Universidade Federal de Santa Maria

Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e19, 2022

DOI: 10.5902/2236499466664

ISSN 2236-4994

Submissão: 09/07/2021 Aprovação: 04/07/2022 Publicação: 22/09/2022

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.. 3

2 DISCUSSÃO.. 19

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 30

REFERÊNCIAS. 31

CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA.. 33

COMO CITAR ESTE ARTIGO.. 33

 Produção do Espaço e Dinâmica Regional

“Nosso direito de existir”: da necropolítica de estado às estratégias dos povos indígenas de enfrentamento à pandemia da COVID-19

"Our right to exist": from state necropolitics to indigenous peoples' strategies for coping with the COVID-19 pandemic

Marcos Leandro MondardoI Ícone

Descrição gerada automaticamente

Roberto Lopes ChaparroI Ícone

Descrição gerada automaticamente

IUniversidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, Brasil

RESUMO

A pandemia exacerbou a desigualdade, a vulnerabilidade e a precarização da Saúde Indígena. O objetivo deste artigo consiste em analisar as ações de enfrentamento à COVID-19 realizadas pelos povos indígenas - Guarani, Kaiowá e Terena - em Mato Grosso do Sul. Para isso, realizou-se um levantamento de reportagens em veículos de informação online. A coleta foi realizada com os descritores Coronavírus Indígena, COVID-19 Indígena, Coronavírus Guarani Kaiowá e Coronavírus Aldeia, no período de 1 de fevereiro a 30 de setembro de 2020, e selecionou 159 notícias. A categorização foi realizada por meio de análise de conteúdo, com a criação de dois eixos temáticos: Eixo 1: Ações e estratégias de enfrentamento a COVID-19 e quem realiza. Eixo 2: Problemas e dificuldades encontrados e onde se localizam. Verifica-se que a falta da efetivação de um plano de ação e combate à disseminação da COVID-19 nas terras indígenas por parte do governo federal gerou uma sobrecarga de ações de estados e municípios, deixando povos expostos, vulneráveis e sem proteção. Diante da política de morte adotada de maneira intencional pelo governo federal e do caráter suicidário do Estado, povos indígenas, no Mato Grosso do Sul, realizaram múltiplas estratégias autônomas, como as ações concretas de enfrentamento à propagação do COVID-19 nos seus territórios com o fechamento temporário das terras indígenas por meio de barreiras sanitárias.

Palavras-chave: Indígenas; COVID-19; Corpo-Território; R-existência; Mato Grosso Do Sul

ABSTRACT

The pandemic exacerbated the inequality, vulnerability and precariousness of indigenous Health. The objective of this article is to analyze the actions taken by the indigenous peoples - Guarani, Kaiowá and Terena - in Mato Grosso do Sul to fight the COVID-19. To this end, a survey of reports in online information vehicles was carried out. The collection was carried out with the descriptors indigenous Coronavirus, indigenous COVID-19, Guarani Kaiowá Coronavirus, and Village Coronavirus, in the period from February 1 to September 30, 2020, and selected 159 news reports. The categorization was carried out through content analysis, with the creation of two thematic axes: Axis 1: Actions and strategies to confront COVID-19 and who carries them out. Axis 2: Problems and difficulties encountered and where they are located. It can be seen that the lack of an effective plan of action and combat against the spread of COVID-19 on indigenous lands by the federal government has generated an overload of actions by states and municipalities, leaving people exposed, vulnerable, and without protection. Faced with the death policy intentionally adopted by the federal government and the suicidal character of the state, indigenous peoples in Mato Grosso do Sul carried out multiple autonomous strategies, such as the concrete actions to confront the spread of COVID-19 in their territories with the temporary closure of indigenous lands by means of health barriers.

Keywords: Indigenous people; COVID-19; Body-Territory; R-existence; Mato Grosso do Sul

1 introdução

Anunciada como pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, a COVID-19 registrou no Brasil até 21/04/2021, 47.023 indígenas infectados e 645 mortos, segundo números da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), subsistema ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Ministério da Saúde. Sob a suspeita de subnotificação desses dados, entidades indígenas realizam também a coleta, compilação e divulgação dos dados, de forma que no mesmo período, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) contabilizou 52.920 infectados e 1.046 mortos no território nacional. Fazendo um paralelo na proporção desses óbitos, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) registrou 1071 mortes por assassinatos de indígenas no país em 33 anos (CIMI, 2018).

No estado de Mato Grosso do Sul (MS), que abriga 83.241 indígenas divididos em 94 aldeias (DSEI/MS, dez. 2017), registrou-se até essa mesma data 4.346 infectados e 87 óbitos, segundo a SESAI; já nos números da APIB registraram-se 110 mortos. Em agosto de 2020, números do Governo Estadual de MS indicavam que a proporção de mortes entre os indígenas do estado era quatro vezes maior do que a de não indígenas.

A alta taxa de propagação e contaminação do Sars-Cov-2 encontrou no Brasil um sistema público de Saúde que vem sofrendo ataques nos investimentos. O SUS, condutor brasileiro no combate a pandemia, enfrenta o corte de verba da Emenda 95[1], conhecida como “PEC da Morte”, que determinou o congelamento dos gastos públicos por 20 anos no país.

Na esteira do enfraquecimento/precarização do SUS, a SESAI se vê também diante do sucateamento e do desmonte. Com uma forte militarização de sua administração e demissão de funcionários ligados aos indígenas, medidas impostas pelo atual governo federal, o órgão sofreu também o desmantelamento de pastas, como a exclusão, por decreto em 2019, do Departamento de Gestão Indígena, responsável pelo diálogo com os indígenas na ponta do atendimento do subsistema e pelo controle social.

Diante de tal contexto, o objetivo deste texto é analisar as principais ações de enfrentamento à COVID-19 entre os povos indígenas em Mato Grosso do Sul, bem como quem as realizou, e, também, as principais dificuldades encontradas por essa população no contexto pandêmico e onde elas se fizeram presentes.            Para isso, e considerando a exigência do isolamento social, realizamos um levantamento com base em notícias de jornais online do estado a fim de elencar relatos de situações quanto a essas duas temáticas.

Em nossas discussões utilizamos o filósofo camaronês Achille Mbembe (2011) e seu conceito de necropolítica, que define a política, a partir do grupo soberano de poder que dela usufrui, como meio para exercer o direito de matar e/ou deixar morrer, necropoder. O termo “Estado Suicidário”, cunhado pelo filósofo francês Paul Virilio (1999), e desenvolvido para entender o contexto brasileiro da pandemia por Vladimir Safatle (2020a; 2020b) é outro conceito explorado no texto. O termo se refere a um Estado que, para além da necropolítica, também exerce o direito de matar sobre si próprio, seus dispositivos, e as estruturas que o compõem e justificam, de forma que seu fim inevitável se torna a sua autodestruição e de suas macro-estruturas sociais.

Empregamos o conceito de resistência, como concebido por Foucault (1999, p. 91), a partir da premissa de que “onde há poder, há resistência”, para dialogar sobre as ações realizadas pelos indígenas visando evitar a morte de seus povos e culturas, diante do necropoder que atua sobre seus corpos e territórios. Exploramos também o conceito “corpo-território” (HAESBAERT, 2020; 2021), que, defendidos através de luta pelos povos indígenas, tanto corpos como territórios assumem então figura central na luta pelo “nosso direito de existir”, sendo dispositivos de afirmação de que “vidas e terras indígenas importam”, pois “se fere a nossa existência, seremos resistência”, como afirmam os povos.

1.1 Metodologia

Foram utilizados para a pesquisa o banco de dados de matérias publicadas por 31 jornais[2] de circulação online em Mato Grosso do Sul. Buscou-se através das palavras-chave: Coronavírus Indígena, COVID -19 Indígena, Coronavírus Guarani Kaiowá e Coronavírus Aldeia, utilizadas nos campos de busca da página de cada jornal, matérias que relatavam situações relacionadas às populações indígenas de Mato Grosso do Sul e a pandemia da COVID-19.

Utilizamos a ferramenta de organização disponibilizada por cada página para apresentar os resultados das notícias ordenadas por data. Encontramos ao todo 10.050 notícias, embora grande parte delas não se tratassem de notícias referentes à pandemia da COVID -19 e os povos indígenas. Esse elevado número de resultados se explica pelo algoritmo de buscas utilizado pelos jornais (Google, 2021), onde aparecem notícias que contenham pelo menos uma das palavras-chave pesquisadas (dessa forma, por exemplo, aparecem notícias para as palavras “coronavírus” e “indígena”, em matérias isoladas e sem relação entre os assuntos, nos mesmos resultados para notícias sobre “coronavírus e indígenas”).

O levantamento dos dados foi realizado entre 01 de fevereiro e 30 de setembro de 2020, de forma quinzenal, com as notícias selecionadas sendo armazenadas e organizadas em planilha do Excel, elaborada e manuseada pelos pesquisadores. Após a seleção do material, tivemos um universo de 323 matérias sobre a pandemia e os povos indígenas, sendo excluídas 164 notícias que se repetiam e não se complementavam. Ao final, obtivemos um total de 159 notícias, provenientes de 17 jornais[3]. Finalizada a coleta dos dados, as notícias selecionadas foram dispostas em uma planilha do Excel e detalhadas quanto a: jornal fonte, data de publicação, localidade(s) citada(s) pela notícia, descrição detalhada da(s) situação(ões) que a matéria relata e link de acesso a notícia.

A última etapa do delineamento metodológico consistiu em realizar uma categorização a partir da leitura das reportagens que compõem a amostra. Este procedimento respeitou os passos da técnica de análise de conteúdo propostos por Bardin (2008): 1) pré-análise; 2) exploração do material; 3) tratamento dos dados, inferência e interpretação. Com isso foram criadas duas categorias: a primeira de notícias que relatavam ações e estratégias de enfrentamento a COVID-19 e quem as realizou; e, a segunda de notícias que relatavam dificuldades encontrados e onde se localizaram. Com os grupos delimitados, cada um foi agrupado em uma tabela do Excel.

Na organização dos dados levamos em consideração as situações relatadas e não a notícia em si, de modo que quando uma notícia trazia o relato de mais de uma situação dispomos nas tabelas cada uma de forma separada. Isso proporcionou que ao final da organização dos dados o número de situações obtidas fosse maior que o número das notícias iniciais.

Na planilha das ações de enfrentamento as situações foram detalhadas quanto a: jornal fonte, data de publicação, localidade(s) citada(s) pela notícia, descrição detalhada da(s) ação(ões) noticiada(s), quem realizou as ações e link de acesso a notícia. Na planilha das problemáticas as situações foram detalhadas quanto a: jornal fonte, data de publicação, localidade(s) citada(s) pela notícia, descrição detalhada da(s) problemática(s) noticiada e link de acesso a notícia.

Somado ao levantamento quantitativo, ficamos atentos a todas as informações e acontecimentos, seja por meio dos veículos da imprensa, como jornais locais, regionais, nacionais e internacionais, veículos de informação das causas indígenas e indigenistas (sites, blogs, ativistas), além das manifestações e lives nas redes sociais de entidades indígenas e indigenistas, de forma a obter o panorama mais abrangente e detalhado possível dos acontecimentos envolvendo a realidade socioespacial dos povos indígenas diante da pandemia.

1.1.1 Resultados

As 159 notícias selecionadas apontaram 195 situações relacionadas a pandemia e povos indígenas. Destas, 127 notícias relatam 152 ações de enfrentamento a pandemia e 49 notícias relatam 68 situações de dificuldades. Em 18 notícias apresentaram-se os dois tipos de situações relatadas na mesma matéria.

1.1.1.1 Ações e estratégias de enfrentamento a COVID -19 e quem realizou

As 152 ações de enfrentamento puderam ser divididas em 11 categorias, a partir do conteúdo que traziam, divisão feita de forma a facilitar a exposição e leitura dos dados. O Quadro 1 expõe as categorias encontradas e sua incidência:


 

Quadro 1 – Panorama das situações de enfrentamento à COVID-19 em MS

Situação de enfrentamento

Frequência

%

Ações na Saúde Indígena

50

32,9

Entregas de doações

29

19,1

Ações autônomas dos indígenas

24

15,8

Ações de conscientização e informação quanto a doença

14

9,2

Ações de arrecadação de doações e fundos

13

8,6

Ações da Justiça

7

4,6

Recomendações formais

5

3,3

Produção de documentos e manifestos

5

3,3

Ações parlamentares

3

2

Antecipação na divulgação de dados do Censo sobre indígenas, pelo IBGE

1

0,6

Entrega de cestas básicas

1

0,6

Total

152

100

Fonte: Levantamento nos jornais utilizados na pesquisa, organização dos autores (2020)

As ações que mais apareceram no levantamento foram referentes à Saúde Indígena (SI), com 50 situações (33%). Nesta categoria têm-se a entrega de Equipamentos de Proteção Individuais - EPI’s às comunidades indígenas e profissionais da SI, com 14 situações (28%), a aplicação de testes da COVID-19 nas aldeias, 14 situações (28%).

Outras ações presentes ao de reforço a SI com equipes médicas provenientes do governo estadual, prefeituras e exército, com 6 situações (12%), e a adaptação pelo poder público de prédios variados para receber indígenas contaminados, com 3 situações (6%). Aparecem ainda menções ao lançamento do Plano Emergencial para Enfrentamento à COVID-19 entre os povos indígenas (2 situações), e a presença da ajuda humanitária nas aldeias do estado (2 situações).

Dessas ações, em 48 o Estado brasileiro esteve à frente, enquanto em 2 houve a presença da Organização Não Governamental (ONG) Médico Sem Fronteiras. Entre as ações do Estado, o governo estadual aparece como o maior realizador presente em 26 situações (36,6%). O governo federal esteve à frente de 23 ações (32,4%), as prefeituras municipais estiveram em 20 ações (28,2%), com a da cidade de Aquidauana, sendo aquela que mais apareceu no levantamento, com 9 ações (12,7%). Em 15 situações houve 2 ou mais realizadores na mesma ação.

As situações de doações às populações indígenas somam 29 relatos (19,1%). Nestas, apresentam-se doações de EPI’s, 21 (72,4%), doações de alimentos, 5 (17,2%), doações de leitos hospitalares, 2 (6,9%), e doação de testes de COVID-19, 1 (3,5%).

Quanto aos autores das doações, a maior presença é da iniciativa privada, com 16 doações (55,2%). A sociedade civil esteve presente em 5 doações (17,2%) e Instituições Públicas de Ensino em 4 (13,8%). Doações oriundas dos próprios indígenas somaram 3 (10,4%), e doações provenientes de movimentos sociais 1 (3,5%).

A terceira iniciativa mais presente no levantamento foram as ações autônomas dos indígenas, com 24 ações (15,8%). Nesta categoria, temos a instalação de barreiras sanitárias nas entradas dos territórios, com 15 situações (62,5%), a suspensão de cultos religiosos nas aldeias, com 2 situações (8,3%), o uso de saberes e cuidados tradicionais no fortalecimento imunológico, com 2 situações (8,3%), a realização de mutirão para confecção de máscaras, com 2 situações (8,3%), a criação do Comitê Nacional Pela Vida e Memória Indígena, com 1 situação (4,2%), a realização de protesto contra a falta de estrutura na Saúde Indígena, com 1 situação (4,2%), e a realização de encontro político,  com 1 situação (4,2%).

O levantamento apontou que as barreiras sanitárias foram criadas pelos povos indígenas, em pelo menos, 14 aldeias de 11 municípios do estado. Sistematizamos e detalhamos essas ações, de forma cronológica, no Quadro 2:


 

Quadro 2 – Barreiras Sanitárias criadas pelos indígenas no Mato Grosso do Sul

Município

Território Tradicional

Detalhes da Barreira Sanitária

Data de início

Dourados

Aldeia Bororó

Fiscalização e triagem de carros e pessoas que entram e saem da aldeia; foram utilizados paus, arame e faixa

Março/2020

Dourados

Aldeia Jaguapiru

Fiscalização e triagem de carros e pessoas que entram e saem da aldeia; foram utilizados paus, arame e faixa

Março/2020

Dourados

Aldeia Panambizinho

Foram montadas barreiras nas duas entradas da aldeia

Junho/2020

Aquidauana

Taunay-Ipegue

Indígenas controlaram o acesso à reserva e se revezam dia e noite na barreira; os veículos que passam são desinfectados e a temperatura corporal das pessoas é aferida

Março/2020

Aquidauana

Aldeia Limão Verde

Indígenas bloqueiam a entrada da aldeia; higienização dos veículos que passam pelo bloqueio

Abril/2020

Aquidauana

Aldeia Buritizinho

Indígenas bloqueiam a entrada da aldeia; higienização dos veículos que passam pelo bloqueio

Abril/2020

Miranda

Aldeia Moreira

Controle de quem entra e sai da localidade

Maio/2020

Miranda

Aldeia Lalima

Controle de quem entra e sai da localidade

Março/2020

Caarapó

Aldeia Tey Kuê

Controle de quem entra e sai da localidade

Março/2020

Japorã

Aldeia Porto Lindo

Controle de quem entra e sai da localidade

Março/2020

Tacuru

Aldeia Sassoró

Controle de quem entra e sai da localidade

Março/2020

Campo Grande

Aldeia Água Bonita

Controle de quem entra e sai da localidade

Julho/2020

Dois Irmãos do Buriti

Aldeia Buriti

Controle de quem entra e sai da localidade

Março/2020

Porto Murtinho

Aldeia Alves de Barros

Controle de quem entra e sai da localidade

Maio/2020

Fonte: Levantamento nos jornais utilizados na pesquisa, organização dos autores (2020)

Nas imagens da figura 1, demonstramos exemplos dessas barreiras sanitárias, como a da entrada da Aldeia Limão Verde, do povo Terena, no município de Aquidauana, nas duas imagens superiores, da Aldeia Tey Kuê, Guarani e Kaiowá, no município de Caarapó, na imagem à esquerda inferior e da Aldeia Alves de Barros, do povo Kadiwéu, no município de Porto Murtinho, na imagem à direita inferior.

Figura 1 – Barreiras sanitárias criadas pelos indígenas em aldeias em MS

Fonte: Levantamento nos jornais utilizados na pesquisa, organização dos autores (2020)

As ações de conscientização e informação quanto às doenças somam 14 situações (9,2%). Nesta categoria tem-se a presença de ações diretas de informação (blitz informativas, encontros, caravanas) com 6 situações (42,8%) e a produção e entrega de cartilhas, na língua nativa dos indígenas (Guarani e Terena), com informações da doença, com 5 situações (35,7%). Aparecem ainda ações informativas nos veículos de informação (rádio e mídias sociais) com 2 situações (14,3%) e a divulgação alternativa dos boletins com número da doença, feita pelos indígenas, com 1 situação.

Tais ações apresentam como autores o Estado[4] em 60% das situações (9), os próprios indígenas[5] em 26,7% (4) e ainda professores em 13,3% (2). Em uma ação houve mobilização conjunta dos indígenas com o poder público para a sua realização.

Em seguida, aparecem ações de arrecadação de doações e fundos, com 13 situações (8,5%). Aqui, destacam-se as campanhas de arrecadações de doações, com 6 situações (46,1%). A realização de lives-shows beneficentes aparece em 3 situações (23,1%), campanhas de vendas de obras de arte com a renda revertida aos povos indígenas em 2 (15,4%) e a criação de “vaquinhas” online em 2 (15,4%).

Tais campanhas tiveram como autores a classe artística, com 4 situações (25%), o Ministério Público Federal em 3 situações (18,75%), a Defensoria Pública em 3 situações (18,75%), os indígenas em 2 situações (12,5%), ONGs em 2 situações (12,5%), movimento social em 1 situação (6,25%) e o Estado também com 1 situação (6,25%). Em 2 situações mais de um segmento da sociedade esteve presente como autor.

As situações que relataram ações na Justiça somam-se 7 (4,6%), e tratam de 4 decisões e 1 ação movida em relação à pandemia e os povos indígenas. As 4 decisões são 2 do Supremo Tribunal Federal (STF), uma da Justiça Federal e outra do Tribunal de Justiça de MS. Uma decisão se pautou em ação movida pela APIB. A Ação Civil Pública relatada foi movida pelo Ministério Público Federal.

A categoria de recomendações formais trata-se de recomendações feitas pelos órgãos públicos a outros órgãos públicos ou aos indígenas, e somaram 5 situações (3,3%). São 3 recomendações feitas pelo Ministério Público (direcionadas a SESAI [2] e Governo Estadual de MS [1]) e 1 feita pelo DSEI-MS/SESAI (direcionada aos indígenas). Também com 5 (3,3%) situações aparecem a produção de documentos. Dois documentos foram escritos pelos próprios indígenas, um direcionado a OMS e outro uma carta aberta intitulada “Carta Emergencial dos Conselhos Guarani e Kaiowá frente à pandemia do COVID-19” (ATY GUASU et al. 2020). Dois documentos foram elaborados pedindo proteção aos povos indígenas durante a pandemia, um encaminhado ao Ministério da Justiça por um grupo ligado aos direitos humanos, e outro, uma carta aberta, feita por artistas nacionais e internacionais. Um ofício foi feito pelas Defensorias Públicas do MS e da União, direcionados ao exército e aos MSF, solicitando apoio à Saúde Indígena no estado.

As ações parlamentares correspondem a 3 situações (2%), sendo 2 do Senado Federal e 1 do Congresso Nacional, todas relacionadas aos trâmites do Projeto de Lei (PL) nº 1.142/2020 que veio a se converter na Lei nº 14.021/2021[6] que foi a lei que estabeleceu direcionamentos e deveres ao poder público no combate ao novo coronavírus entres os povos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais.

De maneira geral, entre os segmentos sociais presentes nas ações de enfrentamento, o Quadro 3 expõe o panorama que o levantamento nos revelou, sendo que das 152 ações, 7 apresentaram 2 ou mais autores agindo em conjunto.

Quadro 3 – Autores das ações de enfrentamento à Covid-19 nos povos indígenas

Segmento da sociedade

Quantidade de ações

%

Estado

65

40,4

Indígenas

36

22,4

Iniciativa Privada

16

9,9

Ministério Público

8

5

Sociedade Civil

7

4,3

Justiça

7

4,3

Defensoria Pública

6

3,8

Organizações Não Governamentais

5

3,1

Classe artística

5

3,1

Instituições Públicas de Ensino

4

2,5

Movimentos sociais

2

1,2

Total

161

100

Fonte: Levantamento nos jornais utilizados na pesquisa, organização dos autores (2020)

O Estado foi o segmento social que registrou a maior presença nas ações, com 65 (40,4%). Destas, 16 apresentaram duas ou mais instâncias do poder público trabalhando em conjunto. Optamos em não incluir na categoria “Estado” as instituições de Justiça, de ensino e de garantia democrática (Defensoria Pública e Ministério Público) a fim de facilitar a exposição e entendimento dos dados, sendo elas expostas de forma separada cada uma. Com isso, optamos por incluir na categoria “Estado” as ações pertinentes às administrações públicas da esfera municipal, estadual e federal e decisões parlamentares, que são instâncias que possuem ações direcionadas pelo poder político.

            Entre as ações do Estado, a instância mais presente foi o governo estadual, com 33 ações (50,8%). O governo federal esteve à frente de 29 ações (44,6%), onde a SESAI esteve presente em 22 e o Ministério da Defesa em 4. As ações das prefeituras foram 23 (35,4%). Houve ainda a presença de 3 ações (4,6%) do poder legislativo[7].

1.1.1.2 Problemas e dificuldades encontrados e onde se localizam

As 68 situações de dificuldades podem ser divididas em 13 categorias, conforme o conteúdo de cada uma, divisão feita de forma a facilitar a exposição e leitura dos dados, conforme exposto no Quadro 4 abaixo:

Quadro 4 – Dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas no combate à COVID-19

Continua...

Dificuldades encontradas

Frequência

%

Problemas na Saúde Indígena

14

20,6

Dificuldade no acesso a água

12

17,6

Dificuldades no acesso a EPI’s

11

16,2

Negligências do poder público

6

8,8

Situações de insegurança alimentar

5

7,4

Desinformação quanto a doença

4

5,9

Situações de racismo

4

5,9

Precariedades crônicas

4

5,9

 

Quadro 4 – Dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas no combate à COVID-19

Finalização

Dificuldades encontradas

Frequência

%

Entraves da Justiça

2

2,9

Necessidade de ir a cidade em busca de alimentos

2

2,9

Aspectos culturais do modo de vida

2

2,9

Comorbidades crônicas

1

1,5

Divergências apontadas na divulgação dos dados oficiais

1

1,5

Total

68

100

 

 

Fonte: Levantamento nos jornais utilizados na pesquisa, organização dos autores (2020)

A categoria que mais apresenta casos diz respeito a problemas na SI, com 14 situações (20,6%). Nesta categoria aparecem 4 relatos de falta de profissionais de Saúde no atendimento, 3 relatos de falta de frota de veículos para o trabalho e 2 situações de demora na liberação de recursos financeiros emergenciais. O levantamento ainda apontou estrutura precária em prédios, investigação acerca de corrupção no DSEI-MS, suspensão de atendimentos por falta de EPI’s aos profissionais de Saúde, barragem do trabalho humanitário dos Médicos Sem Fronteiras e atraso em obras de distribuição de água, todas com 1 situação cada. Entre as localidades onde tais problemáticas se fazem presentes, 7 se dão no município de Aquidauana, 4 em Dourados e 3 dizem respeito a situações que abrangem todo o estado de Mato Grosso do Sul.

Na dificuldade no acesso à água, temos 12 situações (17,6%). Em 8 dessas situações foi relatada a falta de água em mais de um território, de modo que a Aldeia Bororó (Dourados) apresentou 8 situações, a Aldeia Jaguapiru (Dourados) 7 situações, Aldeia Bananal (Aquidauana) 3 situações, Aldeia Panambizinho (Dourados), Áreas de retomada em Dourados, Aldeia Moreira (Miranda) e Aldeia São João (Porto Murtinho) apresentaram 1 situação cada.

A dificuldade no acesso a EPI’s aparece com 11 situações (16,2%). Dessas, 6 relatam dificuldade no acesso por parte dos indígenas e 5 por parte de profissionais da SI. Quanto às localidades, 7 relatos apontam a problemática em mais de uma localidade, de forma que as Aldeias Jaguapiru e Bororó (Dourados) apresentam 7 relatos, áreas de retomada em Dourados 1 relato e Aldeia Porto Lindo (Japorã) 1 relato.

As situações de negligência do poder público somam 6 (8,8%), entre as quais: promoção de eventos e aglomerações por parte do poder público no interior das aldeias (2), suspensão da entrega de cestas básicas pela FUNAI a indígenas em áreas de retomada (1), ausência da FUNAI na tomada de medidas contra a pandemia (1), decisões do poder público quanto a pandemia sem ouvir os indígenas (1) e negação de atendimento médico a indígena (1).

Com 5 situações (7,3%) aparecem os relatos de insegurança alimentar, todos relacionados ao município de Dourados, com a presença da Aldeia Bororó (2), Aldeia Jaguapiru (2) e áreas de retomada (2). Situações de desinformação quanto a doença contam com 4 relatos (5,9%), nas Aldeias Bororó (2) e Jaguapiru (2), em Dourados. Já as situações de racismo apontam também 4 relatos (5,9%), com 2 situações em Dourados e 2 em Miranda.

As precariedades crônicas se fazem presentes em 4 situações (5,9%), entre elas: queda de barracos durante temporal, falta de saneamento básico, moradias insalubres e famílias com a renda prejudicada pela quarentena. Tais problemáticas se mostram presentes nas Aldeias Bororó e Jaguapiru, em Dourados (2), áreas de retomada em Dourados (1) e Aldeia Koy-Kuê (1), em Ponta Porã[8].

Quanto às localidades onde há a incidência de problemáticas, Dourados é o município em que mais se soma relatos, com 40 no total (57,1%), divididos entre 28 na Aldeia Bororó, 26 na Aldeia Jaguapiru, 5 em áreas de retomada e 1 na Aldeia Panambizinho. Aquidauana aparece em seguida, com 15 situações (21,4%), com situações na Aldeia Bananal, com 3 e Aldeia Taunay-Ipegue, com 2. As situações relacionadas a todo o estado de Mato Grosso do Sul computaram 8 (11,4%) e relacionadas a Miranda 3 (4,3%), na Aldeia Moreira. Porto Murtinho (Aldeia São João), Japorã (Aldeia Porto Lindo), Corumbá (Aldeia Porto Esperança) e Ponta Porã (Aldeia Koy-Kuê) apresentaram 1 situação cada (1,4%).

2 DISCUSSÃO

Entre as ações e estratégias de enfrentamento do vírus, embora o levantamento aponte que o Estado foi o segmento da sociedade que mais esteve à frente de ações (40,4%), é importante discutir alguns aspectos. O primeiro aspecto diz respeito ao fato do levantamento ter sido realizado a partir de jornais da mídia tradicional. Embora o Mato Grosso do Sul possua a segunda maior população indígena do Brasil, com 61.737 pessoas (IBGE, 2010), sendo que destes 51.000 Guarani e Kaiowá vivem no cone sul do estado segundo a  Kuñangue Aty Guasu (Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá) – nem sempre estes povos ganham destaque na mídia por suas ações, como ganham as ações do poder público. Outro ponto é a relação mídia tradicional-Estado, quanto ao papel publicitário que alguns jornais realizam das ações do poder público (seja na esfera federal, estadual ou municipal), e que pode ser um fator que influencia na presença de notícias sobre ações do poder público em nosso levantamento.

Outro fator que atravessa a grande presença de ações do Estado é a ausência de um plano que direcionou de forma centralizada e objetiva as ações de enfrentamento à pandemia por parte do poder público, diluindo-se em ações dispersas e “emergenciais”. O governo estadual foi quem mais se fez presente à frente das ações no Mato Grosso do Sul, estando em 50,8% delas. O governo federal, responsável constitucional pelos direitos dos povos indígenas, como da garantia da saúde, esteve à frente de 44,6% das ações. A presença de ações das prefeituras se deu em 35,4% dos casos.

A relevante presença de ações do poder estadual e das prefeituras pode ser explicada, de certo modo, pela necessidade de atuar com ações urgentes frente à ausência de ações federais, visando impedir mortes evitáveis. O governo federal travou uma verdadeira guerra política, principalmente com governos estaduais acerca de ações e responsabilizações no combate à Covid-19, enquanto centenas de milhares de vidas se findam no país.

Em 2019, logo após o início da nova gestão federal, se discutiu a possibilidade de municipalização da Saúde Indígena, transferindo sua competência do governo federal para as prefeituras. Após protestos e forte oposição dos povos indígenas em todo o país, a proposta foi retirada de pauta (Instituto Socioambiental, 2019). A presença de ações de prefeituras no enfrentamento a pandemia permite observar a intenção da atual gestão federal em negar o dever constitucional de proteção da Saúde dos povos indígenas, impondo uma “municipalização forçada”.

Um importante trabalho analisou 3.049 normas federais relativas à pandemia e concluiu que o contexto político de enfrentamento à pandemia no país apresenta um “embate entre a estratégia de propagação do vírus conduzida de forma sistemática pelo governo federal, e as tentativas de resistência dos demais Poderes, dos entes federativos, de instituições independentes e da sociedade” (VENTURA E REIS, 2021, p. 7). As autoras argumentam que há uma estratégia institucional adotada pelo governo federal, com o objetivo de propagação do vírus da COVID-19 entre a população brasileira:

Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência da parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo (VENTURA E REIS, 2021, p. 7).

Essa postura adotada pelo governo federal em priorizar a economia ante vidas humanas é presente em diversos discursos públicos do chefe do executivo federal. Em um Estado que serve ao neoliberalismo, ao agronegócio e à elite econômica, na crise sanitária e todas as decisões políticas que ela desencadeou, transparece que os desfavorecidos socialmente (pobres, indígenas e negros) serão sempre corpos sacrificáveis pelo governo necropolítico. Safatle (2020b) afirma que, com isso, “o neoliberalismo tem nos mostrado o que muitos de nós já sabíamos, mas lutamos para esquecer, a saber, que a economia não passa da continuação da guerra civil por outros meios” (p. 15).

De tal modo, os povos indígenas, sobretudo, foram extremamente afetados pela estratégia do governo federal, uma vez que cabe constitucionalmente ao governo federal a sua proteção.

As ações de reforço das equipes e de adaptação de estruturas de prédios da Saúde Indígena, expõem o quanto este dispositivo se mostrou despreparado e desestruturado na assistência aos povos indígenas com a chegada da pandemia, resultado do processo de sucateamento que as políticas públicas vêm sofrendo no país.      Outro ponto da atuação do Estado na pandemia é a criação do Plano Emergencial para enfrentamento à Covid-19 para os povos indígenas. Esse Plano foi elaborado devido à mobilização da APIB e colocado em prática com morosidade e ineficiência. Em 11 de março de 2020 a OMS declarou pandemia, e em 27 do mesmo mês é protocolado na Câmara dos Deputados o PL 1142/2020, com diretrizes e um plano para o enfrentamento da pandemia nos povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e outros povos e comunidades tradicionais. Nas idas e vindas burocráticas do Estado Brasileiro, o PL é transformado na Lei nº 14021/2020, somente, mais de 3 meses depois, em 07 de julho. A Lei foi sancionada pelo chefe do executivo federal com 22 vetos, transformando-se na Lei mais vetada da história do Brasil (APIB, 2020).

Somente em 19 de agosto de 2020 o Congresso votou pela derrubada de 16 dos 22 vetos do presidente, mais de cinco meses após a declaração de pandemia pela OMS. O plano, porém, lista medidas a serem seguidas e atribuídas, e não um plano de trabalho, de combate e prevenção com objetivos, cronograma e definição de responsabilidades. Até março de 2021, o plano já passou por 4 versões e todas as decisões que o executivo federal realizou em relação ao plano não se pautaram em um diálogo com as entidades indígenas.

Ademais, os vetos do governo federal a Lei nº 14021/2020 foram feitos sob a justificativa econômica. Na visão do governo, medidas como garantir água potável, alimentos e itens de higiene aos indígenas “institui obrigação ao Poder Executivo e cria despesa obrigatória ao Poder Público” (BRASIL, 2020, p. 1). Essa lógica que é estritamente econômica no combate a pandemia, além de expor o racismo institucional do atual governo brasileiro (SPRANDEL, 2020), demonstra como o mecanismo necropolítico toma forma. As palavras “obrigação” e “despesa obrigatória” apontam a carga atribuída aos povos indígenas pelo atual governo federal, com a necessidade de garantir suas vidas sendo um peso institucional.

Dessa forma, a lógica da destruição é presente na gestão da pandemia pelo atual governo brasileiro com as populações indígenas, desde o sucateamento das políticas públicas de assistência a estes povos, até a destruição dos dispositivos legais que visam garantir suas vidas, como se vê nos vetos da Lei nº 14.021/2020. Destruindo os dispositivos que chegam até os povos originários, dispositivos estes que compõe a si próprio, o Estado destrói partes de si, partes que o compõem, e caminha para um definhamento. Estas são características que tornam o funcionamento do Estado brasileiro em um Estado Suicidário (SAFATLE, 2020).

Safatle (2020b, p. 7) afirma que o Estado, dessa forma, para de exercer sua função de guardião social, para se transformar em um ator da destruição social, de modo “no qual a figura do Estado protetor dá lugar a um Estado predador que se volta inclusive contra si mesmo, Estado animado pela dinâmica irrefreável de autodestruição de si e da própria vida social”.

A presença de ações da Defensoria Pública (3,7%) e Ministério Público (5%), também ajudam a elencar a relação Estado-indígenas. Institucionalmente, tais órgãos têm a função de garantir o exercício da cidadania, do Estado democrático de direito, e do respeito à Constituição. Diante da ausência de ação preventiva e objetiva do Estado, cabe a tais instituições a ação de cobrança. Soma-se a isso a presença da judicialização de ações contra o Estado, que o levantamento também apontou. Essas situações tornam notório o esforço, em vários âmbitos, do poder estatal em negar e adiar ao máximo, ações objetivas de enfrentamento ao vírus entre os indígenas, desviando de suas funções constitucionais.

A forte presença da realização de doações (19,1%), embora, por um lado, demonstre a força das ações de solidariedade em nossa sociedade, ajudam a expor ainda mais a insuficiência da ação do Estado em suprir as necessidades dos povos indígenas, que precisam ser contempladas através de campanhas de solidariedade (que são incertas quanto aos resultados, e que desse modo impedem o planejamento de ações mais concretas e objetivas).

Para analisar as dificuldades encontradas em nosso levantamento, é necessário fazer uso do termo ao qual Mbembe (2011) denomina como “guerra infraestrutural”, em que o poder soberano exerce sobre um povo e seu território o direito de matar a partir da destruição das fontes de subsistência dessa população, sendo uma importante forma de agir necropolítica. No Mato Grosso do Sul, a soberania do Estado brasileiro alinhada ao poder econômico do agronegócio, exerce a “guerra infraestrutural” diante dos povos indígenas, incapacitando o acesso destes a água potável, alimentos, à saúde, e, principalmente, a terra e o território. Isso está associado ao poder excludente da propriedade privada (DARDOT E LAVAL, 2015), associada à negação da demarcação das terras indígenas tradicionalmente ocupadas.

A presença de problemáticas no enfrentamento à pandemia se deu principalmente nos municípios de Dourados (57,1%) e Aquidauana (21,4%). A região da grande Dourados, marcada por conflitos territoriais pela terra, contaminação por agrotóxicos, assassinatos, atropelamentos e suicídios de indígenas, vê na pandemia mais um episódio do martírio dos Guarani e Kaiowá.

Os problemas na Saúde Indígena do Mato Grosso do Sul (20,6%) vão desde problemas estruturais nos prédios, falta de profissionais, falta de frota de veículos e até a falta de EPI’s por parte dos profissionais, que comprometem o atendimento à população. Aqui se mostra como a “guerra estrutural” atua na relação Estado-indígenas nos dispositivos de Saúde, desmantelando e sucateando.

A dificuldade no acesso à água potável, problema crônico entre os indígenas, principalmente nos tekoha Guarani e Kaiowá de Dourados, não se fez diferente na pandemia. Neste município, registrou-se a falta de água nas Aldeias Bororó, Jaguapiru, Panambizinho e nas áreas de retomada do entorno. Ademais, identificamos ainda falta de água em Aquidauana (Aldeia Bananal), Miranda (Aldeia Moreira) e Porto Murtinho (Aldeia São João). Como lavar as mãos durante a pandemia – uma das medidas básicas de prevenção a Covid-19 – se as aldeias sofrem com a falta de água?

Somam-se a isso o difícil acesso a EPI’s, desinformação quanto à doença, situações relacionadas à pobreza, como moradias precárias e insalubres, famílias indígenas que tiveram a renda prejudicada pela pandemia, situações de fome e falta de saneamento básico em algumas comunidades.  O corte de cestas básicas por parte da FUNAI aos indígenas habitantes de áreas não demarcadas foi uma das ações do governo federal que favoreceram situações de fome e insegurança alimentar, uma vez que tal corte aconteceu ainda em fevereiro de 2020, já com a iminente chegada do novo coronavírus ao Brasil.

A realização de eventos que promoveram aglomerações por parte de integrantes do governo estadual no interior das aldeias, mesmo após as informações da necessidade de coibir aglomerações estar bastante difundidas, é uma situação direta do poder público sendo o indutor e propagador do COVID-19 nos indígenas. No município de Aquidauana houve indígenas contaminados e óbitos após estas aglomerações em julho de 2020, sendo o Estado o responsável direto pela infecção e morte de indígenas pelo Sars-Cov-2, com um encontro político irresponsável e contrariando as orientações científicas do isolamento social.

A subnotificação, presente nos dados de infectados e óbitos pela doença, por parte da SESAI, que não contabilizou os indígenas moradores das áreas urbanas e de áreas tradicionais ainda não demarcadas pelo Estado, expõem outro segmento necropolítico, com uma estratégia de invisibilidade, apagamento cultural e descaso pelos seus corpos. Por meio da subnotificação a vida dos povos originários se torna descartável ao poder público, não sendo necessário nem mesmo o registro de sua morte e controle de contaminação, onde a biopolítica dá lugar a necropolítica.

Entre as situações de racismo (5,9%), presentes em Dourados e Miranda, identificou-se parte da população destes municípios tratando os indígenas de forma pejorativa e os acusando de propagar o vírus nas cidades. Em Miranda, após a repercussão de ofensas racistas contra os indígenas da Aldeia Moreira, espalhadas por mensagens de texto e áudios em plataformas digitais, a prefeitura municipal, em vez de realizar alguma ação de combate a tais práticas, apenas decidiu não divulgar os dados da doença presentes na área urbana e na aldeia de forma separada, como vinha fazendo até então, e que foi o que motivou as atitudes racistas. Neste caso, o poder público foi conivente com o racismo sofrido pelas populações indígenas, expondo também o “racismo estrutural” presente no funcionamento do Estado (ALMEIDA, 2018).

As ações realizadas pelos indígenas (22,4%) para se evitar a propagação da COVID-19 nas aldeias, expõe a resistência diante do necropoder do Estado e do capital, que se colocaram como outros inimigos, além do vírus. Embora, em nosso levantamento, as ações de enfrentamento à COVID-19 auto-organizadas pelos povos indígenas fique atrás do Estado em número de ações, suas ações demonstram maior capilaridade, objetividade, efetividade, articulação e planejamento. Das 11 categorias de ações que elencamos na organização dos dados, os indígenas estiveram presentes como autores em 6 (54,5%). 

Diante da negativa do Estado em prover barreiras sanitárias de isolamento dos territórios tradicionais – a FUNAI, por exemplo, chegou a publicar nota em seu site oficial condenando a criação de barreiras pelos indígenas[9] – os povos originários criaram, de forma autônoma, barreiras sanitárias. Organizadas pelas lideranças das comunidades, e operacionalizadas pelos próprios indígenas moradores das comunidades, em forma de revezamento, muitas dessas barreiras foram montadas sem a infraestrutura apropriada, utilizando pedaços de madeiras, galhos, arames e fitas de isolamento. Em algumas é possível identificar abrigos improvisados com lonas para os indígenas que fazem o monitoramento na barreira se abrigarem do sol, da chuva, do calor e do frio. Com placas, algumas improvisadas e escritas à mão, os moradores avisam que a comunidade se encontra em quarentena.

Identificamos 14 barreiras sanitárias em nossa pesquisa, porém, de acordo com a Aty Guasu esse número chegou a 74 barreiras Guarani e Kaiowá, distribuídas em 45 territórios, em setembro de 2020, em todo o cone sul do estado. Segundo a APIB (2020), em novembro de 2020, esse número foi de cerca de 50 barreiras Guarani e Kaiowá e 29 barreiras levantadas pelos Terena. O processo de luta e resistência dos indígenas no combate à pandemia tem no levantar de barreiras sanitárias, ações de autodefesa, de auto-organização e autogestão sanitária para a proteção dos seus territórios e corpos.

Com a maioria dessas barreiras foram levantadas nos tekoha Guarani e Kaiowá, faz se necessário entender a relação que estes povos têm com o corpo, a terra e o território que habitam. Os tekoha são os habitats que têm a organização e funcionamento baseado no uso coletivo da terra, das interações recíprocas entre os seres humanos e não humanos, mediadas pelos nhanderu e nhandesy (xamãs, lideranças religiosas), que pela sua cosmovisão e ancestralidade, visam orientar a territorialidade para uma vida boa e virtuosa, o teko porã. (BENITES, 2014).

O território para os povos Guarani e Kaiowá é fundamental para a saúde e reelaboração cultural de seus modos de ser. O vivido, o habitar com a terra, tem um valor ancestral e de pertencimento coletivo, na relação indissociável do seu modo de ser (teko) com o território – tekoha. Essa experiência imediata com o tekoha não é descorporificada. O corpo é o primeiro espaço de contato sensível com o território, com esse espaço geográfico que é fonte de vida, do refazer as relações de pensamento, de sentimento, de resistência. O território está, assim, no corpo porque a vida que está no território permite reconhecer o território como corpo. O território é o sentir, o habitar e o afetar.

Haesbaert (2020) realiza uma interessante discussão sobre as relações de corpo-território e território-corpo. No contexto pandêmico cria-se a necessidade de medidas de proteção e cuidado do próprio corpo, nosso “primeiro território” (p. 175), corpo-território, como uso de máscaras, distanciamento corpóreo, higienização constante e fortalecimento imunológico. Entre os Guarani e Kaiowá a existência do próprio corpo é intimamente atrelada à terra que eles habitam, mãe provedora e garantidora da vida deste corpo. Vê-se uma relação simbiótica com a T/terra, com uma ligação umbilical-espiritual com o território, de modo que a vida-corpo e vida-território se tornam uma só, com os limites do corpo físico misturando-se ao território, tornando-se também T/terra. De tal maneira, nessa relação íntima entre corpo e espaço, o território se manifesta como “território de vida para grupos cuja existência, conjugada ao mundo de outros seres, como os animais, se deve a essa relação indissociável com seus espaços de vivência cotidiana” (HAESBAERT, 2020, p. 204).

Nesta relação, a defesa do corpo e do território muitas vezes se confunde e se misturam, pois é necessário cuidar do corpo para não adoecer o território, e cuidar do território para não adoecer o corpo. As medidas de proteção do território, ou território-corpo, também se assemelham às medidas de proteção do corpo, como as barreiras sanitárias (máscaras), quarentena do território (distanciamento corpóreo) e higienização de veículos que entram e saem dos territórios (lavar as mãos ao entrar e sair de casa). De tal modo, como afirmar Haesbaert (2020, p. 206) “defender a vida e defender o território são, em muitos desses casos, ações inerentes uma à outra”.

Outra questão interessante presente na resistência dos indígenas em seus territórios é a capacidade de articulação e ação que se colocam em constante movimento. Essa mobilização, étnica e política, pode ser analisada, a partir do que Hutta (2020) denomina de territórios afetivos. Essa forte relação que mantém com onde habitam, seria a desencadeadora do afeto que move e causa transformações ao redor, sobretudo num contexto de pandemia global, onde a sensação de paralisação e impotência se fez bastante presente em indivíduos no mundo todo. O afeto é visto, então, como a força que molda a capacidade de agir dos corpos sobre o território. As ações coletivas, motivadas pelo afeto no território, se tornam também em uma afetação para o cuidado de si e do outro, visto que o vírus pode se espalhar no contato humano. De tal maneira, reproduz a relação do Eu-Outro-Território.

Essa relação de cuidado Eu-Outro-Território se configura na realização de mutirão de confecção de máscaras, no sopão comunitário presente na Aldeia Jaguapiru em Dourados, além das dinâmicas de revezamento que se estabeleceu na operação das barreiras sanitárias. Em tempos de ultraliberalismo autoritário no Brasil, uma combinação do que há de mais radical do liberalismo econômico com o conservadorismo autoritário e colonial (SCHWARCZ, 2019), o individualismo é marcante a partir das decomposições micro-estruturais das relações e dos afetos (SAFATLE, 2020b), e do cansaço de coletividade, como afirma Byung-Chul Han (2015, p 38) “um cansaço solitário, que atua individualizando e isolando”, essas ações de cuidado e mobilização coletiva representam ainda mais as formas de r-existência dos povos indígenas.

O uso de cuidados e saberes tradicionais na prevenção do COVID-19 mostram a presença da ancestralidade indígena no combate à crise contemporânea. O uso de plantas (folhas, frutos, raízes) denota, também, a já exposta ligação que os povos indígenas mantêm com a T/terra, mãe-provedora de vida e saúde.      As ações de propagação de informação também foram outros expoentes das ações de resistência identificadas. Campanhas de informação nas rádios comunitárias indígenas, redes sociais e sites de entidades e organizações originárias demonstram o poder de ocupação e de demarcação, nesse tempo de pandemia, de espaços de luta virtuais e de territorialidades remotas.

A divulgação de dados sobre a COVID-19 de forma paralela a divulgação realizada pela SESAI, demonstra a capacidade de articulação e controle social presente na luta indígena. A APIB realiza a divulgação dos dados paralelos através da plataforma online “Emergência Indígena”, em que as informações como o número de óbitos de indígenas e número de infectados é exposto, apontando os casos levantados pela SESAI complementados pelos dados de organizações indígenas regionais.

Com a realização de “vaquinhas” online, criadas pelos Conselhos Indígenas e de lives-show, com doações sendo arrecadadas por QR code, como a feita pelo grupo de Rap indígena Brô MC’s, é possível identificar, mesmo com as dificuldades enfrentadas de apropriação do meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1997), a capacidade que essa luta, que é anterior à pandemia, teve de se adaptar aos meios de luta em tempos remotos, através do espaço virtual da internet e das redes sociais.

Em meio remoto foram realizados os Acampamentos Terra Livre-ATL (tradicionalmente realizado em Brasília) em 2020 e 2021. Na edição de 2020, em maio, os Conselhos indígenas criaram o Comitê Nacional Pela Vida e Memória Indígena. Nas redes sociais o evento chegou a ser chamado de Terra Live. Na edição de 2021, a luta travada pelos indígenas contra o vírus e o governo federal, revelou as estratégias de resistência neste momento pandêmico, seja pelo uso da tecnologia, seja pelas ações concretas, como demonstradas.

Esses eventos trouxeram como temas das semanas de mobilização, por exemplo, “nosso direito de existir”, “vidas indígenas importam”, “nossa luta é pela vida”, “decidimos não morrer”, que afirmam a r-existem na luta pela vida. Isso demonstra que quando povos indígenas colocam a defesa da vida em primeiro lugar é porque a política da morte está sendo colocada em prática no Brasil e exacerbada com a pandemia.

Nos espaços físicos e institucionais a luta se deu através de pressões políticas, com os movimentos indígenas se articulando e movimentando em busca de garantir ações que permitam a sobrevivência do maior número possível de vidas indígenas. À escala nacional, a ação movida no Supremo Tribunal Federal pela APIB “garantiu”, pelo menos em parte, como discutimos, que o governo federal fosse obrigado a garantir medidas de proteção aos povos indígenas durante a pandemia. À escala estadual, o protesto realizado por indígenas Terena na sede do DSEI-MS, na capital Campo Grande, exigiram melhores estruturas e mais profissionais na Saúde Indígena no município Aquidauana, além de condenar as suspeitas de corrupção no órgão em pleno período de pandemia. À escala municipal, indígenas de Dourados, viabilizaram encontro com o então presidente da Câmara de Vereadores do município para cobrar medidas da administração municipal em relação ao difícil acesso à água nos territórios tradicionaistekoha.

Por fim, não podemos esquecer da presença da produção de cartas e manifestos, que é um importante meio de reivindicação e denúncia. Em maio de 2020, Conselhos Guarani e Kaiowá divulgaram Carta Emergencial relatando o medo de “mais um massacre com a chegada do COVID-19 em nossos tekoha” (ATY GUASU et al. 2020).

3 considerações finais

A falta da efetivação de um plano de ação e combate à disseminação da COVID-19 nos corpos e territórios indígenas por parte do governo federal gerou uma sobrecarga de ações de estados e municípios, deixando povos expostos, vulneráveis e sem proteção. Esse movimento de falta de ação concreta contra a propagação do novo coronavírus entre os povos indígenas denota que o Estado age de modo a criar terreno para a proliferação da COVID-19 nos territórios indígenas.

Isso expõe o caráter suicidário que o Estado opera diante das políticas públicas direcionadas aos povos originários, decompondo e destruindo os dispositivos que garantem Saúde a esse segmento da população. O caráter necropolítico é exposto, então, na medida em que o Estado e suas ações se tornam um vetor da morte pela exposição à COVID-19 e à precarização das condições de vida dos povos indígenas que não tem suas terras – tekoha – demarcados.

Os problemas na Saúde Indígena, a falta de água e dificuldade no acesso a EPI’s, expõem as condições de vulnerabilidade que muitas comunidades indígenas enfrentam em Mato Grosso do Sul.

As ações de autonomia (auto-organização) e autogestão dos indígenas em seus territórios reafirmam a conexão que possuem com a T/terra-Vida, mesmo diante de um Estado que insiste em negar esse direito. Além do mais, é possível verificar a capacidade de articulação de suas ações, nas múltiplas escalas espaciais, presentes nos âmbitos municipais, regionais, estaduais e nacional. A luta se mostra presente seja nos espaços físicos, como no interior dos territórios tradicionais, nas instituições, na política, nos âmbitos de narrativas e espaços virtuais.

É interessante observar também a adaptação e adoção dos meios remotos de luta, presentes no espaço virtual da       internet. Seja por meio da produção de sites, de plataformas, de vaquinhas online, da realização de lives-shows, das postagens em redes sociais e encontros virtuais, os indígenas mostram que usam dos meios disponíveis para potencializar sua luta e resistência.

Assim, é possível afirmar neste trabalho que os povos indígenas em Mato Grosso do Sul, diante da ausência e negligência do Estado, auto-organizaram ações de enfrentamento da proliferação do COVID-19, como uma densa rede de barreiras sanitárias autônomas, até ações que variaram em múltiplas escalas espaciais. Essa luta pelo direito a existir Guarani, Kaiowá e Terena, afirma a vida em r-existência nos territórios em ações de solidariedade e articulação política.

referências

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VIRILIO, P. La inseguridad del territorio. La Marca: Argentina, 1999.

Contribuições de autoria

1 – Marcos Leandro Mondardo (Autor Correspondente)

Universidade Federal da Grande Dourados, geógrafo – Doutor em Geografia

http://orcid.org/0000-0001-8862-8801 • marcosmondardo@yahoo.com.br

Contribuição: Conceituação| Investigação | Análise formal | Escrita - revisão e edição

2 – Roberto Lopes Chaparro

Universidade Federal da Grande Dourados, Psicólogo – Graduado em Psicologia

https://orcid.org/0000-0002-2064-5610 • robertochaparro10@hotmail.com

Contribuição: Curadoria de dados | Análise formal | Metodologia | Escrita - primeira redação

Como citar este artigo

MONDARDO, M.; CHAPARRO, R. L. “Nosso direito de existir”: da necropolítica de estado às estratégias dos povos indígenas de enfrentamento à pandemia da COVID-19. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, e19, 2022. Disponível em: 10.5902/2236499466664. Acesso em: dia mês abreviado. ano.



[1] O Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que estipulou o congelamento do teto de gastos em investimentos públicos no Brasil por 20 anos. Tramitou na Câmara dos Deputados como PEC 241/2016 e no Senado como PEC 55/2016, sendo promulgada em dezembro de 2016. Em vigência desde 2017, determina que os gastos públicos em investimentos a partir de 2018 devem ser reajustados conforme a inflação acumulada no Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), sem poder de aumento real nos investimentos. No SUS, o déficit de recursos nos 20 anos em que a emenda deve imperar pode chegar a 433 bilhões de reais (CONASS, 2016).

[2] Dourados Agora, Dourados News, O Progresso, Campo Grande News, Midiamax, Correio do Estado, Diário Digital, Ponta Porã Informa, Amambai Notícias, Caarapó News, Caarapó Online, Top Mídia News, Douranews, Jornal do Conesul, Folha de Dourados, Portal do Conesul, MS em Foco, Fronteira News, Portal do MS, Caribel News, Conesul News, Gazeta Trabalhista, Fátima News, Sidrolândia News, Maracaju em Foco, Maracaju Speed, JP News/Rádio CBN, O Estado MS, Diário MS News, Porã News e O Pantaneiro.

[3] Campo Grande News, Dourados News, O Progresso, Dourados Agora, Midiamax, O Pantaneiro, Amambai Notícias, Folha de Dourados, Diário Digital, Ponta Porã Informa, JP News/Rádio CBN, Fronteira News, Caarapó Online, Gazeta Trabalhista, Fátima News, O Estado MS, Top Mídia News.

[4] Governo Federal (3) 27,3% (DSEI-MS/SESAI - (2) 18,2%, Força Nacional de Segurança - (1) 9,1%); Governo Estadual (5) 45,4% (Polícia Militar - (3) 27,3%, Secretaria Estadual de Saúde - (2) 18,2%); e, Prefeituras Municipais (3) 27,3% (Dourados, Amambai e Campo Grande, com (1) 9,1% das ações cada). Em uma ação houve mobilização conjunta dos setores do poder público.

[5] Apresentamos as ações de informações dos indígenas nesta categoria, separada da categoria “ações autônomas” a fim de facilitar a exposição dos dados, não precisando assim dividir a categoria “ações de informação e conscientização” em duas. Os dados não são comprometidos, uma vez que as ações dos indígenas em todas as categorias são somadas para gerar o número final de ações, apresentado mais à frente no artigo.

[6] A Lei que estipulou medidas epidemiológicas e de vigilância sanitária visando à prevenção da disseminação e contágio do Sars-Cov-2 em Terras Indígenas, criou o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 entre os povos indígenas, e determinou ações para garantir a segurança alimentar nas Terras Indígenas, traçou medidas ante a Covid-19 e os povos indígenas isolados e de recente contato, além de estabelecer critérios de suporte às comunidades quilombolas, aos pescadores artesanais e demais povos e comunidades tradicionais. Entre as principais medidas adotadas quanto aos povos indígenas: 1) a União tem a obrigatoriedade de garantir o acesso universal à água potável; 2) o fornecimento de forma gratuita de insumos de higiene, limpeza e desinfecção de superfícies; 3) o provimento de acesso a testes rápidos e RT-PCRs, a medicamentos e a equipamentos médicos necessários ao combate do Sars-Cov-2; e, 4) a contratação de maneira emergencial de profissionais da Saúde para reforçar a Saúde Indígena.

[7] Outros segmentos do Estado que se fizeram presentes: Prefeituras Municipais: Aquidauana (9), Amambai (4), Dourados (4), Caarapó (2), Campo Grande (2), Ponta Porã (1) e Miranda (1); Governo Estadual: Subsecretaria de Políticas Públicas para População Indígena (1) e Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (1); e, Governo Federal: Ministério da Justiça, com 2 (Força Nacional de Segurança (1) e FUNAI (1) e Ministério da Economia, com 1 (IBGE).

[8] O levantamento expôs ainda problemáticas relacionadas a entraves da justiça, necessidade de ir às cidades em busca de alimentos e aspectos culturais do modo de vida coletivo, com 2 situações (2,9%) cada; e a presença de comorbidades crônicas (tuberculose) entre os indígenas e divergências nos dados oficiais divulgados quanto a doença, com 1 situação (1,5%) cada.

[9] A FUNAI chegou a recomendar aos indígenas a não bloquear as estradas com barreiras sanitárias para se proteger do coronavírus. Disponível em: link: http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/6012-covid-19-funai-alerta-que-indigenas-nao-devem-bloquear-estradas-durante-a-pandemia. Acesso em 15 de junho de 2021.