Universidade Federal de Santa Maria

Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e24, 2022

DOI: 10.5902/2236499466959

ISSN 2236-4994

Submissão: 28/07/2021 • Aprovação: 19/07/2022 • Publicação: 14/10/2022

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.. 3

2 MATERIAS E MÉTODOS. 5

3 RESULTADOS. 8

4 DISCUSSÃO.. 15

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 23

AGRADECIMENTOS. 26

REFERÊNCIAS. 27

CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA.. 30

COMO CITAR ESTE ARTIGO.. 30

 

Geoinformação e Sensoriamento Remoto em Geografia

O processo de ocupação em ambiente de várzea urbana de uma pequena cidade do estuário amazônico: Ponta de Pedras-PA

The process of occupation in the urban floodplain environment in a small city in the amazonian estuary: Ponta de Pedras-PA

Ed Carlos dos Santos ValotaI Ícone

Descrição gerada automaticamente

Sandra Maria Fonseca da CostaI Ícone

Descrição gerada automaticamente

Adriane Aparecida Moreira de SouzaI Ícone

Descrição gerada automaticamente

I Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, SP, Brasil

RESUMO

Nas cidades amazônicas observa-se que os moradores ribeirinhos rurais se mudam para os centros urbanos, buscando melhor qualidade de vida para a família. Parte dessa população opta por morar nas várzeas urbanas, que são áreas preferenciais de ocupação dessa população. Como resultado, o crescimento urbano, em direção às várzeas, tem transformado as paisagens desse ambiente. No Bairro Carnapijó, localizado na pequena cidade de Ponta de Pedras, Pará, a ocupação urbana está transformando a paisagem da várzea urbana. Nesse sentido, o objetivo desse artigo é trazer uma explicação sobre o porquê de os moradores ribeirinhos optarem por construir suas casas sobre as águas ao invés de escolherem morar em terra firme. Esta pesquisa fundamentou-se em trabalhos de campo, desenvolvidos no ano de 2014, com aplicação de formulários a mais de 10% dos domicílios localizados em áreas de várzea do bairro estudado. Observou-se que, para os moradores ribeirinhos, em determinados locais, a paisagem não é agradável de se observar, em função da infraestrutura precária, ausência de manutenção e limpeza pública. Na percepção dos moradores, a paisagem está mais relacionada com a vegetação local, e esses elementos descaracterizam a paisagem local.

Palavras-chave: Várzea; Amazônia; Paisagem; Espaço urbano; Pequenas cidades

ABSTRACT

In Amazonian cities it is observed that rural riberinhos move to urban centers looking for a better quality of life for their families. Part of this population chooses to live in the urban floodplains, which are the preferred areas of occupation of them. As a result, urban growth towards the floodplains has transformed the landscapes of this environment. Urban occupation is transforming the urban floodplain landscape in the neighborhood of Carnapijó, located in the small city of Ponta de Pedras, Pará. In this sense, the aim of this article is to explain why riberinhos choose to build their houses on the floodplain instead of choosing to live on upland. This research was based on fieldwork, carried out in 2014, with application of questionnaires to more than 10% of households located in floodplain areas of the studied area. It was observed that, for riberinhos, in certain places, the landscape is not pleasant to observe, due to the precarious infrastructure, lack of maintenance and public cleaning. In the residents' perception, the landscape is more related to the local vegetation, and these elements mischaracterize the local landscape.

Keywords: Floodplain; Amazon; Landscape; Urban space; Small towns

1 introdução

O processo de urbanização no Brasil se intensificou a partir de meados do século XX, quando parte da população deixou de viver no campo e foi residir nos centros urbanos. Nas últimas décadas, a intensificação desse processo incorporou, em particular, a Amazônia (COSTA e BRONDIZIO, 2009). As cidades Amazônicas foram surgindo e crescendo, sempre aliadas aos recursos da floresta e à organização da economia de extrativismo e transporte de mercadorias (CASTRO, 2008).

O crescimento populacional, causado pela urbanização acentuada, na Amazônia, trouxe os problemas urbanos (carência de infraestrutura, serviços e emprego), assim como o aumento dos problemas relacionados à precarização da ocupação e poluição. Essas cidades grandes, médias ou pequenas, que surgiram na Amazônia não oferecem serviços públicos adequados, mas, continuam a crescer (COSTA e BRONDIZIO, 2009). Aproximadamente, 73% da população amazônica vive em áreas urbanas (IBGE, 2010), sendo que, desde a década de 1970, há predominância urbana nas áreas de várzeas dos municípios. A expansão urbana na várzea amazônica continuou intensa, nas décadas seguintes, atingindo um nível de urbanização em torno de 80%, no ano de 2000, enquanto toda a região totalizou 64% de urbanização (COSTA e BRONDIZIO, 2011).

Os ambientes de várzea do estuário amazônico são áreas inundadas periodicamente, devido às mudanças no regime pluviométrico da região, sujeitas à variação do nível dos rios, duas vezes ao dia e sazonalmente (ABREU & OLIVEIRA, 2012). O acesso à infraestrutura urbana nesses locais é precário e "as peculiaridades do sítio natural de várzea fazem com que tais áreas sejam ainda mais sensíveis à ocupação humana adensada" (RODRIGUES et al., 2012, p. 2). A ocupação humana em ambiente de várzea ocorre devido às estratégias adaptativas de uso do solo desenvolvidas pelas famílias, que são passadas de geração a geração (PEREIRA, 2007; VÁSQUEZ et al., 2008).

Nas cidades ribeirinhas, observa-se que os ambientes de várzea são os locais onde parte da população constrói suas moradias, embora sejam os mais propensos a riscos ambientais devido à variação no nível das águas (PEREIRA, 2007). Alguns exemplos seriam mudanças climáticas, saneamento, insalubridade e perda de serviços ambientais pela destruição de ecossistemas importantes, transformando assim a paisagem local (LUI e MOLINA, 2009). Entretanto, apesar da variação das marés, a população está adaptada a estes ambientes (ABREU e OLIVEIRA, 2012).

A literatura menciona que a população amazônica que migra do campo para os centros urbanos vai em busca de melhor qualidade de vida, acesso à educação, emprego, saúde e infraestrutura básica (CASTRO, 2008). Parte dessa população constrói suas moradias nos ambientes de várzeas e a escolha pelo local pode ser influenciada pelo aspecto cultural, optando-se por áreas semelhantes à moradia anterior, ou por aspectos socioeconômicos, como por exemplo, poder de compra da terra ou multifuncionalidade da várzea (LUI e MOLINA, 2009). O resultado dessa produção social do espaço tem impactado as paisagens no ambiente de várzea, causando algumas implicações socioambientais (SILVA e BARROS, 2003). Essa premissa é sintetizada a seguir pelo modelo conceitual que apresenta as variáveis que podem influenciar a tomada de decisão das famílias em relação a opção por residir em áreas de várzea (Figura 1). Neste modelo, proposto por Valota (2015), observa-se que o uso e ocupação de ambiente de várzea é conduzido por aspectos estruturais e institucionais, influenciados por políticas de Governo, que interferem nas decisões da família, assim como os mencionados aspectos culturais e socioeconômicos. Assim, a paisagem da várzea é transformada.

Figura 1 Produção Social do Espaço em Várzea Urbana (Modelo Conceitual)

Fonte: VALOTA (2015)

Considerando estes aspectos, este artigo tem como objetivo apresentar uma discussão sobre os motivos que conduziram os moradores ribeirinhos do Bairro Carnapijó, localizado na pequena cidade de Ponta de Pedras, Pará, a construir suas casas sobre as águas ao invés de escolherem morar em terra firme, a qual oferece menos empecilhos à ocupação.

2 materias e métodos

2.1 Área de Estudo

Ponta de Pedras, que em termos demográficos pertence ao conjunto dos municípios pequenos, está localizado na Ilha de Marajó, no estuário do rio Amazonas, aproximadamente a 60 km de Belém – PA (Figura 2). Fundada em 1737, como freguesia, o município, em 2010, possuía uma população de 25.999 habitantes, com uma densidade de 7,73 hab./km².

Figura 2 Localização da cidade de Ponta de Pedras

Fonte: Adaptado de IBGE (2010), pelos autores (ANO)

Dados do IBGE (2010) mostram que Ponta de Pedras possui população urbana de 12.424 habitantes (47,79%), enquanto a população rural é de 13.575 habitantes (52,21%). Mais de um terço da cidade (setores censitários 1, 2, 4, 5 e 22) sofre a ação das marés periodicamente, pois está sobre área de várzea, às margens dos rios Armazém e Marajó-Açu, além de alguns igarapés.

Considerada uma pequena cidade, sua economia urbana é fortemente influenciada pela produção do açaí, a qual tem conduzido o crescimento urbano, que cresceu mais de 120% entre 1991 e 2010 (COSTA et al. 2012). Este crescimento foi mais intenso no bairro Carnapijó, que congrega os setores censitários 2, 5 e 22, analisados neste artigo.

2.2 Procedimentos Metodológicos

Na construção deste artigo, foram utilizados dados coletados em pesquisa de campo nos anos de 2013 e 2014, durante os quais foram aplicados formulários a 100 domicílios urbanos, localizados em áreas de várzea da cidade de Ponta de Pedras, que representavam 10% do total de 981 residências desta área. O intuito foi de identificar o perfil socioeconômico dos moradores (gênero, idade, estado civil, origem, profissão e fonte de renda familiar), entre outras informações. A pesquisa de levantamento de dados em campo seguiu os protocolos da ética em pesquisa e os formulários aplicados foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade do Vale do Paraíba, processo nº 17300213.9.0000.5503, em 25/10/2013.

Optou-se pela aplicação dos formulários nas áreas da cidade com existência de pontes de madeira (estivas). Nesse sentido, os formulários foram aplicados nos setores censitários 2, 5 e 22, pois ainda possuíam características de ambientes de várzea e casas típicas de áreas alagadas (palafitas). Os setores censitários 2, 5 e 22, são conhecidos, popularmente, como Bairro Carnapijó (figura 2). Importante esclarecer, que a nomenclatura de Bairro Carnapijó, não é um dado oficial da Prefeitura, e sim, um nome adotado pelos residentes da área.

Objetivou-se buscar informações sobre a motivação dos moradores para ocupação da área de várzea, considerando as condições socioeconômicas do morador e as estratégias de sobrevivência. Ao longo dos trabalhos de campo, ocorreram diálogos com os representantes do Poder Público Municipal e moradores da área de estudo, afim de coletar mais informações, e identificar as estratégias cotidianas de reprodução social dessa população.

Para uma melhor compreensão da ocupação urbana do Bairro Carnapijó foram feitas perguntas com o objetivo de identificar o motivo para a família residir em ambiente de várzea, tendo como possibilidades de resposta as seguintes opções:  a) recurso natural: multifuncionalidade da várzea (pesca, açaí, outras plantas da várzea, acesso ao rio para trocar bens do interior ou outros fins); b) cultural: preferência pessoal ou familiar por local semelhante à moradia anterior; c) econômico: terreno mais barato no caso da compra, sem impostos; d) infraestrutura: existente quando se mudou; e) acesso: acesso à terra ou ao terreno onde está a casa, se não foi comprada ou herdada; f) familiar: caso alguém da família habitasse o local anteriormente.

3 RESULTADOS

Considerando o período de 2013 a 2014, quando foi realizada a pesquisa e entrevistado os chefes de família, foi levantado que a maioria destes entrevistados era do sexo feminino (53%), sendo a faixa etária distribuída da seguinte forma: 9,3% (18 a 20 anos); 55,3% (21 a 40 anos); 27% (41 a 60 anos); 7% (61 a 80 anos) e 1,4% (acima de 80 anos). Mais da metade das famílias entrevistadas possuem até 5 filhos, e, em algumas casas, foi possível observar que a quantidade total pode chegar a 13 filhos.

A principal fonte de renda, para 29,7% dessa população provém dos benefícios recebidos do governo[1]. A pesca, com 27,3%, é a segunda maior fonte de renda, o açaí aparece com 18%, enquanto que 17,3% dos entrevistados são autônomos e 7,7% são funcionários públicos. Quanto à renda familiar, apenas 26% dessas famílias conseguem atingir o valor de até dois salários mínimos[2], enquanto que o restante recebia 1 salário mínimo (55%) ou recebiam até ½ salário mínimo (19%).

Com relação ao tempo de residência das famílias no local, verificou-se que, 89% residem na área por um período máximo de até 20 anos. Desse total, 64% são residentes do Bairro Carnapijó por um período de até 10 anos (acrescido dos moradores com menos de 1 ano de residência), e 25% estão no local entre 11 anos e 20 anos. Somente 11% da população possui sua moradia nessa parte da cidade por mais de 20 anos, e 11% residem a menos de um ano no bairro.

Referente à forma que os moradores adquiriram os imóveis no bairro, em 62,7% dos formulários foi informado que o imóvel foi comprado, enquanto 37,3% informaram que adquiriram por herança, aluguel, empréstimo, ou outras formas. Na escolha da opção outros, os moradores justificaram as respostas com a informação de que foi doação pela Prefeitura, por meio de requerimento.

Durante a pesquisa, foi observado que 47,3% decidiram residir na área de várzea do Bairro Carnapijó devido às questões econômicas, pois nesse local o terreno era mais barato para se comprar e, também, não havia cobrança de impostos; 6% responderam que foi opção cultural e 6% pelo acesso ao recurso natural; 11,7% respondeu que fez esta opção em função da infraestrutura existente; 14,7% por causa da facilidade de acesso; e 14,3% por questões familiares. Com relação ao tempo de residência no imóvel, 76% adquiriram suas residências a partir do ano de 2009, mas algumas famílias ocuparam o local na década de 1980. Em função dos terrenos, predominantemente, pequenos e devido a existência de áreas alagadas, 54,3% dos moradores possuem apenas a residência em seu terreno, enquanto que para os demais, além da residência, 28% possuem algum tipo de plantação, 9,7% plantam e criam, e, 8,3% somente criam algum animal doméstico. Foi observado que, conforme as residências estão mais próximas do rio, mais difícil fica a introdução de diferentes usos no lote, devido ao constante alagamento.

O período de cheia é mais conhecido pela população amazônica como inverno, que ocorre entre os meses de novembro a maio, período de maior incidência de chuvas, causando baixa na colheita do açaí e redução da saída do morador ribeirinho para pescar. A atividade pesqueira é fundamental dada sua importância na subsistência alimentar das populações e na movimentação econômica que possibilita. Apesar de 30% da população do bairro receber benefícios do governo (bolsa família e seguro defeso), algumas famílias complementam suas rendas por meio da produção de açaí e do comércio da pesca.

Os moradores foram questionados quanto à variação das marés e se essas interferiam de alguma forma em suas vidas. Os dados indicam que a variação do nível das águas, em época das cheias, pouco influencia a vida dos cidadãos que possuem suas residências em ambientes de várzea. Os casos de maior incidência das marés ocorrem nas proximidades do rio Armazém. Entretanto, nas palavras dos moradores ribeirinhos, os transtornos causados pela variação das marés são superficiais, pois os mesmos estão adaptados à essa rotina. Apesar da variação das marés influenciar na diminuição do trabalho e da renda, isto não acarreta perda de bens materiais aos ribeirinhos urbanos. Observou-se, contudo, que, além dos alagamentos, os moradores convivem também com lixo frequentemente lançado nos cursos hídricos, além do odor produzido pela água parada, falta de saneamento básico, etc. Associadas à dinâmica diária, as marés se tornam um veículo de diferentes problemas para a vida do morador. Essas são algumas das dificuldades enfrentadas por esses moradores que não tem condições financeiras para comprar um imóvel em terra firme, e se adaptam à dinâmica do ambiente de várzea urbana.

As principais reclamações dos moradores referem-se à precária infraestrutura (75%) e sua manutenção (8,3%), acesso ao atendimento de saúde (6,5%) e segurança (4,3%). Parte das críticas são direcionadas a problemas com a distribuição de água, energia elétrica, aterro das ruas, pontes, saneamento básico, iluminação pública, etc. O tema mais abordado sobre infraestrutura, está relacionado ao aterramento das ruas.

Os residentes comentam que em alguns trechos do bairro, as ruas foram aterradas e até mesmo asfaltadas, e eles acreditam que talvez o aterro seja a solução para os problemas relacionados a alagamentos e pontes quebradas (Figura 4). Com o aterro, certamente, não existiriam pontes de madeira e não ocorreriam os alagamentos. Porém, os problemas ambientais, provavelmente, seriam maiores, pois, podem ocorrer mudanças expressivas nas paisagens relacionadas ao desmatamento da vegetação ciliar e cobertura vegetal, ocasionando o assoreamento das margens dos igarapés e beiras de rios. Para Coelho (2001), a degradação ambiental acompanha o crescimento populacional.

Figura 4 – Fotografias de pontes, inundação e aterro das ruas do bairro Carnapijó

Fonte: Acervo particular dos autores (2014)

Legenda: De cima para baixo, da esquerda para a direita: Pontes quebradas; Alagamentos e acúmulo de água parada próximo das casas.

Parte da população do Bairro Carnapijó (33,3%) acredita que o aterramento das várzeas não causaria nenhum problema e haverá uma melhora em sua qualidade de vida quando ocorrer, pois trará benefícios (algumas falas: ficará melhor, mais bonito, a paisagem melhorará e irá ajudar o meio ambiente), desde que se saiba fazer essas intervenções. Contudo, alguns moradores argumentam que, aterrando a várzea, haverá a necessidade de colocar tubulação de esgoto, e isso causará acúmulo de lixo na tubulação, além de ocorrer erosões devido às chuvas e surgir poeira. Ou seja, a situação deles pode piorar ainda mais, pois, em suas palavras, "aqui tudo é igarapé".

Quando os chefes de domicílios foram questionados se eles gostariam que as ruas fossem asfaltadas, 98,3% responderam que sim. Eles alegam que, se as ruas fossem asfaltadas, não haveria problemas para a circulação dos pedestres, os alagamentos cessariam, os acidentes nas pontes deixariam de existir e os problemas com animais peçonhentos nas casas provavelmente acabariam.

Nos trabalhos de campo realizados, duas questões pertinentes referentes ao nível de conscientização ambiental foram levantadas. Num primeiro momento, foi indagado ao morador se no seu dia a dia ele contribuía com algum tipo de dano ao meio ambiente. Como resposta, verificou-se que para 63,7% das pessoas suas atividades diárias não interferiam negativamente no meio ambiente. Alguns reforçavam a afirmação dizendo com orgulho que eles não prejudicavam o meio ambiente, mas o vizinho sim. Neste contexto, aos moradores foi perguntado sobre qual era o destino do esgoto sanitário em sua residência. Apesar da maioria responder que suas ações diárias não prejudicavam o meio ambiente, 80% dos entrevistados responderam que o esgoto sanitário de suas residências é despejado diretamente no rio. Entretanto, até aquele período (2014), não havia no Bairro Carnapijó outra opção para o descarte do esgoto sanitário que não fossem os rios[3], assim como, na extensa área da Amazônia urbana. Desse modo, mesmo que incondicionalmente, o morador polui o rio, mas talvez não perceba essa prática.

Também foi perguntado aos moradores se eles gostavam de morar naquele bairro, apesar de toda os problemas verificados. E, a despeito de todas as críticas e problemas relacionados à questão socioambiental, a resposta surpreende, mas remete as discussões a uma questão que não foi o foco da pesquisa: a relação afetiva da população com o lugar. A maioria dos moradores (92,7%) responderam positivamente, e apenas 7,3% opinaram de maneira contrária, e comentaram que não gostavam de morar naquele local devido à falta de oportunidade de trabalho, por não se acostumarem com o local ou preferirem morar no interior. Quanto às justificativas dadas pelas pessoas que afirmaram gostar de morar nesse bairro, majoritariamente (54%), fizeram referência à tranquilidade do local, que o bairro é calmo. As demais respostas se dividiram entre adjetivos de qualidade (bonito, belo, etc.), ou por terem nascido no município e até mesmo terem bons relacionamentos com os vizinhos.

A partir da opinião dos moradores por gostarem de morar nesse bairro, foi perguntado se eles gostariam de morar em outro local. Essa questão confirmou a preferência dos moradores em morar nas áreas de várzea. O resultado para todo o bairro é de 71% de pessoas que não gostariam de morar em outro local. E, quando questionado com relação à qual local gostariam de morar, caso fosse possível, o nome da cidade mais sugerida foi Belém, provavelmente em função de possuir maiores oportunidades e estar melhor estruturada para receber a população.

Foi perguntado aos moradores se eles gostariam de morar em terra firme. Esta questão poderia confirmar se realmente existe uma preferência desses moradores ribeirinhos em habitar as áreas de várzeas, ou se houvesse uma oportunidade, se mudariam para os locais de terra firme. A maior parte da população do Bairro Carnapijó disse não possuir o interesse em se mudar para outro local, sendo que a pergunta anterior pode ser interpretada de uma forma mais ampla. Dependendo da interpretação do morador, a questão pode ser compreendida como relacionada a morar em outro município ou estado, e não somente em um outro local da cidade.

O que chamou atenção é que, apesar da proporção de pessoas que responderam gostar de morar nas áreas de várzea e que não gostariam de morar em outro local, 81% afirmam que gostariam de morar em terra firme. Dependendo da análise que se faça, isso é contraditório, pois entende-se que terra firme seja outro local, nesse sentido, as respostas referentes a não querer morar em outro local e querer morar em terra firme obtiveram resultados contrários. Entretanto, como foi mencionado, anteriormente, dependendo da interpretação do morador, a questão pode estar relacionada a morar em outro município ou estado, e não somente em um outro local da cidade.

Para as respostas afirmativas, sobre querer morar em terra firme, as justificativas se dividiram em várias opiniões, nas quais o acesso e a infraestrutura foram as mais destacadas, seguidas de proximidade com o centro da cidade, poder plantar e criar, poder construir casa de alvenaria, mais possibilidades, não ter ponte, ser seco e simplesmente porque é melhor. Com relação à população que opinou não ter interesse de morar em terra firme, poucos moradores justificaram seus motivos. Para essa parcela de moradores que preferem não morar em terra firme, as opiniões ou críticas que mais chamaram atenção fazem referência à administração pública e, pelo fato de que terá aterro no bairro.

4 DISCUSSÃO

A Amazônia brasileira, com seus mais de cinco milhões de quilômetros quadrados, é a maior floresta tropical do mundo (IBGE, 2003), com presença de vegetação de florestas ombrófila densa e aberta e, também, vegetação de cerrado, além de possuir diferentes tipos de ecossistemas (MARTHA JÚNIOR et al., 2011).

A planície amazônica está dividida em dois ecossistemas identificados por várzea e terra firme (ADAMS, 2002), sendo a várzea um dos ecossistemas mais ricos da Bacia Amazônica em termos de produtividade biológica, biodiversidade e recursos naturais, ocupando mais de 300 mil km², ao longo da calha dos rios Solimões e Amazonas e seus principais tributários. As várzeas são áreas úmidas inundadas periodicamente pelo transbordamento lateral dos rios e lagos (RIBEIRO, 2007), ou seja, são áreas inundadas regularmente por influência da maré ou transbordamento fluvial devido ao excesso de chuvas (SURGIK, 2005).

Com relação à área urbana, de acordo com Becker (2013), foi na região da Amazônia que ocorreram as maiores taxas de crescimento urbano, entre os anos 1970 e 2000, registradas no país, passando de 35%, em 1970, para 40%, em 1980, 61%, em 1996, 69%, em 2000, 72%, em 2007 e 84,5%, em 2010. De acordo com Costa et al. (2012), nas cidades de Belém e Manaus, no Território de Rondônia, Sul do Pará entre outros, este crescimento populacional foi mais evidente.

Muitas cidades amazônicas estão localizadas às margens de grandes rios e são drenadas por inúmeros pequenos cursos d'água interiores (CASTRO, 2008). A vida da população nestas cidades está ligada à floresta e ao rio e, alguns desses núcleos urbanos, crescem de costas para os rios, aterram seus igarapés ou utilizam-nos como canais para drenagem de esgotos, e parte da população mal tem acesso à água potável (OLIVEIRA, 2004). Diversas áreas da floresta Amazônica, na década de 1990, se transformaram e deram lugar a muitas casas de baixo padrão construtivo, com grande contingente populacional, e parte dessa população é, na maioria das vezes crianças, de mães domésticas e pais que vivem no subemprego (PEREIRA, 2008). Na Amazônia, as pequenas cidades são predominantes, sendo fundamental o seu papel e o das médias cidades na articulação do espaço regional (SILVA, 2007).

Nos municípios amazônicos, apenas 8% possuem coleta dos esgotos sanitários, 36% possuem coleta de lixo, e, em determinados casos, o lixo e o esgoto sanitário são depositados a céu aberto ou em áreas alagadas (SILVA, 2007), além das condições precárias na educação, saúde e renda (LIMA, V. et al., 2012). A população mais carente, geralmente, ocupa as várzeas e esse processo de ocupação contribui com o surgimento de periferias e para o aumento dos impactos socioambientais (PIMENTEL et al., 2012). Tais ambientes são submetidos, frequentemente, a forte estresse e apresentam riscos para a ocupação humana (PEREIRA, 2007).

Contudo, uma parcela da população tem sua localização e permanência nesses locais devido a fatores sociais, de natureza econômica, ideológica e política, além da existência de infraestrutura e acesso às escolas, postos de saúde, entre outros, que são fundamentais, e influenciam a ocupação urbana da várzea Amazônica (LIMA e ALENCAR, 2000). Para Souza (2012, p. 96), “a ocupação da várzea tem sido baseada numa estratégia de uso múltiplo, envolvendo a agricultura, a pesca, o extrativismo de produtos florestais e a pecuária de pequena escala”.

Desta forma, ocorre o surgimento frequente de periferias no processo de ocupação das várzeas, intensificando a construção de casas em palafitas nas margens dos rios e igarapés (PIMENTEL et al., 2012). O uso do solo urbano tem ido de encontro às leis de preservação ambiental, devido ao acentuado aumento de aglomerações nas várzeas (RODRIGUES et al., 2012). De acordo com a afirmação realizada por Costa et al. (2014, p.128), “esse crescimento urbano, apesar de suas peculiaridades, reproduz um padrão urbano muito usual às cidades brasileiras, sendo o mais particular a reprodução da irregularidade fundiária no processo de ocupação”.

Neste sentido, insere-se a cidade de Ponta de Pedras, na qual, ao longo dos anos, vem ocorrendo a ocupação de áreas alagadas, como alternativa de moradia na área periférica ou periurbana, mesmo sendo locais inadequados para uma ocupação urbana. Esses locais vêm se assemelhado aos grandes centros urbanos, com presença de ruas asfaltadas, casas de dois ou três andares, construções de alvenaria, etc. De acordo com Pimentel et al. (2012), o solo urbano das várzeas vem sendo utilizado de maneira contrária ao que as leis de preservação ambiental determinam, pois, está ocorrendo um expressivo crescimento de aglomerações nessas áreas. Tal fato demonstra que as paisagens características de ambientes de várzea amazônica vêm sofrendo sérias transformações devido ao desenfreado processo de urbanização.

O Bairro Carnapijó, localizado na várzea urbana de Ponta de Pedras, possui característica de uma ocupação ribeirinha e suas ruas são conectadas ao rio. De acordo com Trindade Junior et al. (2008), são ruas que vão ao encontro com o rio ou terminam nele, pois, possuem uma dinâmica própria da Região Amazônica, influenciada pelo movimento das marés. Nesses locais ocorre forte interação dos moradores ribeirinhos com os cursos fluviais (uso para o lazer, recurso natural e doméstico), sendo possível observar pessoas lavando suas roupas e louças à beira dos igarapés, e crianças tomando banho nos rios, onde são lançados os efluentes domésticos (Figura 3).

De acordo com a narrativa de um ex-Prefeito de Ponta de Pedras, no final da década de 1980 e início de 1990, a Prefeitura foi acionada por uma população rural que desejava ocupar um espaço na cidade, pois seus filhos precisavam estudar e as famílias necessitavam de acesso à infraestrutura básica. Essa migração reflete o que foi observado por Castro (2008), segundo a qual há um movimento migratório campo/cidade, em que a população tem como objetivo melhorias em sua qualidade de vida e o acesso à serviços básicos.

Figura 3 – Fotografias da situação de algumas ruas do bairro Carnapijó

Fonte: Acervo particular dos autores (2014)

Legenda: De cima para baixo, da esquerda para a direita: rua Antero Lobato aterrada, asfaltada; Trecho de estivas na rua Antero Lobato; Crianças se banhando no igarapé do bairro

Para isso, a Prefeitura abriu ruas na área da várzea, abrangendo os setores censitários 2, 5 e 22 (Bairro Carnapijó). Com o início da ocupação, os moradores faziam um requerimento junto à Câmara Municipal, para pleitear o terreno de interesse. Dados da tabela 1 mostram que o crescimento populacional dessa área atingiu o seu momento de maior expressão no período de 1979 a 1991.

Tabela 1 - Taxa de crescimento urbano dos setores censitários 2-5-22

Setores

1969 - 1979

1979 - 1991

1991 - 2002

2002 - 2009

2

4,4

24,6

53,7

19,2

5

-0,4

417,6

92,6

15,5

22

1,1

179,5

56,9

38,3

Fonte: Adaptado de Costa et al. (2015), pelos autores (2021)

Assim, nas ruas da área de várzea do Carnapijó foram delimitados lotes de 10x30m (300m²), para serem ocupados pela população ribeirinha, migrante das comunidades do interior e cada família ocuparia apenas um terreno. Com o tempo, aterraram parte das ruas, e sem a instalação do saneamento básico. A rua, aberta na década de 1960, foi aterrada e parte dela asfaltada, e as demais ruas paralelas foram divididas em trechos com aterro e estivas até o ano de 2018, como demonstra a Figura 3.

Para fazer o aterro, a Prefeitura utiliza um tipo de sedimento denominado piçarra, que é extraído próximo da estrada da Mangabeira, ao lado do lixão municipal. Porém, não se tem informação se a extração da piçarra é realizada de forma correta e se foi realizada uma análise dos possíveis impactos ambientais que podem ocorrer como resultado dessa prática, tanto na área de extração da piçarra quanto nos locais onde ocorrem aterro. Há situações de práticas de aterramento realizadas pelos próprios moradores, utilizando caroços de açaí e lixo, no intuito de conter as enchentes e facilitar assim a mobilidade urbana. Se as várzeas forem aterradas, em consequência do processo de ocupação urbana, podem vir a perder a sua importância socioambiental ribeirinha, acabando com a prática de retirada de recursos naturais para a sua subsistência, eliminação dos cursos hídricos, entre outros.

Uma questão observada foi a necessidade de se desenvolver um sistema de esgotamento sanitário nas áreas inundadas por onde se intensificou a expansão urbana, desde que não prejudique a multifuncionalidade da várzea. Os moradores fazem críticas referentes à manutenção da infraestrutura básica (água, luz e limpeza do bairro), e alegam que há muito lixo e sujeira próximo das casas, e que os rios e igarapés estão ficando poluídos como resultado dessa prática. Vale lembrar que o lixo que acumula nas várzeas é produzido pelos próprios moradores. Nesse sentido, os residentes precisam mudar suas práticas com relação ao destino do lixo doméstico, e o Poder Público tem a obrigação de orientá-los e educá-los.

Caberia, nessa situação, uma melhor conscientização dos moradores com relação ao destino do lixo doméstico. Isso não quer dizer que resolveria os problemas relacionados à moradia, mas pelo menos preservaria a situação dos rios e igarapés e a saúde da população local. Percebe-se que o rio está sendo poluído pela própria população do Bairro Carnapijó, e a mesma compreende que o lixo é o grande causador de alguns problemas no local. De acordo com Pimentel et al. (2012), no processo de ocupação das áreas de várzea, pode ocorrer alteração da qualidade da água, resultante do despejo de efluentes domésticos e resíduos sólidos nos corpos d'água dos igarapés e rios e, também, no solo, sem nenhum tratamento ou coleta seletiva. Desta maneira, as calhas de drenagem ou cursos hídricos, que são destinados a contribuir com o escoamento superficial das chuvas e os movimentos cíclicos de enchentes e estiagem, vem perdendo sua função, pois, ultimamente, essas calhas transportam também lixo.

Com o passar dos anos, a ocupação urbana da área aumentou, mudando um pouco as características dos moradores, pois, anteriormente os indivíduos que iam morar ali eram pescadores e, atualmente, muitos não vivem da pesca. Ao ser indagada sobre a ocupação urbana do Bairro Carnapijó, a administração pública afirmou reconhecer o local como uma ocupação irregular.

Ao longo da pesquisa foi possível averiguar que realmente a paisagem característica de ambiente de várzea, no Bairro Carnapijó, está mudando. Em determinados casos, a área se assemelha às favelas dos grandes centros urbanos, onde as habitações se igualam muitas vezes aos barracos de madeira construídos em pequenos espaços físicos e em várias situações às margens do rios e igarapés poluídos.

Após a aplicação dos formulários aos moradores, observou-se que surgiram muitas críticas à administração pública e até mesmo às práticas ambientalmente impactantes dos moradores do bairro, com algumas exceções. Apesar das críticas, nota-se também que os moradores tem uma vida humilde e cheia de dificuldades, entremeada de crescimento demográfico intenso, desemprego, crise econômica, além do baixo investimento do setor público.

Pelas informações coletadas durante a pesquisa, observa-se que, independentemente dos problemas socioeconômicos existentes no bairro, a população se acostumou com a rotina diária local. De acordo com Reis (2008, p.65), a população que opta por morar nos ambientes de várzea compreende ser possível essa prática, “pois a adaptação a esse sistema ecológico é decorrente do longo curso de interação da população com o meio ambiente, oriunda do processo de ocupação da Amazônia."

Durante os trabalhos foi possível perceber que existe uma série de problemas relacionados à infraestrutura urbana e habitação no Bairro Carnapijó, sendo que as consequências de ambos impactam tanto a vida dos moradores, quanto o meio ambiente. Em algumas ruas do bairro com estruturas de madeira, observa-se que os cursos d'água estão sendo utilizados como canais de esgoto, e suas calhas estão sendo obstruídas por lixo doméstico. A paisagem antrópica contrasta com a paisagem natural dos açaizais, predominantes na região. Para Silva e Barros (2003), vem ocorrendo constantes mudanças no espaço amazônico em função da ocupação humana. Porém, isso não tem modificado a rotina de alguns moradores ribeirinhos, que continuam mantendo certas práticas de uso dos recursos naturais em ambientes de várzea, pois fazem uso da pesca e extração de açaí.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto histórico, Ponta de Pedras possui características semelhantes às muitas cidades pertencentes à Amazônia, que também passaram por diversos períodos econômicos (borracha, extrativismo vegetal e agropecuária) e o crescente processo de urbanização. O acentuado crescimento populacional das cidades Amazônicas traz consigo vários problemas relacionados à infraestrutura, serviços e empregos, havendo incidência relacionada à poluição e à favelização, ocasionada pela aglomeração urbana na região.

A população rural vai para as cidades em busca de melhores condições de vida (estudo, trabalho, infraestrutura, etc.), porém, a mudança não tem significado melhoria na qualidade de vida dos moradores, além do que, esses locais sofrem com as variações periódicas das marés e do nível dos rios duas vezes ao dia.

As áreas de várzea podem ser consideradas ambientes frágeis e vulneráveis à ocupação humana adensada, porém, são nesses locais que parte da população vai construir suas casas. Entretanto, não só a população rural está se deslocando para as áreas de várzea dos centros urbanos, mas também, uma parte da população que nasce na área urbana da cidade tem se direcionado para esses locais para montar residência. Usualmente, a população que vai ocupar as áreas periféricas nas cidades brasileiras é de baixo poder aquisitivo, além de sofrer as consequências de problemas ambientais por residir em áreas de risco.

Foi evidenciado que os residentes do Bairro Carnapijó, localizado em área de várzea, são pescadores, donas de casa, aposentados, funcionários públicos, autônomos, ou possuem alguma relação com a produção de açaí. Habitam moradias de baixo padrão construtivo, com famílias numerosas e, sobrevivem com baixíssimos salários, muitos nasceram no município de Ponta de Pedras, sendo que 42% desses nativos nasceram na área rural e, 58% na área urbana. Ao longo da década de 1990, muitos moradores do interior do município, de comunidades ribeirinhas, acionaram a Prefeitura com o desejo de residir na área urbana, pois buscavam melhores condições de vida para suas famílias.

Foi constatado que a primeira geração das famílias que vieram da área rural tinha suas preferências em habitar as áreas de várzea por causa da possibilidade de utilização dos recursos naturais e por possuir características físicas semelhantes ao seu local de origem, ou seja, o aspecto cultural foi determinante nesse processo de ocupação para os primeiros moradores. Nesse sentido, a Prefeitura fez a abertura de ruas e demarcou lotes perfilados, com o intuito de fornecê-los às famílias que tivessem interesse em se mudar para o local.

Com o contínuo crescimento populacional, ocorreu um mercado de terras no bairro, pois, várias famílias de baixo poder aquisitivo compraram seus lotes de terceiros, e essa prática ainda ocorre na atualidade. Desta forma, a 2ª geração de moradores do bairro, principalmente, os que possuem até dez anos de residência, adquiriram suas propriedades por meio de compra pois alegavam que esse era o único lugar na cidade onde eles tinham condições financeiras para comprar um imóvel. Argumentavam ainda que, no centro da cidade ou em outras áreas de terra firme, o terreno é muito caro para as famílias. No entanto, a ocupação tem sido mais efetiva pela população nascida na própria cidade. Atualmente, a ocupação vem ocorrendo devido às precárias condições financeiras da população. Contudo, muitos dos entrevistados alegam gostar de morar no local por possuírem uma certa tranquilidade, e poucos disseram que gostariam de se mudar do bairro, a não ser que fosse para bairros da terra firme.

Independentemente da dinâmica dos ambientes de várzea do Bairro Carnapijó, e do pequeno tamanho dos terrenos, os moradores tentam aproveitar da melhor maneira possível os espaços de suas propriedades. Além da variação das marés que interfere no melhor aproveitamento do terreno, a população alega ainda que, o local está muito sujo e poluído, devido ao acúmulo de efluentes domésticos, depositados no bairro pelos próprios moradores, impossibilitando-os de plantar ou criar.

A Prefeitura de Ponta de Pedras também possui uma parcela da responsabilidade com relação aos impactos causados pela alteração da paisagem no Bairro Carnapijó. Algumas ruas que eram de terra, e nos períodos de cheias se tornavam lodosas, dificultando a circulação das pessoas, estão sendo aterradas, e em alguns trechos foram asfaltadas. Isso contribui com a impermeabilização do solo, remoção da vegetação, eliminação dos corpos hídricos naturais, etc. Entretanto, apesar dos problemas que o aterro ou o asfalto podem causar nos ambientes de várzea, a maioria dos moradores possuem boas expectativas em relação a essas possibilidades, pois, o aterro ou o asfalto substituirá as pontes de madeira, e irá contribuir em muito para a melhoria na qualidade de vida da população.

Foi observado, também, que os moradores do bairro alegaram que compreendem que está ocorrendo modificações na paisagem. Alguns desses ribeirinhos informaram que, em determinados locais, a paisagem não é agradável de se observar, pois há elementos, como por exemplo, a infraestrutura precária, ausência de manutenção e limpeza, que estão inseridos nesses ambientes. Na percepção dos moradores a paisagem está mais relacionada com a vegetação local e esses elementos acabam descaracterizando a paisagem da região. Para a grande maioria dos entrevistados, não tem ocorrido melhorias na paisagem local, muito pelo contrário. Os moradores do bairro creditam parcela dessa culpa à administração pública.

O espaço amazônico vem sendo ocupado e modificado constantemente, transformando suas paisagens, e isso pode ocasionar a perda de serviços ambientais pela destruição de ecossistemas importantes. E assim ocorre em Ponta de Pedras. Em função do crescimento urbano intenso nas áreas de várzea, a impermeabilização do solo, o aumento do desmatamento, o acúmulo de lixo doméstico nos corpos hídricos, aliada à deficiência de infraestrutura local, pode fazer com que a cidade de Ponta de Pedras venha sofrer com as perdas dos serviços ambientais. Para um local que tem destaque no mercado nacional da produção de açaí, ocasionar esses tipos de transformações em sua paisagem natural, tornando-as semelhantes aos centros urbanos, pode motivar uma possível perda da sustentabilidade.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, Proc. Nº 16/25979-8), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Proc. Nº 309924/2020-0) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo suporte financeiro, na forma de auxílio regular à pesquisa, bolsa de produtividade e bolsa de doutorado, que propiciou o desenvolvimento desta pesquisa.

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Contribuições de autoria

1 – Ed Carlos dos Santos Valota (Autor Correspondente)

Geógrafo, Doutor em Planejamento Urbano e Regional

https://orcid.org/0000-0002-4759-5676 • edsjcgeo@yahoo.com.br

Contribuição: Conceituação| Curadoria de dados | Análise formal | Investigação | Metodologia | Validação | Visualização de dados (infográfico, fluxograma, tabela, gráfico) | Escrita - primeira redação | Escrita - revisão e edição

2 – Sandra Maria Fonseca da Costa

Geógrafa, Doutora em Informação Espacial

https://orcid.org/0000-0003-0540-228X • sandra@univap.br

Contribuição: Análise formal | Obtenção de financiamento | Investigação | Administração do projeto | Validação | Escrita - primeira redação | Escrita - revisão e edição

3 – Adriane Aparecida Moreira de Souza

Geógrafa, Doutora em Geografia Humana

https://orcid.org/0000-0002-3199-8374 • adriane@univap.br

Contribuição: Escrita – Primeira Redação

Como citar este artigo

VALOTA, E. C. DOS S.; COSTA, S. M. F. DA; SOUZA, A. A. M. DE. O processo de ocupação em ambiente de várzea urbana de uma pequena cidade do estuário amazônico: Ponta de Pedras-PA. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v.26, e24, 2022. Disponível em: 10.5902/2236499466959. Acesso em: dia mês abreviado. ano.



[1] Na época da realização desta pesquisa, estes benefícios eram bolsa família, seguro defeso e aposentadoria.

[2] O salário mínimo, em janeiro 2015, de acordo com o Decreto nº 8.381, era R$ 788,00.

[3] Essa situação não se alterou em janeiro de 2022.