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Universidade Federal de Santa Maria
Geografia Ensino e Pesquisa, Santa Maria, v. 29, e85097, 2025
DOI: 10.5902/2236499485097
ISSN 2236-4994
Submissão: 16/09/2023 • Aprovação: 13/05/2024 • Publicação: 10/03/2025
Meio Ambiente, Paisagem e Qualidade Ambiental
Índice Rural de Acesso à Água (IRAA) para comunidades da Amazônia brasileira
Rural Water Access Index (RWAI) for Brazilian Amazon Communities
Índice de Acceso al Agua Rural (RWAI) para las comunidades amazónicas brasileñas
Luiza Carla Girard
Mendes TeixeiraI
IUniversidade Federal do
Pará , Belém, PA, Brasil
RESUMO
Este artigo teve como objetivo propor uma ferramenta de apoio à decisão de acesso à água para comunidades rurais da Amazônia brasileira, denominada de Índice Rural de Acesso à Água (IRAA), possibilitando aos formuladores de políticas identificar e priorizar áreas que requerem intervenção do Estado para garantir o acesso à água. A ferramenta proposta foi aplicada e testada em dezesseis comunidades rurais de um município da região amazônica do Brasil. O IRAA é baseado em uma abordagem participativa, combinando a análise de decisão multicritério (ADMC) e o Sistema de Informação Geográfica (SIG), que integra diferentes indicadores na avaliação e gera mapas que demonstram os níveis espaciais de acesso à água nas comunidades. Para o cálculo do IRAA, foi empregada a metodologia Delphi. Os resultados mostraram um comportamento espacial heterogêneo entre as comunidades rurais do município de Santa Luzia do Pará, com semelhanças e diferenças com base na condição geral de acesso à água. Metade das comunidades apresentou uma situação ‘crítica’ ou ‘alerta’ de acesso à água. Também foi constatado que as comunidades mais distantes dos mananciais superficiais apresentaram dificuldade de acesso à água. Assim, o método do IRAA pode estimar situações de acesso à água e gerar mapas em qualquer lugar do mundo, auxiliando a gestão da água.
Palavras-chave: Abastecimento de água; Análise de decisão multicritério; Sistema de Informação Geográfica
ABSTRACT
The aim of this article was to propose a water access decision support tool for rural communities in the Brazilian Amazon, called the rural water access index (RWAI), enabling policymakers to identify and prioritize areas that require state intervention to guarantee access to water. The proposed tool was applied and tested in sixteen rural communities in a municipality in the Amazon region of Brazil. The RWAT is based on a participatory approach, combining multi-criteria decision analysis (MCA) and the Geographic Information System (GIS), which integrates different indicators in the evaluation and generates maps showing the spatial levels of access to water in the communities. The Delphi methodology was used to calculate the IRAA. The results showed heterogeneous spatial behavior among the rural communities in the municipality of Santa Luzia do Pará, with similarities and differences based on the general condition of access to water. Half of the communities had ‘critical’ or ‘alert’ access to water. It was also found that the communities furthest from surface water sources had difficulty accessing water. Thus, the IRAA method can estimate water access situations and generate maps anywhere in the world, aiding water management.
Keywords: Water supply; Multicriteria decision analysis; Geographic Information System
RESUMEN
El objetivo de este artículo fue proponer una herramienta de apoyo a la toma de decisiones sobre el acceso al agua para las comunidades rurales de la Amazonia brasileña, denominada índice de acceso al agua rural (IRAA), que permita a los responsables políticos identificar y priorizar las zonas que requieren la intervención del Estado para garantizar el acceso al agua. La herramienta propuesta se aplicó y probó en dieciséis comunidades rurales de un municipio de la región amazónica de Brasil. El IRAA se basa en un enfoque participativo, que combina el análisis de decisión multicriterio (ADM) y el Sistema de Información Geográfica (SIG), que integra diferentes indicadores en la evaluación y genera mapas que muestran los niveles espaciales de acceso al agua en las comunidades. Para calcular el IRAA se utilizó la metodología Delphi. Los resultados mostraron un comportamiento espacial heterogéneo entre las comunidades rurales del municipio de Santa Luzia do Pará, con similitudes y diferencias en función de la condición general de acceso al agua. La mitad de las comunidades presentaba una situación de acceso al agua “crítica” o “alerta”. También se constató que las comunidades más alejadas de las fuentes de agua superficial tenían dificultades de acceso al agua. Así pues, el método IRAA puede estimar las situaciones de acceso al agua y generar mapas en cualquier parte del mundo, ayudando a la gestión del agua.
Palabras-clave: Abastecimiento de agua; Análisis de decisión multicriterio; Sistema de Información Geográfica
A ausência de acesso à água é um dos maiores desafios da humanidade no
século XXI (Pichel et al., 2019). Esse problema desperta a atenção e o cuidado dos tomadores de decisão, principalmente em áreas carentes desse serviço, o que é uma característica desfavorável das situações precárias de vida das pessoas (Marin; Burgel, 2020). No entanto, a garantia de acesso à água pode colaborar para a saúde e o bem- estar humano, bem como pode ser determinante na erradicação da pobreza extrema e da fome, e no aumento do nível de escolaridade e dignidade da mulher (Guardiola; García-Rubio; Guidi-Gutiérrez, 2014).
O acesso à água potável para todas as pessoas é a chave para uma estratégia de desenvolvimento bem-sucedida, tanto que um dos principais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especificamente a meta 6, visa alcançar até 2030 o acesso ao saneamento e higiene adequados e equitativos para todos. Ainda assim, essas metas são ousadas, já que para cerca de 2 bilhões de habitantes falta o acesso à água potável nas residências (Chaúque; Rott, 2021). Além disso, apesar de o abastecimento doméstico de água ser praticamente universal nas nações industrializadas, esse não é o caso em muitos países em desenvolvimento (Mukheibir, 2010).
É preciso diminuir a exclusão sanitária das classes minoritárias, compostas por pessoas do meio rural e pobres (Aleixo et al., 2016). Assim, existem diferenças entre a cobertura de água urbana e rural, onde cerca de 96% da população urbana global teve acesso a uma fonte melhorada de água potável em 2015, em contraste com 84% da população rural no mundo (Un-Water; WHO, 2017).
O Brasil detém 12% do total de água doce do planeta, e 53% do total de água doce da América do Sul (Bordalo, 2016). No entanto, a abundância do recurso nem sempre está associada à qualidade da água, tendo em conta a precariedade do abastecimento público de água e esgotamento sanitário, uma vez que algumas áreas periféricas não oferecem este serviço, assim como grande parte das áreas rurais (Bordalo, 2022). Além disso, apesar de a região amazônica do Brasil conter o maior estoque potencial de água do mundo, enfrenta graves problemas de acesso e abastecimento de água (Monni et al., 2018).
O acesso adequado à água potável é uma meta ainda longe de ser alcançada em vários municípios e comunidades rurais da Amazônia brasileira (Crispim; Fernandes, 2022). A Amazônia (Região Norte) é a região do Brasil que apresenta o maior déficit no abastecimento de serviços (públicos e privados), com os piores índices de acessibilidade de sua população à rede geral de água potável, que ficam abaixo de 60%.
Segundo Crispim et al. (2021), avaliar a situação do acesso à água da população rural requer uma análise multicritério (ADMC), que abranja vários componentes. Logo, a proposição de um índice multidisciplinar para conectar a ADMC e o sistema de informação geográfica (SIG) para a gestão de recursos hídricos em comunidades rurais são essenciais para gestores e formuladores de políticas (Vollmer; Regan; Andelman, 2016). Pesquisas anteriores realizadas na região amazônica brasileira, especialmente no estado do Pará, usaram técnicas de ADMC para avaliar a sustentabilidade hídrica da bacia do rio Guamá-Amazônia Oriental-Brasil (Rocha; Lima, 2020), uso de indicador hídrico na Ilha de Cotijuba-Belém–PA (Brito et al., 2020), e análise da sustentabilidade da prestadora de serviço de sistema de abastecimento de água no município de Belém–PA (Gomes; Nylander; Pereira, 2021).
Além disso, outros estudos, em diferentes regiões da Amazônia brasileira, fizeram uma abordagem sobre a relação entre água e saúde em comunidades rurais. Na pesquisa realizada por De Sousa et al. (2016), na microbacia do córrego Cumaru, município de Igarapé-Açu, Nordeste do Pará, e Giatti e Cutolo (2012), foram avaliados o acesso à água para consumo humano e aspectos de saúde pública na Amazônia Legal brasileira. Em Nelson-Nuñez et al. (2022) tem-se uma pesquisa qualitativa em 12 comunidades rurais sobre o uso de sistemas de água potável na Amazônia peruana, enquanto Rossio e Seo (2020) realizaram um estudo para avaliar a aplicação de abordagens participativas no planejamento de projetos de abastecimento de água potável e saneamento básico em comunidades rurais da Colômbia. No entanto, essas pesquisas anteriores na região amazônica do Brasil e internacional não integraram uma abordagem participativa, ADMC, SIG ou outras partes interessadas, para avaliar a situação do acesso à água da população rural. Portanto, uma abordagem multidisciplinar para melhorar a avaliação estratégica do acesso à água ainda é necessária para ajudar os formuladores de políticas.
Neste artigo, foi proposta uma ferramenta holística, multicritério e participativa para avaliar a situação da população rural no acesso domiciliar à água, em diferentes comunidades da Amazônia brasileira, considerando as diferenças de acessibilidade e adequação do abastecimento de água, esgoto e acesso às comunidades. Assim, o IRAA foi utilizado para determinar a dificuldade de acesso à água para residências rurais em um município caracterizado por uma cobertura de água encanada relativamente baixa, o que reflete a situação da maioria dos municípios da região.
O estudo de caso é baseado no conjunto de dados primários coletados em comunidades rurais, localizadas no município de Santa Luzia do Pará, na região norte do Brasil. Essa escolha foi fundamentada em diversos critérios. Primeiramente, a logística favorável de acesso, o que facilitou a execução da pesquisa. Além disso, o município apresenta uma diversidade significativa de núcleos populacionais, como comunidades rurais, ribeirinhas, quilombolas, sem-terra e assentados pelo programa de reforma agrária. Assim, essa diversidade permitiu uma análise abrangente de diferentes contextos socioeconômicos e ambientais dentro do município, proporcionando uma investigação detalhada sobre o acesso à água e suas implicações em várias comunidades.
2.1 Área de Estudo
O estudo foi realizado em dezesseis comunidades rurais distribuídas no município de Santa Luzia do Pará, estado do Pará (Figura 1). Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – (IBGE, 2010), a população era de cerca de
19.424 habitantes, sendo 8.693 habitantes na zona urbana e 10.731 na zona rural, com
densidade demográfica de 36,13 (hab./km²) e com extensão territorial de 1.356.124 km².
O município de Santa Luzia do Pará–PA está localizado na Macrorregião Hidrográfica (MRH): Costa Atlântica – Nordeste (Crispim; Fernandes, 2022). Parte de seu território está inserida em duas importantes bacias hidrográficas do estado do Pará, a saber, o rio Guamá e o rio Caeté. Os rios Caeté, Guamá, Peritoró e Sujo compõem a rede de drenagem presente no território do município (Crispim; Fernandes, 2022).
As atividades econômicas da população analisada incluíam a agricultura familiar, por meio de diversas formas de produção, como a exploração do solo para lavouras, bem como o extrativismo vegetal, atividades agropecuárias, e programas sociais como Bolsa Família e a Previdência Rural (IBGE, 2010).
Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo
Fonte: Autores (2023)
Com base na classificação de Köppen (1936), o clima do município e adjacências é
tropical de monção, com temperatura média de 28 °C. O município possui uma estação chuvosa e outra menos chuvosa (De Farias Neto et al., 2013), com precipitação média anual de 1750 – 3000 (mm), para um período de 30 anos (De Andrade et al., 2017).
2.2 Tamanho da amostra e coleta de dados
Para obter o conjunto de dados necessários para a pesquisa, foi elaborado um questionário estruturado com questões relacionadas ao acesso à água que teve como base o Quadro 1. Este foi concebido usando 4 componentes e 10 indicadores (que são a base do IRAA que será descrito no item 2.3), por meio de uma consulta abrangente com as partes interessadas, formuladores de políticas, especialistas e técnicos sobre abastecimento de água, esgoto sanitário, transporte da água do manancial para a casa e acesso à comunidade. As entrevistas foram realizadas no período de março a abril de 2021, abrangendo 16 comunidades rurais. O princípio da aleatoriedade foi utilizado para os participantes das entrevistas. Os domicílios visitados localizam-se nas partes centrais, nas extremidades e mais dispersos nas comunidades rurais. Cada entrevistado foi solicitado a responder a uma série de perguntas listadas no Quadro 1.
Quadro 1 – Componentes e indicadores utilizados no IRAA
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Componentes |
Indicadores |
Fonte |
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C 1 – Abastecimento de água |
Acesso ao sistema de abastecimento de água |
Guimarães et al. (2009) |
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Período de recebimento de água |
Crispim e Fernandes (2022) |
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Percepção sobre o descarte de esgoto sanitário |
Crispim e Fernandes (2022) |
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C 2 – Esgoto sanitário |
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Localização e tipo de instalação sanitária |
De Sousa et al. (2016) |
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Destino do esgoto sanitário |
De Sousa et al. (2016) |
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Distância da fonte de água até a casa |
Crispim e Fernandes (2022) |
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Número de vezes no dia para coletar água |
De Sousa et al. (2016) |
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C 3 – Transporte da água do manancial para a casa |
Duração da coleta, espera e transporte da água até a casa |
Brito et al. (2020)Recursos Hídricos (R |
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Meio de transporte utilizado para levar água até a casa |
De Sousa et al. (2016) |
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C 4 – Acesso à comunidade |
Condições de estrada |
Crispim e Fernandes (2022) |
Fonte: Autores (2023)
O número de indivíduos entrevistados foi determinado pela metodologia empregada por Triola (2013), com base na estimativa da proporção populacional (Equação 1). Os critérios utilizados para o cálculo da amostra foram os seguintes: a) Populações finitas, b) Nível de confiança de 95%, c) Nível de significância α de 0,05.
Em que:
n é o número de indivíduos a serem determinados;
N é o tamanho da população; Zα/2 é o valor crítico que corresponde ao nível de confiança;
p é a proporção da população de sujeitos que pertencem à categoria de interesse do estudo = 0,5; q é o número de sujeitos que não participam do grupo de pesquisa (q = 1– p) = 0,5. Quando p é desconhecido, a razão do produto p × q = 0,25, pois é o maior valor que pode ser obtido por esta relação (TRIOLA, 2013); E é a margem de erro
No total, foram realizadas 380 entrevistas em dezesseis comunidades rurais, proporcionalmente à população domiciliada em cada comunidade. A unidade familiar foi a fonte de informação para aquisição de dados para a pesquisa. Em cada domicílio visitado, participou do estudo um membro adulto da família (homem ou mulher) com 18 anos ou mais, preferencialmente o responsável pelo gerenciamento da água no domicílio. No entanto, na ausência do gestor da água, o membro adulto disponível participou da entrevista. O grupo de pessoas entrevistadas foi composto por agentes comunitários de saúde (ACS), Agentes de Combate a Endemias (ACE), agricultores, pescadores artesanais, extrativistas, comerciantes, estudantes, lideranças de assentamentos sem-terra, presidentes de associações rurais, lideranças quilombolas, lideranças cooperativas, políticos, líderes religiosos, professores; todos os participantes trabalhavam ou residiam nas áreas.
2.3 Estrutura para a concepção do IRAA
Na Figura 2 são apresentadas as etapas e a estrutura para concepção do IRAA, que pode ser replicada em outros locais conforme sugerido na pesquisa de Crispim et al. (2021).
Figura 2 – Orientações com as etapas e estrutura do IRAA
Fonte: Autores (2023)
As componentes e indicadores que compõem o IRAA foram selecionados por meio de revisão de literatura, com base em estruturas e grupos de componentes focados na condição de acesso à água em comunidades rurais, bem como em indicadores existentes (Guppy, 2014). A revisão de literatura forneceu estruturas com componentes e indicadores utilizados atualmente em estudos voltados para o meio rural. Considerou-se como critério a escala espacial (área rural), clareza, simplicidade, particularidade de comparação, solidez, sensibilidade e compreensibilidade das particularidades socioeconômicas e naturais das comunidades rurais (Crispim; Fernandes, 2022).
Embora o Quadro 1 apresente uma mistura de indicadores qualitativos e quantitativos, foi criada uma escala ordinal para converter medidas qualitativas em respostas quantitativas e normalizar os valores que seriam incluídos no método. Os indicadores são representados em diferentes escalas (por exemplo, acesso ao sistema de abastecimento de água “sim” ou “não”, distância da fonte de água até a residência, “metros” ou “quilômetros”). Para cada resposta foi atribuído um valor numérico baseado em uma escala pré-definida, sendo atribuído um número entre 0 e 10 às respostas dadas pelos participantes, em que 0 representa o nível mais baixo e 10 indica a melhor situação (Juwana; Muttil; Perera, 2012).
Para definir os valores para os indicadores e os pesos dos componentes apresentados no Quadro 1, foi utilizado o método Delphi, baseado no uso sistemático de compreensão, experiência e prática (Crispim; Fernandes, 2022). A peculiaridade de um grupo de experts (também identificados na literatura como especialistas, peritos, participantes, respondentes ou painelistas) considera que o pensamento coletivo é melhor do que a opinião ou concepção de um único profissional, quando devidamente organizado (Santiago; Dias, 2012). Esse método foi utilizado para amenizar a subjetividade que existe quando se adota apenas um analista (De Carvalho; Curi, 2016).
A escolha da metodologia Delphi em comparação com outras técnicas de previsão foi de acordo com as especificidades do estudo, por exemplo, a ausência de dados de séries históricas, a imprescindibilidade de uma abordagem multidisciplinar e as possibilidades de mudanças estruturais na área (Wright; Giovinazzo, 2000). Na Figura 3 é mostrada a continuação das etapas realizadas quando o método é aplicado.
Figura 3 – Ordem de implementação de um estudo Delphi
Fonte: Adaptado de Wright e Giovinazzo (2000)
Para a seleção dos possíveis participantes do método Delphi, foram utilizados os seguintes critérios para escolha dos atores envolvidos nesta consulta: conhecimento sobre a realidade espacial da área de estudo e do fenômeno a ser investigado, divisão proporcional de especialistas entre diferentes áreas do conhecimento (Marques; Freitas, 2018), acessibilidade e feedback das respostas (De Carvalho; Curi, 2016).
Para a escolha dos participantes do método Delphi, foi elaborada uma lista de prováveis experts com base nas informações obtidas na Plataforma Lattes no diretório de grupos de pesquisa do Brasil. Posteriormente, foi realizada uma consulta no currículo Lattes dos possíveis participantes para verificar se havia produções acadêmicas sobre o tema abordado neste estudo. Além disso, os experts foram inicialmente identificados por meio de um checklist baseado em qualificações e atividades, ou seja, a seleção foi feita com base em suas publicações acadêmicas e suas atividades e participação em pesquisas sobre gestão da água em comunidades rurais.
O tema abordado no questionário foi submetido à avaliação sistemática e validado pela concordância do grupo de experts. Segundo Marques e Freitas (2018), o número de etapas para aplicação dos questionários termina quando os níveis desejados de estabilidade e concordância nas respostas são alcançados.
O critério utilizado para o grau de concordância das respostas dos experts foi igual ou superior a 60% para cada componente e indicador. Entretanto, nas situações em que não houvesse concordância entre as respostas dos experts, outra rodada deve ser realizada até que se chegue a um consenso. Assim, para verificar se as opiniões do grupo de experts são convergentes, foi utilizada uma equação matemática proposta por Choi et al. (2018), conforme observado na (Equação 2).
Em que:
IQR = intervalo interquartílico
Neste estudo, para chegar ao nível de concordância de 60%, foram necessárias duas rodadas. Na primeira, 40 experts foram convidados a participar, dos quais houve uma taxa de retorno de 72,5%. Essa taxa de resposta na primeira rodada é superior a outros estudos usando o método Delphi, que geralmente varia de 30% a 50% (Wright; Giovinazzo, 2000). Enquanto na segunda rodada, o retorno das respostas foi de 29 (100,0%).
Em todas as etapas do processo, atingiu-se o mínimo de 15 participantes, o que é recomendado na literatura original do método Delphi, criado pela American Military Industry Research and Development (RAND) (Progênio et al., 2020). Além disso, todos receberam informações sobre os objetivos da pesquisa por e-mail e uma matriz preliminar com as componentes e indicadores do IRAA.
2.4 Cálculo do Índice Rural de Acesso à Água
Os indicadores de cada componente receberam notas (de 0 a 10) definidas pelos experts durante o processo do método Delphi. Assim, a nota geral de cada indicado foi calculada pela média aritmética dos valores recebidos. Esses valores foram usados nos questionários aplicados nas 16 comunidades para caracterizá-las em relação a cada indicador.
As componentes foram calculadas pela soma dos valores obtidos divididos pelo número de indicadores de cada componente, conforme a Equação 3.
Em que:
Ci é o valor do componente i;
n é o número de indicadores que compõem o componente;
Xj é a média das notas obtidas nos questionários de campo para cada indicador j
Para as componentes, os experts foram instruídos a atribuir valores de 0 a 100 para cada uma, considerando que a soma total fosse obrigatoriamente de 100. Assim, o peso (W) das componentes também foi extraído a partir de uma média aritmética das notas dos experts.
O valor final do IRAA é determinado pelo valor de cada componente multiplicado pelo seu peso (W), de 0 a 100, com base na (Equação 4).
Em que: IRAA é o valor do índice de acesso à água para uma determinada comunidade rural
2.5 Níveis de interpretação e classificação de acesso à água
A interpretação do índice é importante para entender a lógica das componentes e valores finais do índice (CRISPIM et al., 2021). A Tabela 1 mostra que o IRAA é baseado em classes de quartis com quatro faixas de classificação: Crítico (≥ 0,0 valor 5,8 ≤), Alerta (> 5,8 valor 6,2 ≤), Aceitável (> 6,2 valor 7,0 ≤) e, Ideal (> 7,0 valor 10,0 ≤), com base na metodologia empregada por (Juwana et al., 2016; Crispim et al., 2021). Os níveis de avaliação de acesso à água foram incorporados aos mapas que ilustram a situação das componentes e índices para um período de avaliação específico e podem ser usados como base para a “Prioridade de Ação” para melhorar o acesso à água na escala das comunidades nas áreas rurais.
Para elaborar os mapas do IRAA e suas componentes, o método de interpolação Inverse Distance Weighting (IDW) foi aplicado para identificar a situação das comunidades rurais em relação ao acesso à água. Para a elaboração dos mapas temáticos foi utilizada a ferramenta SIG, utilizando a Projeção: Mercator Transversal Universal (UTM), Datum Horizontal: Sirgas 2000, Fuso 23S, Base Cartográfica do IBGE, conforme metodologia empregada por (Crispim et al., 2021).
Tabela 1 – Classificação de acesso à água e prioridade
|
Quartil |
Faixa do IRAA (0,0-10,0) |
Cor |
Classificação |
Prioridade de Ação |
|
1º quartil |
≥ 0,0 valor 5,8 ≤ |
vermelho |
Crítico |
Alto |
|
2º quartil |
> 5,8 valor 6,2 ≤ |
amarelo |
Alerta |
Alto-Médio |
|
3º quartil |
> 6,2 valor 7,0 ≤ |
verde |
Aceitável |
Médio |
|
4º quartil |
> 7,0 valor 10,0 ≤ |
azul |
Ideal |
Baixo |
Fonte: Autores (2023)
2.6 Análise Multivariada
Uma análise de cluster foi usada para classificar todas as dezesseis comunidades rurais em grupos administráveis, considerando seu desempenho no método sugerido. Assim, as comunidades rurais dentro de um cluster têm um alto grau de homogeneidade entre si, enquanto as comunidades em diferentes clusters são bastante distintas. Para tanto, foi empregado o método hierárquico de Ward, uma vez que consiste em um dos métodos de agrupamento hierárquico mais utilizados (Varin et al., 2009). O método de Ward procura por partições que minimizem a perda associada a cada cluster (Ward Jr., 1963). Para isso, a perda é quantificada pela diferença entre a soma dos erros quadrados de cada padrão e a média da partição. A Equação 5 descreve a soma dos erros quadráticos para cada cluster.
Em que:
k é o cluster em questão;
n é a quantidade total de observações no cluster k e xi é a i-ésima observação no cluster k
O programa R versão 3.6.1 e o software Excel foram utilizados para aplicação do método hierárquico de Ward, bem como a distância euclidiana como medida de dissimilaridade.
3.1 Definição dos pesos das componentes do IRAA
Na Figura 4 e Tabela 2 são apresentados os resultados das componentes do IRAA obtidos pelo método Delphi. Assim, constatou-se na primeira rodada do Método Delphi, que apenas um componente não havia atingido uma avaliação de convergência
≥ 60%, necessitando de uma nova rodada.
Figura 4 – Avaliação da convergência da consulta do método Delphi
Fonte: Autores (2023)
Os resultados da 2ª rodada de consulta Delphi indicam que todas as componentes analisadas apresentaram ≥ 60%, mostrando que as opiniões do painel de experts (especialistas na área de recursos hídricos, técnicos e professores) atingiram o critério utilizado para o nível de acordo.
Os resultados mostraram que não houve aumento de consistência entre a primeira e a segunda rodada, com destaque para as componentes chamadas abastecimento de água (C1), transporte da água do manancial para a casa (C3) e acesso à comunidade (C4). Assim, supõe-se que esse resultado esteja vinculado à estabilidade das respostas dos especialistas e à falta de novas contribuições no processo Delphi.
Tabela 2 – Matriz com as componentes, pesos e nível de concordância
|
Componentes |
1ª rodada de consulta |
2ª rodada de consulta |
||
|
Pesos (W) |
Avaliação de convergência (CONIQR ≥ 60%) |
Pesos (W) |
Avaliação de convergência (CONIQR ≥ 60%) |
|
|
C 1 – Abastecimento de água |
30 |
68,75% |
30 |
68,75% |
|
C 2 – Esgoto sanitário |
30 |
37,5% |
30 |
68,75% |
|
C 3 – Transporte da água do manancial para a casa |
20 |
68,75% |
20 |
68,75% |
|
C 4 – Acesso à comunidade |
20 |
68,75% |
20 |
68,75% |
Fonte: Autores (2023)
A variação nos pesos atribuídos às componentes do IRAA é evidente nos dados da Tabela 2. Notavelmente, as componentes abastecimento de água (C1) e esgoto (C2) receberam os maiores pesos, ambos com 30. Isso reflete o consenso dos especialistas, que consideraram essas componentes como fundamentais devido à sua complexidade e importância na avaliação do acesso à água em cada comunidade. Por outro lado, as componentes transporte da água do manancial para a casa (C3) e acesso à comunidade (C4) foram atribuídas com o menor peso, ambos com 20. Assim, a diferença de 10 entre o maior e o menor peso indica uma variação média nos pesos atribuídos às diferentes componentes do IRAA.
3.2 Visualização do Índice Rural de Acesso à Água (IRAA)
O ADMC e o SIG possibilitaram a visualização e manipulação simultânea dos dados do IRAA e suas componentes, gerando um mapa com a distribuição espacial do desempenho de cada localidade em relação ao IRAA (Figura 5). Pode-se observar que as comunidades apresentaram desempenhos distintos, na faixa do crítico ao ideal. Resultados semelhantes foram obtidos por Brito et al. (2020) na ilha de Cotijuba- Belém-PA, e por Guimarães et al. (2009).
Figura 5 – Mapa do índice de acesso à água nas comunidades rurais do município de Santa Luzia do Pará
Fonte: Autores (2023)
Além disso, um estudo desenvolvido em quatro aldeias no centro do Cazaquistão por Omarova et al. (2019), avaliando o acesso atual e a qualidade da água de vários tipos de abastecimento, utilizaram questionários e pesquisas obtidas com a população residente em domicílios de comunidades rurais, mostraram que, embora os moradores tenham acesso à água encanada, a maioria das pessoas usava água de outras fontes devido às dúvidas dos moradores sobre a qualidade da água encanada; uso de outras fontes por hábito; e disponibilidade de fontes mais baratas ou gratuitas. Situação semelhante foi obtida por Crispim et al. (2021) que realizaram um estudo no município de Pombal, Paraíba, Brasil, em que os resultados revelaram diferenças nas formas de acesso à água quanto à quantidade e a acessibilidade econômica dentro da comunidade, onde mesmo uma comunidade sem Sistema de Abastecimento de Água (SAA) pode ter grupos com diferentes condições de acesso.
Uma possível justificativa para esse comportamento distinto das comunidades rurais do município de Santa Luzia do Pará–PA em relação ao resultado do IRAA, pode estar correlacionada com as capacidades adaptativas dos moradores para gerir a água, bem como a disponibilidade de infraestrutura hídrica para abastecimento de água. Além disso, as pessoas podem se adaptar ao fato de terem pouco acesso à água. No entanto, é importante ressaltar que as comunidades rurais classificadas na faixa ideal não significam que não careçam de nenhuma atividade ou ação que possa otimizar o acesso à água. Nesse sentido, Guardiola et al. (2014) afirmam que, quando uma casa não está ligada à rede pública de abastecimento de água, pelo menos um membro da família tem de dedicar parte do seu tempo ao transporte de água para casa ou à lavagem de roupa fora de casa.
Cabe destacar que as comunidades rurais próximas aos rios acessam melhor a água do que as mais distantes dessas fontes superficiais, como KM 18 (Santa Maria – P05), Pitoró (P09) e Vila Estiva (P16). Previsivelmente, as comunidades rurais distantes dos rios Caeté, Grande, Guamá e Peritoró apresentaram uma situação crítica de acesso à água do que as comunidades próximas a essas fontes de água superficial, por exemplo, Areia Branca (P01), Piracema (P08) e Quilombola Pimenteira (P11). Assim, os resultados obtidos são semelhantes ao estudo de Garriga e Pérez-Foguet (2011), em que comunidades rurais próximas a uma fonte de água superficial disponível tiveram pontuações altas.
Observou-se que as comunidades do km 18 (Santa Maria – P05), Pitoró (P09) e Vila Estiva (P16), obtiveram classificação na faixa ideal, indicando que essas comunidades possuem melhor situação de acesso à água, mostrando que a infraestrutura hídrica local e a capacidade adaptativa de gestão da água colaboram para sua classificação e a diferenciam de outras comunidades rurais do município. Assim, as comunidades rurais que alcançaram uma classificação considerada ideal possuem especificidades diferentes das demais, pois as residências em sua maioria possuem instalações sanitárias internas e limpas, a população não precisa gastar seu tempo percorrendo longas distâncias para coletar, esperar e transportar água da fonte até as suas residências, visto que possuem múltiplas torneiras instaladas nos seus cômodos.
Observa-se na Figura 5 que as comunidades de Broca (P02), Cantã (P03), Pau D’arco (P07), São João do Caeté (P12) e Tamancuoca (P13) apresentaram desempenho de alerta, possivelmente ligado à baixa capacidade da população de gerir a água e às infraestruturas hídricas inadequadas ou insuficientes. Levando isso em consideração, pelo menos um membro da família tem que dedicar parte do seu tempo para levar água de uma determinada fonte até a residência. Além disso, as pessoas não captam e usam água de fonte superficial ou pluvial, mas preferencialmente usam fontes de água subterrâneas, embora às vezes o volume não seja suficiente para fazer usos múltiplos da água.
Crispim e Fernandes (2022) destacam que, embora a maioria dessas comunidades rurais esteja próxima a rios, a maior parte das pessoas depende de poços cavados ou perfurados para abastecimento de água. Mas, na pesquisa realizada por Guimarães et al. (2009) em comunidades rurais do município de Santa Luzia do Pará, observou-se que a água de poços subterrâneos possui baixa qualidade para consumo humano, não atendendo aos padrões legais estabelecidos. Portanto, pode afetar negativamente a saúde das pessoas.
É importante mencionar que, embora a precipitação na Amazônia brasileira seja de aproximadamente 2.095 mm por ano, com potencial de captação e aproveitamento (Almeida et al., 2017), existe um baixo aproveitamento da água da chuva para abastecimento humano em Santa Luzia do Pará–PA (Crispim e Fernandes 2022).
O IRAA demonstrou que 31,3% (5) das comunidades rurais foram classificadas em situação de ‘acesso à água aceitável’, 25,0% (4) em ‘crítico’, 25,0% (4) em ‘condição de alerta’ e 18,8% (3) ficaram com uma classificação ideal de acesso à água (Tabela 3).
Tabela 3 – Desempenho das componentes e do IRAA nas comunidades rurais
|
Comunidades rurais |
C 1 |
C 2 |
C 3 |
C 4 |
IRAA |
Posição |
Classificação |
|
Areia Branca |
5,6 |
4,8 |
7,6 |
3,4 |
5,3 |
16 |
Crítico |
|
Broca |
5,7 |
5,7 |
8,9 |
3,9 |
6,0 |
10 |
Alerta |
|
Cantã |
5,5 |
5,9 |
8,2 |
4,2 |
5,9 |
11 |
Alerta |
|
Fuzil |
9,1 |
5,3 |
9,7 |
3,7 |
7,0 |
4 |
Aceitável |
|
KM 18 (Santa Maria) |
5,7 |
5,7 |
8,9 |
10,0 |
7,2 |
1 |
Ideal |
|
Mucurateua |
5,9 |
5,4 |
10,0 |
5,0 |
6,4 |
8 |
Aceitável |
|
Pau D’arco |
5,2 |
4,6 |
8,0 |
6,4 |
5,8 |
13 |
Crítico |
|
piracema |
5,6 |
5,1 |
8,2 |
4,7 |
5,8 |
14 |
Crítico |
|
Pitoró |
5,7 |
5,8 |
8,8 |
9,9 |
7,2 |
2 |
Ideal |
|
Quilombola Jacarequara |
5,9 |
7,1 |
8,5 |
5,6 |
6,7 |
7 |
Aceitável |
|
Quilombola Pimenteira |
5,3 |
5,7 |
8,3 |
3,7 |
5,7 |
15 |
Crítico |
|
São João do Caeté |
5,4 |
4,7 |
7,7 |
6,4 |
5,9 |
12 |
Alerta |
|
Tamancuoca |
5,8 |
5,3 |
9,1 |
4,6 |
6,1 |
9 |
Alerta |
|
Tentugal |
7,8 |
5,9 |
8,6 |
5,2 |
6,9 |
5 |
Aceitável |
|
Vila Caeté |
5,4 |
5,9 |
8,5 |
8,3 |
6,8 |
6 |
Aceitável |
|
Vila Estiva |
5,8 |
5,7 |
9,3 |
8,9 |
7,1 |
3 |
Ideal |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Fonte: Autores (2023)
Os resultados da Tabela 3 indicam como variaram a condição de acesso à água para os moradores entre as comunidades rurais. Percebe-se que as comunidades rurais KM 18 (Santa Maria) e Pitoró obtiveram os maiores desempenhos no IRAA, com 7,2, classificando-se na faixa ideal, em contrapartida, as comunidades rurais, Areia Branca e Quilombola Pimenteira, obtiveram os menores resultados, com 5,3 e 5,7, respectivamente, classificados em situação crítica. Diante dos resultados, os desafios do governo local incluem garantir que a água encanada chegue a todas as comunidades rurais, melhorar a qualidade da água e garantir a continuidade do abastecimento e ter água suficiente para atender às necessidades básicas.
Percebeu-se que os mapas que mostram a espacialização das classificações das componentes do IRAA podem auxiliar os formuladores de políticas a visualizar de forma prática a situação de cada localidade e ações prioritárias a serem tomadas de acordo com seu desempenho, além de alocar recursos adequados com base nas necessidades de cada comunidade para garantir o acesso à água. Dessa forma, pode garantir a definição de um quadro político-estratégico abrangente para o melhor uso da água, que beneficie as famílias rurais.
Na Figura 5 são apresentadas as classificações das componentes do IRAA nas comunidades rurais pesquisadas, que apresentaram variação no município de Santa Luzia do Pará–PA, principalmente na componente 1, composta pelos indicadores, acesso à rede de abastecimento de água e período de recebimento de água, e a componente 2, cerca de 75% (n=12) das localidades apresentaram classificação crítica, respectivamente.
Os resultados mostram uma lacuna de infraestrutura hídrica nessas localidades e uma baixa capacidade de adaptação dos moradores ao acesso à água. Assim, as comunidades rurais com situação crítica precisam da atenção do poder público municipal, pois são insuficientes, e as pessoas carecem de água apropriada e satisfatória.
Figura 5 – Mapa de desempenho das componentes do IRAA
Fonte: Autores (2023)
3.3 Método de Ward
Na Figura 6 é apresentado o dendrograma resultante da aplicação do método de Ward com a distância euclidiana (medida de dissimilaridade), que foi empregado para medir diferenças entre comunidades rurais. O corte feito no eixo do dendrograma ficou na altura de 4,5, indicando a composição de 4 grupos prováveis. Essa decisão é subjetiva, cabendo ao pesquisador definir a melhor distância (Brito et al., 2020; Crispim et al., 2021).
Figura 6 – Dendrograma resultante da análise de cluster do método hierárquico de Ward
Fonte: Os autores, 2022
Nesta figura, o grupo 1 é composto por seis comunidades rurais, sendo que 37,5% (n=6) apresentam desempenho crítico, por outro lado, 25,0% (n=4) apresentaram desempenho na faixa de alerta, em contrapartida, 37,5% (n=6) apresentaram desempenho aceitável. As comunidades com classificação crítica não possuem sistema coletivo de abastecimento de água e precisam recorrer a fontes alternativas, como o uso de fontes subterrâneas (poços artesanais e tubulares) e corpos d’água naturais para garantir o acesso à água, embora o volume de água reduza no período mais seco. No entanto, há água da chuva suficiente para suprir as necessidades das comunidades rurais. A coleta e armazenamento de água da chuva é uma tecnologia econômica de pequena escala que tem o potencial de aumentar o abastecimento de água segura com o mínimo de perturbação ao meio ambiente para lidar com a demanda crescente (Ishaku et al., 2012).
Com base na composição dos grupos, pode-se inferir que as comunidades rurais que compõem os grupos 1 e 4 necessitam de intervenção do governo local no sentido de desenvolver programas que auxiliem as comunidades rurais a obterem serviços básicos de abastecimento de água, pois as famílias domiciliadas nessas localidades não possuem capacidade de gerir a água, comprometendo a garantia do abastecimento de água, enquanto causa implicações para a unidade familiar, em especial, no consumo doméstico, dessedentação dos animais e produção agrícola, dificultando o exercício de atividades que possam gerar rendimentos e garantir o homem no campo. Além disso, há necessidade de aumentar a disponibilidade de água para diversas atividades domésticas, bem como para o cultivo de alimentos e consumo animal.
Diante do exposto, os grupos 1 e 4 precisam melhorar suas capacidades adaptativas e de gestão para garantir o acesso à água encanada para atender suas demandas, em particular, o consumo doméstico. O desafio da universalização e equidade do acesso à água encanada nos domicílios das comunidades que compõem esses grupos é evidente, pois as pessoas utilizam fontes não potáveis, como rios, córregos perenes, açudes e poços abertos suscetíveis à s doenças de veiculação hídrica. Existem implicações para a implementação de programas destinados a construir novas infraestruturas de água e melhorar a cobertura do serviço. As autoridades locais precisam criar políticas e programas que garantam o consumo doméstico de água e, ao mesmo tempo, educar a população para mudar comportamentos e gerir os recursos hídricos de forma mais eficiente.
O Grupo 2 é composto por quatro comunidades rurais, nas quais 100,0% (n=4) apresentaram classificação na faixa aceitável. Esse grupo é composto por comunidades rurais geograficamente dispersas no território do município de Santa Luzia do Pará–PA, embora estas tenham desempenho superior às comunidades que compõem os grupos 1 e 4, quanto à condição de acesso à água, pois todas as comunidades rurais neste grupo obtiveram desempenho na faixa aceitável. Em contraste, o grupo 3 agrupou as comunidades rurais que apresentaram classificação na faixa ideal de IRAA (7,1), pois 75,0% (n = 3) das comunidades rurais desse grupo têm acesso a abastecimento de água melhorado, exceto Vila Caeté, que obteve classificação na faixa aceitável. Pode-se inferir que seu desempenho esteve relacionado à existência de fontes de abastecimento de água disponíveis, garantindo o acesso à água de boa qualidade e de procedência conhecida. Além disso, a família dessas comunidades rurais tem uma melhor capacidade de viver dentro do ambiente amazônico
O IRAA conseguiu identificar semelhanças e diferenças entre as comunidades rurais, bem como verificar locais que precisam de alta prioridade para garantir e melhorar o acesso à água em escala local. Os tomadores de decisão podem então alocar recursos para melhorar o acesso à água. Finalmente, para tornar o IRAA altamente útil para o governo municipal de Santa Luzia do Pará–PA, a comparação das questões de acesso à água nas comunidades rurais precisa ser estendida a todas as localidades do município, o que pode ser realizado em uma pesquisa futura.
A análise de cluster mostra que as comunidades rurais apresentaram comportamentos semelhantes e distintos, de acordo com a composição de quatro grupos. Assim, com base nos resultados da análise de cluster, podem ser desenvolvidas estratégias para serem executadas em grupos manejáveis, em busca de respostas mais eficientes ao acesso à água para as comunidades rurais.
As principais contribuições foram o estudo em uma região onde a população rural tem dificuldade de acesso à água potável, assim como o IRAA é o primeiro passo para estabelecer uma escala para comparar a situação entre as comunidades quanto ao acesso à água, o que pode contribuir muito para facilitar melhorias no acesso à água onde ela é mais necessária.
Vale ressaltar que o IRAA pode ser utilizado em outros países em desenvolvimento ou regiões do mundo habitadas por populações vulneráveis com problemas sociais, econômicos e ambientais, para isso é necessário o ajuste dos pesos das componentes (por outros métodos participativos ou estatísticos). Então, o método IRAA pode medir a situação do acesso à água e gerar mapas em qualquer lugar do mundo para ajudar os formuladores de políticas.
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1 – Diêgo Lima Crispim
Universidade Federal do Pará, Doutor em Engenharia Civil na UFPA, Mestre em Sistemas Agroindustriais pela Universidade Federal de Campina Grande, Especialista em Educação Ambiental e Geografia do Semiárido pelo Instituto Federal do Rio Grande do Nortes e Bacharel em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Campina Grande.
https://orcid.org/0000-0003-1491-2636 • dlimacrispim@gmail.com
Contribuição: Conceituação, Curadoria de dados, Investigação, Visualização de dados, Escrita - primeira redação
2 – Lindemberg Lima Fernandes
Universidade Federal do Pará, Mestre em Geofísica (2000) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela UFPA (2005). Tutor do Programa de Educação Tutorial - Secretaria de Educação Superior- MEC, PET Engenharia Sanitária e Ambiental. https://orcid.org/0000-0003-1806-4670 • linlimfer@gmail.com
Contribuição: Administração do projeto, Supervisão, Metodologia, Escrita - revisão e edição
2 – Luiza Carla Girard Mendes Teixeira
Universidade Federal do Pará, Mestre em Engenharia Civil (opção Saneamento) pela Escola Politécnica da USP (1999), Doutora em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela UFPA (2003) e Pós-Doutora em Tratamento Avançado de Esgotos Domésticos no Departamento de engenharia Química e Tecnologia de Meio Ambiente da Universidade de Valladolid-Espanha (2010).
https://orcid.org/0000-0002-0204-6825 • luiza.girard@gmail.com Contribuição: Supervisão, Análise formal, Validação, Escrita - revisão e edição.
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