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Universidade Federal de Santa Maria

Geografia Ensino e Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e88265, 2025

DOI: 10.5902/223649948xxxx

ISSN 2236-4994

Submissão: 16/02/2024 Aprovação: 31/05/2025 Publicação: 15/05/2025

1 INTRODUÇÃO.. 3

2 FAIXA DE FRONTEIRA E CIDADES GÊMEAS. 5

3 CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA DAS CIDADES GÊMEAS. 10

4 AS CIDADES GÊMEAS DO ARCO SUL DO BRASIL. 14

5 NOTAS ACERCA DA INTEGRAÇÃO ENTRE ESTADOS NO ARCO SUL. 23

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 27

AGRADECIMENTOS. 28

REFERÊNCIAS. 28

 

Produção do Espaço e Dinâmica Regional

Cidades gêmeas brasileiras: espaços contraditórios de integração

Brazilian twin cities: contradictory spaces of integration

 

Ciudades gemelas brasileñas: espacios contradictorios de integración

Darlan FabianeI Ícone

Descrição gerada automaticamente

Juçara SpinelliII Ícone

Descrição gerada automaticamente 

 

IUniversidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, PR, Brasil

IIUniversidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, PR, Brasil

 

RESUMO

O presente artigo discute a faixa de fronteira terrestre do Brasil e as respectivas cidades gêmeas nacionais, fazendo uma contextualização do tema e apresentando dados e informações socioeconômicas das cidades gêmeas brasileiras. Como objetivos específicos, busca focalizar a análise para a porção sul do Brasil, região que concentra quase metade das cidades gêmeas do território brasileiro. A metodologia do trabalho envolveu referenciais bibliográficos descritivos e analíticos, coleta de informações e dados qualitativos e quantitativos de fontes secundárias oficiais e de Portarias Ministeriais do Brasil, bem como, sistematização e representação gráfica. Os resultados apontam para a necessidade de uma maior integração de esforços entre os poderes públicos, no âmbito municipal, estadual e federal do Brasil e, também, no âmbito internacional, entre o Brasil e os países vizinhos, no intuito de mitigar os problemas que são característicos da fronteira e favorecer o desenvolvimento econômico e a integração das cidades gêmeas

Palavras-chave: Fronteira; Desenvolvimento; Integração

ABSTRACT

This article discusses the land border strip of Brazil and its twin cities, contextualizing the topic and presenting socioeconomic data and information on Brazilian twin cities. As specific objectives, it seeks to focus the analysis on the southern portion of Brazil, a region that concentrates almost half of the twin cities in the Brazilian territory. The work methodology involved descriptive and analytical bibliographic references, collection of information and qualitative and quantitative data from official secondary sources and Brazilian Ministerial Ordinances, as well as systematization and graphic representation. The results point to the need for greater integration of efforts between public authorities at the municipal, state, and federal levels in Brazil and also at the international level between Brazil and neighboring countries in order to mitigate the problems that are characteristic of the border and favor the economic development and integration of the twin cities.

Keywords: Border; Development; Integration

RESUMEN

Este artículo analiza la franja fronteriza terrestre de Brasil y sus respectivas ciudades gemelas nacionales, contextualizando el tema y presentando datos e informaciones socioeconómicas sobre las ciudades gemelas brasileñas. Como objetivos específicos, se busca centrar el análisis en la región sur de Brasil, región que concentra casi la mitad de las ciudades gemelas del territorio brasileño. La metodología de trabajo involucró referencias bibliográficas descriptivas y analíticas, recolección de informaciones y datos cualitativos y cuantitativos de fuentes secundarias oficiales y Ordenanzas Ministeriales brasileñas, además de sistematización y representación gráfica. Los resultados apuntan a la necesidad de una mayor integración de esfuerzos entre las autoridades públicas, a nivel municipal, estatal y federal en Brasil, y también a nivel internacional, entre Brasil y los países vecinos, para mitigar los problemas característicos de la frontera y favorecer el desarrollo económico y la integración de las ciudades hermanadas.

Palabras-clave: Frontera; Desarrollo; Integración

 

1 INTRODUÇÃO

Ao debater o tema da integração socioespacial, importa destacar que os estudos sobre as cidades gêmeas de fronteiras teriam suas interpretações de forma mais aprofundada se não ficassem restritos aos espaços isolados, mas sim, enfocassem as articulações entre as escalas locais e regionais que as envolvem. Reconhecemos, contudo, que esse exercício sofre limitações, dadas as dificuldades de se encontrar fontes de dados com metodologias compatíveis de coleta, sistematização, periodicidade e foco analítico-interpretativo que permita análises integradas. Essa é uma das primeiras rupturas e dificuldades na integração da pesquisa: a falta de informações parametrizadas com as mesmas metodologias e a descontinuidade das temporalidades das informações.

Nesse contexto, o presente artigo se justifica por compor um exercício analítico, um primeiro ensaio mirando a faixa de fronteira brasileira, focalizando a análise para a porção sul do Brasil, pois ela concentra quase metade das cidades gêmeas nacionais. Dentre as 33 cidades gêmeas, a região sul do Brasil concentra 16 destas cidades, sendo elas os principais pontos de ligação do sul do Brasil com os departamentos de Rocha, Cerro Largo, Rivera e Artigas, no Uruguai; com as províncias de Misiones e Corrientes, na Argentina; e com os departamentos de Alto Paraná e Canindeyú, no Paraguai.

Em termos metodológicos, o texto apresenta caráter bibliográfico, descritivo e analítico-interpretativo. Teve por base, além de referenciais teóricos, a coleta, a sistematização e a representação gráfica e cartográfica de dados de fontes secundárias, como indicadores socioeconômicos e populacionais extraídos de publicações e “sites” de órgãos oficiais do Brasil.

Assim, o estudo buscou, como objetivo geral, discutir a faixa de fronteira do Brasil e as respectivas cidades gêmeas situadas no território brasileiro, apresentando dados e informações socioeconômicas, com ênfase na porção sul do Brasil. Como objetivos específicos, tratou de: a) contextualizar sobre faixa de fronteira e cidades gêmeas; b) identificar e caracterizar as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira terrestre do Brasil; c) analisar indicadores socioeconômicos e dados populacionais das cidades gêmeas do lado brasileiro na porção Sul do Brasil e d) debater sobre integração entre Estados-Nação.

Em termos estruturantes, o presente artigo foi organizado em quatro partes, além desta introdução e das considerações finais. A primeira parte apresenta abordagens teóricas gerais sobre faixa de fronteira e as cidades gêmeas. A segunda trata da identificação e caracterização das cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira terrestre do Brasil. A terceira traz a análise de indicadores socioeconômicos e populacionais das cidades gêmeas do lado brasileiro no Sul do Brasil e a quarta parte apresenta as notas interpretativas acerca da integração entre Estados-Nação, desafios e limitações.

2 faixa de fronteira e cidades gêmeas

A faixa de fronteira delimita uma porção do território que é de atenção das interfaces entre as nações. Uma fronteira é, ao mesmo tempo, um espaço de integração e um espaço de divisão. De acordo com Bento (2015, p. 40), a fronteira constitui um espaço de divisão quando envolve “afirmação de identidade e defesa de ameaças provindas de territórios vizinhos” e um espaço de integração quando está relacionada com “a integração entre as populações lindeiras de Estados territorialmente vizinhos”.

As cidades gêmeas são definidas por Ferrari (2011, p. 136) como “pares ou trios de cidades instituídas na confluência do limite entre dois ou mais países e que se caracterizam por interações transfronteiriças.” Sob o ponto de vista geográfico, Ferrari (2020) considera como gêmeas apenas as cidades originadas de um único povoamento que foi separado em duas ou três partes quando da delimitação da linha de fronteira entre os países. Por esse entendimento, as cidades que não surgiram de um único povoamento seriam cidades pares e não cidades gêmeas e mesmo que estas cidades pares venham a formar uma conurbação não poderiam ser chamadas de cidades gêmeas (Ferrari, 2020).

 

As cidades pares podem, com o passar do tempo, apresentar junção das malhas urbanas formando, de algum modo, uma conurbação; mesmo diante de tal fenômeno, não podem ser confundidas com cidades gêmeas, pois não resultam de um processo de duplicação/divisão de uma única entidade socioespacial. (Ferrari, 2020, p. 615).

 

Tendo ciência das divergências entre o entendimento geográfico e o entendimento da legislação brasileira sobre a definição de cidade gêmea, cabe lembrar que este texto apresenta e discute as cidades gêmeas brasileiras definidas sob o ponto de vista dos legisladores.

Atualmente, a faixa de fronteira do Brasil possui 150 km de largura e atinge 588 municípios dentre os quais estão as 33 cidades gêmeas nacionais. De acordo com a portaria 2.507/2021, as cidades gêmeas são municípios localizados na fronteira com país vizinho, apresentando integração cultural e econômica, população não inferior a 2.000 habitantes e problemas comuns de fronteira (Brasil, 2021).

Como destacaram Machado (2005) e Barros (2018), as cidades gêmeas são identificadas nos contextos de municípios delimitados pela linha de fronteira. Essa linha pode ser definida entre terras contínuas (fronteira seca) ou com a presença de um rio (fronteira fluvial). A integração efetiva dos territórios, embora ocorra por meio de processos de integração espontânea, pode ser dinamicamente estimulada pelos Estados-Nação por obras de infraestrutura ou redes de serviços, como as estruturas viárias e ferroviárias, interligando os territórios por pontes e balsas. Ainda assim, as cidades gêmeas que não dispõem desses estímulos, criam formas de integração, quer econômica, quer cultural ou identitária. De modo geral, as cidades gêmeas apresentam grande potencial de integração econômica e cultural, contudo, por acordos e convenções, a definição preconiza o conceito de cidades gêmeas, individualmente, àquelas que tenham população superior a dois mil habitantes.

No Brasil, os limites internacionais foram diversas vezes redesenhados, conforme tratados, acordos, interesses políticos e econômicos de cada época. Na legislação brasileira, o termo “faixa de fronteira” surgiu pela primeira vez pela Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, compreendendo uma faixa territorial geograficamente delimitada paralela aos limites territoriais. Perfazia uma extensão de 66 km a partir da linha limítrofe, divisória entre os países (Antunes, 2019).

Tendo em vista a vasta área de fronteira com o Oceano Atlântico, em toda sua porção Leste, a faixa de fronteira foi delimitada apenas no lado Oeste, onde os limites são com outras nações. Assim, tal faixa passou a ser um objeto geopolítico por excelência, compondo uma “área de defesa com a instalação de vilas militares e ocupação pelo homem” perdurando esse propósito desde o período imperial até a chamada Era Vargas (1930-1945), momento em que, dado o contexto das guerras mundiais, houve a necessidade de dar maior atenção sobre as áreas vulneráveis e estratégicas (Antunes, 2019, p. 25).

Após os anos 1990, num cenário de abertura econômica, iniciam-se as interfaces geopolíticas e econômicas, com a formação de blocos e grupos econômicos. Assim, a faixa de fronteira que era vista como elemento de defesa, passa a ter outros papéis, como redes de conexão entre nações, integração econômica, fluxos de comércio entre os países e entre outras regiões do mundo, ou seja, além de faixa de defesa, passa a ser vista como faixa de desenvolvimento e integração (Antunes, 2019).

Nesse contexto, cabe retomar que a largura da faixa de fronteira foi ampliada, para 100 quilômetros (Constituições Federais 1934; 1937; 1946) e, posteriormente até os dias atuais, para 150 quilômetros (Lei 6.634 de 02 de maio de 1979, Decreto 85.064 de 26 de agosto de 1980 e Constituição Federal de 1988, artigo 20, parágrafo 2). Para efeito conceitual, a faixa de fronteira passa a ser, além da questão da defesa, “uma região propícia para a cooperação transfronteiriça e fundamental para afirmar a integração regional no Cone Sul” (Antunes, 2019, p. 28).

No ano de 2005 foi apresentado o documento que demarca a diretriz de reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), buscando articular projeto com planejamento e orientação programática. Com essa reestruturação, do ponto de vista das relações internacionais, as diretrizes passam a ser em favor de “uma concepção que privilegia a região como um espaço pleno de oportunidades de desenvolvimento, de união com os nossos vizinhos e de valorização da cidadania” (Brasil, 2005, p. 7).

O estudo apresentado no novo PDFF visa ainda compreender as transformações socioterritoriais que ocorreram no território da faixa de fronteira, contemplando os aspectos antecedentes e posteriores ao processo de abertura econômica. Busca também destacar as dinâmicas dos fluxos de comércio e de cooperação nos municípios fronteiriços, bem como, relações de comércio internacional. Para além de compreender o conceito de faixa de fronteira, surgem também os Arcos Fronteiriços. Para tal, o então Ministério de Integração Nacional adotou o critério de ordenamento territorial baseado em três zonas geográficas para o PDFF: o Arco Fronteiriço Norte, formado pelos estados do Amazonas, Pará, Amapá, Roraima e Acre; o Arco Fronteiriço Central, formado por Mato Grosso, Rondônia e Mato Grosso do Sul e o Arco Fronteiriço Sul, formado por Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Brasil, 2005).

De modo geral, os primeiros tratados entre portugueses e espanhóis estavam mais focados na ideia da divisão das terras, mas na atualidade, tem ganhado força a noção de fronteira como espaço de integração regional. No ano de 2014, através da portaria 123/2014, foram definidas 29 cidades gêmeas nacionais como principais espaços de integração com os países vizinhos (Brasil, 2014). A portaria de 2014 teve sua última atualização no ano de 2021 quando o número de cidades foi aumentado para 33 (Figura 1).

Figura 1 – Brasil: Cidades Gêmeas Nacionais e Faixa de Fronteira

Fonte: Base Cartográfica IBGE (2021). Elaborado pelos autores (2024).

Recentemente, no ano de 2022, um Projeto de Lei de autoria do senador Lasier Martins, propondo alteração da Lei 6.634/1979 e divisão da faixa de fronteira em duas subfaixas, foi apresentado ao Senado Federal. De acordo com o projeto, a faixa de fronteira seria dividida em subfaixa restrita e subfaixa plena, com largura variável dependendo do arco em que estaria localizada. O Projeto de Lei 1455/2022 propunha a restrição de atividades econômicas na subfaixa restrita, sendo esta subfaixa de 15 km no Arco Sul, 30 km no Arco Central e 100 km no Arco Norte. Lasier Martins encerrou seu mandato de senador no ano de 2022 e o projeto está aguardando designação de relator na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Brasil, 2022).

Desse modo, as cidades gêmeas carregam a prerrogativa da integração regional, mas, também, são espaços contraditórios, com problemas socioeconômicos e infraestruturais de difícil solução. Tais problemáticas serão abordadas no decorrer do texto, tecendo uma breve caracterização acerca das 33 cidades gêmeas e uma análise mais acurada tomando como recorte a Região Sul do Brasil, especialmente no que concerne aos dados populacionais e aos indicadores de Produto Interno Bruto (PIB) e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).

3 CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA DAS CIDADES GÊMEAS

Em linhas gerais, as 33 cidades gêmeas definidas pela portaria 2.507/2021, caracterizam-se pela baixa expressividade das atividades econômicas em nível de Brasil. Os dados de 2019, encontrados na página eletrônica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que na Região Norte do país nenhum dos municípios (cidades gêmeas) apresenta Produto Interno Bruto (PIB) anual superior a um bilhão de reais. Com PIB superior a um bilhão, são apenas 3 cidades na Região Centro-Oeste e 5 cidades na Região Sul do Brasil.

Dentre as 33 cidades gêmeas, os maiores valores de PIB 2019 se encontram em Foz do Iguaçu/PR, Ponta Porã/MS, Uruguaiana/RS, Corumbá/MT, Sant'Ana do Livramento/RS, São Borja/RS, Cáceres/MT e Itaqui/RS. No ano de 2020, além das 8 cidades citadas, a cidade de Guaíra/PR também supera um bilhão de reais em seu PIB. Já no ano de 2021, o total de cidades gêmeas com mais de um bilhão de reais em seu PIB passa para 11 cidades, aparecendo uma cidade da Região Norte do Brasil (Figura 2).

Figura 2 – Cidades gêmeas brasileiras: maiores valores de PIB (2019-2021)

Fonte: IBGE (2024). Elaborado pelos autores (2024).

Dentre todas as cidades gêmeas, Foz do Iguaçu ocupa lugar de destaque. Seu PIB e seu IDHM[1] são visivelmente maiores que os das outras cidades. No ano de 2019, Foz do Iguaçu apresentou um PIB superior a 15 bilhões de reais, enquanto todas as outras cidades gêmeas ficaram abaixo de 3,5 bilhões. O PIB Per Capita superou os R$ 60.000,00, enquanto a média de todas as cidades brasileiras mal passou de R$ 35.000,00.

As cidades gêmeas nacionais com menor valor absoluto de PIB foram Porto Mauá/RS e Santa Rosa do Purus/AC, sendo que esta última também apresentou um dos menores valores de PIB Per Capita, ficando acima apenas de Tabatinga/AM. Os valores de PIB Per Capita das cidades gêmeas, no ano de 2019, estão representados na figura 3. Tais cidades estão distribuídas na linha de fronteira terrestre, sendo 9 cidades na Região Norte, 8 cidades na Região Centro-Oeste e 16 cidades gêmeas na Região Sul (Arco Sul)[2].

Figura 3 – PIB Per Capita das 33 cidades gêmeas nacionais (2019)

Fonte: IBGE (2024). Elaborado pelos autores (2024).

No PIB Per Capita de 2021, as duas últimas posições não se alteram em relação a 2019, mas nas primeiras posições ocorre mudança: Foz do Iguaçu fica atrás de Aceguá e Barra do Quaraí. Em 2021, as cinco cidades gêmeas com os maiores valores de PIB Per Capita são Aceguá, Barra do Quaraí, Foz do Iguaçu, Itaqui e Chuí, sendo as três primeiras com valores acima de R$ 70.000 (IBGE, 2024).

Os valores de IDHM, encontrados no “site” do IBGE, mostram que os extremos são ocupados por Foz do Iguaçu/PR (IDHM=0,751) e Santa Rosa do Purus/AC (IDHM=0,517). Tais valores, representados na figura 4, demonstram a desigualdade entre esses espaços fronteiriços, uma vez que existem cidades gêmeas com alto índice de desenvolvimento, mas também existem cidades com IDHM médio e com IDHM baixo.

Figura 4 – IDHM das 33 cidades gêmeas nacionais (2010)

Fonte: IBGE (2022). Elaborado pelos autores (2022).

A média dos valores de IDHM (2010) das 33 cidades é 0,675 e a média dos valores de PIB Per Capita (2019) é R$ 26.238,21, sendo que ao voltarmos o olhar para a Região Sul do país, também chamada de Arco Sul, no extremo superior continua a cidade de Foz do Iguaçu/PR e no extremo inferior encontram-se: Porto Mauá/RS com o menor valor do PIB (2019), Porto Xavier/RS com o menor PIB Per Capita (2019) e Barra do Quaraí/RS com o menor valor do IDHM (2010).

Pelo que foi exposto, representado nas figuras 3 e 4, percebe-se a discrepância entre os dados das 33 cidades gêmeas brasileiras, fato que põe em alerta a necessidade de outros olhares sobre a integração nacional e internacional. De modo específico, apontaremos alguns desses elementos no foco analítico sobre as cidades gêmeas do Arco Sul, apresentadas a seguir.

4 As cidades gêmeas do ARCO sul do Brasil

Na Região Sul do Brasil, o estado do Paraná (PR) possui quatro cidades gêmeas, o estado de Santa Catarina (SC) possui uma e o estado do Rio Grande do Sul (RS) possui 11 cidades. O RS concentra a maioria das cidades do Arco Sul e, também, apresenta as cidades cujos municípios têm maior área territorial. Estes municípios de área maior estão localizados na porção sudoeste da Região Sul (Figura 5).

Figura 5 – Cidades gêmeas da Região Sul do Brasil

Fonte: Base Cartográfica IBGE (2021). Elaborado pelos autores (2022).

Quando se desconsidera Foz do Iguaçu, o RS apresenta os dois extremos de PIB Per Capita (2019) e IDHM (2010) da Região Sul do Brasil. Os valores de IDHM são altos para a maioria das cidades da Região Sul (Arco Sul), sendo apenas quatro cidades gêmeas com IDHM médio. O PIB Per Capita das cidades gêmeas no ano de 2019 foi apresentado na figura 3 e os percentuais de participação dos setores de agropecuária, indústria e serviços na formação do PIB das cidades gêmeas do sul do Brasil está representado na figura 6.

 

Figura 6 – Formação do PIB das cidades gêmeas do Arco Sul

Fonte: IBGE (2024). Elaborado pelos autores (2024).

Analisando os dados da economia das cidades gêmeas do Arco Sul (Figura 6) verifica-se nos municípios gaúchos de Aceguá, Barra do Quaraí e Porto Mauá os maiores valores percentuais de participação do setor agropecuário, sendo que nos dois primeiros a agropecuária é o setor de maior destaque. No setor industrial destacam-se Foz do Iguaçu, Chuí e Sant’ana do Livramento, onde em Foz do Iguaçu este setor corresponde a mais de 50% do total de valor adicionado ao PIB pelos 3 setores. Das 16 cidades gêmeas nacionais, os municípios de Barracão, Guaíra, Dionísio Cerqueira, Porto Xavier, Quaraí e Uruguaiana possuem no setor de serviços mais de 70% de seu PIB.

Dados mais recentes, comparando os anos de 2019 e 2020, mostram que houve retração da atividade industrial, no ano de 2020, em três cidades do RS: Chuí, Porto Mauá e Sant’ana do Livramento. No ano de 2021, o VAB da indústria aumentou em relação a 2020 nas três cidades, mas só chegou ao patamar de 2019 em Porto Mauá; no Chuí e em Sant’ana do Livramento, o VAB da indústria cresceu em relação a 2020, mas não chegou ao patamar de 2019.

No setor de serviços, dentre as 16 cidades do Arco Sul, a comparação de 2019 com 2020 mostra nove cidades com retração do VAB, ou seja, no ano de 2020 só não houve redução do VAB em Aceguá, Barra do Quaraí, Dionísio Cerqueira, Guaíra, Itaqui, Porto Mauá e Quaraí. Já no ano de 2021, o VAB dos serviços só não superou o ano de 2019 em duas das cidades: Foz do Iguaçu e Barracão.

No setor de agropecuária, do ano de 2019 para o ano de 2020, o VAB aumentou em todas as cidades e só não cresceu na comparação 2020 para 2021 na cidade de Guaíra. Nesta cidade o VAB de 2021 foi superior ao ano de 2019, mas inferior ao ano de 2020.

No somatório dos três setores considerados, as cidades do Chuí, Sant’ana do Livramento e Uruguaiana tiveram redução do VAB no ano 2020, quando comparado com o VAB de 2019, sendo que ao se comparar os valores de 2019 com os valores de 2021, a redução ocorreu apenas na cidade do Chuí. Na comparação de 2019 com 2021, as cidades com os maiores aumentos foram, respectivamente, Guaíra, Barra do Quaraí e Aceguá (Tabela 1).

Observe-se que ao dividir os valores de 2021 pelos valores de 2019, se obtém, respectivamente, quocientes próximos de 3,0, 2,3 e 1,8 para Guaíra, Barra do Quaraí e Aceguá e fazendo o mesmo exercício para o Chuí se obtém um quociente inferior a 1,0. (Tabela 1). Olhando para os setores de agropecuária, indústria e serviços: Guaíra teve aumentos de 100%, 3% e 240%; Barra do Quaraí aumentou 212%, 53% e 36%; Aceguá teve acréscimo de 132%, 60% e 31%.

Tabela 1 – VAB das cidades gêmeas do Arco Sul (2019, 2020 e 2021).

Cidade Gêmea

VAB 2019 (R$)

VAB 2020 (R$)

VAB 2021 (R$)

2021/2019

Aceguá/RS

238.827.130

247.954.390

434.261.320

1,82

Barra do Quaraí/RS

163.078.330

185.810.280

372.159.010

2,28

Barracão/PR

233.380.410

240.814.790

238.782.850

1,02

Chuí/RS

346.362.290

269.404.580

325.967.610

0,94

Dionísio Cerqueira/SC

358.246.020

409.598.100

521.253.770

1,46

Foz do Iguaçu/PR

14.970.076.280

17.121.233.220

18.021.338.370

1,20

Guaíra/PR

881.432.860

1.039.603.910

2.616.413.060

2,97

Itaqui/RS

1.269.643.430

1.424.283.460

1.998.657.060

1,57

Jaguarão/RS

663.944.560

700.096.800

996.879.340

1,50

Porto Mauá/RS

62.278.140

64.907.120

84.686.250

1,36

Porto Xavier/RS

172.621.620

174.975.590

194.074.770

1,12

Quaraí/RS

447.194.640

469.520.820

584.889.500

1,31

Sant’ana do Livramento/RS

2.476.466.740

2.162.720.800

2.625.936.440

1,06

Santo Antônio do Sudoeste/PR

464.606.690

542.918.990

601.619.400

1,29

São Borja/RS

1.776.743.070

1.840.298.240

2.349.535.920

1,32

Uruguaiana/RS

2.667.923.180

2.609.560.840

3.416.609.510

1,28

Fonte: IBGE (2024). Elaborado pelos autores (2024).

O aumento do VAB fez com que Aceguá e Barra do Quaraí apresentassem PIB Per Capita acima de R$ 90.000,00, superando a cidade de Foz do Iguaçu que ficou com PIB Per Capita pouco acima de R$ 73.000,00 no ano de 2021. No ano de 2021, essas foram as três cidades com maior PIB Per Capita dentre todas as 33 cidades gêmeas nacionais.

Do ano de 2019 para o ano de 2021, o que se observa é que as cidades gêmeas do Arco Sul tiveram aumento da participação percentual do setor agropecuário na formação do PIB. Este aumento só não ocorreu na cidade de Guaíra. O setor industrial aumentou sua participação em duas cidades do estado do Paraná (Foz do Iguaçu e Santo Antônio do Sudoeste) e o setor de serviços se tornou mais relevante no Chuí e em Guaíra (Tabela 2).

Tabela 2 – Cidades Gêmeas do Arco Sul: composição percentual do VAB (2019 e 2021)

Cidade Gêmea

Agropecuária (%)

Indústria (%)

Serviços (%)

2019

2021

2019

2021

2019

2021

Aceguá/RS

48,5

62,0

5,4

4,7

46,1

33,2

Barra do Quaraí/RS

51,8

70,8

5,7

3,8

42,5

25,4

Barracão/PR

12,1

23,7

8,9

8,3

79,1

68,0

Chuí/RS

5,8

13,1

33,2

17,4

61,0

69,5

Dionísio Cerqueira/SC

16,7

19,2

5,1

4,5

78,1

76,3

Foz do Iguaçu/PR

0,3

0,7

55,3

63,8

44,4

35,5

Guaíra/PR

13,1

8,8

10,4

3,6

76,5

87,6

Itaqui/RS

26,1

45,8

17,6

14,8

56,3

39,4

Jaguarão/RS

26,0

47,7

5,3

4,2

68,7

48,0

Porto Mauá/RS

41,8

52,0

3,1

2,3

55,0

45,7

Porto Xavier/RS

13,1

19,4

5,3

4,7

81,6

75,9

Quaraí/RS

21,6

34,5

5,2

4,3

73,2

61,2

Sant'ana do Livramento/RS

10,2

24,4

29,8

17,3

60,0

58,3

Santo Antônio do Sudoeste/PR

26,8

32,0

11,3

18,3

61,9

49,6

São Borja/RS

17,8

33,9

13,8

11,7

68,4

54,5

Uruguaiana/RS

14,0

27,1

9,6

9,1

76,4

63,8

Fonte: IBGE (2024). Elaborado pelos autores (2024).

Para o ano de 2021, se cruzou os valores percentuais de participação dos setores de agropecuária, indústria e serviços na geração de empregos formais com os dados de participação dos mesmos três setores na geração de VAB. Desta comparação se observou que o setor de serviços foi o que teve maior participação na geração de empregos formais, tendo mais de 98% de participação no Chuí.

Nos setores de agropecuária e indústria, as maiores participações em geração de empregos formais ocorreram, respectivamente, em Aceguá e em Santo Antônio do Sudoeste. No ano de 2021, Aceguá teve quase 34% dos empregos gerados pela agropecuária e Santo Antônio do Sudoeste teve mais de 34% dos empregos formais gerados pela indústria.

Para a cidade de Foz do Iguaçu se observou que a indústria teve grande participação na formação do VAB, e consequentemente do PIB, mas teve pequena participação na geração de empregos formais. Nesta cidade, a indústria gerou quase 64% do VAB do ano de 2021 e menos de 6% dos empregos formais deste mesmo ano.

As maiores diferenças percentuais entre geração de empregos formais e VAB ocorreram em: Porto Mauá e Barra do Quaraí, no setor agropecuário; Foz do Iguaçu, Chuí e Santo Antônio do Sudoeste, no setor industrial; Foz do Iguaçu, Porto Mauá e Barra do Quaraí, no setor de serviços. Esses e outros detalhes podem ser observados na figura 7.

Figura 7 – Cidades Gêmeas do Arco Sul: VAB e empregos formais (2021)

Fonte: IBGE (2024) e RAIS (2021). Elaborado pelos autores (2024).

Um olhar sobre os dados relativos aos censos demográficos de 1991, 2000, 2010 e 2022 (Tabela 3) aponta que a dinâmica populacional das cidades gêmeas do Arco Sul é variada. No Paraná as cidades tiveram diminuição e posterior aumento da população, excetuando-se Foz do Iguaçu, e em Santa Catarina a cidade de Dionísio Cerqueira manteve um pequeno aumento de população durante o período considerado (1991-2022).

No Rio Grande do Sul, dentre as quatro cidades emancipadas após o Censo Demográfico de 1991: duas mostraram aumento sequencial de população e as outras duas mostraram redução sequencial de população. A cidade de Itaqui esteve reduzindo seu contingente populacional durante o período 1991-2022. Jaguarão, Porto Xavier, Quaraí, Sant’ana do Livramento, São Borja e Uruguaiana tiveram incremento populacional na década de 1990, mas perderam população na década de 2000 e de 2010 para 2022 apenas Quaraí e Sant’ana do Livramento tiveram um pequeno crescimento populacional. A cidade de Aceguá é a de emancipação mais recente e foi recenseada apenas duas vezes, tendo reduzido sua população do censo de 2010 para o censo de 2022.

Tabela 3 – População das cidades gêmeas do Arco Sul (1991, 2000, 2010, 2022)

Município

População (1991)

População (2000)

População (2010)

População (2022)

Dinâmica

Aceguá/RS*

 

 

4.394

4.170

-

Barra do Quaraí/RS**

 

3.884

4.012

4.241

+

Barracão/PR

14.692

9.271

9.735

9.759

-/+/+

Chuí/RS**

 

5.167

5.917

6.262

+

Dionísio Cerqueira/SC

13.720

14.250

14.811

15.008

+

Foz do Iguaçu/PR

190.123

258.543

256.088

285.415

+/-/+

Guaíra/PR

30.000

28.659

30.704

32.097

-/+/+

Itaqui/RS

40.057

39.770

38.159

35.768

-

Jaguarão/RS

27.755

30.093

27.931

26.603

+/-/-

Porto Mauá/RS**

 

2.802

2.542

2.142

-

Porto Xavier/RS

10.934

11.190

10.558

9.938

+/-/-

Quaraí/RS

22.083

24.002

23.021

23.500

+/-/+

Sant’ana do Livramento/RS

80.252

90.849

82.464

84.421

+/-/+

Santo Antônio do Sudoeste/PR

20.290

17.870

18.893

23.673

-/+/+

São Borja/RS

63.783

64.869

61.671

59.676

+/-/-

Uruguaiana/RS

117.456

126.936

125.435

117.210

+/-/-

Fonte: IBGE (1991, 2000, 2010, 2022). Elaborado pelos autores (2024). *Emancipação posterior a 2000. **Emancipação posterior a 1991.

As duas cidades gêmeas de porte médio tiveram crescimento nos anos de 1990 e perderam população nos anos de 2000. Foz do Iguaçu/PR, tríplice fronteira entre Brasil (Foz do Iguaçu/PR), Argentina (Puerto Iguazú) e Paraguai (Ciudad del Este) teve um crescimento mais expressivo de 1991 para 2000, passando de 190.123 habitantes para 258.543 habitantes. Uruguaiana/RS, na fronteira entre Brasil (Uruguaiana/RS) e Argentina (Paso de Los Libres), tinha 117.456 moradores em 1991 e apresentou 126.936 moradores no Censo Demográfico de 2000. Nos dois últimos levantamentos: Uruguaiana apresentou sequência de redução populacional e Foz do Iguaçu teve redução entre 2000 e 2010 e aumento no último período (Tabela 3).

Em resumo, de acordo com a tabela 3, considerando apenas a dinâmica populacional do período 2000 – 2022, percebe-se que no PR e em SC a população das cidades gêmeas está crescendo, com exceção de Foz do Iguaçu; já no RS, o incremento populacional só se verifica em algumas cidades que fazem fronteira com o Uruguai.

No Paraná, a redução da população das cidades de Barracão e de Santo Antônio do Sudoeste na década de 1990 pode ser justificada pelas emancipações de territórios que foram desmembrados destes municípios; no caso de Guaíra, o “site” da Prefeitura Municipal[3] afirma que houve um período de estagnação do crescimento econômico após a perda de arrecadação com o turismo, quando a Hidrelétrica de Itaipú eliminou as Sete Quedas e, atualmente, a cidade de Guaíra tem buscado alternativas para sustentar seu crescimento econômico.

5 Notas acerca da integração entre Estados NO ARCO SUL

Para além das desigualdades socioeconômicas que podem ser identificadas nos dados apresentados acima é preciso considerar que estes espaços fronteiriços também concentram atividades informais que, não raro, são invisíveis aos órgãos oficiais. O trabalho informal é, muitas vezes, a única opção de renda das populações de baixa ou nenhuma qualificação profissional.

Ao tratar das cidades gêmeas[4] do Rio Grande do Sul, Silva e Ugoski (2013) já apontavam a contradição existente nestas áreas:

 

As denominadas cidades gêmeas por serem divididas apenas pela linha de fronteira são a melhor expressão da problemática desta região, pois nelas se concentram tanto a potencialidade da integração econômica e cultural como os efeitos negativos das desigualdades regionais. Geralmente distantes dos centros decisórios são cidades com menor infraestrutura de serviços públicos e opções de mercado de trabalho, concentrando grande número de pessoas sem proteção de direitos trabalhistas que sobrevivem de atividades informais.

Por outro lado, a vizinhança com cidades de outros países, induz a interações intensas, que levam estas cidades a compartilhar um fluxo contínuo de cidadãos, aspectos culturais, conflitos e expectativas em obter por parte do Estado o desenvolvimento de ações que correspondam a esta realidade de cidade gêmea. (Silva e Ugoski, 2013, p. 220).

 

Para Silva e Ugoski (2013), a problemática das cidades gêmeas gaúchas envolve aspectos geográficos, culturais, socioeconômicos e políticos que vão além das fronteiras do RS (e do Brasil) e a solução ou mitigação destes problemas demanda maior cooperação e integração, tanto dentro do território nacional como entre as nações que compartilham estes espaços fronteiriços.

Um dos elementos de entrave à integração, que contribui para a promoção das desigualdades socioeconômicas, se dá, segundo nossa análise dos dados de PIB Per Capita e IDHM, em função da fraca integração na própria rede urbana, interna e externa nesses países vizinhos. Corrêa (2006) lembra que a rede urbana passa a ser o meio através do qual a produção, a circulação e o consumo se realizam efetivamente e articulam distantes regiões por uma crescente rede de comunicações. Sua principal função é a da articulação espacial, deste modo, estabelecendo uma unidade espacial e uma integração, em diferentes graus, com o regional, o nacional e o global.

Corrêa (2006) entende que é via rede urbana que o mundo pode se tornar, simultaneamente, desigual e integrado, isto é, frente a todos os processos atuais que vinculam os fenômenos espaciais a diferentes articulações entre as grandes corporações, os governos legitimadores destes processos é que dão margem para a massiva ação de consumo. Assim, as cidades criam capacidades de conexão e de gestão conforme suas ofertas e disponibilidades de serviços, atividades e comércio, bem como, com suas redes e sistemas de fluxos e de integrações.

Nesse contexto, se pode elencar a necessidade de melhorias nos serviços de saúde, educação e transporte. Os serviços de educação e transporte são, a princípio, os mais problemáticos, uma vez que a qualificação dos trabalhadores, e consequente melhoria nos níveis de renda, passa pela educação e a integração comercial e cultural depende das infraestruturas de transporte como construções de pontes, aduanas e postos de fiscalização (novos e acessíveis), além da qualificação de modais de transportes de cargas e passageiros existentes.

No Arco Sul, o Brasil faz fronteira com três países e tem 18 ligações estruturadas entre cidades gêmeas. Tais ligações se dão por meio de vias de comunicação constituídas por estradas, pontes, balsas e, também, por trechos de via férrea. No que tange à dinamização da articulação transfronteiriça, a infraestrutura de transporte para circulação de pessoas e mercadorias entre as cidades gêmeas ocorre através de linha seca (por meio de estradas com passagens aduaneiras) ou fluvial (por meio de estradas com respectivas pontes ou, na falta dessa infraestrutura, com travessia por balsas), sendo, portanto, diferenciada entre as cidades. Entre Barra do Quaraí (BR) e Monte Caseros (AR) e entre Guaíra (BR) e Salto del Guairá (PY) não existe ligação direta, sendo preciso fazer conexão, respectivamente, com Bella Unión (UY) e com Novo Mundo (BR). (Quadro 1).

Quadro 1 – Infraestrutura de transporte entre as cidades gêmeas

Cidades gêmeas

Ligação país vizinho

Aceguá (BR) - Acegua (UY)

Linha seca

Barra do Quaraí (BR) - Bella Unión (UY)

Ponte (Rio Quaraí)

Barra do Quaraí (BR) - Monte Caseros (AR)

Sem ligação direta*

Barracão (BR) - Bernardo Irigoyen (AR)

Linha seca

Chuí (BR) - Chuy (UY)

Linha seca

Dionísio Cerqueira (BR) - Bernardo Irigoyen (AR)

Linha seca

Foz do Iguaçu (BR) - Ciudad del Este (PY)

Ponte (Rio Paraná)

Foz do Iguaçu (BR) - Puerto Iguazú (AR)

Ponte (Rio Iguaçu)

Guaíra (BR) - Salto del Guairá (PY)

Sem ligação direta**

Itaqui (BR) - Alvear (AR)

Balsa (Rio Uruguai)

Jaguarão (BR) - Rio Branco (UY)

Ponte (Rio Jaguarão)

Porto Mauá (BR) - Alba Posse (AR)

Balsa (Rio Uruguai)

Porto Xavier (BR) - San Javier (AR)

Balsa (Rio Uruguai)

Quaraí (BR) - Artigas (UY)

Ponte (Rio Quaraí)

Sant’ana do Livramento (BR) - Rivera (UY)

Linha seca

Santo Antônio do Sudoeste (BR) - San Antonio (AR)

Ponte (Rio Santo Antônio)

São Borja (BR) - Santo Tomé (AR)

Ponte (Rio Uruguai)

Uruguaiana (BR) - Paso de los Libres (AR)

Ponte (Rio Uruguai)

Fonte: IDESF (2021); Caye e Rukert (2020). Elaborado pelos autores (2024). * Ponte para Bella Unión (UY) e Bella Unión (UY) - Monte Caseros (AR) por balsa. ** Ponte para Novo Mundo (BR) e Novo Mundo (BR) - Salto del Guairá (PY) por linha seca.

Ao observar o quadro 1, constata-se que a fronteira Brasil - Argentina apresenta o maior quantitativo de pontes, promovendo maior integração entre os países do Arco Sul, por via fluvial. Dentre essas infraestruturas de pontes, destacam-se quatro ligações: Uruguaiana (RS/BR) e Paso de Los Libres (AR); São Borja (RS/BR) e São Tomé (AR); Santo Antônio do Sudoeste (PR/BR) e San Antonio (AR); Foz do Iguaçu (PR/BR) e Puerto Iguazú (AR). Por meio de serviços de balsa, destacam-se três: a fronteira entre Itaqui (RS/BR) e Alvear (AR); Porto Mauá (RS/BR) e Alba Posse (AR); e Porto Xavier (RS/BR) e San Javier (AR). Já as fronteiras secas apontam 2 ligações: Barracão (PR/BR) - Bernardo Irigoyen (AR) e Dionísio Cerqueira (SC/BR) - Bernardo Irigoyen (AR). É importante retomar que entre Barra do Quaraí (RS/BR) e Monte Caseros (AR) não há ligação direta, necessitando de outros percursos para ligação entre essas cidades, neste caso, o trajeto, normalmente, consiste em ir de Barra do Quaraí (RS/BR) para Bella Unión (UY) passando pela ponte sobre o rio Quaraí e, então, de Bella Unión (UY) para Monte Caseros (AR) por balsa sobre o rio Uruguai.

Quanto à fronteira Brasil-Uruguai, o Uruguai é a segunda nação de maior integração com o Brasil no Arco Sul. Considerando as ligações por via fluvial, destacam-se a ponte sobre rio Quaraí, entre Barra do Quaraí (RS/BR) e Bella Unión (UY); sobre o rio Jaguarão, entre Jaguarão (RS/BR) e Rio Branco (UY) e, por fim, a ponte sobre o rio Quaraí, entre Quaraí (RS/BR) e Artigas (UY). Por meio de balsa, não há conexões internacionais entre Brasil e Uruguai. A fronteira seca se configura em três cidades-gêmeas: Aceguá (RS/BR) - Acegua (UY); Chuí (RS/BR) - Chuy (UY) e Sant’ana do Livramento (RS/BR) - Rivera (UY).

A fronteira Brasil-Paraguai apresenta integração apenas pela ponte sobre o rio Paraná, entre Foz do Iguaçu (PR/BR) e Ciudad del Este (PY). Entre Guaíra (PR/BR) e Salto del Guairá (PY) não há ligação direta, também necessitando de outros percursos para transpor as fronteiras, ou seja, deslocar de Guaíra (PR/BR) para o município de Mundo Novo (MS/BR) através da ponte sobre o rio Paraná e, então, ir de Mundo Novo (MS/BR) para Salto del Guairá (PY) por linha seca.

Para além do que foi exposto em relação à integração entre as nações, cabe destacar que há pontes em projeção e com obras em execução, fato que facilitará a dinamização da integração. Contudo, outras articulações ainda se fazem necessárias para fortalecer a integração das redes urbanas e o desenvolvimento regional e internacional, a exemplo de acordos transfronteiriços, com legislações específicas de funcionamento interno das respectivas nações, bem como, melhorias nas estações aduaneiras, qualificação de serviços, facilitação de trâmites burocráticos e diplomáticos, ampliação de horários de funcionamento, entre outras limitações que ainda precisam de superação.

6 Considerações Finais

Os dados e indicadores analisados denotam as desigualdades e contradições existentes nas cidades gêmeas nacionais e, mais especificamente, nas cidades contempladas pelo Arco Sul. Entretanto, estes dados ainda deixam a desejar, pois são limitados ao Censo Demográfico de 2010, uma vez que os dados detalhados do Censo de 2022 ainda não foram totalmente disponibilizados. Tais dados, transformados em conteúdos analíticos permitirão o acesso a informações consolidadas, bem como, a proposição de ações mais condizentes com a realidade atual destes espaços fronteiriços.

Um estudo mais abrangente e mais completo sobre as cidades gêmeas demanda a integração de dados nacionais com os dados dos países com os quais o Brasil faz fronteira e, para isso, aponta-se a necessidade de se construir redes de pesquisa, perpassando as fronteiras a fim de fortalecer estudos que possam contribuir com o debate das limitações e potencialidades, apontando caminhos para ações e intervenções futuras.

Fica evidente a necessidade de maior integração política e econômica e de fontes informacionais (dados socioeconômicos e demográficos), bem como o fomento e a formação de redes de investigação a fim de aprofundar o conhecimento científico e tecnológico e, também, contribuir com o planejamento, a gestão e a governança regional e entre os países vizinhos.

Por fim, cabe lembrar que esta pesquisa está sendo colocada como um ensaio, uma tentativa de se construir um debate mais amplo, agregando elementos e contribuições do outro lado da fronteira, a fim de encontrar alternativas para fortalecer a integração e alavancar o desenvolvimento econômico da região fronteiriça.

Agradecimentos

Referências

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BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Ministério da Integração Nacional, Secretaria de Programas Regionais, Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2005.

BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Portaria n. 125, de 21 de março de 2014. Estabelece o conceito de cidades-gêmeas nacionais, os critérios adotados para essa definição e lista todas as cidades brasileiras por estado que se enquadram nesta condição.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Regional. Portaria n. 2.507, de 5 de outubro de 2021. Estabelece o conceito de cidades gêmeas nacionais, os critérios adotados para essa definição e lista todas as cidades brasileiras por estado que se enquadram nesta condição.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n. 1455, de 2022. Altera a Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979, para estabelecer a composição da faixa de fronteira em duas subfaixas, a fim de promover o desenvolvimento dessas áreas. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/153385. Acesso em: 6 jan. 2025.

CAYE, L. A.; RÜCKERT, A. A. Processos de transfronteirização na tríplice fronteira Argentina / Brasil / Uruguai – ARBRUY: atores territoriais e suas ações nas cidades de Monte Caseros (ARG), Barra do Quaraí (BR) e Bella Unión (UY). Boletim Geográfico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 36, p. 30-56, 2020. Disponível em: https://revistas.planejamento.rs.gov.br/index.php/boletim-geografico-rs/article/view/4411. Acesso em: 14 mar. 2024.

CORRÊA, Roberto Lobato. Estudos sobre a Rede Urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

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Agradecimentos

À Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Francisco Beltrão/PR, Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGG, pela concessão de Bolsa de Estudos (CAPES/BRASIL).

À Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus de Erechim/RS, Curso de Geografia e Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGGEO, pela concessão de auxílio à pesquisa (Projetos registrados: PES-2022-0086 e PES-2021-0072).

Contribuições de autoria

1 – Darlan Fabiane

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Mestre em Geografia

https://orcid.org/0000-0002-4606-8663 darlanfabiane@gmail.com

Contribuição: Conceituação, Visualização, Escrita – revisão e edição

2 – Juçara Spinelli

Universidade Federal da Fronteira Sul, Doutora em Geografia

https://orcid.org/0000-0003-1233-1387 juspin43@gmail.com

Contribuição: Conceituação, Visualização, Escrita – revisão e edição

Como citar este artigo

Fabiane, D.; Spinelli, J. Cidades gêmeas nacionais: espaços contraditórios de integração. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e87392, 2025. Disponível em: 10.5902/2236499487392. Acesso em: dia mês abreviado. ano.

 

 



[1] O IDHM é uma adaptação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para medir o grau de desenvolvimento dos municípios brasileiros. O indicador considera as mesmas variáveis do IDH (longevidade, educação e renda), e, também, possui a mesma escala de 5 faixas: muito baixo (0 a 0,499), baixo (0,5 a 0,599), médio (0,6 a 0,699), alto (0,7 a 0,799) e muito alto (0,8 a 1). O IDHM é produzido a partir dos dados levantados nos Censos Demográficos e no momento em que se escreveu este texto, os números de 2022 ainda não haviam sido divulgados.

[2] O Arco Sul é formado pelas fronteiras dos três estados da Região Sul do Brasil. Já os arcos norte e central não correspondem às fronteiras das regiões norte e centro-oeste uma vez que o estado de Rondônia está no Arco Central.

[3] https://www.guaira.pr.gov.br/municipio/historiamunicipal

[4] Do ponto de vista legal, as cidades gêmeas nacionais foram definidas em 2014, mas entre os pesquisadores já se falava em cidades gêmeas antes de 2014.