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Universidade Federal de Santa Maria
Geografia Ensino e Pesquisa, Santa Maria, v. 28, e85482, 2024
DOI: 10.5902/2236499485482
ISSN 2236-4994
Submissão: 20/10/2023 • Aprovação: 30/04/2024 • Publicação: 24/10/2024
TERRITORIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA PARAÍBA E NA ZONA RURAL DO MUNICÍPIO DE GURJÃO-PB
Meio Ambiente, Paisagem e Qualidade Ambiental
A territorialização das políticas públicas como agentes mitigadores dos efeitos gerados pelas secas no semiárido paraibano
The territorialization of public policies as agents to mitigate the effects of droughts in the semi-arid region of Paraiba
La territorialización de las políticas públicas como agentes mitigadores de los efectos de las sequías en la región semiárida de Paraiba
IUniversidade Estadual da
Paraíba, Campina Grande, PB, Brasil
RESUMO
O semiárido brasileiro é uma região historicamente marcada por desigualdades sociais e econômicas, na qual a escassez de água é um dos principais desafios enfrentados pela população. Nesse contexto, as políticas públicas são ferramentas para enfrentar os desafios e promover o desenvolvimento na região. Neste sentido, o objetivo da pesquisa foi Territorializar as políticas públicas responsáveis por mitigar os efeitos da seca no semiárido paraibano, trazendo como estudos de caso o município de Gurjão-PB. Para tal, a pesquisa exploratória de campo e entrevistas com as famílias residentes dessas áreas rurais foram fundamentais para alcançar os resultados. Os resultados apontaram para necessidade da adoção de medidas de adaptação e gestão, mais incisivas eficazes dos recursos hídricos, por parte das comunidades rurais e do poder público, já que elas ainda apresentam algumas lacunas, principalmente no que diz respeito à sua implementação e efetividade. Por outro lado, observam-se políticas que caminham para minimizar a condição emergencial da seca, de modo que se consubstancie em um avanço para o semiárido e o próprio município, corroborando para a liberdade circunstancial dessa população.
Palavras-chave: Políticas Públicas; Efetividade; Mitigar; Hidroterritórios
ABSTRACT
The Brazilian semi-arid is a region historically marked by social and economic inequalities, where water scarcity is one of the main challenges faced by the population. In this context, public policies are tools for tackling the challenges and promoting development in the region. The aim of this research was to territorialize the public policies responsible for mitigating the effects of drought in the semi-arid region of Paraíba, using the municipality of Gurjão-PB as a case study. To this end, exploratory field research and interviews with families living in these rural areas were fundamental to achieving the results. The results pointed to the need for rural communities and public authorities to adopt more effective adaptation and management measures for water resources since they still have some gaps, especially in terms of their implementation and effectiveness. On the other hand, there are policies that are moving towards minimizing the emergency condition of drought in such a way that it becomes an advance for the semi-arid region and the municipality itself, corroborating the circumstantial freedom of this population.
Keywords: Public Policies; Effectiveness; Mitigate; Hydro-territories
RESUMEN
El semiárido brasileño es una región históricamente marcada por las desigualdades sociales y económicas, donde la escasez de agua es uno de los principales desafíos a los que se enfrenta la población. En este contexto, las políticas públicas son herramientas para enfrentar los desafíos y promover el desarrollo de la región. El objetivo de esta investigación fue territorializar las políticas públicas responsables de mitigar los efectos de la sequía en la región semiárida de Paraíba, utilizando el municipio de Gurjão-PB como estudio de caso. Para ello, la investigación de campo exploratoria y las entrevistas con las familias que viven en estas zonas rurales fueron fundamentales para alcanzar los resultados. Los resultados apuntaron a la necesidad de que las comunidades rurales y las autoridades públicas adopten medidas más eficaces de adaptación y gestión de los recursos hídricos, ya que aún presentan algunas lagunas, especialmente en lo que se refiere a su aplicación y eficacia. Por otro lado, existen políticas que avanzan hacia la minimización de la condición de emergencia de la sequía, de forma que se convierta en un avance para la región semiárida y el propio municipio, corroborando la libertad circunstancial de esta población.
Palabras-clave: Políticas Públicas; Eficacia; Mitigación; Hidroterritorios
A seca é um problema complexo e multifatorial que, desde sua primeira menção no século XVI, já gerou inúmeros impactos, sejam eles sociais, ou econômicos, no nordeste brasileiro. Dos camponeses aos grandes pecuaristas, os impactos das secas afetaram o abastecimento nas áreas urbanas, a dessedentação animal e a irrigação. Nesse sentido, a escassez de água compromete a vida de quem mora e deseja criar no semiárido, deixando esses indivíduos em situação de vulnerabilidade (Campos, 2001).
Por ter uma condição momentânea e sazonal, estes períodos densos de estiagem inflamam a necessidade de desenvolver políticas mitigadoras de adaptação e convivência com o semiárido. Mas quais os efeitos da seca e que impactos trariam a implementação de políticas públicas de acesso à água para a região? Tomando como base essas questões, este estudo visa territorializar as políticas públicas responsáveis por mitigar os efeitos da seca na zona rural do semiárido paraibano e enfatizar a implantação das políticas públicas de convivência com o semiárido no município de Gurjão-PB.
Nesse caso, a política pública seria uma forma das instituições governamentais e não governamentais buscarem minimizar os impactos causados pela seca, mantendo os princípios e metas da política social do país, como enfatiza Campos (2003, p.27). “A política é definida ainda como um conjunto de princípios e medidas postas em prática pelo governo ou outras instituições para resolver certos problemas na sociedade. No caso específico da Política de Gestão das Águas, os princípios dizem respeito ao uso da água”.
Para alcançar os resultados que retratassem a realidade rural, desenvolveu-se uma estrutura metodológica que estruturou sua base teórica em autores como: Souza (2006), Melazzo (2010) entre outros para reflexão sobre as políticas públicas. As acepções sobre a categoria território foram fundamentadas em autores como Corrêa (2007), Haesbaert (2011), Torres (2007). Em outra vertente, desenvolveu-se pesquisa empírica (pesquisa de campo), que identificou os hidroterritórios, os quais se caracterizam como sendo um território que assume, portanto, dimensões de delimitações múltiplas, onde a origem e a posse da fonte caracterizada pela água, ditará a dinâmica local e a vivência da população rural, Gurjão (2023). Através da aplicação de questionários estruturados, buscou-se analisar a efetividade da implementação dessas políticas públicas na zona rural do município de Gurjão-PB, considerando as especificidades de cada uma dessas áreas rurais.
1.1 A seca e a convivência com o semiárido
A seca é um fenômeno natural recorrente não só no Nordeste brasileiro, mas em muitos lugares do mundo, segundo o Instituto Nacional do Semiárido - INSA. Sua incidência exerce uma influência profunda e duradoura sobre a região nordeste, região essa que enfrenta ciclos de estiagem que desafiam tanto a resiliência das comunidades quanto a sustentabilidade dos ecossistemas locais. Conforme o portal-EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, é considerada estiagem ou seca falta de chuva em um período mais longo do ano, acarretando problema de escassez hídrica, impactos negativos, gerando em especial, prejuízos ao ecossistema e atividades socioeconômicas na localidade.
A seca no nordeste, segundo Agência de Gestão das Águas do Estado da Paraíba – AESA PB, é resultado da combinação de fatores climáticos, como a influência dos ventos alísios que transportam a umidade do oceano para o continente e a presença do fenômeno El Niño, que pode agravar a escassez de chuvas. A ausência total ou parcial das precipitações resulta em rios secos, reservatórios vazios e plantações murchas AESA (2023).
A agricultura, por exemplo, é uma das atividades que mais sofrem impactos diretos, tendo em vista que a mesma, muitas vezes, é baseada em cultivos de subsistência, e acaba sofrendo com a perda de colheitas, levando a uma queda na produção de alimentos e ao aumento dos preços. As populações rurais, que dependem dessas atividades para seu sustento, enfrentam desafios ainda maiores, com escassez de água para consumo humano, higiene e saúde. Além dos impactos imediatos, a seca também contribui para o êxodo rural, medida tomada por muitos em busca de condições de vida melhores nas cidades (Gurjão, 2023).
O governo e as organizações não governamentais têm buscado soluções para enfrentar esse desafio recorrente. Investimentos em projetos de infraestrutura, como sistemas de captação e armazenamento de água, sistema de distribuição de água em forma compartilhadas e individuais, que vem em forma de políticas públicas podendo ajudar a mitigar os efeitos da seca, a exemplo da instalação de sistemas de tecnologias hídricas compartilhados, como cisternas, poços artesianos, operação carro-pipa, dentre outros (Andrade e Nunes, 2014). Além disso, programas de assistência social e incentivos para a diversificação econômica são implementados para apoiar as comunidades afetadas, a exemplo do Programa uma Terra duas Águas - P1+2, do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC2, o Garantia-Safra – GS, sendo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).
Por isso, se considerarmos toda a problemática gerada pela seca desde sua primeira menção entre os anos de 1553 e 1559, até hoje (século XXI), notoriamente veremos avanços, no que se refere as novas práticas de convivência com o semiárido, que são práticas que viabilizam a estadia do morador no campo. Atualmente, muitas são as ações que buscam superar as adversidades, pois se exige um esforço crescente, mais coordenado e contínuo para desenvolver respostas sustentáveis, que passam a garantir o bem-estar das comunidades e a preservação do ambiente como um todo (Gurjão, 2023).
Dada essa configuração atual do semiárido brasileiro é possível visualizar um crescimento significativo no ponto de vista territorial e populacional, ao fazer uma equiparação com dados do ano 2005 trazidos pela Secretaria de Políticas e Desenvolvimento Regional (SPDR) e Ministério da Integração Nacional (MIN), em que a área territorial correspondia a 969.589,4 km², os municípios integrantes eram de 1.133, com uma população de quase 21 milhões, especificadamente 20.858.264 milhões de habitantes. O crescimento territorial nos últimos 15 anos foi correspondente a 213.107,6 km², o número de cidades que se enquadraram aos critérios gerais classificatórios a área semiárida é de 129, já o crescimento da população é o número que mais chama atenção, ao chegar a 7.011.977 milhões a mais de pessoas morando na região seriaria brasileira.
Com o aumento das demandas e das pressões em todas as esferas da sociedade, foram desenvolvidas novas tecnologias e aprimoradas as demais existentes, visando sanar os défices que ainda vinham sendo galgados dos anos 1980. Observou-se que a década de 1990 resultou em uma explosão de técnicas e tecnologias destinadas ao semiárido, entre elas estariam as tecnologias desenvolvidas no intuito de corroborar na convivência com o semiárido, dentre elas estariam: barreiro de trincheira, cisternas de placas pré-moldadas, cisternas compactadas, dessalinizadores, silagens, aproveitamento da caatinga com seus animais silvestres, ainda contando com reformulação dos processos de sistemas de manejo com pastagens de capim buffel e leucena, também barreiro da salvação, sistemas desenvolvidos ainda na década de 1980, e o melhoramento genético que se deu principalmente com rebanhos adaptados a região semiárida, a exemplo caprino cultura/ovinocultura (Duarte, 2002).
Para Silva (2003), esses métodos de ‘’convivência com a seca’’ estariam ligados a propostas, programas, projetos, tecnologias e seus gerenciamentos. Ao longo da história, o alívio dos afeitos da seca no semiárido, caracterizado por ‘’medidas emergências’’, é fator primordial para haver o decréscimo nos impactos gerados de imediato das localidades menos favoráveis. Mas, no geral, estamos longe de alcançar o objetivo central na convivência com a seca, afinal, a sua complexidade e a cultura de gestão existente no nosso país não corroboram favoravelmente para uma mudança deste cenário. Ou seja, a convivência envolve a percepção da complexidade e requer uma abordagem sistêmica do semiárido brasileiro, possibilitando a compreensão das dimensões geofísica, social, econômica, política e cultural.
O século XXI, marcado pela ascensão tecnológica, ainda traz consigo questões como as de convivência com o semiárido. Problemas que deveriam ter ficado no século anterior ainda assombram os moradores da região, principalmente por conta do aumento desenfreado das demandas sociais, hídricas e econômicas. A área semiárida segue crescendo como vimos anteriormente e com isso surge a necessidade de efetivar os processos mitigadores de enfrentamento aos impactos gerados pela seca, como também aprimorar os métodos que corroboram no convívio dela aqui no nordeste. Afinal, muitos dos programas criados desde o século anterior seguem inacessíveis a muitos. Aos poucos que conseguiram alcançar esse êxito de convivência mútua com o fenômeno climático da seca, só servem de exemplo para inflamar aos restantes dos ‘’não privilegiados’’ o desejo de se tornar independente e não mais refém da seca e do poder público (Gurjão, 2023).
1.1.1.1 As políticas públicas de acesso à água no semiárido brasileiro
Diante das problemáticas históricas causadas pelas estiagens, ampliam-se os olhares para possíveis medidas interventivas e os impactos no Nordeste. As grandes secas seculares que marcaram a região, foram o pivô para iniciar uma mobilização por meio do poder público e órgãos, no intuito de fomentar a pesquisa e a implementação de ações corroborativas frente as problemáticas galgadas das longas estiagens que assolam alguns territórios da região nordestina brasileira (Duarte, 2002).
As políticas públicas foram, ao longo dos anos, se estruturando de diferentes maneiras no território delimitado pela condição de semiaridez, e no século XXI surge com outra perspectiva, mas que segue segundo Melazzo (2010, p.19), sendo um conjunto de decisões e ações destinadas à resolução de problemas políticos, envolvendo procedimentos formais, informais e técnicos que expressam relações de poder e que se destinam à resolução de conflitos quanto a direitos de grupos e segmentos sociais ou como o espaço em que são disputadas diferentes concepções a respeito da formulação e implementação de direitos sociais, bem como sua extensão a diferentes grupos sociais.
As políticas públicas neste caso, seriam um conjunto de medidas relativas, criadas por governantes, com objetivo de sessar ou inibir problemáticas causadas questões de diferentes faces, que geram inseguranças a sociedade, a grupos desta mesma sociedade, ou a áreas específicas, na qual o poder público tem o direito participação Melazzo (2010).
Para Gurjão (2023), é assim uma maneira de garantir que todos tenham esses direitos, expressos por leis e serviços sociais, visando atender aos interesses de várias partes da sociedade. O Poder Público deve mediar a política pública, o que significa que os governos municipais, estaduais e federais devem inclui-la em suas agendas de ação.
E nesse contexto de corroborar com a mitigação dos impactos ocasionados pelas estiagens de curto, médio e longo período, que foram desenvolvidas medidas específicas para assegurar idricamente as pessoas, as quais estariam em regiões de vulnerabilidade hídrica, o qual seria o caso da região nordeste. Algumas das políticas nacionais de maior vultuosidade seriam: a construção de cisternas pelo Programa 1 Milhão de Cisternas, Operação Carro Pipa, Poços Artesianos, a instalação de dessalinizador com o Programa Água Doce, dentre outros (Gurjão, 2023).
1.1.1.2 Metodologia
A pesquisa realizada é de caráter exploratório, onde estruturou sua base teórica em autores como: Souza (2006), Melazzo (2010), Duarte (2002) entre outros para reflexão sobre as políticas públicas. As acepções sobre a categoria território foram fundamentadas em autores como Corrêa (2007), Haesbaert (2011), Torres (2007). Foi feito inicialmente um mapeamento da área por meio do programa Google Earth para identificar os possíveis hidroterritorios ativos existentes, os que se encontram inativos, assim como também as zonas nas quais não têm esses tipos de tecnologias hídricas. Posteriormente, após a identificação e análise dessas áreas, desenvolveu-se um balanço utilizando os dados identificados, em conjunto com os dados disponibilizados pela Secretaria de Desenvolvimento Rural do município de Gurjão e os dados disponibilizados pelas gerências nacionais dos programas.
Com base nos dados da zona rural do município, uma amostra representativa de 12% das famílias rurais foi selecionada, totalizando 342 famílias, residentes em toda a extensão rural de Gurjão-PB. O levantamento foi conduzido com o aval das Secretarias de Desenvolvimento Rural e de Saúde, responsáveis pelo atendimento a todas essas famílias, garantindo assim a aplicação segura e coerente dos questionários. Um total de 42 questionários foi distribuído, contendo 13 perguntas oficiais e duas destinadas à coleta de informações adicionais.
O método de seleção dessas famílias considerou o número de residências na área rural. A cada quatro residências, uma foi escolhida para participar do questionário, sem fazer distinção quanto ao status de beneficiário de políticas públicas. A interpretação dos dados pode ser realizada utilizando técnicas estatísticas, como correlação e regressão, ou por meio de análise de conteúdo, conforme proposto por Duarte (2002) e Melazzo (2010). Essa abordagem possibilitou a identificação de temas e padrões nos dados coletados, os quais foram representados em tabelas, gráficos e mapas.
TERRITORIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA PARAÍBA E NA ZONA RURAL DO MUNICÍPIO DE GURJÃO-PB
As concepções de territorialidades expressam a construção e reprodução de um movimento político-social, ou de sua afirmação, motivado pelo elemento (água), além da questão de poder exercida no meio e que ainda detém inúmeras conjunturas em toda dinâmica. Portanto, o conceito de território entendido neste trabalho é próximo ao definido por Haesbaert (2000, p.121), que afirma:
O território envolve sempre, ao mesmo tempo […] uma dimensão simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo também), portanto, uma forma de (apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.
O território escolhido para este estudo é a zona rural do município de Gurjão, localizado na Paraíba. Esta região se destaca por suas características específicas, que têm um importante papel no contexto político-social, atuando como um agente mitigador dos efeitos da seca. Essas áreas desempenham um papel crucial na disponibilização de água para os moradores rurais, seja de forma coletiva ou individual. Essa particularidade do território pode influenciar em diferentes ações, tanto aquelas que se concretizam de maneira efetiva quanto as que não. Contando com 23 áreas rurais, o município faz parte dessa zona seca (semiárida), sendo abrangidas por algumas políticas públicas de abastecimento hídrico, não maciçamente, mas em níveis toleráveis. Dessas 23 áreas delimitadas pode ser encontrada, uma ou mais incidência dessas políticas. Cada área em si forma um hidroterritório com dinâmicas e particularidades pertinentes a seus territórios (Torres, 2007).
Os hidroterritórios são áreas delimitadas pela influência do poder político e/ou cultural na gestão da água, desempenhando um papel crucial na sua ocupação. Inicialmente definidos pela competição pelos recursos hídricos, esses territórios não se limitam aos aquíferos onde estão situados e podem resultar em conflitos pela posse e controle da água, como na construção de canais, barragens ou açudes. Em termos de formação territorial, os hidroterritórios podem adotar diversas dimensões e fronteiras, sendo que a origem e o curso da água determinam seu tamanho e configuração. (Torres, 2007)
Conforme o tipo de gestão (que também é marcada por algum tipo de ideologia), os hidroterritórios ainda segundo Torres (2007, p.17), podem ser classificados como:
a) Hidroterritórios privados, totalmente mercantilizados, que expressam um valor econômico por quantidades de água, distinto do pagamento de serviço de tratamento e distribuição;
b) Hidroterritórios de Luta, resistentes à mercantilização e que não reconhecem a água como mercadoria, travando assim uma luta de classe, denotados por questões de exploração econômicas e sociais;
c) Hidroterritórios Livres, situação em que a política aplicada de gestão da água deve ser de total socialização, tornando-a inalienável e disponível para as gerações futuras.
Para tanto, as áreas as quais foram identificadas como portadoras de ações paliativas de cunho hídrico são classificadas como ‘’hidroterritorios livres’’. Tendo em vista que todas as ações encontradas por meio deste estudo mostram que a situação em que a política aplicada de gestão da água deve ser de total socialização, confirmando a natureza do mesmo. Essas 23 áreas compõem uma espécie de teia, a qual visa assegurar e levar água, por meio das tecnologias hídricas, aos moradores da zona rural. A imagem abaixo mostra as tecnologias hídricas territorializadas.
Ao observar o mapa, é possível identificar 4 pontos estando fora dos limites municipais, isso corre pela mudança de 2016 feita pelo IBGE, onde algumas áreas rurais ficaram de fora erroneamente os limites, porém continuam a responder ao município de Gurjão-PB.
A partir dessa delimitação de hidroterritórios, foi possível observar neles ações de aporte hídrico o qual incidem nessa zona rural, ou seja, foi possível identificar as políticas públicas agindo por meio de tecnologias hídricas, sendo responsáveis por beneficiar os moradores levando água para a zona rural do município. Inicialmente foram territorializadas políticas públicas, sendo elas: Programa um milhão de cisternas (P1MC), Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), Programa Água para Todos (PAT), Programa Água Doce (PAD), Operação Carro-Pipa (OCP). Perfuração de poços artesianos. Ao fim da pesquisa, foi agregado na lista o programa Pac2, não como sendo diretamente uma política pública, mas como sendo uma medida de ação paliativa usada em momentos específicos para sanar problemas gerados pela não efetividade dos programas.
Figura 1 – Mapeamento de hidroterritórios na zona rural do município de Gurjão-PB
Fonte: Organizado pelos autores (2023)
O Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) é uma iniciativa da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) que visa a construção de cisternas para armazenamento de água de chuva para consumo humano em comunidades rurais do semiárido brasileiro. O programa foi lançado em 2003 e, até 2018, segundo o ASA BRASIL, já havia construído mais de 5,3 milhões de cisternas, beneficiando mais de 26 milhões de pessoas na zona de rua de todo o semiárido brasileiro.
O P1MC é um programa de base comunitária e social, o que significa que as famílias que serão beneficiadas pelo programa são envolvidas em todo o processo, desde a seleção das famílias até a construção das cisternas. As cisternas têm a característica de fornecer e assegurar o morador rural idricamente por até 8 meses, ajudando a melhorar a saúde, a nutrição e a qualidade de vida das famílias. A ação neste caso faria parte de uma iniciativa maior, encontrando alternativas para a falta de organização e de recursos, notadamente os hídricos, na região semiárida do nordeste brasileiro, como enfatiza Pontes e Machado:
Em 1999, tem início o Programa de Formação e Mobilização para a Convivência com o Semiárido: Programa Um Milhão de Cisternas Rurais. Iniciado pela Articulação no Semiárido (ASA), um fórum da sociedade civil organizada, o P1MC é um amplo programa de mobilização social que objetiva mostrar como é possível aos seres humanos viverem bem no semiárido, desde que de forma sustentável. Um dos arremates para isto é, a partir da mobilização das famílias sertanejas, captar água de chuva, utilizando a tecnologia das cisternas de placas, para garantir abastecimento nos períodos de estiagem[…] (Pontes; Machado, 2012, p. 17)
No mesmo ano, 2003, o programa chega ao município de Gurjão-PB, trazendo a construção de cisternas de placa, destinadas ao armazenamento de água de chuva de até 16 mil litros, estocando água da chuva para consumo básico humano, em boa parte da zona rural. Antemão, o programa foi sendo implantado gradativamente até atingir um contingente, garantindo uma boa adesão, porém não tendo um amplo alcance de início.
No ano de 2006, segundo a Prefeitura Municipal de Gurjão (PMG), o programa já havia atingido cerca de 60% das residências rurais e, em janeiro de 2022, 99% das famílias já haviam sido contempladas nas 23 áreas rurais do município, que se enquadram nos critérios acima. Os dados apontam que o programa teve um impacto significativo na vida das famílias, não só do município. Apesar de simples, mas eficaz, tem conseguido levar água de qualidade para a vida de milhões de pessoas tanto para o semiárido brasileiro quanto na zona rural do município de Gurjão-PB. O mesmo segue sendo um grande exemplo de como a tecnologia social em forma de política pública pode ser usada para melhorar a vida de milhares de famílias residentes nas zonas rurais.
Sendo uma extensão do programa P1MC, no ano de 2007, o ASA Brasil cria o programa Uma Terra e Duas Águas – P1+2. As ações do programa envolvem construir cisternas para armazenamento de água, o fomento à produção de alimentos e criação de animais, bem como a capacitação das comunidades rurais para o manejo sustentável dos recursos hídricos. Além disso, o programa visa promover a inclusão social e a geração de renda nas áreas rurais do semiárido brasileiro. Segundo o ASA BRASIL, o programa até 2023 já havia construído mais de 7 milhões de cisternas, beneficiando mais de 30 milhões de pessoas.
No ano de 2013, o programa tem sua execução iniciada no município de Gurjão-PB, com obras de criação de 15 barreiros de trincheira, 31 cisternas calçadão, 52mil litros e 16 cisternas tipo enxurrada. Foi uma grande conquista para a zona rural do município, que durante muitos anos galgou o incentivo frente à agricultura familiar, a qual sempre foi tão marginalizada. Essa conquista se deu principalmente para aqueles que lutam com o intuito de mitigar os efeitos da seca que há muito tempo assolam a zona rural do município. Colaborando para desenvolver as ações que corroboram na convivência com o semiárido.
Ao todo, a zona rural do município foi contemplada com 47 cisternas de 52 mil litros, tipo calçadão, beneficiando cerca de 47 famílias, o equivalente a 13,73% até o ano 2014 no município de Gurjão-PB, segundo dados disponibilizados pelo ASA BRASIL. O mesmo programa, ainda no ano de 2013, beneficiou cerca de 29 famílias com cisternas tipo enxurrada, o equivalente a 8,48% das famílias rurais.
O Programa Água para Todos – PAT é uma iniciativa do Governo Federal do Brasil, criada através do Decreto n.º 7.535, em 26 de julho de 2011, durante o primeiro governo da presidente Dilma Rousseff. Esse programa pretende combater principalmente os efeitos da seca em regiões onde a precipitação pluviométrica é escassa, especialmente em áreas rurais, por meio de medidas preventivas e corretivas. É parte do plano “Brasil Sem Miséria” e está associado ao Programa 2.069 de Segurança Alimentar e Nutricional. Também é conhecido como Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Água.
O programa estabelece parcerias entre os governos federal, estaduais e municipais, buscando garantir o acesso à água para consumo humano e produção de alimentos. Ele se concentra em duas vertentes: a primeira visa fornecer água para consumo às populações que não possuem acesso adequado, e a segunda busca melhorar o acesso à água para produção, beneficiando famílias que já possuem acesso à água para consumo. Isso é realizado por meio da implementação de tecnologias sociais, como cisternas de armazenamento de água de chuva, barreiros comunitários e outras soluções. São parte dos esforços do governo para promover a segurança alimentar, a melhoria das condições de vida e a mitigação dos impactos causados pela escassez de água, especialmente em regiões afetadas pela seca.
Em meados do mesmo ano o programa chega ao município de Gurjão-PB, de início partindo da construção de cisternas em duas modalidades de ‘’placas’’ e ‘’enxurrada’’, onde depois de quase um ano especialmente no ano de 2013, passa também a desenvolver ações voltadas a perfuração de poços, os interligando a uma rede simples de abastecimento rural, Sistemas Coletivos de Abastecimento de Água, ou seja, levando água encanada praticamente a porteira de algumas áreas rurais do município e ainda proporcionando a perfuração de barreiros (ou pequenas barragens) que ocorreu até 2022.
O projeto teve seu segmento com a criação de mais um hidroterritório, de natureza compartilhada, o qual teve sua entrega estimada para o ano de 2022, visando a agregar mais 40 famílias na comunidade rural de Cipriano, no valor de R$ 56.311,43. Sua construção teve cerca de 160 pessoas beneficiadas, tendo água de qualidade durante todo o ano, independentemente de que ocorram ou não estiagens mais severas. Como mostra a tabela 1 abaixo.
Tabela 1 – Tabela referendes aos dados da construção de sistemas hídricos compartilhados
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Comunidades rurais |
Ano |
Quantidade Construído |
Q. de famílias atendidas |
Quant. de pessoas atendidas diretamente |
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Sítio Latada |
2013 |
01 |
13 |
40 |
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Cipriano em construção |
2022 |
01 |
40 |
160 |
Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Rural de Gurjão-PB. Organizado pelos autores (2023)
O quarto programa territorializado no município de Gurjão-PB foi o Programa Água Doce – PAD, sendo uma iniciativa coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, tendo como parceiros as instituições federais, estaduais, municipais e a sociedade civil. O seu principal objetivo é estabelecer uma política pública permanente de acesso à água de qualidade para o consumo humano, especialmente em regiões semiáridas, por meio do aproveitamento de águas subterrâneas. É realizado através da implantação e gestão de sistemas de dessalinização em modalidade de natureza compartilhada, considerando cuidados técnicos, ambientais e sociais.
É um dos programas mais jovens a ser implementado na região semiárido nordestino, em forma de política pública. Focando na utilização de tecnologias de dessalinização para fornecer água potável em regiões onde a presença de sais nas águas subterrâneas é uma característica. Ele busca também contribuir para a criação de estruturas permanentes de gestão dos sistemas de dessalinização a curto, médio e longo prazo, tanto nos níveis estadual quanto municipal e comunitário.
No município, o programa, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Rural de Gurjão-PB (SDRG), desde sua primeira implementação no ano de 2017 até o ano de 2022, já havia beneficiado cerca de 105 famílias, contabilizando um total de 345 pessoas. No ano de 2023, houve a implementação de mais um hidroterritório de natureza compartilhada, beneficiando mais de três comunidades rurais. Com essa nova incrementação, totalizaram-se cerca de 6 comunidades, 158 famílias e 480 pessoas beneficiadas. Vale salientar que o sistema atual instalado possui uma tecnologia que funciona via painéis fotovoltaicos, energia de cunho renovável, que reafirma o compromisso de desempenhar tecnologias mediante métodos sustentáveis.
Tabela 2 – Tabela referendes aos dados da construção de sistemas de dessalinizações zona rural de Gurjão
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Comunidades rurais |
Ano |
Quant. de dessalinizadores construído |
Q. de famílias atendidas |
Quant. de pessoas atendidas diretamente |
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Riacho dos reis
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2017 |
01 |
40 |
173 |
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Riacho salgado |
2018 |
01 |
40 |
107 |
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Angicos |
2018 |
01 |
25 |
65 |
|
Morões Maria José Quixaba |
2023 |
01 |
53 |
136 |
Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Rural de Gurjão. Organizado pelos autores (2023)
O quinto programa territorializado foi a Operação Carro-Pipa – OCP, a qual é uma ação emergencial do Governo Federal do Brasil. Ele visa levar água potável a comunidades rurais sem acesso à água, localizadas no semiárido nordestino, as quais são afetadas por secas ou estiagens prolongadas. Essa operação utiliza caminhões-pipa para transportar água potável para as áreas necessitadas. O programa é desenvolvido pelo Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, com a participação do Exército Brasileiro. Como regra, para um município estar hábito a implementação da operação, ele deve estar localizado na região do semiárido e ter sido reconhecido pelo Governo Federal como estando em emergência ou estado de calamidade pública. A inclusão na operação ocorre por meio do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD).
No município de Gurjão, sua implementação data-se do ano de 2005. Até o ano de 2008, manteve-se em atividade, sendo o programa de abastecimento interrompido durante 4 anos, por questões admirativas. Seu retorno se deu no ano de 2013, ano seguinte ao início do período de estiagem mais severa que ocorreu em 2012. Foi um dos principais motivos que o poder público considerou para reivindicar a volta do programa ao município. Desde seu retorno, o programa já beneficiou mais de 900 pessoas (Tabela 3), com um número estimado de 5.000 carradas de água, segundo a (SDRG).
Atualmente é um programa que está presente em quase todas as áreas rurais do município, abarca atualmente cerca de 23 comunidades, sendo distribuído em 37 pontos estratégicos. Vale salientar que o número de cisternas cadastradas desde o retorno do programa ao município é o mesmo, o que oscilou foi o número de pessoas contempladas. O beneficiário do programa fica a cargo de gerir a distribuição da água em sua zona. Cada família tem o direito de 20 litros diários, sendo que cada cisterna pode agregar 5 famílias, mais 1, ou seja, são 5 famílias fora a família gestora. A cisterna é abastecida a cada 2 meses pelo exército, tendo um dia específico para o abastecimento. Dados assim trazidos abaixo pela tabela 2.
Tabela 2 – Tabela referente aos números de pessoas atendidas pelo programa, operação carro-pipa
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N.º de pessoas atendidas |
Comunidade rural |
N.º de pessoas atendidas |
|
|
Quixaba |
10 |
Cacimbinha |
16 |
|
Pascaço |
27 |
Mundo novo |
17 |
|
Caatinga |
20 |
Cipriano |
132 |
|
Latada |
58 |
Riacho do padre |
9 |
|
Riacho salgado |
100 |
Morões |
53 |
|
Santa Rita |
49 |
Salgadinho |
7 |
|
São Joaquim |
15 |
Angicos |
35 |
|
Riacho dos reis |
74 |
Icó |
27 |
|
Serrota |
11 |
Malhada de areia |
32 |
|
Quixaba II |
8 |
Água fria |
52 |
|
Catingueira |
32 |
Estreito |
36 |
|
Campo comprido |
77 |
|
|
Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Rural de Gurjão. Organizado pelos autores (2023)
É importante ressaltar que a Operação Carro-Pipa tem sido um instrumento fundamental para fornecer água potável a famílias que enfrentam escassez hídrica devido às condições climáticas adversas, especialmente no município de Gurjão-PB, no qual beneficiou cerca de 87,36% de toda a população rural. Foi e é mais uma forma de garantir seguridade na qual todo morador em momentos extremos como os de seca necessita, para ter o mínimo, o que é previsto por lei.
O sexto programa identificado no município de Gurjão-PB foi o Programa de instalação de poços, o qual se refere a iniciativas específicas que objetivam construir poços artesianos nessa região para suprir as necessidades de abastecimento de água nas localidades rurais. É um dos programas que constituem um arranjo de ações difusivas que visam garantir o acesso à água permanente a famílias do semiárido brasileiro.
A CDRM, que desenvolveram o Programa de Água Subterrânea para o Semiárido Brasileiro (PASSB). Essas ações ocorrem de forma direta e indireta, ou seja, nem sempre decorrendo de programas sociais, mas também por meio de emendas parlamentares, parcerias de cunho público/privado e de recursos municipais. Cada meio difusivo tem sua estruturação específica, mas o mesmo objetivo social. O (PASSB), é uma ação diretiva no município de Gurjão-PB, no primeiro ano de implementação, perfurou mais de 100 poços artesianos por meio de convênios com a FUNASA, segundo o ex-secretário da Agricultura do município, Cícero Romero Collor Bezerra, que atualmente trabalha na Empresa Paraibana de Pesquisa Extensão Rural e Regularização Fundiária - (EMPAER).
A ação da parceria com o programa em vigência corroborou a perfuração em média 150 poços artesianos no município entre (2003-2008), nem todo esse contingente poços perfurados tiveram êxito esperado, pois acabaram não alcançando os requisitos mínimos para a sua instalação, sendo a sua perda total ou abandono do mesmo.
Outra parceria importante na prestação de serviços é desencadeada por meio das parcerias público/privadas. Alguns órgãos federais, estaduais e municipais, em parcerias com empresas de vários setores, buscam juntamente desenvolver essa ação paliativa à escassez hídrica em algumas regiões para fomentar também o desenvolvimento sustentável regional. A FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, por exemplo, é um órgão que, por meio de parcerias com a Secretaria de Desenvolvimento Rural, desenvolveu um projeto responsável por perfurar quase 100 poços tubulares na zona rural do município de Gurjão-PB, entre 2013 e 2022.
Além dessas parcerias, em específico, a Prefeitura Municipal de Gurjão-PB, desde 2012, vem desenvolvendo perfurações de poços tubulares com recursos próprios em algumas comunidades. Os poços perfurados também estariam entrando à disposição de outros programas, nos quais, em alguns dos requisitos mínimos, estaria presente a necessidade de ter disponível um poço tubular. Seriam neste caso a porta de entrada para os programas sociais como: Programa Água para Todos e Água Doce, que fazem a utilização do poço já perfurado como base do programa. Esse atendimento prestado pode ser visualizado na tabela 3.
Tabela 3 – Tabela referente a quantidade de poços distribuídos na zona rural do município de Gurjão-PB
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Poços perfurados |
Poços ativos |
Ano |
Famílias beneficiadas |
|
100 |
47 |
2002 |
47 |
|
150 |
97 |
2003/2008 |
97 |
|
100 |
32 |
2013/2022 |
32 |
Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Rural de Gurjão. Organizado pelos autores (2023)
Existe também no município a perfuração de poços que ocorrem por meio de verbas parlamentares dirigidas ao município na forma de ações paliativas. Essa destinação de recursos por emendas parlamentares data-se desde a criação de emendas no país, mas foi no ano de 2012, ano o qual se inicia o período severo de estiagem e que ainda perdura em algumas áreas rurais, tendo em vista que quando ouve as ocorrências pluviométricas foram irregulares, e, em geral, não banhavam todo o território que constitui o município. Desde então, ocorrem essas destinações de verbas em maior intensidade, por vezes beneficiando umas 5 a 10 famílias, a depender do porte do município e do valor destinado, que fica em torno de 28 a 30 mil reais. Entendo que a sua instalação completa fica em média em torno de 6 mil reais para o município.
Essas políticas públicas aqui então territorializadas, juntas atualmente constituem um arranjo pratico, de ações paliativas com objetivo de mitigar os efeitos galgados das secas prolongas, ou mesmo dos períodos de estiagem naturais da região, levando água por meio de diferentes tecnologias hídricas a essas famílias rurais. Elas proporcionaram ou proporcionam ao morador rural uma seguridade na qual antes não podia ser vista, corroborando positivamente para que esses indivíduos pudessem manter sua estadia mesmo em períodos extremos como o da seca de 2012, a qual no município de Gurjão-PB, durou mais de 8 anos.
De forma geral, juntos, estes programas, desde o início de sua implementação na zona rural de Gurjão-PB, conseguiram beneficiar cerca de 283 famílias com um ou mais programas, o equivalente a 83% das famílias da zona rural, se formos considerar o total de residentes na localidade. Um dado significativo já que a população residente na zona rural, segundo a Secretaria de Saúde de Gurjão (SAG), é de 1.028 pessoas, e 897 dessas estão sendo asseguradas idricamente de alguma forma por uma ou mais políticas públicas. Conforme mostrado nas figuras 2 e 3 abaixo.
Figura 2 e 3 – Aparato das políticas públicas distribuídas pela zona rural do município de Gurjão-PB
Fonte: Organizado pelos autores (05 de junho, 2023)
Os dados coletados mostram que algumas famílias acabaram sendo beneficiadas com mais de uma política pública em sua propriedade. Atualmente, o cenário evidencia uma melhora significativa na zona rural de estudo, tendo em vista a implementação das tecnologias de armazenamento hídrico. Essas tecnologias possibilitaram o morador rural, armazenar água da chuva por meio de cisternas provenientes do programa P1MC, conduzir mais regularmente algumas atividades no campo e na residência, com a perfuração de poços e instalação de sistemas compartilhados, pelo programa Água Para Todos, estimulou a agricultura familiar com a construção de cisternas tipo calçadão e enxurrada, que armazena cerca de 52 mil litros de água da chuva, possibilitando o plantio de hortaliças e fruteiras, em alguns casos.
No que se refere à efetividade dessas políticas públicas, cerca de 66% das famílias responderam positivamente para a ação prestada no tocante à mitigação dos efeitos gerados pela seca e principalmente nos períodos convencionais de estiagem. Para ter um dado mais preciso foi feita uma análise considerando alguns pontos importantes, foram eles: eficiência, gestão, tempo de ação prestada, se o mesmo é de cunho temporário ou contínuo, qualidade e quantidade do recurso disponibilizado (água), seguridade, destinação, se se consegue abarcar todas as atividades da propriedade, suporte as famílias, no sentido da manutenção e repasse de informações aos familiares. Como pode observar nas figuras abaixo 4 e 5, o impacto da gestão reflete na avaliação das políticas públicas pela população atendida.
Figura 4 e 5 – Efetividade das políticas públicas
Fonte: Organizado pelos autores (05 de junho, 2023)
Em torno de 54% dos entrevistados relataram que os programas trouxeram de certa forma benefícios para a zona rural. Perguntados sobre quais os benefícios foram trazidos, mencionaram a questão de ter água de beber em casa, não precisando mais percorrer longas distâncias em buscá-la, trazendo-a na cabeça, condição que era muito recorrente na área rural do município em períodos de seca; ter água para as atividades domesticas e de campo com a irrigação, a exemplo de hortas e plantas frutíferas, e ainda água para os animais, etc.
Porém, apesar de todo esse aparato prestado pelas políticas públicas 46% dessas famílias mostram ser insatisfeita com os serviços prestados pela gestão desses programas e 34% enfatizam que esses programas acabam não conseguido abarcar todas as necessidades existentes na área rural, deixando essas famílias desassistidas em alguns aspectos. Outro dado que chama atenção ainda é que 59 famílias acabaram ficando de fora do atendimento prestado pelo programa, neste caso 131 pessoas, o que corresponde a 17% da população rural, tendo que pagar privadamente por alguma obra de tecnologia hídrica.
Esses dados são fruto de problemas que circundam os programas como num todo, a exemplo má gestão hídrica; falta de fiscalização; omissão de informações; sobrecarga dos programas; falta de instrução na implementação dos programas; instalação de programas impropriedades privadas; falta de planejamento nos projetos; descaso com instalações hídricas; limitação de alguns programas; dependência entre programas, tendo em vista que um único programa não tem um poder, uma ação mitigadora, mas sim, a união conjunta de todos os programas podem, sim, chegar ao êxito.
Estes fatores só reforçam a necessidade de se repensar e reavaliar políticas públicas no tocante a sua efetividade, afinal é importante sanar as falhas e reestruturar de forma coesa dos programas a fim de ampliar seu alcance sanando as carências existentes para que se obtenha o êxito assim desejado. Somente por meio dessas reestruturações, avaliações e ações decisivas poderemos aspirar a reduzir as disparidades e garantir que os esforços de mitigação da seca, para serem verdadeiramente eficazes, abrangentes e impactantes, tanto no semiáridoquanto na zona rural do município de Gurjão-PB.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As terras secas do semiárido brasileiro têm sido frequentemente afetadas por eventos climáticos extremos, como estiagens e secas, que impactam diretamente a vida das populações locais e a disponibilidade de recursos hídricos. Os impactos da seca são significativos e afetam diferentes setores da sociedade, principalmente aqueles nos quais residem nas localidades rurais, como a agricultura, pecuária, indústria e o abastecimento de água. Além disso, a seca pode desencadear outros problemas, como insegurança social, conflitos por recursos hídricos e migrações forçadas.
Esse estudo buscou explorar não só a territorialização desses programas, mas também sua eficácia no que se referia à sua implementação na zona rural. Evidenciou as políticas públicas como um forte aliado das famílias rurais como meio de mitigar a escassez de água potável, permitindo o acesso a recursos hídricos essenciais para a sobrevivência dessas comunidades afetadas. Além de expor a necessidade da promoção de investimentos em infraestrutura, de fortalecimento da agricultura familiar, de incentivo à educação e à cultura, entre outras medidas.
Seguindo essa base desde o início da implementação das políticas públicas da zona rural do município de Gurjão-PB, âmbito de fomento dessa pesquisa, cerca de 283 famílias passaram a ser asseguradas com um ou mais programas de abastecimento hídrico, o equivalente a 83% do contingente residente, de um total de 342 famílias residentes da zona rural. Em contraponto, cerca de 59 famílias acabaram ficando de fora do atendimento prestado pelos programas, um total que corresponde a 17% da população rural, que para se manterem residindo na localidade acabaram tendo que pagar de forma privada por alguma obra de tecnologia de armazenamento hídrico, visando sua seguridade no abastecimento básico nos períodos de longas estiagens.
No entanto, a pesquisa ainda evidencia que a eficácia desses programas pode ser limitada diante das dimensões do semiárido e da complexidade das necessidades locais. Embora represente um esforço importante, as políticas públicas por si só não são suficientes para enfrentar integralmente os desafios impostos pela seca.
A pouca participação da população nas decisões de implementação das políticas públicas, a má gestão desses recursos, a falta de orientação a esses populares, a falta de estruturação dos programas, o número excessivo de usuários fazendo o usufruto de um único hidroterritório, levando a seu colapso, são alguns dos impactos negativos que essa população tende a contornar, além dos próprios problemas originários da seca, tendo de exigir dos mesmos uma maior condição de resiliência. Todos esses fatores acabam por desencadear conflitos territoriais pelo recurso, um descontentamento e desconfiança em relação ao governo, limitando ainda mais o potencial de sucesso das políticas implementadas.
Além disso, a análise das políticas públicas revela a importância de considerar abordagens mais abrangentes e sustentáveis para a convivência com o semiárido. É fundamental que as políticas não se limitem apenas a atenuar os impactos imediatos da seca, mas também busquem promover o desenvolvimento socioeconômico e a resiliência das comunidades locais a longo prazo.
Em suma, as políticas públicas voltadas para a mitigação dos efeitos da seca na zona rural de Gurjão-PB devem evoluir além de abordagens emergenciais e adotar estratégias mais holísticas e participativas. Somente por meio de um esforço conjunto, envolvendo governo, comunidades locais e especialistas, será possível enfrentar de maneira eficaz os desafios impostos pela escassez hídrica recorrente nessa região.
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1 – Joel Fernandes Gurjão
Universidade Estadual da Paraíba, Graduado em Geografia
https://orcid.org/0009-0003-9346-2043 • joel_gurjao@hotmail.com
Contribuição: Conceituação, metodologia, escrita - primeira redação, escrita - revisão e edição
2 – Valéria Raquel Porto de Lima
Universidade Estadual da Paraíba, Doutora em Geografia
https://orcid.org/0000-0001-7744-3502 • vrportol@yahoo.com.br
Contribuição: Metodologia, curadoria de dados, escrita - revisão e edição
GURJÃO, J. F.; LIMA, V. R. P. A territorialização das políticas públicas como agentes mitigadores dos efeitos gerados pelas secas no semiárido paraibano. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 28, e85482, 2024. Disponível em: 10.5902/2236499485482. Acesso em: dia mês abreviado ano.