Universidade Federal de Santa Maria
Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, Ed. Esp., e9, 2022
DOI: 105902/2236499473478
Submissão: 12/12/2022 • Aprovação: 16/12/2022 • Publicação: 13/01/2023
SUMÁRIO
2 APRESENTANDO ALGUNS CONCEITOS
3 CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DO MEIO AMBIENTE
4 POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA: UM BREVE HISTÓRICO
Dossiê Educação Ambiental & Educação do Campo
As políticas ambientais brasileiras e a influência das conferências internacionais do meio ambiente
Brazilian environmental policies and the influence of international environment conferences
Leonice Aparecida de Fátima Alves Pereira MouradI
Anna Christine Ferreira KistI
Ane Carine MaurerI
I Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil
RESUMO
Palavras-chave: Política Ambiental; Normativas internacionais; PNMA
ABSTRACT
Keywords: Environmental Policy; International regulations; PNMA
RESUMEN
El presente artículo de revisión bibliográfica tiene como tema la influencia de dispositivos del Derecho Internacional Público en la formulación de políticas ambientales en el contexto brasileño, identificando la interrelación entre esas dos escalas de análisis. El objetivo general de ese artículo es comprender la relación entre la formación de la agenda en el momento de la formulación de políticas públicas ambientales y las demandas resultantes de las Conferencias Internacionales del Medio Ambiente, describiendo las principales Conferencias Internacionales del Medio Ambiente y analizando sus desdoblamientos, con atención especial a la incorporación de los contenidos de las Declaraciones/Tratados en la Política Nacional del Medio Ambiente. La elección del tema se da por la centralidad de la cuestión ambiental en la actualidad, especialmente en lo que dice respecto a las presiones internacionales identificadas en el escenario interno del país. A título de conclusión, señalamos la fuerte influencia de eses dispositivos legales en la política ambiental brasileña, lo que se debe al fenómeno de Gobernabilidad Ambiental Global.
Palabras-clave: Política Ambiental; Normativas internacionales; PNMA
O problema de pesquisa que orienta essa reflexão questiona: - como Estado Brasileiro incorpora nas suas políticas públicas que tratam da gestão ambiental os dispositivos resultantes das Conferências Internacionais do Meio Ambiente?
Tal proposta se justifica pelo fato de a temática ambiental caracterizar-se como de suma importância na sociedade em que vivemos, sendo inúmeros os debates e de diferentes naturezas acerca da mesma. Na atualidade, percebemos as pressões internacionais que o Brasil vem sofrendo em matéria ambiental, de tal sorte que nos interessa compreender a relação entre o Estado Brasileiro e as Organizações Internacionais de variadas origens que têm, na questão ambiental, o seu elemento constituinte, bem como identificar a capacidade dessas organizações de interferirem nas agendas nacionais quando há formulação das políticas públicas, com destaque às ações resultantes das Conferências Internacionais.
Como objetivo geral do estudo, apontamos: compreender a relação entre a formação tanto da agenda quanto da formulação de políticas públicas ambientais e as demandas resultantes das Conferências Internacionais do Meio Ambiente. Os objetivos específicos são: I - descrever as principais Conferências Internacionais do Meio Ambiente; II- analisar os documentos resultantes dessas Conferências; III – identificar a incorporação dos conteúdos dos tratados nas Políticas Ambientais Brasileiras.
A metodologia utilizada para a realização desta investigação consistiu-se em uma pesquisa de natureza bibliográfica, utilizando livros, periódicos e sites que tratam dos temas já apresentados na fundamentação teórica. Além da pesquisa bibliográfica, realizou-se também uma pesquisa do tipo documental, identificando e analisando legislações nacionais e internacionais que versem sobre matéria ambiental.
Nesse sentido, foi realizado um artigo de revisão sobre o tema proposto, qual seja o impacto das Conferências Internacionais sobre o Meio Ambiente nas políticas públicas brasileiras (federais).
2 APRESENTANDO ALGUNS CONCEITOS
Nesta sessão, serão apresentados ao leitor alguns conceitos indispensáveis para a compreensão do tema, em especial o de Políticas Públicas da autora Celina Souza (2006), bem como o do Dicionário de Políticas Públicas, publicado pela UFMG e organizado por Carmem Lúcia Freitas de Castro, Cynthia Rúbia Braga Gontijo e Antônio Eduardo de Noronha Amabile.
O conceito de políticas públicas está diretamente relacionado ao conceito de Governo, que diz respeito a um conjunto de procedimentos/ações disponibilizados pelo Estado, no sentido de administrar/conduzir uma determinada demanda social.
Elisa Reis, ao tratar do tema, afirma que: “Quando me refiro às políticas públicas (ou simplesmente políticas) tenho em mente as traduções técnico-racionais de soluções específicas do referido jogo de interesses da política.” (1987, p. 74).
Nesse sentido, podemos identificar diferentes interesses presentes no contexto de elaboração das políticas, sendo que inúmeros atores no mesmo contexto acabam que por influenciar a ação estatal. No caso em tela, privilegiaremos os Organismos Internacionais como agentes importantes na elaboração de políticas ambientais no espaço nacional.
Souza (2006), ao tratar da matéria, identifica sumariamente quatro fases no que diz respeito ao ciclo da política pública: a) construção de agendas; b) formulação de políticas; c) implementação de políticas e, d) avaliação de políticas.
No que se refere à contextualização da discussão ambiental, utilizamos o texto de Silva, Reis e Amâncio (2011). Na referida publicação, os autores mencionam que, historicamente, podemos identificar diferentes paradigmas para tratar da questão ambiental, sendo que a compreensão deles implica em compreender a relação ser humano/natureza, em momentos distintos da nossa trajetória, prioritariamente pela constituição de três paradigmas: antropocêntrico, ecocêntrico e sustentabilidade-centrismo.
As maneiras como os homens vêem a natureza e agem sobre ela são moldadas pelos paradigmas ambientais compartilhados, que são comumente classificados, na literatura, como antropocêntricos e ecocêntricos. O antropocentrismo, predominante, tem como base motivacional o interesse em manter a qualidade de vida e a existência humana, enquanto, no ecocentrismo, a natureza possui valor intrínseco (SILVA, et al. 2011, p. 149)
Os mesmos autores seguem afirmando que:
As maneiras como os homens veem a natureza e agem sobre ela são moldadas pelos paradigmas ambientais compartilhados, que são comumente classificados, na literatura, como antropocêntricos e ecocêntricos. O antropocentrismo, predominante, tem como base motivacional o interesse em manter a qualidade de vida e a existência humana, enquanto, no ecocentrismo, a natureza possui valor intrínseco. (SILVA, et al. 2011, p. 150).
Fugindo da dicotomia entre antropocentrismo e ecocentrismo, surge o paradigma da sustentabilidade-centrismo, que propõe a ideia de integração e equilíbrio entre o humano e o natural, sendo essa percepção presente nos debates atuais sobre o tema.
Outro conceito importante para a efetiva compreensão de nosso tema de estudo, diz respeito ao direito internacional público, materializado nos tratados internacionais que impactam a legislação nacional, podendo ser definido de forma sumária “[...] como a disciplina jurídica da sociedade internacional”. (MAZZUOLI, 2020, p.77), ou ainda:
O Direito Internacional Público pode ser conceituado como o conjunto de princípios e regras jurídicas (costumeiras e convencionais) que disciplinam e regem a atuação e a conduta da sociedade internacional (formada pelos Estados, pelas organizações internacionais intergovernamentais e também pelos indivíduos), visando alcançar as metas comuns da humanidade e, em última análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações internacionais (MAZZUOLI, 2020, p.77).
O Direito Internacional Público é um ramo do Direito cuja constituição deu-se ainda no final da Idade Média, mas cuja consolidação ocorreu principalmente pós-Segunda Guerra Mundial.
[...] quando começam a aparecer, com mais vigor, as organizações internacionais intergovernamentais, seguidas de uma avalanche de tratados a versar matérias das mais diversas como a terra, o mar, os fundos marinhos, o espaço ultraterrestre etc. Ademais, matérias novíssimas como a proteção internacional dos direitos humanos, o direito internacional do meio ambiente e o direito internacional penal, que estão na pauta do dia da agenda internacional, também vêm trazendo grandes mudanças para o Direito Internacional Público contemporâneo (MAZZUOLI, 2020, p.74).
A leitura da obra de Mazzuoli (2020) suscita outra questão importante que diz respeito eficácia e aplicabilidade do Direito Internacional, e sua relação com a ordem jurídica interna dos Estados, que é nosso propósito de investigação. Nesse sentido, o autor apresenta duas teorias que auxiliam na compreensão dessa relação, a saber: a) Teoria Dualista para a qual “O Direito interno de cada Estado e o Direito Internacional são dois sistemas independentes e distintos” (MAZZUOLI, 2020, p.99), e b) Teoria Monista para a qual “o Direito Internacional e o Direito interno são dois ramos do Direito dentro de um só sistema jurídico. Trata-se da teoria segundo a qual o Direito Internacional se aplica diretamente na ordem jurídica dos Estados” (MAZZUOLI,2020, p.106).
Ainda na obra de Valério Mazzuoli, encontramos referência ao que vem sendo denominado de “preocupação internacional com o meio ambiente”, que se trata do que o autor denomina de “tendência à formação de um corpus juris de proteção ambiental” (2020, p. 1413), materializada no denominado Direito Internacional do Meio Ambiente.
O referido autor afirma que:
Está-se diante do chamado Direito Internacional do Meio Ambiente, que, ao lado da proteção internacional dos Direitos Humanos, constitui um dos temas principais da agenda internacional contemporânea. Tais matérias (Direitos Humanos e Meio Ambiente), ao lado da democracia, passaram a marcar, de maneira ampla e inovadora, a nova agenda internacional do século XXI, notadamente após as grandes mudanças ocorridas no mundo em virtude do processo de globalização, cujos reflexos são marcantes e decisivos para o entendimento dos novos fenômenos globais surgidos no planeta a partir de então. (MAZZUOLI, 2020, p.1414).
O autor segue afirmando que esse crescente interesse pelo denominado Direito Internacional Ambiental decorre da tomada de consciência acerca da “necessidade de uma proteção internacional do meio ambiente existe porque os Estados se deram conta de que os problemas ambientais ultrapassam fronteiras e não têm como ser resolvidos senão pela cooperação entre eles.” (MAZZUOLI, 2020, p.1414).
Nesse contexto, é possível perceber uma tendência da internacionalização da temática ambiental que requer, pela sua complexidade e alcance, uma sistematização especial.
3 CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DO MEIO AMBIENTE
A crescente importância da temática ambiental no cenário global, com a consequente constituição do Direito Internacional Ambiental, encontra-se, nas Conferências Internacionais do Meio Ambiente, um importante referencial.
A bibliografia utilizada que trata da matéria (LAGO, 2013) refere que foi a partir da Segunda Guerra Mundial que foi possível identificar uma preocupação mais rigorosa com a questão ambiental, especialmente após a criação da Organização das Nações Unidas – ONU.
No final do ano de 1968, a Resolução 2398 (XXIII) da ONU, aprovou uma recomendação para convocar uma “Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente Humano”, que aconteceu em Estocolmo, na Suécia, de 5 a 16 de junho de 1972.
A Conferência de Estocolmo de 1972 foi o primeiro evento internacional expressivo que se preocupou com proteção internacional do meio ambiente, no qual estiveram presentes 113 Estados, Organizações Internacionais e mais de 400 organizações não governamentais, resultando, desse encontro, a Declaração Sobre o Meio Ambiente Humano (MAZZUOLI, 2020, p.1417). Ainda resultante dessa conferência, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, com sede em Nairóbi, Quênia (LAGO, 2013).
Em junho de 1992, realizou-se, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também chamada de “ECO-92”, que contou com a participação de delegações de 175 países, resultando dela a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e trazendo 27 princípios acerca das metas e compromissos necessários para a efetiva proteção ambiental. Como desdobramento da ECO-92, houve duas convenções internacionais: uma sobre Mudança do Clima e outra sobre Biodiversidade, além da Declaração de Princípios sobre Florestas e a Agenda 21 estabelecendo pressupostos para o desenvolvimento sustentável (LAGO, 2013).
A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, denominação dada a Terceira Conferência Ambiental das Nações Unidas ocorreu em Joanesburgo, na África do Sul, de 26 de agosto a 4 de setembro de 2002, contando com a participação de mais de 190 países. Desse encontro, resultou a Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável (LAGO, 2013).
De 13 a 22 de junho de 2012, novamente no Rio de Janeiro, aconteceu a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a “Rio+20“, que marcou os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Esse originou o documento denominado “O futuro que queremos”, que reafirmou todos os Princípios da Declaração do Rio, datada de 1992 (LAGO, 2013).
O Tratado Internacional, ou Acordo de Paris, foi assinado no dia 12 de dezembro de 2015 durante a 21ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 21), em Paris na França, e se constitui no mais recente e importante tratado internacional, cujo propósito é mitigar o impacto da ação humana nas mudanças climáticas, enfrentando o aquecimento global. Através desse acordo, os signatários comprometeram-se a fixar metas para contribuir com a redução de gases do efeito estufa que provoquem o aquecimento global, tema de suma importância no contexto atual.
Reiterando a centralidade das normatizações que estudamos nessa investigação, transcrevemos reflexão de Mazzuoli, que diz:
É importante observar, neste ponto, que a consequência de todo esse processo normativo internacional no campo ambiental tem reflexos na seara da proteção internacional dos direitos humanos, ainda mais quando se leva em consideração que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, apesar de não ter sido expressamente colocado no texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 (na qual somente constam direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais), pertence ao “bloco de constitucionalidade” dos textos constitucionais contemporâneos, dentre eles, o texto constitucional brasileiro de 1988 (MAZZUOLI, 2020, p.1419).
Destacamos que o Brasil é signatário dos principais tratados internacionais sobre meio ambiente. Mesmo antes da Constituição de 1988, o país já havia ratificado os mais importantes tratados internacionais relativos ao Direito Internacional do Meio Ambiente, movimento que ganhou mais visibilidade a partir da CF/88.
Valério Mazzuoli afirma que:
Dentre todos os instrumentos internacionais em matéria de meio ambiente ratificados pelo Brasil, merecem destaque algumas convenções internacionais específicas, dentre as quais podem ser citadas: a) a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada pelas Nações Unidas, em Nova York, em 09.05.1992, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 1, de 03.02.1994, e promulgada pelo Decreto. 2.652, de 01.07.1998; b) o Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, 29 adotado em Quioto, Japão, em 14.12.1997, por ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, tendo sido aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 144, de 20.06.2002, e ratificado em 23.08.2002 e; c) a Convenção sobre Diversidade Biológica, adotada na cidade do Rio de Janeiro, em 05.06.1992, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 2, de 03.02.1994, e promulgada pelo Decreto 2.519, de 16.03.1998, tendo entrado em vigor internacional em 29 de dezembro de 1993 (2020, p.1421).
A questão ambiental, dada a sua complexidade, deve ser concebida a partir de que a literatura tem denominado de governança ambiental global (GAG) que consiste na articulação entre diferentes atores que compreendem Estado, Mercado e Sociedade Civil no que tange o tratamento da temática.
Nesse sentido, citamos Barros-Platiau et al., que afirma: ”comumente, as análises de política ambiental internacional e governança global ambiental trazem consigo uma distinção tripartite do meio ambiente em local/nacional/global.” (2004, p. 101).
Na mesma orientação Lorenzetti e Carrion afirmam que:
A problemática ambiental se enquadra como importante temática no âmbito da governança, se considerarmos o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano universal, cuja gestão deve, portanto, contemplar a participação de diferentes atores. Quanto à dimensão transnacional, a questão ambiental desafia as fronteiras e a soberania dos Estados-Nação, ao exigir o reconhecimento da interdependência ecológica entre os territórios globais. (2012, p. 723)
Ao final dessa sessão, foi possível evidenciar a crescente preocupação global com a questão ambiental, ainda que muitos dos pressupostos estabelecidos nas conferências antes descritas ainda demandem implementação.
4 POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA: UM BREVE HISTÓRICO
Compreender a política ambiental brasileira como parte de um processo global de discussão e enfrentamento da questão ambiental, implica ter presente a centralidade que o Brasil representa no cenário global, quando referimos à questão da biodiversidade. Nesse sentido, é oportuno transcrever a reflexão de Capelari, et al. no sentido de:
O Brasil é o quinto maior país do mundo, com sete biomas muito diferentes e cerca de 20% da diversidade biológica do planeta, incluindo quase 2/3 da Floresta Amazônica. O país tem a maior quantidade de água doce do mundo, o maior número de povos indígenas isolados e tem sido um importante ator na governança global do clima. Portanto, a política ambiental brasileira é uma preocupação estratégica não só para o país, mas para o mundo (ROCHEDO, et al., 2018 apud. CAPELARI, et al. 2020)
Os mesmos estudiosos tratam a política ambiental brasileira a partir da concepção de subsistema, de sorte a ser parte constituinte de um sistema mais amplo, destacando, ainda, que o próprio Direito Internacional Ambiental, referido na sessão anterior, alude ao fato de que os tratados incorporam-se automaticamente ao ordenamento jurídico brasileiro, por serem concebidos no rol dos chamados Tratados internacionais de proteção dos direitos humanos lato sensu (MAZZUOLI, 2020, p.1421).
Ainda sobre essa dimensão interescalar da temática ambiental, Capelari et al. referem que:
As políticas ambientais são geralmente caracterizadas por um alto grau de complexidade e conflito (Caldwell, 1993). Elas abrangem um grande número de problemas e fenômenos socioambientais que interagem em múltiplas escalas de tempo e espaço, como poluição, mudanças climáticas, desmatamento e redução da biodiversidade (2020, p.1697)
Os autores seguem afirmando que “A pressão internacional, a opinião pública e os movimentos socioambientais contribuíram, em um contexto de redemocratização, para a expansão da estrutura institucional, para a “inundação” da legislação ambiental” (DRYZEK,1992 apud CAPELARI, 2020, p.1697).
No mesmo sentido, convém atentar para o fato que:
A formulação e a implementação de políticas ambientais dependem de uma cadeia de agentes sociais, cujos elos vão desde o Estado e os agentes públicos, a academia e os cientistas, os setores econômicos, os meios de comunicação até a sociedade civil organizada e a população em geral. (SIQUEIRA, 2008, p 425-6)
Feitas essas considerações, passamos a descrever a constituição histórica da política ambiental brasileira, fortemente influenciada pelas variáveis de ordem externa informada anteriormente.
Um marco cronológico inicial para a efetiva preocupação do Estado com a temática ambiental encontra-se na década de 1930 no Governo Vargas o início da regulamentação do acesso aos recursos naturais necessários ao processo de industrialização, em voga naquele contexto. Merece destaque a promulgação do Código das Águas (1934), do Código de Mineração (1934), do Código Florestal (1934), do Código de Pesca (1938) (CARMONA, 2019).
Em meados da década de 1950 e 1960, quando o mundo passava por um intenso processo desenvolvimentista, identificamos marcos regulatórios internacionais importantes que influenciaram a política ambiental nacional, destacamos o Estatuto da Terra (1964); de agências setoriais ao longo da década de 1960 – Ministério das Minas e Energia, Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) (CARMONA, 2019).
A partir da década de 1970, em razão das pressões resultantes da Conferência de Estocolmo, foi criada, em 1973, a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), coordenada pelo Ministério do Interior (CARMONA, 2019).
No ano de 1981, foi criada a Política Nacional de Meio Ambiente - PNMA e, em 1985, o Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, responsável pela condução das políticas na área ambiental. (CARMONA, 2019).
Ainda na década de 1980, destacamos a importância das discussões ambientais, fortemente influenciadas pela dinâmica internacional e pelo movimento ambientalista, que resultou na incorporação da matéria ambiental na Constituição Federal de 1988, de tal forma que direito ao meio ambiente está previsto no art. 225 da Constituição Federal.
A Constituição Federal brasileira posicionou o bem jurídico ambiental e, consequentemente, a proteção ao meio ambiente, com relevante destaque, pondo-o a salvo tanto entre direitos e garantias fundamentais, bem como instrumento da ordem econômica, definindo o sentido, alcance e a finalidade desta proteção, enveredando por conceitos transdisciplinares, que lhe são inerentes, o que fez através do art. 225, insculpindo verdadeiro princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo (FIORILLO & FERREIRA, 2014, p. 88).
Destacam-se, ainda, na década de 1980, a criação e a importância das agências ambientais estaduais. Na atualidade, referimos à vigência da Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA, que estabelece:
Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente (BRASIL, 1981).
A PNMA é uma importante ferramenta da proteção ambiental, aqui concebida como articuladora do desenvolvimento e do equilíbrio ambiental, de sorte a viabilizar a sustentabilidade tão desejada nos dias atuais.
Cabe destacar que um conjunto importante de normatizações decorrentes da PNMA, implementadas desde a sua publicação, vem sendo objeto de críticas e reformulações, prioritariamente após 2017, momento em que verifica-se um distanciamento do governo brasileiro das questões ambientais que pareciam já consolidadas no cenário nacional, o que tem resultado em críticas importantes de organizações internacionais acerca da Política de Meio Ambiente do Brasil, com especial destaque a questão do desmatamento de expressivas áreas do bioma amazônico.
Utilizando dados constantes do site Nexo Jornal (2020), referimos a redução das atribuições da Pasta de Meio Ambiente, bem como a redução da participação da sociedade civil, além da flexibilização da fiscalização ambiental, a qual vem ocorrendo de forma mais intensa no Governo Bolsonaro, fato que tem provocado críticas expressivas da comunidade internacional, assim como de especialistas na temáticas no país, que tecem severas opiniões sobre a forma como vem sendo conduzida a políticas ambiental brasileira, com destaque à desregulamentação e à flexibilização de normatizas protetivas importantes, como também o desaparelhamento das agências estatais responsáveis pela fiscalização e pelo monitoramento da questão ambiental, o que impõe rigorosos desafios à sociedade brasileira, especialmente em questão das relações com o restante do mundo.
Cabe destacar que essa ação, até o ano de 2021, esteve intimamente alinhada aos encaminhamentos dados pelos EUA para os compromissos internacionais atinentes à questão ambiental durante o governo de Donald Trump, que retirou os EUA do Tratado de Paris, encaminhamento também sinalizado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Mesmo diante desse contexto, destacamos a importância da temática da Governança Ambiental Global para o enfrentamento dos complexos desdobramentos da agenda ambiental no mundo, com especial destaque à mobilização da sociedade civil no sentido de efetivar dispositivos normativos protetivos ao meio ambiente.
Ao final deste artigo, destacamos a centralidade das políticas internacionais, materializadas nos Tratados e Acordos Internacionais, com especial ênfase aos resultantes das Conferências Internacionais de Meio Ambiente na elaboração e efetivação das políticas nacionais de meio ambiente.
Essa articulação entre a escala nacional e a escala internacional se deve ao que a literatura denomina de Governança Ambiental Global – GAG, que pressupõe inúmeras demandas oriundas de diferentes atores que precisam ser contempladas, dada abrangência e complexidade do fenômeno ambiental.
Nossa política ambiental, a partir de diferentes ações, pode ser identificada como adequada para nosso contexto. Ocorre que, no momento em que vivemos, mais precisamente após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, a questão ambiental vem sendo compreendida como questão secundária, sendo que a legislação protetiva do meio ambiente é tratada como um impedimento do pleno desenvolvimento do país, havendo uma orientação para o paradigma do crescimento econômico, descolado da temática da sustentabilidade.
É urgente a mobilização da sociedade civil, das agências especializadas e da comunidade científica brasileira no sentido de retomar os debates sobre sustentabilidade, de tal sorte a não isolar o Brasil dos debates internacionais sobre meio ambiente, viabilizando novas articulações que potencializem a Governança Ambiental Global.
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1 – Leonice Aparecida de Fátima Alves Pereira Mourad
Dra. em História e Geografia
https://orcid.org/0000-0002-7676-0976 • profleomourad@gmail.com
Contribuição: Escrita - primeira autora
2 – Anna Christine Ferreira Kist
Dra. em Geografia, Especialista em Educação Ambiental
https://orcid.org/ https://orcid.org/0000-0002-4694-8169 • afkist@yahoo.com.br
Contribuição: Escrita - segunda autora
1 – Ane Carine Maurer
Dra. em Educação
https://orcid.org/ 0000-0001-7377-1963 • anemeurer@gmail.com
Contribuição: Escrita - terceira autora
MOURAD, L. A. DE F. A. P.; KIST, A. C. F.; MAURER, A. C. As políticas ambientais brasileiras e a influência das conferências internacionais do meio ambiente. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, Ed. Esp., v. 26, e9, 2022. DOI 10.5902/2236499473478. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2236499473478. Acesso em: dia mês abreviado. ano.