incipiente, a travessia
editorial de Massao Ohno no
campo literário brasileiro.
A trajetória
de Massao Ohno como editor
teve início nos estertores da década de 1950, quando deixa a odontologia
– profissão que exerceu por apenas dois anos – e adquire uma prensa
tipográfica, instalando-se em um casarão na Rua Vergueiro, em São Paulo. Começa
a imprimir apostilas para cursinhos pré-vestibulares em um primeiro momento,
mas logo em seguida diversifica seu negócio, passando a se dedicar com vigor à
impressão de literatura, sobretudo poesia, gênero de sua predileção. Ainda na época
de sua formação, Massao frequentava a Biblioteca
Mário de Andrade onde conheceu muitos de seus futuros editados. Em depoimento
para o projeto “Memória Oral”, concebido pela já citada BMA, Massao confessa que, na impossibilidade de ser poeta
– pois achava que não tinha as habilidades literárias necessárias para
tal, apesar de ser uma pessoa culta e de aguçada sensibilidade artística
– escolheu publicar ele mesmo os autores do gênero que tanto admirava.
Na primeira
fase da Editora, que publicou desde sua fundação, nos últimos anos da década de
1950, até 1964, o ano do golpe militar, Massao edita
uma série de autores novos, intitulados “Novíssimos” ou
“Geração 60”. Esse recorte de autores era formado, sobretudo, por
jovens poetas e autores da capital paulista, a maioria estudantes
universitários, com algumas exceções. A primeira empreitada de fôlego
empreendida por Massao Ohno
nesse sentido foi a edição e publicação de cerca de treze volumes de poesia,
prosa e teatro, integrantes da intitulada “Coleção Novíssimos”.
Nessa coleção, que circulou por meio de um esquema de assinaturas, chegando aos
leitores/assinantes via correios, nomes que tentavam se inserir como agentes
efetivos no campo literário da época encontraram guarida inicial. Autores como
Roberto Piva, Eunice Arruda, Carlos Felipe Moisés e Renata Pallottini,
entre outros, marcaram presença nessa coleção que acabou originando uma
antologia, a Antologia dos Novíssimos, organizada pelo próprio Massao Ohno e publicada em 1961.
Com o Golpe
de 1964, Massao decide se retirar temporariamente de
cena. Só voltaria a publicar em 1973. Em 1976, junto ao poeta e crítico Claudio
Willer, organiza a “Feira de Poesia e Artes”, que ocorreu no Teatro
Municipal de São Paulo e acabou gerando por sua vez um selo editorial e uma
coleção de livros dos autores que participaram do evento. Foi a partir desse
período que Massao começa uma série de parcerias com
outros editores: junta-se a nomes como Roswhita Kempf e Lydia Pires e Albuquerque para publicar vários
títulos. Também edita com Ênio Silveira, da gigante Civilização Brasileira, a
coleção de poesia intitulada “Poesia Sempre”. Continuou a editar e
a publicar, incansavelmente, durante as décadas de 1980 até 2010, ano em que
viria a falecer. Estima-se que, pela Editora Massao Ohno, tenham sido publicados entre 800 e 1000 títulos.
Uma vez
entrevisto algo da travessia de Massao no campo
literário, cabe ir direto ao ponto que este trabalho propõe analisar. A práxis
editorial da qual Ohno se valeu poderia classificar
sua Editora como independente? Antes de que tal pergunta seja respondida, há de
se apresentar quais são as noções de edição e independência norteadoras deste
trabalho. Alguns dos significados mais genéricos relativos ao conceito de
edição podem ser encontrados no Dicionário Houaiss: “ação ou
efeito de editar; atividade do editor; reprodução, publicação e difusão
comercial por um editor de uma obra (texto, partitura, estampa, disco etc.)
[…]” (HOUAISS, 2009).
No volume O
que é editora?, de Wolfgang Knapp, seu autor apresenta
também uma visão mais generalizada dessa atividade:
Etimologicamente, editar vem de parir, dar à luz,
tornar público. É nesse sentido que o termo hoje é usado para aquelas empresas
que tornam públicos pensamentos, conhecimentos, ideias, técnicas,
etc., em forma impressa (ou gravada), em várias cópias (KNAPP, 1986, p.
17).
Interessante
notar que, sob essa perspectiva mais generalista trazida pelo estudioso, o ato
de editar pode ser visto como ação que visa tornar público aquilo que, a princípio,
jazia no terreno do privado, do íntimo, da abstração: pensamentos, ideias,
técnicas. Sem dúvida, ecos do Iluminismo – tais como a defesa da
liberdade da economia a partir da oferta e da procura ou a organização do
conhecimento de forma objetiva – ainda podem ser percebidos nessa
prática.
Na obra A
construção do livro, Emanuel Araújo busca apresentar a seus leitores
considerações sobre o conceito de edição partindo da intervenção do seu
artífice, o editor, nos originais a serem publicados.
O trabalho sobre o original não pode alterar muito
esse componente básico do autor a que se chama ‘estilo’. Desde
logo, por conseguinte, convém reconhecer os elementos intrínsecos da forma com
que se apresenta o texto, vale dizer, a própria estrutura das orações, sua
concatenação, seu ritmo, sua fluência, seu efeito, sua correção, seu estilo
enfim. Nessa medida, a liberdade do editor, seu limite de ação, é exíguo, mas
essa liberdade existe e deve ser usada. […] A margem de atuação do
editor, no sentido mais amplo, é proporcional à finalidade intrínseca do texto,
de qualquer texto: a comunicação escrita, a mensagem visual de cada frase, de
cada linha, de cada página. Em outras palavras, a principal tarefa do editor de
texto em relação ao original consiste em veicular esse tipo de comunicação de
maneira mais clara possível para o leitor. (ARAÚJO, 1986, p. 61).
Antônio
Houaiss, já citado, também se aprofundou na tentativa de definir, a partir da
etimologia, qual ou quais seriam exatamente as funções que constituiriam a
práxis do editor:
O conceito de autor, no caso em aprêço,
deve ser tomado em sentido amplo, abarcando também o de diretor de texto ou
editor de texto. Com estas duas expressões, designar-se-ão neste livro os
conceitos expressos em inglês por chief
editor e editor, opostos a publisher.
A este último corresponde, normalmente, em francês éditeur,
em espanhol editor, em italiano editore, em português
“editor” - mas nestas quatro línguas românicas, tomadas a mero
título de exemplo, também os vocábulos citados englobam, não raro, a área
semântica do inglês editor. Neste livro, “editor” fica,
pois, restrito ao seu sentido usual de pessoa sob cuja responsabilidade,
geralmente comercial, com o lançamento, distribuição e venda em grosso do
livro, ou de instituição, oficial ou não, que, com objetivos comerciais ou sem
eles, arca com a responsabilidade do lançamento, distribuição e, eventualmente,
venda do livro. À relação supra poder-se-ia acrescentar
“compilador”, “organizador” e palavras afins, que, se
não implicam o cuidado de estabelecer o texto, não merecem referência para o
problema vertente. (HOUAISS, 1968, p. 22).
Percebe-se
que, à função moderna do editor, geralmente, tem sido associada uma série de
atividades que se intercruzam praticamente de forma indelével: selecionar,
revisar, diagramar, lançar, distribuir, vender, e, também em alguns casos,
compilar e organizar os conteúdos a serem publicados. Essa especificidade
configura tal práxis como um fazer complexo e multifacetado, constituído a
partir da circunvolução de múltiplos saberes. Laurence Hallewell
também propôs uma divisão e classificação das figuras que exercem o controle da
atividade editorial. Segundo o pesquisador britânico, no Brasil, foi a partir
da época da abertura, ao fim do período ditatorial instaurado desde meados da
década de 1960,
que a indústria editorial mostrou sua maturidade
com a divisão de funções entre o diretor da empresa editorial, o editor
tradicional (em inglês, publisher), e o
“gerente editorial” (para os americanos e ingleses, o verdadeiro editor)
que cuida da escolha de manuscritos e de sua revisão e transformação em textos
prontos a serem lançados. (HALLEWELL, 2017, p. 737).
Em
depoimento, o poeta, professor e crítico Carlos Felipe Moisés, um dos
“novíssimos” publicados por Ohno,
deslinda um pouco mais a travessia do editor:
Massao foi acima de tudo um artista gráfico, ciente de
que o design por ele concebido, sempre virtualmente outro, a cada obra, deveria
estar a serviço do livro em causa, brotando naturalmente dos versos que ele lia
e amava, com a alma atenta, e não a serviço da arte do design, em si. Por isso,
quando o livro saía de sua mesa de trabalho, bem definidos o formato, o papel,
a tipologia, a capa, as ilustrações, a diagramação e tudo o mais, era como se
sua tarefa estivesse inteiramente cumprida. Dali por diante, não era mais com
ele. Massao nunca escondeu certo olímpico
desinteresse pelo destino que “seus” livros pudessem percorrer,
depois que saíssem da gráfica, produzidos em série, para ingressar na
banalidade do mundo dos negócios, em que livros também são objetos de compra e
venda. Por essa razão, seu legado não pode ser reduzido à quantificação de um
mero acervo, pois ocupa um espaço bem mais amplo e valioso, na memória e no
espírito da quantidade de artistas gráficos, capistas,
ilustradores e editores que ele ajudou a formar, com a ciência do verdadeiro
mestre, que conhece melhor do que ninguém a lição: melhor do que ensinar é
ensinar a aprender. (MOISÉS apud SILVA, 2019).
Importante
salientar na fala do poeta e crítico o fato de que Massao
Ohno não poderia ser classificado exatamente como um
editor no sentido stricto sensu conforme a descrição proposta por
Houaiss, isto é, como um agente voltado especificamente para a parte comercial,
mercadológica, de circulação do produto livro, um publisher,
mas se aproximaria à função de gerente editorial, voltado às questões de
seleção e materialização dos textos em livros, proposta por Hallewell.
Massao se notabilizou pela criatividade e excelência
dispendidas, por meio do design editorial, à publicação dos textos literários
que julgava importantes do ponto de vista estético e relevantes social e
culturalmente.
Ainda sob
tal perspectiva, cabe evocar mais uma das observações de Carlos Felipe Moisés
sobre as práticas editoriais de Massao: “Não
era um editor convencional – o forte de Massao Ohno nunca foram os negócios e a distribuição dos
exemplares nas livrarias, mas a edição cuidadosa” (MOISÉS apud
MELLO, 2009, p. 194). Nesse sentido, se para o poeta e crítico Décio Pignatari
“o poeta é um designer da linguagem” (PIGNATARI, 2005, p. 19), pode
ser dito que Massao foi um designer da poesia
impressa, ou ainda, um “editor/poeta”.
Os
pesquisadores mexicanos Hernán López Winne e Víctor Malumían trouxeram à luz em sua obra conjunta intitulada Independientes, ¿de qué?
(2016), outra interessante taxionomia relativa à prática editorial, também
relacionada à figura do editor.
Entre los editores que han invertido su tiempo en organizar el trabajo editorial se encuentra Constantino Bértolo,
que fundó una especie de sello independiente - Caballo de Troya - dentro de un conglomerado editorial - Random
House -. Según su forma de entender la edición, podemos encontrar tres
tipos de editores: el “humanista”, el “híbrido” y el
“capitalista salvaje”. (WINNE, MALUMÍAN,
2016, p. 2).
Segundo tal
classificação, o editor humanista poderia ser descrito como:
[…] un individuo que posee sobrando
capital y que, en lugar de invertirlo
en una empresa más lucrativa, decide publicar libros a modo de expresión
filantrópica. Al liberarse de la
necesidad de generar
ganancias, obtiene una completa libertad
para publicar aquello que le
gusta y puede perserguir la más alta calidad sin preocuparse
por el retorno de la inversión. Estos editores pueden pensar la edición como un hobbie y no como un modo de subsistencia, lo cual no implica que sus condiciones no sean
estupendas, pero sí que las
logicas del mercado no los afectan de la misma
forma que al resto del sector. (WINNE, MALUMÍAN,
2016, p. 2).
A segunda
categoria pensada seria a do editor “capitalista salvaje
[...] para el que la publicación está determinada por los
benefícios económicos y no por la calidad
de los libros. El factor fundamental al momento de decidir si un libro integrará su catálogo no
son los méritos intrínsecos
sino su capacidad de
venta” (WINNE, MALUMÍAN, 2016, p. 3). Já o último tipo de editor, segundo
a classificação proposta por Bértolo e resgatada
pelos pesquisadores latino-americanos, seria “un
híbrido, el capitalista humanista que persigue con el
mismo énfasis la calidad y la
rentabilidad: la mirada
atenta tanto a la rentabilidad
como a la calidad de los trabajos que publica”
(WINNE, MALUMÍAN, 2016, p. 4).
Haveria,
entretanto, algum perfil de editor que pudesse ser considerado próximo do
ideal? De acordo com os teóricos aqui mencionados, sim. No texto crítico
evocado, o editor “en su
definicíon ideal debería
ser, a la vez, un
especulador inspirado, dispuesto a las apuestas más arriesgadas, y un contador riguroso, incluso un poco parsimonioso”, ou seja, um “editor
híbrido” (WINNE, MALUMÍAN, 2016, pp. 2-3). Conforme tem sido desvelado, a
atuação de Massao Ohno como
editor no campo literário foi bastante peculiar. Tal fato pode ser ilustrado,
por exemplo, a partir dos comentários de Carlos Felipe Moisés anteriormente
apresentados. É perceptível uma preferência de Massao
pelas questões estéticas do processo editorial e certa desatenção para com os
aspectos comerciais relativos a suas publicações, o que poderia aproximá-lo,
com alguma reserva, à primeira das categorias ainda em questão.
Contudo,
cabe observar que esse aparente desinteresse do editor no tocante aos aspectos
de comercialização para com os livros de sua casa editoral
não foi tão radical quanto apresentado. As parcerias empreendidas por Massao Ohno com outros editores
para otimizar a circulação de seus livros, principalmente a partir de década de
1970, sem abrir mão do envolvimento no processo de design de cada projeto
– e que serão comentadas mais adiante nesta tese – poderiam
associá-lo à condição de editor híbrido, preocupado tanto com os aspectos
estéticos como atento as exigências mercadológicas. Nesse sentido, pode ser
deferido a Massao Ohno o
título de editor híbrido, uma vez que o cuidado para com a materialização
somada à constante busca por parcerias no intuito de otimizar a circulação dos
produtos publicados por sua casa editorial apresentam-se como evidências que
confirmariam minha proposição.
Não
obstante, a associação de Massao Ohno
à categoria de editor híbrido, conforme proposto, suscita uma nova discussão: a
postura adotada pelo editor paulistano configuraria sua editora como uma casa
editorial independente, isto é, mantenedora de práticas que a colocariam como
uma instituição que atuou à margem do grande mercado? E qual seria exatamente
essa noção de independência que, segundo hipótese, orientou à práxis editorial
de Massao Ohno?
Em tese
sobre aspectos da produção editorial independente na Argentina e no Brasil, o
pesquisador e professor José de Souza Muniz Jr. apresenta um quadro geral do
conceito de independência relacionado à cultura e, por consequência, aplicável
à própria literatura:
Em termos muito gerais, a produção cultural
independente será concebida como aquela que está fora – mainstream ora por escolha, ora por condição
- dos circuitos e mercados massivos; que não adota as lógicas dos grandes
conglomerados de cultura e mídia; que se identifica com métodos artesanais de
produção, com o experimentalismo estético e/ou com discursividades dissonantes,
alternativas, contra-hegemônicas. Ao mesmo tempo que
se opõe implicitamente ao dependente (ou seja, aos agentes e às práticas
culturais subordinados a tais lógicas), esse produtor se definirá a contrapelo
de certos carrascos da dependência – o mercado, as empresas privadas, os
grandes conglomerados, as instâncias públicas etc. que controlam a produção, a
circulação e a consagração dos bens simbólicos. (MUNIZ JR., 2016, p. 16).
Nota-se que
a concepção de independência editorial que vem sendo delineada e sugerida como
caracterizante da Editora Massao Ohno
até o momento neste trabalho – isto é, uma postura que coloca a empresa
fora do circuito dominado pelas grandes casas editoriais e livrarias primando
pela publicação de autores iniciantes com impressões de qualidade apurada a
despeito da baixa tiragem – encontra uma síntese perfeita nos
apontamentos de Muniz Jr. Nesse sentido, tal postura independente revela-se
como uma espécie de “contraedição”, que
nega e busca alternativas àquelas impostas pelo grande circuito comercial de
forma massiva.
Para os
pesquisadores Hernán López Winne e Víctor Malumían a edição independente estaria associada a algumas
condições.
El primer asunto que acude a la mente cuando se habla de independencia es la relación con el
mercado. Un editor independiente debe
pensar su catálogo ligado a coherencia
de su contenido y no a las modas temáticas que atraviesan
el mercado editorial. Debe,
en todo momento, apostar a un
catálogo de fondo y cada nueva
publicación necesita
discutir, dialogar, hacer sistema con
los anteriores títulos del
catálogo. [...] La coherencia no está limitada a
publicar lo mismo, sino a trazar líneas de intercambio
entre los distintos textos. (WINNE, MALUMÍAN, 2016,
p. 4-5).
Destaca-se
na proposição mencionada a importância dispendida à formação do catálogo da
casa editorial de cunho independente. Sob a perspectiva apresentada, as obras
escolhidas para formar esse catálogo ideal devem se inter-relacionar com outros
trabalhos editados pela casa, assegurando-lhe dessa maneira, coesão, coerência,
unidade, o que conferiria identidade à editora. Nesse sentido, a Editora Massao Ohno também poderia ser
caracterizada como independente, já que a opção por publicar ao longo de toda
sua existência predominantemente títulos de poesia de autores das novas
gerações, pode ser lida como tentativa de formar exatamente um catálogo cuja
unidade pudesse facilitar a disseminação dessas obras pelo campo literário,
contribuindo consequentemente para a constituição desse último.
Ainda sobre a questão da edição independente, absolutamente pertinente à
travessia editorial de Massao Ohno
segundo tem sido aqui sugerido, a pesquisadora Alice Bicalho de Oliveira
apresenta valiosas reflexões em artigo que discorre acerca da independência
como um modo de produção:
Há certa amplidão de definições do termo
“independente” no contexto das produções culturais. Um dos sentidos
com que, historicamente, a expressão está relacionada consiste nos modos de
produção artística e cultural que se realizam desvinculados ou em oposição às
grandes empresas da indústria cultural. No que diz respeito ao livro, se
tomarmos como exemplo o que na Europa já vinha se organizando desde o século
XIX, a indústria se estrutura a partir de grandes – e cada vez maiores
– oligopólios associados ao capital de outros tipos de indústria, com
tamanha força econômica, que brecam o desenvolvimento de empresas menores e
estruturadas com bases diferentes destes acordos comerciais e desta circulação
de capital. As transformações expressivas nos modos de produção editorial
ocorridas na passagem de uma produção mecanizada para os desenvolvimentos
técnicos posteriores alteraram intensamente o universo editorial, desde a
concepção de um projeto de livro a ser publicado até o estabelecimento dos
direitos de autor, tiragens e modos de venda. A partir daí a história do livro
vê certos esquemas de cooperação e troca entre editores serem esquecidos, e uma
especialização e profissionalização cada vez maiores dos seus atores. Esta
tendência não se desfez, pelo contrário, continua a crescer e a receber
reforços de outras indústrias, agora das comunicações e tecnologias de
informação. Diante deste universo podemos delimitar um primeiro campo para a
compreensão do significado do termo “independente”, qual seja, a
oposição a um modelo industrial de produção, de vínculos entre grandes
empresas, e de seus acordos financeiros. (OLIVEIRA, 2016, p. 79-80).
De acordo com as observações da pesquisadora, o termo em questão traz uma
amplitude de definições, o que só evidencia o problema de fixar qualquer
taxionomia de forma mais assertiva em relação ao tema. No entanto, pode ser
destacada das palavras de Oliveira uma característica que, já sugerida nas
citações anteriores, praticamente define a configuração das editoras
independentes e que entendo ser aplicável à Editora Massao
Ohno: a negação de modelos industrializados de
produção, o que acarretaria, em consequência, a desvinculação dessas editoras
independentes do domínio dos grandes oligopólios.
No começo da Editora, materializada no fim da década de 1950 a partir da
pequena gráfica em um casarão na Rua Vergueiro em São Paulo, Massao elaborava e publicava os trabalhos dos jovens
autores à época, ademais de imprimir as apostilas para cursinhos que eram
naquele momento inicial, a principal fonte de renda do pequeno empreendimento.
Mais tarde, talvez para manter a independência editorial – sobretudo no
sentido criativo – e a estabilidade da empresa, buscando ampliar a
quantidade, a variedade e a qualidade dos textos dos autores publicados, além
de lhes proporcionar uma melhor circulação, mesmo que restrita às
especificidades do campo literário em questão, Ohno
se aliou a outros editores para incrementar sua atividade conforme também já
observado.
Ainda segundo a pesquisadora e professora Ana Bicalho de Oliveira:
[...] a gama de editores que podem se considerar
independentes é enorme, especialmente no Brasil, país em que o número de
grandes grupos editoriais vinculados a capitais de outros tipos de indústria
– nacionais ou internacionais – organizados em políticas de
desenvolvimento do setor é bem inferior ao número de editores que trabalham na
base do “cada um por si”, sofrendo o enorme impacto da competição
desequilibrada com estes poucos (mas) gigantes da edição. Nesse sentido,
portanto, podemos considerar editores independentes numa escala macroscópica as
editoras de grande porte que só se estruturam financeiramente por meio da venda
de livros; em outra escala, os editores de médio e pequeno porte que se
organizam em ligas, mas se mantêm independentes em termos de capital e de
competição de mercado, e microscopicamente uma enormidade de pessoas físicas
que produzem livros artesanais e os comercializam em pontos de cultura das
grandes cidades. Em outras palavras, esta primeira ideia de
“independência” aponta para um modo de relacionamento entre
empresas e capitais, não tecendo qualquer relação com o modo de produzir ou o
tipo de produto final e, por isso mesmo, permite que
coloquemos em um mesmo grupo “de independentes” formas muito
distintas de editar e uma gama enorme de livros. (OLIVEIRA, 2016, p. 79-80).
A taxionomia proposta por Oliveira
apresenta a edição independente dividida em três variantes ou escalas, todas
coexistentes: a macroscópica, que envolve paradoxalmente as editoras de grande
porte; uma intermediária, que encerra os editores de empresas medianas e
pequenas cujas estratégias adotadas se baseiam na constituição de uma rede de
circulação à margem do mercado como aposta de sobrevivência; e as microeditoras, ou editoras de um “homem só”,
que operam radicalmente à margem do mainstream
cultural, adotando práticas de edição próximas às artesanais para elaborar
obras dirigidas a um público leitor seleto.
Nesse
sentido, a práxis editorial de Massao Ohno, conforme sugerido até o momento, se aproximaria à
segunda categoria elaborada por Oliveira, mas com alguns traços da artesania
inerentes à terceira variante. E isso porque a Editora de Ohno,
de acordo com o levantado, ademais de dispender sensível cuidado para com a
seleção e apresentação de seus constructos de acordo com o que será demostrado
logo mais adiante, nunca cultivou, em relação ao mercado, uma atitude de total
isolamento. A colaboração com outros editores para viabilizar os projetos de
sua casa confirmam a preocupação de que as obras publicadas circulassem de
maneira efetiva no campo literário.
Uma vez já
deslindadas e correlacionadas algumas categorias de editor e independência,
categorias essas que estão auxiliando a traçar um perfil um pouco mais claro da
editora capitaneada por Massao Ohno,
cabe lançar luz sobre mais uma ferramenta analítica no sentido de tentar
compreender um pouco melhor a travessia da editora de Ohno
no seu contexto de atuação: o conceito de campo[1], além das ideias de habitus e
capital simbólico, desenvolvidas por Pierre Bourdieu nas obras A economia
das trocas simbólicas (2013), O poder simbólico (1998)
e As regras da arte (1996). A pesquisadora Elaine Aparecida
Teixeira Pereira, estudiosa das teorias do autor francês, propõe de maneira
sintética uma noção mais geral desse tema:
Campo é um microcosmo social dotado de certa
autonomia, com leis e regras específicas, ao mesmo tempo em que influenciado e
relacionado a um espaço social mais amplo. É um lugar de luta entre os agentes
que o integram e que buscam manter ou
alcançar determinadas posições. Essas posições são obtidas pela disputa de
capitais específicos, valorizados de acordo com as características de cada
campo. Os capitais são possuídos em maior ou menor grau pelos agentes
que compõem os campos, diferenças essas responsáveis
pelas posições hierárquicas que tais agentes ocupam. (PEREIRA, 2015, p. 341).
Infere-se, a
partir da síntese apresentada pela pesquisadora, que o campo é uma estrutura
que, apesar de deter uma certa autonomia no corpo político/social, apresenta-se
condicionado a uma série de delimitações e hierarquizações que estão
entrelaçadas e ajudam a estruturar amplamente esse mesmo contexto. Em palestra
ministrada sobre as teorias de Pierre Bourdieu, o historiador Roger Chartier, ainda que indiretamente, parece corroborar com a
leitura da teoria do sociólogo francês feita pela pesquisadora. Para o
historiador, também francófono,
[…] os campos, segundo Bourdieu, têm suas
próprias regras, princípios e hierarquias. São definidos a partir dos conflitos
e das tensões no que diz respeito à sua própria delimitação e construídos por
redes de relações ou de oposições entre os atores sociais que são seus membros.
(CHARTIER, 2002).
Interessante
notar que a proposição de Bourdieu, sob o ponto de vista de Chartier,
não escamoteia as tensões e oposições advindas das relações no campo, apesar da
aparente regulamentação. Pelo contrário, ressalta que tais forças, por vezes
antagônicas, são as que exatamente amalgamam as estruturas, fortalecendo por
conseguinte a materialização do campo. Pierre Bourdieu delimitou, em seus
estudos, alguns tipos de campo: o econômico, o religioso, o acadêmico, o
artístico, o literário etc. São exatamente esses últimos que interessam
sobremaneira a essa pesquisa devido a natureza
artístico/literária do corpus – os livros publicados pela Editora Massao Ohno. Para o sociólogo
francês
o campo literário e artístico atrai e acolhe
agentes muito diferentes entre si por suas propriedades e suas disposições,
portanto, por suas ambições, e com frequência bastante providos de confiança e
segurança para recusar contentar-se com uma carreira de universitário ou de
funcionário e para enfrentar os riscos dessa profissão que não é uma profissão.
(BOURDIEU, 1996, p. 256).
Sob essa
perspectiva, pode ser dito que, ainda que o campo literário apresente-se como
estrutura multifacetada, pois é constituído a partir das ambições e ações de
vários agentes, sua materialidade se fortalece exatamente a partir de um
conjunto de ações com objetivos em comum. No caso da Editora Massao Ohno, tanto seu editor,
como seus editados, além, é claro, do público leitor, constituíram a
matéria-prima desse corpo de agentes, responsável por tecer uma espécie de rede
produtora e divulgadora de uma parte da produção literária de então.
Cabem,
ainda, mais algumas palavras sobre o conceito de campo. Para Bourdieu, o
“campo, no seu conjunto, define-se como um sistema de desvio de níveis
diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos atos ou nos
discursos que eles produzem, têm sentido senão relacionalmente,
por meio do jogo das oposições e das distinções”. (BOURDIEU, 1996, p.
47). Sob essa perspectiva, a interação entre editor, autores e público isto é,
a conexão entre os agentes do campo, ainda que diversa, múltipla, mediada e
dada por meio de relações por vezes harmoniosas, por vezes tensas, coloca-se
como condição imprescindível à manutenção do próprio campo.
Intimamente
relacionado às noções de campo, está o conceito de habitus. De acordo
com o próprio Bourdieu, o habitus poderia ser entendido “como
sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas
estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das
práticas e das ideologias características de um grupo de agentes” (BOURDIEU,
1996, p. 191). Destaca-se mais uma vez nas palavras do pesquisador, a
importância dos agentes para a manutenção das estruturas as quais o habitus
se relaciona. Nesse sentido, o habitus representado pelas práticas
editoriais de Massao Ohno,
que se posicionou como editor independente ao longo de sua travessia justamente
buscando outras formas de publicação e circulação de seus produtos, evitando as
fórmulas de produção e distribuição em massa impostas pelo mercado,
proporcionou o incremento do campo literário no qual se desenvolveu.
Outro
conceito importante ligado às ideias de campo e de habitus é o de
capital simbólico. De acordo com Bourdieu, o capital simbólico[2] não seria
[…] outra coisa senão o capital, qualquer que
seja a sua espécie, quando percebido por um agente dotado de categorias de
percepção resultantes da incorporação da
estrutura da sua distribuição, quer dizer, quando conhecido e reconhecido como
algo de óbvio. (BOURDIEU, 1996, p. 101).
Pode ser
dito, tomando-se as palavras de Bourdieu como guia, que Massao
Ohno foi exatamente um desses agentes cultivadores do
capital simbólico, pois percebeu haver uma demanda de algo óbvio a ser
explorado no contexto de então: a publicação de obras literárias de autores
iniciantes na cidade de São Paulo no início da década 1960. Em entrevista para
o livro Os dentes da memória, Ohno comentando
esse momento inicial de sua editora, corrobora a proposição:
Evidentemente, se esses autores não eram
conhecidos, tampouco consagrados, não poderiam ter um público leitor muito
grande. Então, as tiragens eram mínimas. Algo como quinhentos ou mil
exemplares. Dois mil numa exceção. A única maneira de esses livros terem saída
era propagar essa ideia de renovação junto às escolas e núcleos estudantis com
jovens que pudessem aceitar esses autores como parte de sua geração, gente que
ainda estava no colégio ou prestes a ingressar nas faculdades. (OHNO apud
D’ELIA, HUNGRIA, 2011, pp. 18-19).
Sob tal
perspectiva, pode ser concluído que a estratégia de atuação, o habitus
empreendido pelo editor Massao Ohno
– que deu guarida ao trabalho de jovens nomes que se iniciavam na cena
literária de São Paulo no início da década de 1960 até praticamente o ano de
seu falecimento, em 2010 – possibilitou a inserção desses novos autores
no campo artístico/literário ao longo desse período. A injeção de capital
simbólico, proveniente da publicação do trabalho desses autores pelas mãos de Ohno, acabou por proporcionar incremento significativo do
campo literário brasileiro nessas últimas cinco décadas.
Nos
conceitos até o momento apresentados, subjaz a ideia de que atividade
literária, fomentada pela edição de obras do gênero, seria algo de caráter
coletivo, práxis constituída a partir de uma trama, de uma rede, na qual as
figuras do editor, do autor e do público estão inequivocamente interligadas.
Outro estudioso que se dedicou a investigar as relações entre a literatura e
seu contexto de existência e atuação foi o professor e pesquisador brasileiro Antonio Candido. A pesquisadora Susani
Silveira Lemos França, em trecho do posfácio para uma das edições da obra de
Candido intitulada Literatura e sociedade (2000) resume algumas das
proposições do autor sobre o tema:
Candido explica que, do ponto de vista sociológico,
a arte ou a arte literária, por ser um sistema simbólico de comunicação
inter-humana, subentende a articulação permanente entre esses três elementos,
que mutuamente conferem sentido uns aos outros, ajudando a compreender, se não
a essência da arte, ao menos a formação e o destino das obras. […] A
partir da referida tríade, autor-obra-público, ele busca apontar as condições
da produção literária no país [...] (FRANÇA apud CANDIDO, 2000, pp.
179-180).
Destaca-se
no excerto apresentado a questão da articulação existente entre alguns
elementos, o autor, a obra e o público, que são exatamente os constructos
constituintes do campo literário. Nesse sentido, essa multiplicidade de vozes,
essa pluralidade de agentes, uma vez mais, pode ser considerada como linha de
força bastante importante para a manutenção do campo. É o próprio Antonio Candido que continua a deslindar algo sobre as
relações entre autores, obra e seu público.
As relações entre o artista e o grupo se pautam por
esta circunstância e podem ser esquematizadas do seguinte modo: em primeiro
lugar, há a necessidade de um agente individual que tome a si a tarefa de criar
ou apresentar a obra; em segundo lugar, ele é ou não reconhecido como criador
ou intérprete pela sociedade, e o destino da obra está ligado a esta
circunstância; em terceiro lugar, ele utiliza a obra, assim marcada pela
sociedade, como veículo das suas aspirações individuais mais profundas.
(CANDIDO, 2000, p. 23).
Sob a perspectiva
de Candido, esse agente individual, criador de uma obra que lhe proporciona
reconhecimento no campo em que atua, isto é capital simbólico – aqui
entendido no sentido proposto por Bourdieu – seria o autor. Outro
elemento de destaque nessa tríade, segundo o pesquisador brasileiro, seria a
obra. Para o autor do seminal Formação da literatura brasileira,
A obra, por sua vez, vincula o autor ao público,
pois o interesse deste é inicialmente por ela, só se estendendo à personalidade
que a produziu depois de estabelecido aquele contato indispensável. Assim, à
série autor-público-obra, junta-se outra: autor-obra-público. Mas o autor, do
seu lado, é intermediário entre a obra, que criou, e o público, a que se
dirige; é o agente que desencadeia o processo, definindo uma terceira série
interativa: obra-autor-público. (CANDIDO, 2000, pp. 33-34).
Conforme as
palavras de Candido, a obra teria essa propriedade de amalgamar o autor e esse
terceiro elemento, o público. Ou seja, a obra, sob esse ponto de vista, seria o
elemento catalisador, no campo literário, dos anseios do autor e também de seu
público. No caso da atuação da Editora Massao Ohno, às três categorias elencadas por Candido, acrescento
uma quarta, a do editor, que sob a perspectiva oferecida nesta pesquisa, pode
ser visto também como um autor, logo, também um catalisador, um fomentador
central do campo literário. As relações advindas entre o editor paulista, os
autores, as obras e o público permite vislumbrar tal proposição.
Para Antonio Candido,
A literatura é pois um sistema vivo de obras,
agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que
estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é produto
fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo e homogêneo,
registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o
outro, e aos quais se junta o autor,
termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a
realidade da literatura atuando no tempo. (CANDIDO, 2000, p. 68).
Se para
Candido a literatura é um sistema vivo, Massao Ohno foi, sem sombra de dúvidas, um de seus agentes mais
ativos no sentido de alimentar tal vivacidade. Valendo-se de estratégias como o
foco na divulgação de novos autores e o estabelecimento de parcerias com outros
editores, conseguiu trazer ao campo literário, ainda que muitas vezes à margem
do grande mercado editorial, publicações nas quais podem ser percebidos o apuro
e o cuidado investidos para a materialização de tais constructos livrescos.
Nesse sentido, a trajetória de sua Editora, orientada fortemente por um modus
operandi característico das editoras independentes, ainda que com suas
devidas contradições e idiossincrasias, contribuiu para trazer à luz um sistema
vivo de obras que, agindo umas sobre as outras, em circunvoluções surgidas
entre editor, autores e leitores, contribuiu de forma marcante para o
incremento do campo literário brasileiro.
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[1] Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas relações objetivas com outras posições (dominação, subordinação, homologia etc.). (BOURDIEU apud BONNEWITZ, 2005, p. 60).
[2] A pesquisadora Pascale Casanova, na obra A República Mundial das Letras (2002) também propôs algumas reflexões sobre a noção de capital cultural. Porém ela definiu sua visão sobre a composição desse tipo de constructo a partir das observações tecidas pelo poeta francês Paul Valéry sobre o assunto: “Do que é composto esse capital, Cultura ou Civilização?”, insiste Valéry. “Antes de tudo, é constituído de coisas, de objetos materiais – livros, quadros, instrumentos etc., que têm sua duração provável, sua fragilidade, sua precariedade de coisas”. No caso preciso da literatura, esses “objetos materiais” são, em primeiro lugar, os textos classificados, registrados e declarados nacionais, os textos literários reconvertidos em história nacional.” (CASANOVA, 2002, p. 29).