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Universidade Federal de Santa Maria

Geografia Ensino e Pesquisa, Santa Maria, v. 28, e85068, 2024

DOI: 10.5902/2236499485068

ISSN 2236-4994

Submissão: 13/09/2023 • Aprovação: 04/04/2024 • Publicação: 09/08/2024

1 INTRODUÇÃO.. 4

2 A CARTOGRAFIA DIGITAL NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE GEOGRAFIA.. 8

3 A LEITURA E REFLEXÃO DOS MAPAS DIGITAIS: PERCURSOS E POSSIBILIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO NA ESCOLA.. 17

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 27

REFERÊNCIAS. 28

Contribuição de autoria. 32

Como citar este artigo. 32

 

Ensino e Geografia

A potencialidade dos mapas digitais para o ensino de geografia

The potential of digital maps for teaching geography

 

El potencial de los mapas digitales para la enseñanza de geografía

Gabriel Martins CavalliniIÍcone

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Igor de Araújo PinheiroIÍcone

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Denis RichterIÍcone

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I Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a potencialidade da Cartografia digital no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos geográficos na Educação Básica. Os questionamentos que originaram este texto abrangem a necessidade de compreender a potencialidade da linguagem cartográfica no processo de ensino de Geografia, especialmente após a retomada das atividades presenciais nas escolas. Durante a fase aguda da pandemia da Covid-19 (2020-2022), foram elaborados diversos materiais didático-pedagógicos destinados à modalidade de ensino remoto. Para isso, foram analisados os seguintes materiais: i) as sequências didáticas apresentadas no e-book “Cartografia da Covid-19”, que contêm orientações para uso em ambiente escolar (remoto); ii) a plataforma Covid Goiás, desenvolvida pela Universidade Federal de Goiás (UFG); e iii) os mapas interativos disponibilizados pela Secretaria Municipal de Planejamento de Teresina/PI (SEMPLAN). Ao final, buscou-se desenvolver duas sequências didáticas utilizando os mapas digitais interativos disponibilizados na plataforma Covid Goiás e SEMPLAN. Os resultados indicaram que essa proposta de encaminhamento didático-pedagógico apresenta relevância e potência no processo de ensino-aprendizagem de Geografia, o que reforça a sua contribuição para o desenvolvimento do pensamento geográfico no contexto escolar.

Palavras-chave: Ensino de Geografia; Cartografia Escolar; Pensamento Geográfico; Sequências Didáticas; Covid-19

ABSTRACT

This article aims to analyze the potential of digital cartography in the teaching-learning process of geographical contents in Basic Education. The questions that originated this text encompass the need to understand the potential of cartographic language in the teaching process of Geography, especially after the resumption of in-person activities in schools. During the acute phase of the Covid-19 pandemic (2020-2022), several didactic-pedagogical materials were developed for remote teaching. For this purpose, the following materials were analyzed: i) didactic sequences presented in the e-book “Cartography of Covid-19,” which contains guidelines for use in the school environment (remote); ii) the Covid Goiás platform, developed by the Federal University of Goiás (UFG); and iii) the interactive maps made available by the Municipal Planning Secretariat of Teresina/PI (SEMPLAN). Finally, two didactic sequences were developed using the interactive digital maps available on the Covid Goiás and SEMPLAN platforms. The results indicated that this proposal for a didactic-pedagogical approach is relevant and powerful in the teaching-learning process of Geography, reinforcing its contribution to the development of geographical thinking in the school context.

Keywords: Geography Teaching; School Cartography; Geographical Thinking; Didactic Sequences; Covid-19

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar la potencialidad de la Cartografía digital en el proceso de enseñanza-aprendizaje de los contenidos geográficos en la Educación Básica. Las preguntas que originaron este texto abarcan la necesidad de comprender la potencialidad del lenguaje cartográfico en el proceso de enseñanza de Geografía, especialmente después de la reanudación de las actividades presenciales en las escuelas. Durante la fase aguda de la pandemia de Covid-19 (2020-2022), se elaboraron diversos materiales didáctico-pedagógicos destinados a la modalidad de enseñanza remota. Para ello, se analizaron los siguientes materiales: i) las secuencias didácticas presentadas en el e-book “Cartografía de la Covid-19”, que contiene orientaciones para su uso en el entorno escolar (remoto); ii) la plataforma Covid Goiás, desarrollada por la Universidad Federal de Goiás (UFG); y iii) los mapas interactivos proporcionados por la Secretaría Municipal de Planeamiento de Teresina/PI (SEMPLAN). Al final, se buscó desarrollar dos secuencias didácticas utilizando los mapas digitales interactivos disponibles en la plataforma Covid Goiás y SEMPLAN. Los resultados indicaron que esta propuesta de enfoque didáctico-pedagógico es relevante y potente en el proceso de enseñanza-aprendizaje de Geografía, lo que refuerza su contribución al desarrollo del pensamiento geográfico en el contexto escolar.

Palabras-clave: Enseñanza de Geografía; Cartografía Escolar; Pensamiento geográfico; Secuencias Didácticas; COVID-19

1 INTRODUÇÃO

A ciência geográfica ocupa um importante espaço no escopo dos componentes curriculares da Educação Básica brasileira. Desde os Anos Iniciais do Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano), os conceitos basilares da Geografia são trabalhados na escola de maneira interdisciplinar, com por exemplo os conceitos de lugar e paisagem (Juliasz, 2017). Já nos Anos Finais do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), o conhecimento geográfico é sistematizado de maneira destacada em um único componente curricular – a disciplina Geografia –, enquanto que no Ensino Médio, a partir de sua reforma mais atual (Lei n. 13.415/2017), os conteúdos geográficos passaram a compor a grande área do conhecimento, denominada Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, dividindo espaço na matriz curricular com História, Sociologia e Filosofia (Brasil, 2018).

Este preâmbulo, para além de demonstrar a capilaridade da ciência geográfica nas diversas etapas da escolarização, evidencia a necessidade de serem trabalhadas abordagens específicas quanto à utilização da linguagem cartográfica, respeitando os diferentes níveis cognitivos dos escolares, como também as relações que envolvem todo o processo de ensino-aprendizagem. Acerca deste ponto, entende-se que as diferentes linguagens possuem um papel significativo no processo de ensino-aprendizagem, especialmente, em relação aos conteúdos geográficos. Dentre as linguagens mais utilizadas no âmbito escolar tem-se a própria escrita, a musical, a teatral, a artística, a imagética, a cartográfica, entre outras.

As diferentes formas de linguagem citadas possuem potencialidade para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem de Geografia (Richter, 2017). Entretanto, a linguagem cartográfica detém uma especial conexão com a ciência geográfica, pelo fato de que ela, a partir de suas técnicas e instrumentos, permite representar espacialmente os fenômenos, em forma de mapas, gráficos, blocos de diagramas, maquetes, croquis etc. Essa linguagem possibilita aos escolares uma maior proximidade com seus espaços de vivência, bem como a compreensão de múltiplas espacialidades pelo mundo (Moreira, 2007).

E considerando a inserção dessas crianças e jovens em um mundo cada vez mais globalizado, integrado e tecnológico, mas ao mesmo tempo excludente, é importante que as linguagens avancem nesse sentido. Um exemplo significativo desse contexto é a forma como o governo Federal, os governos Estaduais e Municipais e seus respectivos ministérios e secretarias agiram perante à pandemia da Covid-19, que em alguns casos cancelaram as aulas por um período prolongado, em outros substituíram as aulas presenciais por aulas remotas, transformaram as aulas em programas de televisão, ou até, seguiram com aulas presenciais mesmo no auge da pandemia (2020-2022).

Grande parte do sistema educacional brasileiro, sob orientação dos órgãos competentes, migrou para o ensino na modalidade virtual – Portaria nº 544 de 2020 -, ou seja, a sala de aula “se deslocou” para os computadores, celulares e tablets, para a casa dos alunos e professores (Brasil, 2020). Nesse contexto, asseverou-se a necessidade por parte da classe docente a buscar por novos recursos, instrumentos e metodologias que fossem capazes de serem desenvolvidos nesse formato de ensino; e que no momento presente, pudesse contribuir para as atividades de ensino-aprendizagem totalmente presenciais. Compreendendo os desafios apresentados à Geografia escolar, um instrumento se demonstrou eficaz para esse período específico: a Cartografia digital.

Com base nesse entendimento, alguns questionamentos se evidenciaram, como por exemplo: Qual a potencialidade de utilização das propostas metodológicas desenvolvidas durante o ensino remoto? É possível utilizar os recursos da Cartografia digital em sala de aula, em um contexto de ensino totalmente presencial? Quais são as potencialidades e os limites no emprego destes recursos no processo de ensino-aprendizagem de Geografia? As propostas de ensino ancoradas no uso da Cartografia digital contribuem no desenvolvimento do pensamento geográfico dos escolares?

A busca para responder tais questionamentos está embasada na análise e na proposição de Sequências Didáticas (SD), em diferentes etapas. Preliminarmente, verificou-se o material para uso em ambiente escolar “Cartografia da Covid-19” (Richter; Nascimento, 2020), produzido por pesquisadore(a)s vinculado(a)s ao Grupo de Estudos de Cartografia para Crianças e Escolares (GECE), sediado na Universidade Federal de Goiás (UFG), mas que conta com colaboradores de todo o Brasil. Esse material tem por objetivo apresentar algumas orientações teórico-metodológicas destinadas à mediação didática de Geografia, cuja temática de ensino estivesse centrada na espacialização da Covid-19 e que pudesse ser abordada a partir do uso da linguagem cartográfica disponível em sites e plataformas digitais do Brasil e do mundo, como exemplo a Plataforma Covid Goiás.[1]

Em seguida, buscou-se outras plataformas que permitissem a produção de SD, considerando o estudo e a análise de diferentes fenômenos geográficos. Assim, selecionamos o site (sítio eletrônico) da Secretaria Municipal de Planejamento de Teresina/PI (SEMPLAN), que dispõe de um grande arcabouço cartográfico digital e, portanto, se encaixa nas proposições deste trabalho.

Desse modo, tem-se como objetivo central desta investigação analisar a potencialidade da Cartografia digital no processo de ensino-aprendizagem de Geografia na Educação Básica, no contexto da retomada do ensino presencial.  Por isso, nas próximas páginas, desenvolver-se-á uma discussão teórica acerca da Cartografia digital e sua importância em um contexto de mundo cada vez mais globalizado e conectado, sem desconsiderar as desigualdades socioeconômicas que limitam o alcance dessa ferramenta. Além disso, serão apresentadas as SD para o estudo do espaço urbano nas aulas de Geografia, com suporte na utilização de mapas digitais e sites que permitem a interação entre o aluno-usuário e os instrumentos tecnológicos que possibilitam a construção de uma leitura e análise geográfica.

2 A CARTOGRAFIA DIGITAL NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE GEOGRAFIA

2.1 A Cartografia e suas transformações no contexto do mundo digital

Na perspectiva da ciência cartográfica, um dos mais recentes e significativos avanços ocorreu na elaboração e disponibilização de materiais cartográficos em formato digital, os quais têm revolucionado conceitos e paradigmas, bem como a maneira como as informações geográficas presentes nesses recursos são comunicadas (Menezes, 2000). Podem ser considerados elementos da Cartografia digital os mapas inativos ou interativos, as imagens de satélite, os Sistemas de Informação Geográfica (SIGs) – Google Maps ou Google Earth –, entre outros, todos disponibilizados em formato digital.

Tais avanços evidenciam a capacidade da humanidade de inovar na busca pela representação do espaço em que está inserida e na contribuição desses materiais para compreender os fatos e fenômenos que ocorrem em diferentes contextos. Por isso, é importante salientar que, desde os povos primitivos, passando pelos povos da Mesopotâmia e do Oriente, os nativos americanos e os aborígenes da Oceania, é possível verificar, a partir da arte e das pinturas rupestres, uma necessidade de representação, seja do espaço em que habitavam ou de atividades sociais, costumes, ritos etc. (Brotton, 2014). Portanto, a prática de mapear não advém das sociedades contemporâneas, ela foi sendo aperfeiçoada conforme as transformações de cada período histórico, sempre com o intuito de representar o mundo para melhor compreendê-lo.

Este entendimento nos permite analisar profundamente as potencialidades advindas das representações digitais, em consonância com as atuais demandas e perspectivas da ciência cartográfica. Pois, dentre tantas formas e técnicas para a espacialização dos fenômenos no âmbito da Cartografia, a elaboração de mapas e sua disponibilização em plataformas digitais permite, entre várias perspectivas, tal como uma maior acessibilidade ao público em geral, e a possibilidade do desenvolvimento de mapas interativos. Para Sousa (2014, p. 49-50), a inserção dos produtos cartográficos na World Wibe Web (WWW) propicia:

[...] a possibilidade para atualizar os mapas a custo mínimo, relacionar informações socioambientais em diferentes escalas temporais, integrar componentes de multimídia com mapas através da participação e colaboração do usuário no processo de mapeamento.

Essa perspectiva de participação do usuário no processo de mapeamento e análise da informação cartográfica se insere no contexto da interatividade. Conforme Menezes (2000), os mapas em meio digital podem estar condicionados de duas maneiras: na primeira, ele está disponível de forma inativa/estática, ou seja, sem a possibilidade de interação entre a representação e usuário; já na segunda maneira – a que mais nos interessa para esse debate –, o material pode ser interativo, permitindo a ação do usuário sob os dados e as informações ali representadas. Neste sentido, essa “interatividade está condicionada pela autonomia de trabalho com os dados, autonomia essa configurada de modo particular em cada ambiente digital” (Passos, 2017, p. 44).

A interatividade é a principal característica dos mapas digitais, pois permite que o usuário faça de modo ativo/autônomo a opção por camadas de dados, ampliem ou diminuam a escala de análise, selecione um objeto ou área específica de seu interesse. Compreende-se o usuário como agente central da análise dos dados a partir das perspectivas, escalas e recortes que mais o interessa, o que exigirá conhecimentos e habilidades específicas para operar com esses produtos.

 Assim, ao longo do processo, o indivíduo pode construir um entendimento próprio acerca do objeto geográfico estudado/analisado. Em outras palavras, considerando o uso de mapas digitais interativos no processo de ensino-aprendizagem de algum conteúdo geográfico, os escolares podem interagir com a linguagem cartográfica digital e construir a sua própria noção geográfica sobre o fenômeno estudado (Cavallini, 2022).

O crescente uso e desenvolvimento de materiais cartográficos digitais e a sua disponibilização em sites livres têm chamado a atenção de professores e pesquisadores, que atuam ou investigam acerca do processo de ensino-aprendizagem de Geografia na Educação Básica. Segundo Passos (2017), dados relativos aos trabalhos apresentados em dois importantes eventos da área de Geografia (Encontro Nacional de Geógrafos - ENG e o Colóquio de Cartografia para Crianças e Escolares) apontam para um significativo aumento de artigos relacionados à Cartografia digital e às metodologias de ensino-aprendizagem que as envolvessem. Vale destacar que essa análise foi realizada antes do contexto pandêmico. Todavia, observa-se em eventos científicos mais recentes que essa temática vem se consolidando cada vez mais, como um importante campo de investigação.

O autor supramencionado salienta, ainda, que parte desse avanço se refere à:

[...] uma maior disponibilização de computadores e internet nas escolas públicas brasileiras de Ensino Básico. Segundo dados tabulados pelo observatório do Plano Nacional de Educação, o número de alunos por computador teria passado de 96 em 2008 para 34 em 2013 [...]. Já o percentual de escolas com acesso à banda larga no mesmo intervalo passou de 17,7% para 40,7% na média nacional (Passos, 2017, p. 25).

Mesmo que os dados apontem para esse avanço na disponibilização de recursos para o desenvolvimento de atividades utilizando instrumentos tecnológicos, é importante ressalvar que boa parte das instituições educacionais no Brasil não convivem com essa realidade (Torres, 2022). Portanto, os dados apresentados devem ser compreendidos como retrato de uma parcela das escolas brasileiras e que, possivelmente, encontram-se localizadas na região concentrada do território brasileiro (Santos; Silveira, 2001), que abarca os Estados de Minas Gerais, Espírito Santos, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Tais conclusões podem ser estabelecidas a partir de nossa compreensão acerca da Educação Básica brasileira, assim como considerando o entendimento de Milton Santos referente ao “meio técnico-científico-informacional” e os critérios estabelecidos por ele e Maria Laura Silveira, sobre a regionalização do território brasileiro denominada de “Quatro Brasis” (Costa; Moreira; Silva Nery, 2012). Contudo, há de se verificar um melhoramento na perspectiva de trabalho com materiais digitais em uma parcela considerável das escolas brasileiras.

Esse interesse pela Cartografia digital como um recurso potente para o processo de ensino-aprendizagem de Geografia justifica-se, segundo Sousa (2014, p. 52) por ela ser uma:

[...] forma de comunicação, apresentação e análise espacial, em ampla variedade de temas e interesses dos indivíduos de forma dinâmica, multimídia, multissensorial e multidisciplinar, conforme afirma Taylor (2005), possibilita ao usuário incluir informações geográficas, de acordo com seus interesses e necessidades. Este novo paradigma da Cartografia, a Cartografia Digital, oferece condições para que o usuário melhore o entendimento da dinâmica espacial a partir da interação com a informação geográfica, permitindo “percorrer” dentro dos mapas e, assim criar novas formas de relações com a Cartografia e, por conseguinte diferentes usos do mapa [...].

Considerando esse papel comunicador dos mapas digitais, é importante elucidar que há uma diferença latente entre o modo de leitura de um mapa na perspectiva tradicional e a forma de leitura interativa. De acordo com Petchenik e Robinson (1976) apud Passos (2017), o sistema de comunicação cartográfica se estabelece da forma como está elucidado na Figura 1.

No modelo tradicional de leitura cartográfica, os mapas são elaborados levando em consideração a perspectiva do autor, de uma corrente ideológica ou de influências externas em relação aos fatos e aos dados representados. Desse modo, parte dos dados ou de objetos podem ser expostos ou ocultados, a depender do objetivo ou das intenções do autor. Não há, nesse contexto, uma participação ativa do leitor/usuário do mapa, a não ser por uma possibilidade de leitura crítica, considerando possíveis conhecimentos prévios já adquiridos a respeito do assunto tratado no mapa.

Figura 1 – Sistemas de comunicação cartográfica

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Fonte: Petchenik e Robinson (1976) apud Passos (2017)

No entanto, no que consiste o processo de leitura de representações cartográficas digitais, julgando-se a possibilidade de ação interativa do leitor, ocorre uma quebra na sequência proposta, exposta na Figura 1. Nesse caso, há uma relação entre o mapeador e o leitor, pois os caminhos percorridos por ambos podem ser distintos, a depender das camadas selecionadas, do nível de escalaridade escolhido e dos conhecimentos já adquiridos (Passos, 2017). Em mapas desse tipo, as informações e os dados são apresentados de forma bruta, sem tratamentos intencionais, permitindo que os leitores desenvolvam seus próprios “mapeamentos”, a começar pela informação apresentada.

Por esse viés, Sousa e Freitas (2017, p. 1) argumentam “que as tecnologias aplicadas à Cartografia escolar contribuem para melhorar o entendimento da realidade espacial cotidiana dos estudantes relacionando com outros lugares [...]”. Além disso, a utilização da Cartografia digital, bem como os diferentes instrumentos tecnológicos, são uma forma de aproximar o sistema educacional e as metodologias de ensino-aprendizagem à realidade da grande parcela dos estudantes.

2. 2 A potencialidade do mapa digital para o ensino-aprendizagem de Geografia

A intrínseca relação existente entre a ciência geográfica e a Cartografia se estabelece a partir de um objeto em comum: a necessidade de conhecer e compreender o espaço. A Geografia, em sua epistemologia, tem como objeto de estudo entender as relações entre a sociedade e a natureza, do mesmo modo a sua espacialidade (Cavalcanti, 2019). Já a Cartografia, expressa essencialmente pelos mapas, é um instrumento/linguagem de poder, cujo domínio da confecção e leitura permite uma melhor compreensão espacial do mundo e dos fenômenos (Harley, 2009).

Nesse contexto, é importante estabelecer como ponto de partida para discussão a respeito das representações cartográficas digitais como elas contribuem para o processo de ensino-aprendizagem, caracterizando o que é um mapa. Segundo Fonseca e Oliva (2013, p. 23) “[...] um mapa é uma imagem visual complexa, carregada de signos não verbais que estão estruturados como sistema. Logo, o mapa é uma peça comunicativa, ele é linguagem”.

Ao compreender os mapas a partir dessa perspectiva, deve-se considerar que eles são produtos de sua época, que comunicam a partir de uma intencionalidade, pois os autores dos mapas inserem e suprimem informação, a fim de atingir um determinado objetivo de comunicação. Em outras palavras, o mapa é poder. Para Harley (2009, p. 2):

Os mapas serão considerados como parte integrante da família mais abrangente das imagens carregadas de um juízo de valor, deixando de ser percebidos essencialmente como levantamentos inertes de paisagens morfológicas ou como reflexos passivos do mundo dos objetos. Eles são considerados imagens que contribuem para o diálogo num mundo  socialmente construído. Assim, distingue-se a leitura dos mapas dos cânones da crítica  cartográfica tradicional e de seu rosário de oposições binárias entre mapas “verdadeiros  e falsos”, “exatos e inexatos”, “objetivos e subjetivos”, “literais e simbólicos”, baseados  na “integridade científica”, ou marcados por uma “deformação ideológica”. Os mapas  nunca são imagens isentas de juízo de valor e, salvo no sentido euclidiano mais estrito,  eles não são por eles mesmos nem verdadeiros nem falsos.

Uma ideia acerca das representações cartográficas é o entendimento do mapa, como sendo única e exclusivamente aqueles cuja elaboração está baseada na perspectiva euclidiana (Fonseca, 2012). Entretanto, faz-se necessário entender tais representações a partir de uma ótica mais ampla, mais abrangente. Há algum tempo, alguns autores, como Lévy (2008) e Fonseca e Oliva (2013), vem evidenciando a chamada “crise do mapa”, baseada na ideia de que as representações cartográficas euclidianas não têm conseguido acompanhar os avanços e a complexidade do mundo atual.

É nesse sentido, que Seemann (2003) e Lévy (2008) defendem uma “cartografia da realidade” ou uma “virada cartográfica”, respectivamente. Segundo Seemann (2003, p. 50):

Essa concepção da Cartografia enfatiza menos o radical carto (isto é, mapa no sentido técnico e “oficial” do termo) e mais o radical grafia (mapeamento e uso de uma linguagem gráfica), de acordo com a definição do mapa como “representação gráfica que facilita a compreensão espacial de coisas, conceitos, condições ou acontecimentos no mundo humano” (Harley e Woodward, 1987). O espaço não seria expresso pela fria geometria das distâncias físicas estabelecidas pela escala de um mapa, mas conforme fatores como tempo, decisões, preferências e outras visões subjetivas.

Desse modo, inserem-se no escopo das representações cartográficas aquelas caracterizadas no âmbito da Cartografia social, como os mapas mentais. Essa discussão se faz pertinente, pois muitas vezes se considera como mapas apenas aqueles elaborados sob uma lógica euclidiana. Contudo, elementos pertencentes a esses tipos representacionais também podem ser observados em outros produtos do campo imagético, como os desenhos e as obras de arte. Da mesma forma, aspectos dessas formas de representação estão presentes nos mapas (Richter, 2017).           

Essa discussão ainda contribui para um entendimento de que há diferentes formas de representação no interior das discussões cartográficas e que todas elas possuem a potencialidade de espacializar e comunicar os fenômenos geográficos (Cavallini, 2022). Conforme o intuito deste trabalho, daremos ênfase nas potencialidades relacionadas ao uso da Cartografia digital no processo de ensino-aprendizagem de Geografia. Essa modalidade cartográfica pode ser entendida como uma integrante das chamadas Geotecnologias que, segundo Sousa (2014, p. 59):

[...] compreendem o conjunto de tecnologias para coleta, processamento, análise e manipulação da informação com referência geográfica que permite [(re) conhecer] a Terra em diferentes escalas espaciais e temporais [...]. Estas geotecnologias no processo de mapeamento se mostram como importantes materiais de apoio às atividades cartográficas nas aulas de Geografia ao permitir o educando localizar, correlacionar, analisar fatores geográficos atuantes na dinâmica da superfície terrestre com dados/informações em diferentes escalas espaciais e temporais a partir do seu espaço de vivência, como o bairro.

Um aspecto importante, elucidado pela autora, perpassa pela potencialidade das geotecnologias, em especial da Cartografia digital, ao permitir uma análise do fenômeno geográfico, com o intuito de estabelecer processos de raciocínio que permeiam a localização, a correlação e a síntese (Simielli, 1999). Essa ideia vai ao encontro do que foi exposto por Duarte (2016) e Cavallini (2022), ao investigarem acerca da linguagem cartográfica em livros de Geografia do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, e evidenciarem que na maioria dos casos, a Cartografia é utilizada apenas para fins de localização. Acerca desse aspecto metodológico, faremos uma reflexão mais aprofundada na seção seguinte.

Desse modo, o professor, ao buscar tais recursos para contribuir no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos geográficos, precisa estar atento aos critérios de seleção dos materiais cartográficos adotados, para que eles permitam ao sujeito escolar mobilizar os raciocínios necessários, que vão além da mera localização dos fenômenos ou da ação mnemônica como prática da Geografia escolar. Considerando o contexto da Cartografia digital, esse aprimoramento no uso da linguagem cartográfica perpassa, dentre outras coisas, pelo conhecimento do professor mediador sobre a plataforma digital por ele utilizada. Pois, segundo Passos (2017, p. 44),

[…] o uso didático dos recursos cartográficos digitais, fica a cargo do professor equacionar as potências de cada ambiente interativo em relação aos outros tipos de material didático, de acordo com seu objetivo e objeto pedagógico.

Ao compreender o objeto a ser estudado e as diferentes plataformas possíveis de serem utilizadas como instrumento no processo de ensino-aprendizagem e as etapas necessárias, o docente pode elaborar de forma mais clara e consistente uma proposta, ou uma sequência didática (Zabala, 1998). Por isso, na próxima seção serão apresentadas duas sequências didáticas com a utilização da Cartografia digital, com o propósito de elucidar os encaminhamentos e as discussões percorridas até esta etapa do trabalho.

3 A LEITURA E REFLEXÃO DOS MAPAS DIGITAIS: PERCURSOS E POSSIBILIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO NA ESCOLA

Um grande desafio para o trabalho com mapas digitais na escola, situa-se na escolha de um caminho metodológico qualificado, em que seja possível estruturar a abordagem dos conteúdos geográficos, a partir da leitura e construção de mapas, com vistas ao desenvolvimento do pensamento geográfico (Cavalcanti, 2019). Para isso, esta seção traz reflexões envolvendo o uso de mapas digitais no processo de ensino-aprendizagem de Geografia, com base na organização de suas atividades, por meio de sequências didáticas.

Neste sentido, as sequências didáticas são entendidas como

[...] uma maneira de encadear e articular as diferentes atividades ao longo de uma unidade didática. Assim, pois, poderemos analisar as diferentes formas de intervenção segundo as atividades que se realizam […] (Zabala, 1998, p. 20).

Essa estruturação metodológica das atividades de aula permite orientar a mediação didática de Geografia, segundo a lógica da organização do problema geográfico que envolve o tema da aula, os conteúdos abordados e os mecanismos de avaliação (Pinheiro, 2023).

Entende-se que as sequências didáticas potencializam as práticas docentes de Geografia, mediante à linguagem cartográfica expressa em mapas digitais, pois contribuem na internalização de elementos da experiência social e cultural dos escolares e na formação de conceitos geográficos, recorrendo à proposta de mediação didática: problematizar-sistematizar-sintetizar (Cavalcanti, 2014). Desse modo, lançamos as seguintes indagações: podemos considerar a estruturação das sequências didáticas como uma variável metodológica potente para o uso de mapas digitais no processo de ensino-aprendizagem de Geografia? Neste sentido, os mapas digitais contribuem para o desenvolvimento do pensamento geográfico dos escolares?

Um passo fundamental para o alcance educacional dessa proposta de ensino está na seleção adequada dos materiais cartográficos, contidos em sítios eletrônicos (sites) que hospedam os mapas digitais. Assim, selecionamos dois (02) sites em nossas análises, com o objetivo de refletir com mais qualidade a natureza estrutural das propostas. Utilizou-se de mapas digitais disponíveis em: i) site da Secretaria Municipal de Planejamento de Teresina/PI (SEMPLAN), que dispõe em seu acervo de mapas digitais com a espacialização de dados referentes ao município de Teresina-PI, sobre vários temas relevantes à Geografia (Urbanização, Componentes Físico-Naturais, Demografia etc.); e ii) Plataforma Covid Goiás-UFG, que aplica os métodos da Cartografia digital para apresentar resultados da espacialização dessa enfermidade, no Estado de Goiás.

A escolha dos mapas disponíveis nos sites supramencionados e seus respectivos produtos cartográficos, justifica-se devido ao fato de serem elaborados/mantidos por Instituições Públicas Oficiais, reconhecidas pela comunidade acadêmica e sociedade civil pelo cumprimento de um sistema padronizado de conceitos, definições, unidades estatísticas e classificações. Deve-se, também, ao fato de ambos os sites já terem sido explorados pelos autores do texto em práticas docentes anteriores, gerando “familiaridade” com as ferramentas de utilização. Observe, em seguida, o Quadro 1, o qual apresenta as sequências didáticas estruturadas para o uso dos mapas digitais, tendo como referência o processo de mediação didática em Geografia proposto por Cavalcanti (2014) - problematizar, sistematizar e sintetizar.

A etapa inicial das sequências didáticas consiste em problematizar a temática de estudo, que auxilia no processo de mobilização de elementos sobre o tema em estudo, a partir de questionamentos em sala de aula, como: onde está localizado determinado fenômeno geográfico, e por que é relevante aprender sobre a espacialização dele? Como esse fenômeno se apresenta no lugar onde você vive? O que você já se sabe sobre esse fenômeno? Como é sua experiência cotidiana e espacial em relação ao fenômeno abordado? Uma das formas de alcançar os conhecimentos dos escolares durante as atividades de ensino é fazendo uso de questionamentos, com foco temático e conceitual da Geografia (Portela, 2017).

Quadro 1 – Propostas de sequências didáticas para o uso de mapas digitais

O ESTUDO DA POPULAÇÃO DA CIDADE DE TERESINA E A FORMAÇÃO DE                    CONCEITOS GEOGRÁFICOS (7° ano)

Problematizar

Sistematizar

Sintetizar

- Quais são as regiões mais povoadas da cidade de Teresina? Você mora em alguma delas?

- A população da sua região geográfica vive em boas condições?

- A população está bem distribuída pela cidade? O que explica esse fenômeno?

- Os bairros mais distantes do centro da cidade são mais populosos, ou não? O que justifica?

- Outras cidades do Piauí e do Brasil também apresentam essas características demográficas? Como explicar esse fato?

 

- Uso e ocupação da terra urbana em Teresina: expansão/concentração da população;

-Distribuição da população da cidade de Teresina e densidade populacional;

-Segregação socioespacial, crescimento das periferias e os aglomerados subnormais;

- Espaço Urbano e infraestrutura urbana;

- Densidade demográfica e os problemas socioambientais urbanos;

- Alterações na paisagem da cidade e o crescimento demográfico.

- Produção de 2 mapas da distribuição populacional de Teresina;

- Destacar os bairros e regiões geográficas da cidade com maior e menor densidade demográfica;

- Localizar os principais problemas socioambientais decorrentes do processo de povoamento dessas regiões;

- Correlacione as regiões com maior e menor número de habitantes por km², a partir da diferenciação dos 2 mapas.

O ESTUDO DA ESPACIALIZAÇÃO DA COVID-19 EM GOIÂNIA E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS GEOGRÁFICOS (7° ano)

Problematizar

Sistematizar

Sintetizar

- Por que é importante aprender sobre a distribuição espacial da Covid-19 pela cidade de Goiânia?

- Quais a regiões da cidade apresentaram os primeiros casos da doença?

- Todas as regiões da cidade foram afetadas ao mesmo tempo?

- Qual a região da cidade é mais atingida atualmente pela doença?

− No bairro em que você mora, tem algum caso confirmado da doença?

- Uso e ocupação da terra urbana em Goiânia: expansão/concentração de casos da Covid-19;

- Processo de expansão da cidade: circulação do novo coronavírus;

- Crescimento da periferia e de condomínios fechados: aspectos que impactam na disseminação da Covid-19;

- Segregação socioespacial e os casos de Covid-19;

- Estrutura e ocupação da população urbana: fenômenos que interferem no número de casos da Covid-19;

-Espacialização e distribuição da Covid-19 pela cidade.

- Produção de 3 mapas da distribuição espacial da Covid-19 em Goiânia, em diferentes períodos (a partir de 12/04/2020 até o momento atual);

- Destacar os bairros e regiões geográficas da cidade mais afetados pela Covid-19;

- Localize as regiões mais afetadas atualmente pela doença;

- Correlacione as regiões com maior e menor número de casos da doença, a partir da diferenciação dos 3 mapas.

Fonte: elaborado pelos autores (2023)

Nesse caso, os escolares serão mobilizados a ler e interpretar os conteúdos geográficos (Richter; Moraes, 2020) representados nos mapas digitais, com o suporte de questões que impulsionam a operacionalização dos raciocínios geográficos da localização, distribuição, densidade, distância, escala e analogia, estabelecendo as condições necessárias para que haja o confronto dos conhecimentos cotidianos e científicos, acerca da temática abordada em sala de aula (Pinheiro, 2021). Tomamos como modelo o mapa digital que apresenta dados demográficos da cidade de Teresina-PI (Figura 2).

Figura 2 – Captura de tela dos dados demográficos de Teresina/PI (SEMPLAN)

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Fonte: SEMPLAN, 2022. Acesso em 18/05/23

O mapa em questão evidencia dados gerais acerca da população urbana de Teresina (A). É possível interagir com os dados apresentados inicialmente e manipulá-los, à medida em que é selecionada a ferramenta de filtragem (B), capaz de isolar e expor os dados por região geográfica da cidade: Sul, Norte, Leste e Sudeste. Conforme os filtros são escolhidos, os valores gerais estabelecidos para cada região, como Densidade Média (C) e Dados Demográficos (D), são alterados instantaneamente e passam a apresentar valores singulares dessas áreas. Assim, torna-se possível lançar questionamentos que favoreçam a leitura e interpretação do mapa do espaço cotidiano, como: Onde? Por que aí e não em outra região? Qual a distribuição do fenômeno analisado pela cidade? Trata-se, portanto, de um processo de construção do conhecimento geográfico associado à operacionalização dos raciocínios geográficos (Luz Neto; Leite, 2021) que permite a leitura e análise de mapas digitais, e contribui para o desenvolvimento cognitivo (geográfico) dos escolares (Simielli, 1999).

Para sistematizar a relação das ideias, inicialmente problematizadas pelas questões, tomou-se como elemento de reflexão os mapas digitais disponíveis no site Covid Goiás-UFG, que permitem compreender a espacialização da Covid-19 pela cidade de Goiânia/GO; a distribuição da doença pelos bairros e regiões geográficas mais afetadas ao longo do tempo; bem como determinar as relações entre a dinâmica local-regional-global. Desse modo, com o auxílio da plataforma, pode-se estabelecer como eixo temático alguns conteúdos sobre o espaço urbano, produção e organização da cidade de Goiânia (Figura 3).

Figura 3 – Captura de tela dos casos de Covid-19 nos bairros de Goiânia-GO/2021 (Plataforma Covid Goiás)

Imagem 13

Fonte: Plataforma Covid Goiás, 2022. Acesso em 18/05/23

Ao manusear as ferramentas de interação disponíveis na plataforma Covid Goiás (Figura 3), há possibilidade de serem trabalhados alguns aspectos da dinâmica do novo coronavírus da cidade de Goiânia, como: variação das escalas geográficas e cartográficas (A); número de casos confirmados e óbitos na cidade de Goiânia (B); acesso à camada de dados>informações>casos confirmados por bairro (C); seleção e identificação das legendas e intervalo de valores, conforme o tipo de dados selecionados>informações>casos confirmados por bairro (D); verificação dos dados referentes aos bairros (E); como também a dinâmica de concentração, distribuição e expansão da doença por Goiânia (F).

Para o desenvolvimento da presente sequência didática, sugere-se praticar os diferentes níveis de atividade cartográfica, orientados por Simielli (1999), no qual esta autora aponta a necessidade de desenvolver os três (03) níveis de atividade cartográfica, responsáveis por conduzir os escolares na compreensão dos fenômenos geográficos durante a leitura e construção de mapas, que segundo a autora, são:

Localização e análise – cartas de análise, distribuição ou repartição, que analisam o fenômeno isoladamente.

Correlação – permite a combinação de duas ou mais cartas de análise.

Síntese – mostra as relações entre várias cartas de análise, apresentando-se em uma carta-síntese (Simielli, 1999, p. 97) (grifo nosso).

 

A pesquisadora supracitada nos apresenta os níveis de atividade cartográfica que, em sua concepção, colaboram para o avanço cognitivo e de leitura e análise dos mapas pelos escolares, além de auxiliar na perspectiva de formação do sujeito mapeador. Considera-se tratar de um processo de aprendizagem aprimorado no decorrer dos anos e séries escolares da Educação Básica, por esse viés se julga mais adequado para o ensino em turmas de 7º ano do Ensino Fundamental, a utilização de apenas dois níveis de atividade, localização/análise e correlação.

Contudo, essas sequências didáticas com uso de mapas digitais como linguagem central expressam grande potencialidade para as práticas docentes desenvolvidas no Ensino Médio, no qual se faz necessário atingir constantemente o último e mais complexo nível da atividade cartográfica: a síntese. O processo de localização e análise é resultado do emprego dos conhecimentos cartográficos adquiridos no largo da vida escolar, por meio da alfabetização cartográfica e do letramento cartográfico (Katuta, 2002), que mesmo sendo processos específicos, requerem um dos elementos básicos da linguagem cartográfica - o entendimento do lugar das coisas no espaço. Essas duas dimensões (a localização e a análise) dizem respeito à compreensão das técnicas e convenções cartográficas que representam os fenômenos no mapa e, deste modo, faz-se necessário potencializar outras habilidades, à medida em que o processo de aprendizagem dos conhecimentos sobre a linguagem cartográfica vai sendo consolidado (Cavallini, 2020).

Por fim, a etapa da sequência didática sintetizar proporciona um momento muito importante para que aconteça a mobilização do conhecimento vivenciado/produzido pelos escolares, durante a sua interação com os mapas digitais. Sintetizar corresponde a significar o conhecimento construído ao longo da mediação didática de Geografia (Miranda, 2021), revela o entendimento adquirido sobre os fenômenos representados pelos mapas digitais, diretamente relacionados ao contexto da vida individual e coletiva dos sujeitos. Conforme se pôde verificar no Quadro 1, esse momento da aprendizagem permite a elaboração de sínteses dos conhecimentos trabalhados nas etapas anteriores, sempre de maneira cíclica, pois essa etapa não pode representar um fim em si mesma (Cavalcanti, 2014).

A finalidade central dessa etapa da aprendizagem será a produção de mapas que expressam e comunicam a espacialidade dos fenômenos geográficos analisados – localização, distribuição, concentração e expansão geográfica – dos espaços urbanos de Teresina e Goiânia, bem como a relação direta dos fenômenos com a vida cotidiana dos sujeitos escolares envolvidos no processo (Santos; Souza, 2021). Por essa perspectiva, corroboramos também com o entendimento de Ugalde e Roweder (2020, p. 3), referente ao planejamento de uma sequência didática ao destacarem que:

[...] deve-se levar em conta os diálogos e relações interativas entre professor/aluno e aluno/aluno, observando as influências dos temas ou conteúdos nessas relações, bem como o papel de todos no desenvolvimento das atividades, na disposição dos conteúdos, no tempo e espaço, nos recursos didáticos e na avaliação, tudo tem que ser muito bem planejado e organizado para a obtenção do êxito na realização das atividades.

Por tudo que foi apontado anteriormente a respeito das propostas e reflexões empreendidas, convém destacar o papel característico das sequências didáticas, que consiste em fortalecer a relação indissociável entre os conteúdos geográficos e os conhecimentos da vida cotidiana dos sujeitos. A ideia reside em integrar conteúdos e conceitos que, aparentemente, pareçam estar teoricamente isolados, de forma que haja um incremento no seu valor formativo. Cabe destacar, com base nas contribuições de Cavalcanti (2019) e Pinheiro (2023), de que o encaminhamento dessa proposta de mediação didática, conforme proposto no Quadro 1, atrelada aos conteúdos geográficos e uma linguagem específica, neste caso os mapas digitais, é que possibilita a construção de leitura crítica sobre o espaço. Entendido aqui como uma forma de pensar da/pela Geografia sobre diferentes contextos ou fenômenos presentes no espaço. Destarte, compreende-se haver um campo fértil a ser explorado, no tocante à capacidade das sequências didáticas de organizar e estruturar a abordagem integrada – conteúdos geográficos-linguagens-raciocínios geográficos –, com vistas ao desenvolvimento do pensamento geográfico na escola.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Cartografia digital, por meio do seu principal produto o mapa digital, demonstra ser pertinente ao processo de ensino-aprendizagem de Geografia. A relevância da linguagem cartográfica no contexto da mediação didática dos conteúdos geográficos, nos últimos 25 anos, vem sendo destacada e aprimorada em várias pesquisas desenvolvidas no Brasil, de modo que os novos desafios impostos às perspectivas teórico-metodológicas envolvendo o uso de mapas, por intermédio dos recursos tecnológicos, exigem cada vez mais preparação para refletir, analisar e compreender os processos inerentes à sua adaptação no meio escolar.

Essa adaptação ao contexto pedagógico precisa dialogar constantemente com as variáveis metodológicas, que são capazes de mitigar as dificuldades impostas à própria prática docente, como também potencializar a aprendizagem dos conteúdos escolares de Geografia. Desse modo, identificou-se na sequência didática uma estrutura organizacional pertinaz, por permitir que sejam processados os objetivos da ação ensino-aprendizagem, pois prescinde do encadeamento problematizar, sistematizar e sintetizar, capaz de integrar a dinâmica conceitos-linguagem-raciocínios geográficos.

Verificou-se que o amálgama proveniente dessa relação promove as condições favoráveis para o desenvolvimento do pensamento geográfico na escola, pois articula e dá sustentação às operações mentais dos sujeitos escolares, que passam a pensar as questões e temas do cotidiano por meio de pressupostos teórico-metodológicos da Geografia: localizar fenômenos geográficos, determinar as distâncias e a distribuição espacial, analisar densidades e analogias e assim por diante. Neste sentido, os conteúdos geográficos e os mapas digitais passam a encontrar suporte na operacionalidade dos raciocínios geográficos, o que contribui para a produção de um tipo de conhecimento enraizado na Geografia, vinculado essencialmente ao espaço cotidiano dos sujeitos, sem perder o elo com as demais escalas e espaços.

Assim, este trabalho propôs analisar a potencialidade dos mapas digitais para o contexto do ensino-aprendizagem de Geografia na escola. Trata-se de um percurso teórico-metodológico entre tantos outros, porém com a capacidade de reunir os elementos concretos e simbólicos considerados indispensáveis para o desenvolvimento do pensamento geográfico na escola. Com isso, espera-se que um maior volume de investigações no campo da Cartografia digital possa confrontar as novas realidades vivenciadas pela educação brasileira, com o objetivo de promover reflexões significativas para o processo de ensinar e aprender Geografia na escola.

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Contribuição de autoria

1 – Gabriel Martins Cavallini

Universidade Federal de Goiás, Mestre em Geografia

https://orcid.org/0009-0005-6369-6513 • cavallinigeografia@gmail.com

Contribuição: Conceituação, escrita - primeira redação, escrita - revisão e edição

2 – Igor de Araújo Pinheiro

Universidade Federal de Goiás, Doutor em Geografia

https://orcid.org/0000-0002-7160-5555 • igor.pinheiro@prof.edu.ma.gov.br

Contribuição: Conceituação, escrita - primeira redação, escrita - revisão e edição

2 – Denis Richter

Universidade Federal de Goiás, Doutor em Geografia

https://orcid.org/0000-0001-7133-5279 • drichter78@ufg.br

Contribuição: Conceituação, escrita - segunda redação, escrita - revisão e edição

Como citar este artigo

CAVALLINI, G. M.; PINHEIRO, I. A.; RICHTER, D. A potencialidade dos mapas digitais para o ensino de Geografia. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 28, e85068, 2024. Disponível em: 10.5902/2236499485068. Acesso em: dia mês abreviado. ano.



[1] Link para a Plataforma Covid Goiás: https://covidgoias.ufg.br/#/map