Universidade Federal de Santa Maria

Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e26, 2022

DOI: 10.5902/2236499467295

ISSN 2236-4994

Submissão: 20/08/2021 Aprovação: 20/07/2022 Publicação: 14/10/2022

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.. 3

2 REFERENCIAL TEÓRICO.. 6

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS. 10

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES. 12

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 26

REFERÊNCIAS. 28

CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA.. 30

COMO CITAR ESTE ARTIGO.. 30

Ensino e Geografia

A Educação Ambiental nos cursos de Licenciatura em Geografia no Rio Grande do Norte

Environmental education in geography degree courses in Rio Grande do Norte

Rodrigo Emanoel de Souza AlmeidaI Ícone

Descrição gerada automaticamente

João Correia Saraiva JúniorII Ícone

Descrição gerada automaticamente

I Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN, Brasil

II Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil

RESUMO

Discutir formas de ensino que busquem relacionar o conhecimento sobre o meio ambiente e o ser humano é responsabilidade direta da educação nacional. Nesse sentido, a Educação Ambiental – nos variados níveis de ensino, principalmente no ensino superior, em particular, na formação docente – se mostra como um meio de atender a demanda de ensino para a conscientização da necessidade de haver equilíbrio das relações entre sociedade-natureza. Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo analisar as abordagens e práticas em Educação Ambiental realizadas nos cursos de Licenciatura em Geografia nas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do Rio Grande do Norte. A metodologia foi desenvolvida em três etapas: (I) levantamento bibliográfico (II) levantamento de dados junto às instituições; (III) aplicação de questionários com os docentes dos respectivos cursos; e (IV) análise dos questionários e dos planos de curso. Os resultados apontam que as abordagens e práticas desenvolvidas pelos docentes nos cursos de Licenciatura em Geografia do RN, das instituições analisadas, não devem restringir-se a um único componente curricular, mas também se fazerem presentes nos demais componentes dos cursos e nas demais atividades que envolvem pesquisa e extensão, de forma inter e transdisciplinar.

Palavras-chave: Ensino Superior; Planos de curso; Formação de professores; Licenciatura em Geografia

ABSTRACT

Discussing teaching technics that seek to relate knowledge about the environment and the human being is a direct responsibility of national education. In this sense, Environmental Education - at various levels of education, especially in higher education, especially, in teacher preparing – it’s shown as a means of meeting the demand for education to raise awareness of the need to balance the relationship between society and nature. Thus, the present work aims to analyze the approaches and practices in Environmental Education carried out in the Geography Degree courses in public Higher Education Institutions (IES) in Rio Grande do Norte. The methodology was developed in three stages: (I) bibliographic survey (II) data collection from the institutions; (III) questionnaires application for respective courses professors; and (IV) analysis of questionnaires and course plans. The results indicate that the approaches and practices developed by the Geography Degree courses teachers in RN, from the analyzed institutions, should not be restricted to a single curricular component, but also be present in other courses components and in the activities that involve research and extension, in an inter and transdisciplinary way.

Keywords: Higher education; Course Plans; Teacher training; Degree in Geography

1 introdução

As Instituições de Ensino Superior (IES) no interior do Rio Grande do Norte capacitam uma grande quantidade de profissionais para atuação em diversos setores do mercado de trabalho. No setor educacional, a formação para professor de Geografia, oferecida pelos cursos de Licenciatura em Geografia em diversas instituições do estado, é um exemplo do papel desempenhado pelas IES na formação de trabalhadores qualificados.

A Geografia se faz presente nas narrativas das inter-relações entre sociedade e natureza. Tema que a Geografia se propõe a estudar desde os primórdios de sua sistematização, através dos estudos de Alexander Von Humboldt, Carl Ritter, Vidal de La Blache, Élisée Reclus e Yi-fu Tuan, durante os séculos XIX e XX.

Tamanha tradição de estudos se justifica devido a serem as inter-relações entre sociedade e natureza que fundamentam o espaço geográfico, um dos principais conceitos da ciência geográfica, como explica Oliveira (2010):

O espaço geográfico, objeto da Geografia, reflete a complexidade das diferentes interações entre estruturas físicas e sociais, resultando numa configuração em que os padrões de degradação ambiental podem ser bastante prejudiciais tanto para o espaço como para a sociedade (OLIVEIRA, 2010, p. 9).

Tendo isso em vista, a fim de promover a sensibilização da população na conservação e mitigação dos problemas ambientais, em escalas diversas (local, regional, nacional e mundial), a formação em Geografia tem dado bastante ênfase à Educação Ambiental (EA). Foco que se faz necessário diante do preocupante quadro de impacto ambiental atual, marcado pela alta demanda de consumo e descarte de resíduos sólidos, queimadas, emissão de gases poluentes, ausência de saneamento básico, aquecimento global, caça de animais, intensificação da exploração mineral, contaminação e poluição dos rios e dos mares.

No Brasil, as políticas e discussões sobre a inserção da EA nas instituições de ensino ganharam força durante a década de 1990, com a Conferência Rio-92. Posteriormente, a Lei 9.795, de 1999, estabeleceu a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), que institui a obrigatoriedade da presença da EA em todos os níveis e modalidades de ensino. Devido a isso, apresentou-se a necessidade de se investir na capacitação de profissionais de educação, para atender à demanda da sociedade no que se refere aos problemas ambientais. A partir disso, a dimensão ambiental passou a ocupar espaço nos currículos de cursos das IES para formação de professores (MARCOMIN, 2010).

As abordagens de ensino e de se levar a EA para a sala de aula apresentadas até o momento fazem parte das análises de Sorrentino et al. (2005), Tristão (2007), Marcomin (2010), Oliveira (2010), Schimitt e La fare (2015), Sousa (2016), Batalha (2017), retratam tanto a formação profissional tecnicista nos cursos de ensino superior e a ausência, registrada neles, de renovação dos currículos. Os trabalhos listados ressaltam a necessidade do aprimoramento e aprofundamento das abordagens e práticas docentes sobre a EA, em prol de se tornarem mais próximas da realidade e da percepção dos discentes, para, consequentemente, de fato, impactarem na formação deles.

Como ressalta Tristão (2007), as reflexões que compõem as problemáticas da EA são divididas em quatro: (i) a ausência de politização por parte dos docentes; (ii) a criação de uma disciplina específica, o que gera fragmentações e reducionismos; (iii) a ausência de discussões na formação inicial e continuada de profissionais; e (iv) a falta de ajuda política e econômica para a aplicabilidade de programas voltados para a EA.

Outra questão que deve ser exposta nessa problemática refere-se às propostas curriculares que compõem a estrutura do componente curricular no curso de Licenciatura em Geografia. Isso porque, em geral, vigora entre elas a permanência de práticas de ensino centradas em abordagens atreladas a um conhecimento predominantemente teórico e, portanto, distante da realidade vivenciada pelos discentes e docentes (TRISTÃO, 2007; MARCOMIN, 2010; SOUZA et al., 2017).

Tendo em vista esse quadro, neste trabalho, procura-se responder às seguintes indagações: como a EA está sendo discutida nos cursos de Licenciatura em Geografia do Rio Grande do Norte? Quais abordagens e práticas são utilizadas pelos docentes, nesses curso -s, quando se trata da EA?

Diante do que foi apresentado, o objetivo desta pesquisa é analisar as abordagens e práticas em EA realizadas nos cursos de Licenciatura em Geografia das instituições públicas de ensino superior do estado do Rio Grande do Norte. Quanto aos objetivos específicos, são eles: caracterizar os cursos de Licenciatura em Geografia das instituições selecionadas; compreender como se dá a relação entre a proposta de EA nos currículos das instituições e a formação de professores de Geografia; e discutir a percepção dos docentes em Geografia sobre as práticas em EA.

Desse modo, pretende-se expor o cenário da EA em seu caráter formal de ensino, no nível superior, partindo da participação dos docentes e dos currículos empregados nesse processo formativo. Nesse sentido, a metodologia foi executada em três etapas, quais sejam: leituras realizadas sobre a temática; análise dos currículos dos cursos; aplicação de questionário aos docentes.

As discussões sobre teóricas sobre EA no ensino superior tratando sobre os planos de curso e das disciplinas a partir dos preceitos de Leff (1998; 2009), Tristão (2007) e Marcomin (2010).

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A questão ambiental no Brasil começa a se tornar relevante nas discussões nacionais sobre políticas públicas apenas em 1981, com a Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei 6.938. Essa política é uma parte constituinte do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), que estabelece os direitos e deveres da sociedade na preservação e recuperação do meio ambiente. Posteriormente, a questão ambiental ganha mais força nesse cenário, com a Constituição Federal de 1988, que, no Art. 225, fortalece o direito coletivo ao meio ambiente, destacando a necessidade de equilíbrio ecológico para uma melhor qualidade de vida.

Em conjunto com as legislação, conferências como a de Estocolmo (1972), Belgrado (1975), Chosica (1976), Tbilisi (1977), Rio de Janeiro (1992), Thessaloniki (1997), Johannesburgo (2002) e Rio de Janeiro (2012) também auxiliaram a moldar a ética universal dos indivíduos e sua relação com o meio ambiente, deliberando responsabilidades diretas e imediatas através da sensibilização e preservação da natureza (CARVALHO, 2019).

No Brasil, o Marco Regulatório da EA, estabelecido pela Lei 9.795, do ano de 1999, instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA). Esta política trata a EA como componente essencial para a educação nacional, deixando de ser um conteúdo transversal. Desse modo, a EA passa a ser uma demanda do processo educativo, com a qual as instituições de ensino devem se preocupar.

A partir disso, muitas pesquisas acadêmicas têm se detido ao processo de inserção da EA no ensino. Esse é o caso dos estudos de Oliveira (2010), Carvalho (2019) e Kirchhof (2019), que auxiliam na compreensão sobre EA na formação de professores, tratando tanto dos meios legais, como do papel das instituições na produção dos currículos pertencentes aos cursos.

Piazza et al. (2015) também fazem referência à discussão em torno da implementação da EA nos currículos das instituições de ensino. Segundo os autores, há linhas de pensamento que enxergam a implementação da EA por meio da sua inserção em disciplinas existentes na composição da grade curricular; e outras que defendem a necessidade de uma disciplina obrigatória, que seja capaz de possibilitar ao aluno uma base sólida.

Mesmo com as discussões chegando aos cursos de nível superior, a inserção do componente curricular específico sobre a EA encontra barreiras em sua implementação. Isso ocorre devido à especialização profissional do docente, que não condiz com o tema da EA; ou ao próprio currículo, por tratar tal componente como interesse secundário no ensino (PIAZZA et al. 2015).

Carvalho (2019) escreve que o processo de inserção da EA nos níveis de ensino no Brasil se deu no decorrer da segunda metade do século XX, ganhando expressão com as discussões sobre o meio ambiente geridas nas conferências internacionais. Essas discussões possibilitaram o aprofundamento das questões ambientais e de suas problemáticas, que ganharam intensidade com a alta do consumo desenfreado da sociedade moderna.

Segundo Cardoso e Queiroz (2017), a Geografia é uma disciplina interdisciplinar, pois consegue dialogar com outras ciências sem que, para isso, se desvincule dos seus conceitos e identidade. A Geografia trabalha com a realização de análises, a fim de identificar e compreender a interferência da sociedade na natureza, visto que “a sua preocupação central é a formação da sociedade e os tipos de intervenção que esta sociedade executa na natureza” (ANDRADE, 2008, p. 28).

Para Oliveira (2017), na ciência geográfica, é preciso analisar a conduta do ser humano com a natureza a partir de suas ações, visando auxiliar na busca por equilíbrio entre ambas as partes. Com isso, a percepção do ser humano com a natureza, desde sua condição socioeconômica, política, cultural e ideológica, estaria diretamente ligada à consciência ambiental do indivíduo.

Nesse viés, aponta-se a importância da discussão realizada nas últimas décadas sobre a EA, na tentativa de contribuir de forma vantajosa na construção do conhecimento e de instrumentos para o ensino-aprendizagem da população. Acerca disso, Rodrigues, Oliveira e Queiroz (2013, p. 91-92) salientam que “a Educação Ambiental passou a ser apresentada como importante estratégia para a formação de indivíduos na construção de uma sociedade sustentável, socialmente justa e ecologicamente equilibrada”.

Nesse sentido, Leff (1998, p. 171, tradução nossa) afirma que “esta estratégia requer políticas educacionais e de ciência e tecnologia para gerar conhecimentos, capacidades e habilidades para conduzir um processo endógeno de desenvolvimento sustentável”. Nesse caso, a política por si só não conduz a produção de possibilidades para alcançar o conhecimento ao qual quer se chegar por meio das estruturas educacionais. Oautor (1998, p. 171) ainda ressalta que é preciso também de influências e interesses:

Estas influências e interesses determinam as possibilidades de transformação das estruturas educacionais por meio da inovação de métodos pedagógicos, da renovação de planos de estudos, da reorganização curricular ou reorientação das atividades científicas nas universidades (LEFF, 1998, p. 172, tradução dos autores).

Sendo as instituições de ensino superior locus da formação crítica para os educadores, é imprescindível que as abordagens e a construção da aprendizagem se deem através das experiências, vivências e realidades dos discentes que ocupam o âmbito acadêmico. Uma das formas de isso ser alcançado é através da aplicação de metodologias que possibilitem o contato direto do ser humano com o meio ambiente, sob uma perspectiva crítica da natureza.

Acerca disso, Cardoso e Queiroz (2017, p. 12) mencionam que a integração da EA e a Geografia obtém resultados satisfatórios, e ressalta que esse caminho “proporciona aos graduandos a oportunidade de desenvolver metodologias didáticas para o ensino de Geografia que ultrapassem limites da sala de aula, aprofundando os conceitos e teorias sob uma abordagem que integre a teoria e prática”.

Buscando investigar o desenvolvimento da EA nos cursos de Geografia em três universidades públicas localizadas no estado do Paraná, Oliveira (2010) destacou o pensamento ecológico adotado pelos docentes como forma de articulação entre os saberes e práticas a serem desenvolvidos com e pelos discentes em seus cotidianos.

Carvalho (2019) chama atenção para o fato de que as instituições que ofertam o ensino superior necessitam dialogar com os problemas ambientais e demostrar o seu nível de gravidade, para, a partir dessa consciência, discutir problemas ambientais ligados ao cotidiano de docentes, discentes, técnicos e diretores.

 Para Kirchhof (2019), a EA no ensino superior deve também fazer parte, principalmente, das questões cotidianas da própria instituição e do curso cuja grade curricular a disciplina faz parte. Estendendo o alcance, Kirchhof defende que a EA deve chegar também à comunidade acadêmica em geral, com vistas a haver mudanças nos currículos para atender às percepções de mundo que circundam a vivência daqueles que compõe o processo de ensino-aprendizagem.

As contribuições acerca da temática ambiental, incluindo as existentes neste artigo apresentadas, são imprescindíveis para os novos desdobramentos, como a aproximação do processo de ensino a partir do cotidiano dos estudantes, na EA e para a formação de professores capazes de tecer críticas a respeito da relação sociedade-natureza. Com isso, a atuação de docentes na articulação dos saberes da área e do ensino para que os indivíduos sejam imbuídos de responsabilidade ambiental se faz necessária e urgente.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 Desenho do estudo e recorte das Instituições do Ensino Superior (IES)

A metodologia seguida neste trabalho é dividida em três etapas. A primeira etapa foi levantamento das discussões acadêmicas realizadas sobre a EA e a formação profissional de professores em Geografia, apresentado no referencial. Na segunda etapa, foram selecionadas as instituições e realizadas as análises dos planos de curso de Licenciatura em Geografia das IES investigadas. E, por fim, na terceira etapa, aplicou-se um questionário destinado aos docentes responsáveis por lecionar o componente curricular de EA nos cursos de Licenciatura.

Optou-se pelo método comparativo, por melhor atender as prerrogativas do estudo relacionadas à análise dos planos de curso e à investigação das práticas e abordagens dos docentes. Para compor os procedimentos metodológicos, parte-se também do trabalho de Oliveira (2010), que utiliza o questionário como ferramenta de coleta de dados. Sobre a utilização de questionários em pesquisa, Gil (2008) aponta que a escolha por esse método tem por finalidade obter informações pertinentes aos conhecimentos de um dado grupo estudado.

Tendo como base essa exposição, na sequência, foram identificadas as IES públicas (federais e estaduais) localizadas no estado do Rio Grande do Norte, por meio da plataforma e-MEC, do Ministério da Educação, que contempla informações gerais sobre o cadastro de instituições. Tendo sido realizada uma filtragem das IES que oferecem os cursos de Licenciatura em Geografia, foram também analisados os planos de curso para verificar se a oferta do componente curricular de EA é feita de forma obrigatória ou optativa.

Feito isso, foi realizada a aplicação de um questionário semiestruturado, direcionado aos docentes dos cursos de Licenciatura em Geografia das instituições selecionadas. As perguntas, que podem ser observadas no quadro 1, disposto a seguir, procuram questionar os docentes sobre as abordagens realizadas por eles e a percepção desses profissionais sobre as práticas em EA.

Quadro 1 Questionário aplicado aos docentes dos cursos de Licenciatura das IES

Fonte: Organização dos autores (2021)

O questionário foi aplicado durante o período de 07 a 21 de junho de 2021, por meio da plataforma online Google Forms. A aplicação online se justifica devido ao distanciamento social para prevenção do contágio por Covid-19 (SARS-CoV-2), uma das medidas sanitárias estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2020).

Na última etapa, foi realizada a análise dos dados coletados mediante a participação dos docentes, que foram nomeados conforme a sequência numérica da sua participação na pesquisa com números de 1 a 20. Nesse momento, os professores expuseram suas percepções, dificuldades e sugestões sobre as abordagens e práticas da EA nos cursos de Licenciatura em Geografia.

3.2 Área de Estudo

O interesse deste trabalho de tratar da EA nos cursos de Licenciatura em Geografia das Instituições de Ensino Superior (IES), especificamente públicas se justifica por apenas essas instituições ofertarem a disciplina “Educação Ambiental” (figura 1). Não há, portanto, no estado, instituições privadas que tenham na matriz curricular de Licenciatura em Geografia a disciplina de EA.

Dessa forma, identificou-se que os campi que ofertam os cursos de Licenciatura em Geografia e integram, entre seus componentes curriculares, a disciplina de EA estão: a UERN, campus Mossoró, Pau dos Ferros e Assú; a UFRN nos campi de Natal e Caicó; e, o IFRN, no campus Natal-Central. Portanto, a pesquisa se direciona a três campi localizados no interior do estado (Mossoró, Assú, Caicó) e dois na capital (Natal).

Figura 1 Localização das IES públicas que ofertam os cursos de Licenciatura em Geografia

Fonte: Organização dos autores (2021)

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Planos de curso das Licenciaturas em Geografia do RN e a Educação Ambiental

O suporte dado pelas conferências nacionais e internacionais nas últimas décadas contribuiu para a teoria geográfica, no que diz respeito à relação sociedade-natureza. Como efeito disso, nas Licenciaturas também são verificados impactos positivos, através da formação de profissionais críticos e reflexivos (CARVALHO, 2019). Entretanto, para isso, é necessária a atualização e a produção de planos de curso que possam atender às demandas atuais da sociedade, às preocupações iminentes ao meio ambiente e às problemáticas naturais existentes diante do quadro de agravamento dos índices de desmatamento, queimadas, poluição do ar, contaminação do solo e o consumo desenfreado de uma sociedade predominantemente capitalista.

As mudanças ocorridas com a criação de resoluções e diretrizes pela PNEA tecem considerações a respeito da necessidade de novas abordagens, que possam contribuir para a formação dos discentes enquanto agentes da transformação social. As mudanças também visam aperfeiçoar os planos de curso para que haja maior reflexão sobre as relações entre os seres humanos e o meio ambiente, fornecendo, assim, material importante para a estruturação curricular dos cursos de Licenciatura em Geografia.

Nesse viés, os cursos de Licenciatura em Geografia das instituições públicas do Rio Grande do Norte têm por finalidade não só atender a formação de profissionais qualificados para atuar no Ensino Básico, mas também de proporcionar a capacitação para o uso de metodologias e tecnologias que favoreçam as articulações entre ensino-aprendizagem. No quadro 2, exibido a seguir, são apresentados os objetivos dos planos de curso de cada uma dessas instituições.

Entre os planos de curso que destacam a temática ambiental está o da Licenciatura em Geografia da UFRN – campus Caicó, que aborda a relação entre a universidade, o binômio sociedade-natureza e o compromisso ético, como forma de garantir a sobrevivência futura da sociedade, no planeta Terra. No campo da discussão do plano, destaca-se a importância de se manter, no currículo de formação profissional, abordagens sobre a realidade regional no Seridó, em consonância com a realidade do semiárido, no que diz respeito aos seus aspectos climáticos, culturais, sociais e econômicos.

Quadro 2 A Educação Ambiental nos planos de curso de Licenciatura em Geografia, no RN

Fonte: Elaborado a partir de UERN (2014a, 2014b, 2018), UFRN (2008, 2017) e IFRN (2018)

Carvalho (2019, p. 74) evidência que o currículo “tem que ir de encontro aos seus interesses, considerando todo um contexto histórico, a realidade local e as reais necessidades vivenciadas no cotidiano pelos envolvidos no processo educativo”. Assim, deve-se haver uma aproximação entre os conteúdos trabalhados em sala de aula e os aspectos sociais e ambientais do contexto vivenciado pelos discentes em suas respectivas comunidades.

Por apresentar-se como um importante componente para a conscientização da população, a inserção da EA na educação nacional preconiza objetivos fundamentais, como: a compreensão do meio ambiente, o acesso a informações sobre o meio ambiente, a consciência crítica, o equilíbrio das relações socioambientais, a articulação regional e o fortalecimento da cidadania com o melhoramento de técnicas para garantia de um futuro (PNEA, 1999).

O componente curricular “Educação Ambiental” ou “Introdução à Educação Ambiental” é trabalhado no Programa Geral do Componente Curricular (PGCC) dos cursos de Licenciatura em Geografia de forma obrigatória na UERN, nos campi Mossoró e Açu; e na UFRN, nos campi Natal e Caicó. Entre as abordagens que esses campi trabalham, está a discussão sobre a epistemologia da Educação Ambiental, seus avanços e a exigência da temática nos dias atuais, conforme as leis ambientais. Além disso, também foi identificada, nos planos de curso, a utilização de metodologias que aproximam a realidade geográfica ao ensino.

A EA pode ser trabalhada de forma articulada, envolvendo os docentes, os discentes e a população. Isso pode ser feito a partir de uma abordagem direcionada à vivência dos indivíduos, priorizando valores coletivos em prol do meio ambiente; e voltada não apenas à conservação, mas sim a ações que priorizem a preservação do meio ambiente.

4.2 Docentes e componentes curriculares lecionados

Os 85 docentes que, em 2021, integravam o corpo profissional dos cursos de Licenciatura em Geografia das IES públicas do Rio Grande do Norte estão divididos da seguinte forma em relação aos campi: 11 docentes do IFRN, campus Natal-Central; 13 docentes da UERN, campus Central-Mossoró; 10 docentes da UERN, campus Pau dos Ferros; 10 docentes da UERN, campus Açu; 24 docentes da UFRN, campus Central-Natal; e 17 docentes da UERN, campus Caicó. De todo o quantitativo apresentado, a pesquisa contou com a participação de apenas 20 docentes dos cursos de Licenciatura em Geografia (figura 2).

Figura 2 Quantitativo dos docentes dos cursos de licenciatura em Geografia que participaram da pesquisa por IES

Fonte: Organização dos autores (2021)

Entre os docentes, apenas 5 detém titulação de pós-graduação stricto sensu e/ou lato sensu em áreas relacionadas à EA, são elas: “Tecnologia ambiental e Recursos hídricos”, “Geografia e Gestão Ambiental”, “Educação Ambiental e Patrimonial”, “Desenvolvimento e Meio Ambiente” e “Hidrografia Aplicada”. Os demais docentes possuem cursos de formação continuada e pós-graduação na área de ensino e/ou em áreas específicas que lecionam.

A formação continuada dos docentes em cursos de pós-graduação finda por aperfeiçoar os profissionais em áreas que consigam realizar o diálogo com a EA favorecendo assim uma maior profundidade na abordagem e no conhecimento das problemáticas concernentes ao meio ambiente e o papel da sociedade (CARVALHO, 2019).

Os docentes das instituições selecionadas estão divididos entre professores efetivos, substitutos, cedidos e voluntários. Sobre as disciplinas lecionadas pelos docentes participantes (quadro 3), vale destacar que os temas de todas elas possibilitam a reflexão dos conteúdos na realidade dos discentes.

Dentre as instituições que ofertam a disciplina de Educação Ambiental em sua matriz curricular nos cursos de Licenciatura em Geografia estão a: UFRN – Campus Natal com atuação de dois docentes; UERN – Campus Açu com atuação de um(a) docente; e UERN – Campus Mossoró com atuação de um(a) docente. Em quatro instituições a disciplina aparece como obrigatória: UFRN – Campus Natal e Caicó; UERN – Campus Mossoró e Açu. Já os demais campus apresentados no quadro ofertam a disciplina de forma transversais, sendo mais comum a discussão ser feita dentro de outras disciplinas pelos docentes que participaram da pesquisa. Mesmo que o componente EA se faça presente na grade curricular do curso, a temática ambiental deve estar presente de forma transversal nos demais componentes curriculares.

Tristão (2007) destaca que a implementação do componente curricular EA pode ocasionar discordâncias entre os docentes sobre como ele deve compor a organização curricular. A disputa se dá entre aqueles que defendem a sua criação como componente específico, e os docentes que são contrários e defendem que isso resultaria na fragmentação do currículo. Todavia, mesmo que haja divergências no processo formativo, isto é, na implementação da EA no currículo, é preciso haver um consenso no sentido de se estabelecer, na formação dos discentes, abordagens e práticas que os introduzam nas discussões ambientais e nas problemáticas atuais, que incidem, diretamente, nas relações sociedade-natureza.

Quadro 3 – Disciplinas lecionadas pelos docentes

Fonte: Organização dos autores (2021)

Entre as abordagens e práticas de ensino que remetem à aproximação da Geografia com a EA, o “docente 12” destaca as seguintes estratégias: atividades multidisciplinares, interdisciplinares, transdisciplinares, trabalhos de campo, atividades práticas, estudos de caso e resolução de problemas. Dos 20 docentes participantes, 4 lecionam o componente EA e os demais 16 docentes trabalham a EA de forma transversal nas temáticas que remetem aos conflitos entre sociedade-natureza. Os docentes “15” e “1” destacam:

Tento conciliar a parte de Geografia e ensino com reflexões e ações práticas do cotidiano e sua relação com o meio ambiente, possibilitando assim que os discentes ao trabalharem esse conteúdo em sala de aula façam as correlações com o que necessitamos desenvolver como agentes de uma sociedade envoltos em questões políticas, econômicas, culturais, ambientais, sociais e etc. (Docente 15, 2021).

Em termos gerais e de forma transversal, nos componentes curriculares ministrados por mim, abordou-se a crise ambiental e as diferentes concepções do conceito de desenvolvimento, a pandemia de Sars-Cov-2 e suas relações com o desenvolvimento, o contexto geo-histórico que culminou na formação da corrente Geográfica Ecológica, as questões ambientais envolvidas e a crítica que se faz da mesma, a conjuntura e a Geografia Ecológica e, no contexto da globalização/fragmentação, a importância da técnica, Estado e espaço geográfico na definição das questões ecológicas, a reflexão crítica acerca da relação sociedade-natureza que conduza à superação das estruturas de poder hegemônicas atuais e a compreensão da importância da questão ambiental e a necessidade de construção de novos paradigmas no contexto da superação do capitalismo que produz a separação homem-natureza e a segregação do espaço geográfico (Docente 1, 2021).

Além disso, um total de 7 docentes ressaltou a importância de se utilizar abordagens que remetam a problemas ambientais, preservação e conservação do meio ambiente, dando maior ênfase a conceitos como “socioambiente” (em questões entre o rural e o urbano, por exemplo), “geoconservação”, “geoeducação”, “globalização”, “consumismo” e “contexto local e regional”. Todos eles, segundo os professores, devem ser tratados de forma a se considerar a realidade atual de contexto da pandemia do Covid-19 (Sars-Cov-2).

O “docente 16” leciona o componente curricular específico EA e descreve que:

Nas minhas disciplinas, faço relação da EA com os temas dos componentes curriculares, sempre buscando articular com a realidade das escolas, com o contexto local e com a futura atuação profissional dos (as) alunos(as). Durante as aulas de campo, busco sempre incluir locais, pessoas e contextos que articulem os conteúdos/temas/lutas com a Educação Ambiental. Exemplos: Visitas as unidades de conservação; palestras com estudiosos, gestores e ativistas; visitas aos locais com grandes problemas ambientais; visitas as comunidades da reforma agrária que trabalham com agroecologia. (Docente 16, 2021).

O conceito de ambiente para a Geografia; Educação ambiental: história, conceitos e contextos; As relações entre o capitalismo, a sociedade e a natureza; Política Nacional da Educação Ambiental e Programa Nacional da Educação Ambiental; Educação ambiental: ações, práticas e reflexões; Educação Ambiental no ensino formal e não formal; Realidade local e a Educação Ambiental; Projeto de Educação Ambiental: planejamento, execução e avaliação (Docente 16, 2021).

Entre as práticas citadas pelos docentes que contribuem para a articulação da Geografia com a EA estão as aulas de campo, projetos de pesquisa-ensino-extensão, produção de materiais didáticos, trabalhos em grupo, estudo de caso, oficinas pedagógicas, filmes, vídeos, jogos interativos, produção textual e de histórias.

Discorrendo sobre isso, o docente “16” elenca algumas práticas utilizadas por ele para inserção da EA na Geografia:

Leitura e discussão de textos, imagens, vídeos, músicas e filmes (arte); Aulas dialogadas com base na bibliografia; Exemplos relacionados à elaboração do projeto de educação ambiental (ambiente formal/escolar e não formal); Produção de material didático sobre o tema; Reflexões sobre a realidade e problemas locais; Compreensão mais ampla do conceito de Ambiente [...]; Diálogos com outros profissionais, com trabalhadores(as) da área ambiental e movimentos sociais; realização de entrevistas; Aulas de campo e visitas técnicas (Docente 16, 2021).

Ao serem questionados sobre quais são os autores que favorecem as abordagens do componente curricular EA no curso de Licenciatura em Geografia, os docentes destacaram alguns pesquisadores, conforme apresenta o quadro 4 a seguir.

Quadro 4 – Autores trabalhados pelos docentes em Educação Ambiental

Fonte: Organização dos autores (2021)

Os autores destacados, além de discutir temáticas ambientais, também refletem sobre a relação sociedade-natureza, no que diz respeito às modificações e usos que os seres humanos atribuem à paisagem e suas transformações, em escala temporal, nos espaços local, regional, nacional e/ou global. As discussões que tratam a realidade local estão presentes entre os textos utilizados pelos docentes, assim como em outros trabalhos de pesquisadores que se dedicam às temáticas sobre climatologia, geografia urbana, geografia econômica e geografia política, entre outras.

Também foi questionado sobre a percepção dos docentes quanto à aplicação das práticas e abordagens para a integração da EA na Geografia. O “docente 4” pontua que “a Educação Ambiental deve ser uma temática transversal em todo o curso, tendo maior ou menor enfoque na totalidade das disciplinas do curso, sendo prioridade nas atividades práticas”. Um apontamento similar foi realizado pelo “docente 1”:

De acordo com o que foi presenciado por mim e tendo por base as leituras que fiz dos autores que foram citados, particularmente as ideias de Mauro Guimarães, a Educação Ambiental no curso de Licenciatura em Geografia carece de mais práticas e abordagens em torno de uma Educação Ambiental Crítica, isto é, ausência de sustentabilidade da vida do planeta assentada no movimento que provoca rupturas e religações fundantes de um novo paradigma, cidadania com base em práticas críticas e criativas de sujeitos aptos a atuarem na sociedade mundializada, proposta aberta ao novo e a uma visão de mundo contrária ao paradigma cartesiano da disjunção e ação sobre as estruturas sociais de poder da sociedade que estão no centro das questões que envolvem as relações comunidade/sociedade/natureza (Docente 1, 2021).

A partir desses depoimentos, percebe-se que não seria suficiente trazer, para o leque de abordagens, práticas desassociadas da realidade existente na atualidade, diante de uma sociedade capitalista, atrelada ao consumismo. Essa característica pode refletir diretamente nas ações dos discentes não só em seu cotidiano em geral, mas no próprio âmbito acadêmico e escolar com propostas metodológicas e/ou eventos. Dessa forma, ensinar sobre EA em conexão com a realidade é uma forma de melhor formar os discentes, e, assim, contribuir socialmente e politicamente para um meio ambiente em maior equilíbrio.

Nesse sentido, o “docente 9” responde que busca, em suas próprias ações, incluir práticas que evitem o consumo desnecessário, e que busca difundir essa ideia com os discentes. Ao serem questionados sobre a percepção a respeito da relevância da EA na Geografia, os docentes “16” e “7” enfatizam que:

É de suma importância que a temática seja abordada no curso de Geografia, perpassando todos os componentes curriculares/práticas/estágios/projetos. A formação dos alunos e alunas deve contemplar a atuação voltada para educação ambiental em ambientes formais e não formais. Porém, a preocupação não deve ser apenas a formação profissional. Quando abordamos a educação ambiental no curso de Geografia também estamos contribuindo para possível transformação da sociedade e ampliação da atuação/participação no campo da política (Docente 16, 2021).

Acredito que deve ser ampliada, e realizada de forma interdisciplinar. Fica restrita apenas aos colegas da Geografia Física. Considero que a Geografia Humana tem muito a contribuir com essa discussão, mas não é valorizada (Docente 7, 2021).

Entre os docentes, também há o destaque para a integração da EA mediante temáticas ambientais em componentes já existentes, para que, assim, essas temáticas possam ser imbuídas de uma visão holística do fenômeno, e não isolada. Sobre isso, os docentes “18”, “17” e “9” reforçam que:

A integração entre diferentes seria a melhor ferramenta para um processo formador com vistas a Educação Ambiental, uma vez que para suas práticas e ações é necessário a articulação do saber de várias ciências. Não se faz Educação Ambiental de forma isolada, é um processo agregador e contínuo (Docente 18, 2021).

Na verdade, quando entendemos que o espaço geográfico é o objeto de estudo da geografia e a dinâmica espacial congrega a dinâmica da sociedade e a dinâmica da natureza, já fica claro que a educação ambiental precisa ser pautada pela Geografia. Esse é o primeiro ponto. Partindo disso, talvez falte o compromisso com a interdisciplinaridade. Um diálogo mais próximo com os outros cursos na construção de um projeto que, mantendo as especificidades de cada área, corrobora para uma formação mais integral dos alunos e alunas (Docente 17, 2021).

Entendo que educação ambiental é muito mais uma postura cidadã do que curricular. Ou seja, não é num dado curso que se adquire educação ambiental. Antes, é uma consciência cidadã devidamente assumida e praticada. Então, se o sujeito envolvido no curso de geografia tem essa consciência, haverá a integração. A geografia, na verdade, entra, nesse processo de educação ambiental, com seus conteúdos específicos, como aqueles afins à natureza e ao consumo, entendendo de um lado preservação, e de outro, utilização (Docente 9, 2021).

As discussões, na Geografia, sobre a integração da EA ultrapassam o campo único do componente curricular, e abrangem as demais áreas da ciência geográfica, como forma de o discente se perceber no mundo. Todavia, essa integração parece se deter apenas às discussões teóricas, não chegando, de fato, ao ensino. Sobre essa realidade, o “docente 15” expressa que “quase não existe essa integração, nem mesmo entre os conteúdos específicos dos próprios cursos”, e, por fim, conclui que é gerada “uma lacuna dessa falta de integração”.

Com isso, foi direcionada aos docentes a pergunta sobre os desafios e sugestões para articulação entre a Geografia e a EA nos cursos de Licenciatura em Geografia. Uma das dificuldades apontadas pelos docentes refere-se à “necessidade da inter e da transdisciplinaridade, já que se trata de uma abordagem transversal, sendo que há o desafio de romper com essas barreiras disciplinares, sobretudo na atividade docente (Docente 11, 2021). O “docente 17” coloca em questão a dificuldade dos docentes em perceberem a EA como parte dos componentes curriculares, e de articular os conhecimentos. Dentro desse mesmo viés, os docentes “17” e “1”, respectivamente, realizam as seguintes análises:

Eu tenho dificuldade de perceber como duas áreas distintas. Acho que é partir para o que é central na Geografia que é o espaço geográfico. Considerando esse objeto, a educação ambiental deverá ser tema central na organização dos componentes e disciplinas, já que é preciso rompermos com a relação predatória que temos tido com o ambiente, do qual somos elementos. Pois, como nos lembra Reclus (geógrafo do século XIX), "o homem é a natureza tomando consciência de si própria". Penso que falta isso, falta essa consciência por parte das professoras e professores formadores. Dito isto, pontuo que há uma necessidade de diálogo maior entre as disciplinas, considerando essa temática que é rica para a Geografia. Os projetos de extensão e Pibics podem ser momentos de fortalecer isso também. Por fim, esse compromisso precisa estar bem destacado nos PPCs dos cursos e abraçado por toda a comunidade acadêmica (Docente 17, 2021).

No que se refere aos desafios para articular a produção do conhecimento entre a Geografia e a Educação Ambiental, o principal deles consiste na superação do paradigma cartesiano-positivista que, ao ser descontínuo na compreensão e intervenção no espaço, produz soluções pontuais na medida em que é cientificista e advoga a falsa ideia de evolução da natureza e sociedade por intermédio da evolução harmônica. Por outro lado, no que se refere às possibilidades e sugestões para articular a produção do conhecimento entre a Geografia e a Educação Ambiental (Docente 1, 2021).

Nessa mesma linha de raciocínio, o “docente 9”, ao discorrer sobre os desafios, as possibilidades e sugestões de se trabalhar com a EA, tece apontamentos a respeito da relevância de os discentes e suas realidades fazerem parte direta do processo de ensino-aprendizagem. De acordo com os docentes, são trazidos para o campo da discussão, experiências e conhecimentos que podem inserir os discentes de forma ativa na construção de propostas e metodologias baseadas na relação sociedade-natureza.

Desafios: é conseguir fazer os alunos produzirem conhecimentos, num sistema educacional no qual alunos são tidos como seres passivos, apenas receptores, e não produtores de conhecimento. Possibilidades: acreditar no potencial de cada aluno, desenvolver o programa do componente curricular a partir das suas vivências e apresentar propostas de produção do conhecimento, fazendo seu devido acompanhamento; se na vivência do aluno, a educação ambiental for uma prática, ela será suscitada ante os conteúdos da geografia. Sugestões: tratar sempre os conteúdos da geografia com um olhar de análise da relação entre o ser humano e a natureza, questionando e discutindo sobre como estão se dando essas relações (Docente 9, 2021).

Dessa forma, a partir da discussão realizada nesta seção, verificamos a importância de serem promovidas discussões que ampliem a visão crítica sobre a EA nos cursos de Geografia e na educação nacional como um todo, por meio da interdisciplinaridade, mesmo havendo uma disciplina específica. Isso porque, quando tratamos de EA, deve-se compreender o seu ato político e ideológico, no que se refere aos debates mundiais em torno da questão ambiental e geopolítica entre os países mais poderosos, com maior índice de desenvolvimento, e aqueles que detém reservas naturais suficientes para serem exploradas.

4.3 Apontamentos sobre as abordagens teóricas e práticas dos docentes de Licenciatura em Geografia nas IES públicas do Rio Grande do Norte

A participação dos docentes foi fundamental para a compreensão de como são realizadas as abordagens no processo de formação de professores de Geografia e sua articulação com a EA, segundo os currículos das instituições.

É de suma importância estabelecer relações entre as práticas humanas culturais, econômicas, políticas e sociais, e o meio ambiente, visto que elas são, significativamente, responsáveis pelas mudanças na natureza e pelo agravamento do desequilíbrio entre as ações humanas e o meio ambiente, incidindo em novas problemáticas que tornam a realidade atual palco de reflexões para o ecologismo. Nesse ponto, é interessante recuperar um comentário de Oliveira (2010) sobre o Ecologismo, quando esclarece que “a contribuição do Ecologismo para a Geografia é de extrema importância, pois os seus pressupostos são responsáveis por uma reação crítica a atitudes irresponsáveis no meio ambiente” (OLIVEIRA, 2010, p. 58).

Além disso, é preciso também mediar as experiências com os espaços das instituições, e, além disso, realizar a troca de conhecimento entre os docentes e discentes, possibilitando a aprendizagem de ambos. Essa postura parte do entendimento de que práticas e abordagens na EA articuladas com demais campos de conhecimentos, permitem, como descreve Carvalho (2019, p. 89), “analisar o ambiente com outros olhos, observar as novas possibilidades que são ofertadas pelas tecnologias e pelos conhecimentos dos demais colegas professores”.

Para Tristão (2007), a inclusão da EA como disciplina obrigatória segue sob o paradoxo de fragmentação, entre o conhecimento da EA e a articulação dele com os conceitos das demais ciências. Acerca desse quadro, vale salientar, como faz Tristão (2007, p. 12), que não se pode perder de vista “a abordagem integrada do conhecimento e a compreensão de que a criação de uma disciplina poderia provocar a fragmentação do conhecimento e o tímido reducionismo da dimensão ambiental”.

Diante disso, o que existe em comum nas respostas dos docentes é a necessidade de haver uma ampla discussão dentro dos cursos de forma articulada com os saberes construídos em sala de aula e fora dela, pois o que se há é uma discussão acerca do campo teórico ou que não é necessário discutir a EA no curso de forma direta.

De acordo com Cardoso e Queiroz (2017), a inserção da EA e das temáticas associadas ao ensino de Geografia contribuem para o desenvolvimento de novos procedimentos metodológicos.

Tal caminho proporciona aos licenciandos a oportunidade de desenvolver metodologias didático-pedagógicas para o ensino de Geografia que ultrapassem os limites da sala de aula, aprofundando os conceitos e teorias sob uma abordagem que integre teoria e prática (CARDOSO; QUEIROZ, 2017, p. 12).

Além dos desafios e sugestões citadas pelos docentes anteriormente, também se destaca a importância de um trabalho coerente dos docentes que atuam no curso. Isso porque foi notado que suas práticas em sala de aula favorecem maior interação entre os conteúdos da disciplina, a EA e os aspectos que retratam a proximidade das questões ambientais com o contexto local.

Também foi observado que, quando implementado de forma específica no Projeto Pedagógico de Curso (PPC) dos cursos, o componente curricular EA é apontado pela maior parte dos participantes como exercício da cidadania.

Conforme foi apontado nas teorias e explanado em sala de aula, por intermédio dos próprios planos de curso, percebe-se como primordial a aproximação entre o que é discutido com o que é vivenciado pelos discentes e a pela comunidade acadêmica. Esse é um movimento importante para que seja alcançada uma formação crítica em relação aos fenômenos socioambientais, de forma que eles possam ser compreendidos simultaneamente, superando, assim, paradigmas postos.

Essa mudança de postura é necessária, se considerarmos que esses mesmos paradigmas estão intrinsecamente ligados a uma sociedade capitalista que tem como uma das principais características o consumo, podendo ocasionar diretamente o desequilíbrio das relações entre a sociedade-natureza. Dessa forma, a EA, ao contribuir na formação de sujeitos, conscientizando-os da relação entre sociedade e natureza, também desempenha importante papel para o alcance do equilíbrio dessa relação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proporção das problemáticas ambientais no último século ganhou espaço em conferências, fóruns e eventos sobre os impactos causados pela ação do homem no meio ambiente. Essa mesma pauta é direcionada à formação do ser humano enquanto cidadão, fazendo parte de uma ampla discussão para a inserção da EA no ensino, em escala nacional, por meio de leis, diretrizes e planos de curso.

Nesta pesquisa, observamos que as formas como a EA é trabalhada nos cursos de Licenciatura em Geografia nas IES públicas do Rio Grande do Norte pode variar conforme adoção feita por cada curso. Cenário que implica a aproximação com conceitos-chave da ciência geográfica e autores que discutem a temática ambiental, além de trazer para o debate a questão local e regional.

Além disso, foi possível concluir, nesta pesquisa, que as abordagens realizadas pelos docentes também enfatizam a importância de se trabalhar a EA em junção aos conhecimentos de outros componentes curriculares. Isso deve ser realizado partindo-se da dinâmica existente em sociedade, procurando a integração de ferramentas que possibilitem uma conscientização do cidadão e sua atuação social e política.

Já em relação às práticas realizadas pelos docentes na formação dos profissionais, por meio de projetos de extensão, de pesquisa e/ou de ensino, observamos que elas propiciam aos discentes, maneiras de serem articulados os conhecimentos construídos na universidade, e aplicados na sociedade de forma direta. Assim, adota-se, nas próprias práticas, formas de preservar e de ter atitudes responsáveis em relação à natureza.

Os docentes ainda fazem referência direta ao atual modelo de EA aplicado nas salas de aula como sendo um componente curricular à parte. Mesmo que a EA constitua a grade curricular dos cursos de Licenciatura em Geografia, a sua inserção em único componente limita o campo de discussões à formalidade de apresentar conteúdos distantes da realidade vivenciada pelos discentes. Nesse ínterim, a interdisciplinaridade e/ou transdisciplinaridade também se apresenta como forma de abordar temáticas que atendam às problemáticas ambientais em sala de aula por meio dos demais componentes.

Em suma, conclui-se que o aprofundamento dos estudos sobre a EA enseja abordagens e práticas que possam conectar a aprendizagem à ação dos seres humanos, diante da relação sociedade-natureza, de forma a proporcionar maior equilíbrio e preservação do meio ambiente. Dessa forma, o presente trabalho não esgota a discussão, mas serve como alternativa para aprimorar os estudos acerca do papel do ser humano no meio ambiente.

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contribuições de autoria

1 – Rodrigo Emanoel de Sousa Almeida

Geógrafo, Mestre em Geografia e Doutorando em Estudos Urbanos e Regionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

https://orcid.org/0000-0003-0764-3829 • rodrigogeoalmeida@gmail.com

Contribuição: Escrita – Primeira Redação

2 – João Correia Saraiva Júnior

Geógrafo, Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

https://orcid.org/0000-0001-9100-1241 • joao.correia@ifrn.edu.br

Contribuição: Escrita – revisão e edição

COMO CITAR ESTE ARTIGO

ALMEIDA, R. E. DE S.; SARAIVA JÚNIOR, J. C. S. A Educação Ambiental nos cursos de Licenciatura em Geografia no Rio Grande do Norte. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e26, 2022. Disponível em: 10.5902/2236499467295. Acesso em: dia mês abreviado. ano.