Universidade Federal de Santa Maria

Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, Ed. Esp., e7, 2022

DOI: 105902/2236499473374

ISSN 2236-4994

Submissão: 05/12/2022 • Aprovação: 07/12/2022 • Publicação: 13/01/2023

SUMÁRIO

 

1 INTRODUÇÃO.. 3

2 EDUCAÇÃO E AGROECOLOGIA EM ESCOLAS DA REFORMA AGRÁRIA.. 7

2.1 Metodologias e intencionalidades. 8

2.1.1 Campanha pela vida e agrotóxico zero. 9

2.1.2 Princípios agroecológicos curriculares. 11

2.1.3 Curso lato sensu em agroecologia e educação. 12

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 14

REFERÊNCIAS. 15

CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA.. 16

COMO CITAR ESTE ARTIGO.. 16

Dossiê Educação Ambiental & Educação do Campo

A formação docente em Educação e Agroecologia: relato das ações da Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto no Extremo Sul da Bahia

Teacher training in Education and Agroecology: report of actions at the Popular School of Agroecology and Agroforestry Egídio Brunetto at the Extreme South of Bahia

Dionara Soares RibeiroI Ícone

Descrição gerada automaticamente

Felipe Otávio Campelo e SilvaII Ícone

Descrição gerada automaticamente

Valdete Oliveira SantosIII Ícone

Descrição gerada automaticamente

Fábio Frattini MarchettiIV Ícone

Descrição gerada automaticamente

IEPAAEB, Setor Pedagógico, Prado, BA, Brasil

IIEPAAEB, Setor Pedagógico, Prado, BA, Brasil

IIIEPAAEB, Setor Pedagógico, Prado, BA, Brasil

IVSALQ/USP, Departamento de Economia, Administração e Sociologia, Piracicaba, SP, Brasil

RESUMO

O artigo apresenta a sistematização de um processo coletivo de construção que vem sendo realizado pela Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto, em conjunto com 52 escolas públicas em assentamentos e acampamentos da reforma agrária, desde 2014, na região do Extremo Sul da Bahia. Uma experiência que tem se mostrado exitosa na constituição de reflexões pedagógicas, que buscam questionar o atual modelo de desenvolvimento, de forma crítica e histórica, a partir da leitura da realidade das comunidades nas quais educadores e educandos estão imersos. Primeiramente, apresentamos uma breve descrição das contradições sociais, ambientais e econômicas decorrentes da expansão da monocultura do eucalipto e seus desdobramentos sobre a lógica produtiva camponesa. Em seguida, trazemos à tona elementos importantes da construção teórica do conceito da agroecologia e educação do campo, para por fim descrever as experiências desenvolvidas no campo da educação e agroecologia, tanto em seus processos formativos como em sua metodologia organizativa.

Palavras-chave: Educação do campo; Transição agroecológica; MST

ABSTRACT

The paper presents a systematization of a collective construction process that has been carried out by the Popular School of Agroecology and Agroforestry Egídio Brunetto, with 52 public schools in settlements and agrarian reform camps, since 2014, in the Extreme South of Bahia. An experience that has been successful in the constitution of pedagogical reflections, which aim to question the current model of development, in a critical and historical way from the reading of the reality of the communities in which educators and students are immersed. We show a brief description of the social, environmental and economic contradictions resulting from the expansion of eucalyptus monoculture and its consequences on the peasant productive context. In addition, we bring to light important elements of the theoretical construction of the concept of agroecology and rural education, to finally describe the experiences developed in the field of education and agroecology, both in its formative processes and in its organizational methodology.

Keywords: Rural Education; Agroecological Transition; MST

1 introdução

Assim como a nível nacional, a região do Extremo Sul da Bahia vem sofrendo os dilemas sociais, ambientais e econômicos decorrentes do avanço do agronegócio, que, mesmo chegando tardiamente à região, em relação a outras fronteiras agrícolas do país, promoveu, em menos de três décadas, a expansão acelerada do monocultivo, do uso intensivo de insumos agroindustriais e o desflorestamento generalizado da Mata Atlântica, causando impactos na biodiversidade, na segurança e soberania alimentar, na cultura e na socio-economia local.

Concomitantemente à expansão regional do eucalipto, os empregos permanentes no campo diminuíram 56%, de 1985 para 1995, passando de 20.249 pessoas ocupadas para 8.914. Os empregos temporários tiveram uma redução de aproximadamente 90%, caindo de 23.111 ocupações para 2.398. A população rural, por sua vez, passou de 76,9%, em 1980, para 22%, em 2000. Os estabelecimentos rurais com menos de 50 ha tiveram uma redução na ocupação total da área rural de 155.753 ha para 66.595 ha (SANTANA et al., 2017).

Estudo realizado pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA, 2008), revelou diversas irregularidades ambientais na região, entre elas a porcentagem da área agricultável ocupada excessivamente pela monocultura do eucalipto, que no município de Eunápolis/BA, por exemplo, passou em 100% da área permitida. O mesmo estudo identificou, nas áreas de fomento da Veracel, que 70% das propriedades não possuíam licença ambiental, 60% estavam sem reserva legal averbada, 15% nem sequer possuíam reserva legal e 70% apresentavam as áreas de preservação permanente (APP) intensamente antropizadas.

A Figura 1 ilustra como a paisagem do território se configurou nos últimos anos com relação ao uso do solo. As partes em amarelo são áreas ocupadas pela monocultura do eucalipto, em bege são áreas de pastagem e em verde escuro são remanescentes da Mata Atlântica.

Figura 1 – Uso do solo na região do Extremo Sul da Bahia

Fonte: Fórum Florestal da Bahia (2018)

Ao longo das últimas décadas, com a supressão da biodiversidade seguida pela grilagem de terras, reuniram-se no território os ingredientes necessários para desencadear a degradação da sociobiodiversidade, o aumento do desemprego, o êxodo rural, o aumento dos bolsões de pobreza, o crescimento desordenado das cidades, o aumento da violência contra jovens negros e, enfim, o receituário do projeto nacional desenvolvimentista, fortalecido pela industrialização da agricultura e suas consequências.

Na esteira do histórico de degradação promovido pelo agronegócio, desencadeou-se uma série de conflitos agrários que culminaram em ocupações de terras por parte de famílias camponesas organizadas em diferentes movimentos sociais, que pressionaram o governo para o estabelecimento de dezenas de assentamentos rurais da reforma agrária, desde a década de 1990. Em 2010, surge a reflexão por parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre necessidade da organização dos assentamentos da região a partir de novos referenciais produtivos, em especial aqueles de base agroecológica (ALTIERI, 2012; GLIESSMAN, 2015).

Com o objetivo de aprofundar na perspectiva agroecológica, o MST estabelece uma parceria com o Núcleo de Apoio à Cultura e Extensão em Educação e Conservação Ambiental (NACE-PTECA), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), que resultou no Projeto Assentamentos Agroecológicos (PAA), e, com ele, materializou-se a Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto (EPAAEB), no município de Prado/BA.

A EPAAEB surge como uma ferramenta de articulação e catalisação de processos coletivos na construção da agroecologia, uma estrutura organizativa do MST que tem como objetivo geral a promoção da agroecologia, a formação técnica dos camponeses, as relações institucionais com outros povos da Mata Atlântica, bem como a produção de ciência e tecnologias. Uma instituição planejada e edificada a muitas mãos, através de métodos de construção coletiva do conhecimento, os quais a troca de saberes, de culturas e de experiências, são desenvolvidas e compartilhadas por meio de processos pedagógicos dialógicos. Entre os processos de formação, destacamos as trocas de saberes ocorridas nos Núcleos de Base (NB) realizadas com apoio da equipe técnica da EPAAEB e PAA, a partir de reflexões teóricas e de práticas nas áreas coletivas dos assentamentos e nas unidades produtivas na EPAAEB, bem como dos cursos de formação a partir da educação formal e informal, de intercâmbios entre as famílias envolvidas com as diversas linhas produtivas nos lotes e a elaboração de materiais sócio educativos.

Importante destacar também que a praxis no caminhar da EPAAEB permitiu desvelar as contradições decorrentes do próprio processo histórico da constituição do camponês no território, onde as contaminações dos princípios e valores típicos do modelo hegemônico do grande capital se depararam com práticas e condutas agora construídas numa outra perspectiva. Não por acaso, o individualismo, a lógica da monocultura, do uso de agrotóxicos, da destruição das matas, do fogo, foram cenários presenciados, vivenciados e muitas vezes assumidos pelos próprios camponeses, no passado, como única estratégia produtiva.

Nesses casos, o diálogo, as reflexões coletivas e as práticas produtivas de base ecológica se mostraram ferramentas poderosas, assim como a atuação da EPAAEB no campo da educação e agroecologia, a qual tem sido elaborada e exercitada junto com o corpo docente das 52 escolas públicas situadas nos assentamentos e acampamentos do MST em diferentes municípios do território, potencializando a ação contra-hegemônica que a EPAAEB vem exercendo nos últimos anos. O artigo tem como objetivo socializar as principais ações realizadas pela EPAAB nos processos de construção pedagógica da Agroecologia nos territórios de Reforma Agrária do Extremo Sul da Bahia, em especial as experiências relacionadas à formação docente e à construção curricular das escolas do campo.

2 EDUCAÇÃO E AGROECOLOGIA EM ESCOLAS DA REFORMA AGRÁRIA

A partir da estratégia do MST em construir a Reforma Agrária Popular desde os seus territórios, a temática da agroecologia se apresenta como um dos grandes desafios, visto que a produção de alimentos saudáveis a partir do acesso à terra contribui para o equilíbrio das relações entre o ser humano e a natureza e, dessa maneira, é vislumbrada como uma perspectiva resiliente e sustentável para organizar as formas de vida no campo em contraponto ao modelo capitalista depredador do agronegócio.

A educação escolar de crianças, jovens e adultos que integram o Movimento Sem Terra é espaço de grande potencialidade para desenvolver os conhecimentos nessa área. Os conhecimentos e as práticas agroecológicas são apontadas como possibilidades necessárias na formação dos educandos justamente porque a Agroecologia não se constitui como uma ciência isolada da vida, da prática social, mas reafirma o ser humano como ser constitutivo da natureza, bem como encontra no diálogo de saberes suas inspirações e embasamentos para a construção dos possíveis conhecimentos agroecológicos (ALTIERI, 2012).

A EPAAEB, desde 2014, vem tecendo práticas pedagógicas voltadas à educação básica, as quais partiram de questionamentos iniciais, tais como: qual a pertinência da agroecologia dentro da educação básica do campo? Qual o papel da escola frente aos conhecimentos agroecológicos? Qual a função dos docentes em meio à construção de uma proposta pedagógica de Agroecologia para a educação básica?

Esses questionamentos nos ajudam a orientar nossa reflexão por algumas razões: em primeiro lugar, partimos da compreensão política desde movimentos sociais do campo, como a via campesina internacional, que entende que a agroecologia “se institui como enfrentamento radical ao sistema capitalista, da forma depredatória da natureza, expropriação da classe trabalhadora de seus conhecimentos construídos historicamente” (VIA CAMPESINA, 2008). Em segundo lugar, enfatizamos nossa compreensão da agroecologia enquanto ciência, conforme aponta Altieri (2012), uma ciência que emerge da busca por superar o conhecimento fragmentado, cartesiano, visando uma formação integral na qual o conhecimento é mediado entre as disciplinas para compreender o funcionamento dos ciclos minerais, processos biológicos e as relações socioeconômicas como um todo. Em terceiro lugar, nos ancoramos em Caldart (2017), que identifica um esforço historicamente recente de elaborar como ciência, sistemas de conhecimentos e concepções de mundo presentes em práticas ou formas tecnológicas ancestrais de agricultura.

Nesse sentido, a perspectiva da formação do educador vai necessariamente ao encontro da compreensão da agroecologia enquanto um projeto político societário, entendendo-a como um eixo estruturante na organização dos conhecimentos escolares relacionados à vida social e comunitária de suas populações.

2.1 Metodologias e intencionalidades

Neste processo apresentamos algumas metodologias e intencionalidades que a Escola Popular adotou para inserir-se organicamente junto às escolas de educação básica nos territórios da Reforma Agrária do Extremo Sul da Bahia. Entre elas, valem destacar a campanha Extremo Sul pela Vida e Agrotóxico Zero; as formações continuadas de agroecologia aliadas à construção do currículo em agroecologia para educação básica; e o Curso de Especialização em Agroecologia e Educação promovido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e EPAAEB.

2.1.1 Campanha pela vida e agrotóxico zero

Podemos datar que as primeiras ações intencionalizadas da EPAAEB relacionaram-se ao desenvolvimento da Campanha Extremo Sul pela Vida e Agrotóxico Zero a partir de 2014, com o objetivo de socializar as informações acerca da ofensiva dos agrotóxicos na sociedade brasileira, especialmente na região de atuação da Escola Popular.

A campanha percorreu mais de 40 escolas em assentamentos e acampamentos rurais da região, levando consigo informações sobre os impactos dos venenos agrícolas na vida humana e na natureza. As metodologias foram elaboradas pensando na interação lúdica dos estudantes. Foram exibidos filmes e documentários, disponibilizados jogos e distribuídos panfletos, cartazes e um caderno com conteúdos a serem consultados pelos docentes.

Como resultado, percebeu-se a grande sensibilização pela qual a campanha promoveu no interior dos espaços escolares, onde os estudantes desenvolveram, em sua maioria, um olhar crítico sobre a agricultura convencional, em especial àquela realizada nos arredores das escolas, incluindo os próprios lotes, desafiando também os docentes a compreenderem a realidade para além dos muros escolares e a entenderem as contradições entre as formas de se fazer agricultura, mesmo dentro dos assentamentos e acampamentos de reforma agrária.

Nesse caminhar, foi possível perceber a potência que a campanha exerceu no início do percurso, pois levou as comunidades escolares a se questionarem sobre as implicações do uso do agrotóxico a partir de suas realidades, entendendo que a escola tem um papel na formação dos estudantes, visto que são esses que podem se somar na construção de uma nova maneira de se viver, pautada em sociedades mais saudáveis e sustentáveis do ponto de vista agroambiental, social e econômico.

A partir de então, a Escola Popular, conjuntamente ao seu setor de educação, elaborou alguns processo de formação para os educadores, visando, assim, debater sobre a agroecologia com os docentes e convocá-los a elaborar materiais de subsídio para o trabalho nas escolas.

O princípio desde o início do processo foi partir de um trabalho coletivo, entendendo que as ações desencadeadas deveriam cumprir o papel de serem implementadas no conjunto de 52 escolas, por isso necessariamente deveriam envolver o conjunto dos gestores escolares, coordenadores pedagógicos e professores.

As formações ocorreram no formato de seminários, nos quais houve momentos de formação teórica relacionada à demanda de compreensão sobre os fundamentos do Programa Agrário do MST, à história das agriculturas e aos fundamentos da Agroecologia. Outros momentos formativos relacionaram a própria vivência dos educadores em unidades produtivas agroecológicas na EPAAEB. Assim, os educadores puderam experimentar de maneira imersiva a prática agroecológica, por meio de oficinas de bioinsumos, de manejo de horta agroecológica, de sistemas agroflorestais, de plantas medicinais, dentre outras iniciativas.

As formações dos educadores impulsionaram a massificação da agroecologia nas escolas da região, ao ponto que nos anos de 2015 e 2016 houve mobilizações dos docentes e comunidades para que o componente agroecológico integrasse o currículo oficial da educação do campo. Influenciados por essa perspectiva de construção popular, o município de Alcobaça e, posteriormente, Santa Cruz Cabrália inauguraram institucionalmente a agroecologia na base curricular de suas escolas do campo.

A partir dessas conquistas, novas demandas surgiram para o conjunto de docentes envolvidos. A principal, no que diz respeito à elaboração de uma base curricular agroecológica para a educação básica, aproveitou-se da base teórica, na qual os seminários de formação da EPAAEB tinham trabalhado e, portanto, foi organizado um grupo de trabalho com a finalidade de elaborar uma proposta sólida e estrutural de base agroecológica.

Podemos, assim, afirmar que a proposta curricular de agroecologia para a educação básica foi elaborada por muitas mãos, trazendo presentes os questionamentos das escolas, das comunidades e dos estudantes. Foi necessário contar com um conjunto de colaboradores que contribuíram teoricamente com as propostas metodológicas de conteúdos e metodologias.

Desse modo, compreendeu-se que a proposta de Agroecologia para as escolas do campo deve estar diretamente ligada à construção de um novo projeto de campo. Esse deve ser capaz de promover justiça social, Reforma Agrária Popular, soberania alimentar e emancipação humana como dimensões estruturais dessa transformação.

2.1.2 Princípios agroecológicos curriculares

A partir do conjunto estrutural apresentado, as propostas elaboradas pela EPAAB, vislumbrando uma educação agroecológica do território, foram delineadas no sentido de organizar práticas educativas que contribuam com o processo formativo de toda a comunidade, buscando, com isso, levar as próprias famílias a transformarem o meio em que vivem a partir das experiências das práticas escolares.

No processo de elaboração do currículo de Agroecologia, buscou-se levar em consideração alguns princípios:

1.  A Agroecologia deve servir como instrumento para análise crítica da realidade;

2.  Agroecologia é situada na concretização de um novo projeto de campo, diferente do proposto pelo capitalismo verde e seus programas de educação ambiental;

3.  A relação com a comunidade é essencial no processo educacional;

4.  A organização curricular deve expressar a complexidade das escolas do campo;

5.  A formação continuada dos educadores deve ser a partir da vivência comunitária e de práticas sociais nas comunidades;

6.  A elaboração de materiais didáticos e os estudos continuados são condições para a melhor compreensão do currículo;

7.  A Agroecologia é um processo de construção de conhecimentos, um exercício de criatividade da escola e de articulação entre teoria e prática.

Assim, buscou-se potencializar o desenvolvimento da Agroecologia e fortalecer a identidade camponesa, acreditando que a chave para esse processo está na construção do conhecimento através dos sujeitos do campo e suas realidades territoriais.

A elaboração dessa proposta inicial foi sistematizada no caderno Número 1 da EPAAEB, intitulado “Agroecologia na Educação Básica: Questões propositivas de conteúdo e metodologia”, publicado em 2017 pela editora Expressão Popular. Atualmente, esse material tem servido como um importante referencial para iniciativas que buscam os mesmos objetivos em outros territórios.

2.1.3 Curso lato sensu em agroecologia e educação

A partir do ano de 2017, ampliou-se a necessidade de avançar nas formações com os educadores devido às demandas de aprofundamento teórico sobre as bases epistemológicas da agroecologia, da educação do campo e da pedagogia socialista. Dessa maneira, fez-se necessário expandir as articulações no território a partir de parcerias com instituições públicas, para, então, ofertar um curso lato sensu em Agroecologia e Educação.

No ano de 2018, a EPAAEB firmou parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) para construir um processo de formação continuada na modalidade de especialização, com carga horária de 488h. O curso iniciou em janeiro de 2019 e teve seu término em setembro de 2020, durante a pandemia da Covid-19.

O curso de Especialização em Agroecologia e Educação foi construído com os seguintes objetivos:

1.  Formar profissionais da educação básica atuantes nas escolas do campo do Extremo Sul da Bahia, com aprofundamento das bases teórico-metodológicas, que fundamentam as práticas de educação e suas relações com o trabalho e a agroecologia;

2.  Contribuir para a consolidação do conhecimento e das práticas agroecológicas nas escolas do campo;

3.  Constituir espaços de estudo e reflexão sobre as relações entre Trabalho-Educação-Agroecologia, sob a perspectiva de suas determinações e implicações históricas e pedagógicas;

4.  Potencializar uma ação docente crítico-emancipatória, em contraste com a racionalidade utilitarista instrumental.

Esses objetivos dizem respeito à compreensão dos fundamentos da agroecologia e de sua construção histórica, bem como a formulação de métodos de trabalho com os educandos e comunidades do campo, exercitando, assim, a praxis na perspectiva de construir, junto às comunidades, novas relações socioecológicas.

Participaram do curso 43 estudantes oriundos de 17 escolas da região, envolvidos desde a gestão e coordenação pedagógica das escolas, até a docência que envolve a educação infantil, bem como as séries iniciais e finais do ensino fundamental e médio.

A estrutura metodológica do curso teve como base a Pedagogia da Alternância, a partir dos fundamentos da Educação do Campo (CALDART, 2004; 2008; FREIRE, 1996; 2017; NOSELLA, 2014. O curso foi dividido, portanto, em 4 etapas de Tempo Escola e 3 etapas de Tempo Comunidade, potencializando a relação teoria e praxis. Em ambos os Tempos foram realizados ensinos, pesquisas e práticas pedagógicas diversas.

O curso permitiu aos estudantes a elaboração de Trabalhos de Conclusão de Curso que trouxeram grandes desafios ao estudo sobre a realidade sócio-histórica do território e o planejamento educacional para a agroecologia, integrando dimensões teóricas e vivenciais. Assim, a partir de estudos críticos sobre o território, os estudantes foram organizados em duplas e trios a partir de suas escolas de origem para realização das pesquisas e propostas a serem implementadas em cada uma das unidades escolares.

O Tempo Escola assegurou a esses estudantes momentos para estudos individuais orientados para o foco de pesquisa, assim como para grupos de estudo, com orientação coletiva das monografias e para seminários sobre tópicos temáticos especiais, considerados necessários no processo de formação e até então não contemplados pelos demais componentes curriculares.

Durante o processo de implementação do curso, foi possível realizar seminários nas escolas que os estudantes atuavam, buscando efetuar um diálogo entre esses e a comunidade e apresentar-lhes suas propostas e planos de intervenção agroecológica. Os seminários possibilitaram um envolvimento significativo com as comunidades escolares, quando as pessoas puderam tecer diversas contribuições para os trabalhos a partir de suas realidades específicas, o que contribuiu para a efetividade executiva desses planos nos anos seguintes.

Podemos afirmar, a partir da experiência do curso de especialização, que a formação continuada de educadores é fundamental para o avanço da Agroecologia nas escolas. A possibilidade de os educadores acessarem os conhecimentos numa perspectiva contra-hegemônica fez com que esses se questionassem acerca da função social da escola em tempos de profundos desmontes da educação pública, de retrocesso e ataques à educação do campo e de difusão de programas de educação ambiental fornecidos pelo agronegócio.

Os exemplo práticos desse percurso se materializaram a partir de uma análise crítica e ambiental dos territórios, da implementação de inventários sobre a realidade no entorno da escola, de aulas práticas com a participação de camponeses das comunidades, de pesquisas participativas com a orientação em disciplinas e da construção de ambientes de trabalho prático decorrente da implantação de unidades agrícolas no interior das Escolas.

3 considerações finais

O artigo revela a potência pedagógica e transformadora das ações desenvolvidas pela EPAAEB no tema da Educação e Agroecologia no território do Extremo Sul da Bahia. A análise histórica e crítica da realidade, desde o entorno das escolas, das comunidades até nos contextos mais amplos, nos aponta que somos seres coletivos, em profunda interdependência e capazes de transformar nossas realidades a partir da compreensão crítica do mundo que nos cerca.

Podemos concluir que, como resultados importantes desses processos formativos, houve um acumulo por parte dos docentes que, organizados a partir do setor de educação da EPAAEB, passaram a ousar, experimentar e reinventar a escola na perspectiva agroecológica, conectando a escola com a atualidade da luta social dos sujeitos que integram os territórios de Reforma Agrária, colocando-se enquanto intelectuais orgânicos do projeto educativo pelo qual o MST defende. A Agroecologia, portanto, compreendida enquanto ciência, movimento político e prática social, tem se mostrado essencial na construção dos conhecimentos a serem acessados desde os ambientes escolares do campo, nos mais variados níveis, formando as gerações presentes e futuras em uma perspectiva de novas relações socioecológicas entre seres humanos e natureza, capazes de fortalecer a consciência socioambiental sobre o território e instrumentalizar os sujeitos para serem eles mesmos os protagonistas da história e dos processos de ocupação, usos e regeneração da terra, bem como da convivialidade entre aqueles que nela habitam e nela trabalham.

referências

ALTIERI, M. A. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. São Paulo: Expressão Popular, 2012, 400p.

CALDART, R. S. A Escola do Campo em Movimento. In: ARROYO, M. G. et al. (orgs.). Por uma educação do campo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 87-131.

CALDART, R. S. Sobre Educação do Campo. In: SANTOS, C. A. (org.). Por uma Educação do Campo: campo – políticas públicas – educação. Brasília: Incra; MDA, 2008. p. 67-86.

CALDART, R. S. et al. Apresentação. In: CALDART, R. S. (org.). Caminhos para a transformação da Escola 4 – Trabalho, agroecologia e estudo nas escolas do campo. 1 Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2017.

FREIRE, P. Extensão ou comunicação. 18 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FÓRUM FLORESTAL DA BAHIA. Mapeamento do uso e cobertura do solo dos 23 municípios do Sul da Bahia. UFSB, 2018.

GLIESSMAN, S. R. Agroecology: The Ecology of Sustainable Food Systems. CRC Press, 2015.

IMA – INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE. Silvicultura de eucalipto no sul e extremo sul da Bahia: situação atual e perspectivas ambientais. Salvador, 2008.

NOSELLA, P. Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil. Vitória: Edufes, 2012. 288 p.

SANTANA, C. S.; RIBEIRO, D. S.; SILVA, F. O. C.; ROSSI, L., A. B.; GIL, M. L.; NASCIMENTO, M. H. J. Educação em agroecologia: percurso da construção de uma proposta pedagógica para as escolas do campo no Extremo Sul da Bahia. In: Caminhos para a transformação da escola. CALDAT, R. S. (org.). São Paulo: Expressão Popular, 2017.

VIA CAMPESINA, Conferencia internacional, 2008, Quito, Equador.

contribuições de autoria

1 – Dionara Soares Ribeiro

Mestre em Educação do Campo UFRB

https://orcid.org/0000-0001-6587-4591 • dieduc2006@yahoo.com.br

Contribuição: Coordenação da EPAAEB e Escrita – Primeira Redação

2 – Felipe Otávio Campelo e Silva

Mestre em Ciências Sociais/UFPB; Doutorando no PPGBiossistemas/UFSB

https://orcid.org/0000-0001-9404-6592 • campelo.felipe@hotmail.com

Contribuição: Coordenação da EPAAEB e Escrita – Primeira Redação

3 – Valdete Oliveira Santos

Especialista em educação do campo e agroecologia/UNICAMP

https://orcid.org/0000-0003-0771-0905 • valdeteagro@outlook.com

Contribuição: Coordenação da EPAAEB e Escrita – Primeira Redação

4 – Fábio Frattini Marchetti

Doutor em ecologia aplicada/USP

https://orcid.org/0000-0002-8019-3871 • fabio.marchetti@usp.br

Contribuição: Escrita – Primeira Redação

COMO CITAR ESTE ARTIGO

RIBEIRO, D. S.; SILVA, F. O. C. E; SANTOS, V. O.; MARCHETTI, F. F. A formação docente em Educação e Agroecologia: relato das ações da Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto no Extremo Sul da Bahia. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, Ed. Esp., e7, 2022. DOI 10.5902/2236499473374. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2236499473374. Acesso em: dia mês abreviado. ano.