Universidade Federal de Santa Maria
Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e12, 2022
DOI: 10.5902/2236499466324
Submissão: 17/06/2021 • Aprovação: 24/05/2022 • Publicação: 06/07/2022
SUMÁRIO
3 IMAGINAÇÃO E SUPRESSÃO DA EXPERIÊNCIA HISTÓRICA
4 IMAGINAÇÃO E SUPRESSÃO DA EXPERIÊNCIA GEOGRÁFICA
Produção do Espaço e Dinâmica Regional
Leonardo Luiz Silveira da SilvaI
Larissa Santos Rocha da SilvaIII
IInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais, Salinas, MG, Brasil
IIInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil
IIIFaculdade Rehagro, Belo Horizonte, MG, Brasil
RESUMO
Palavras-chave: Espaço geográfico; Pastiche; Matéria; Imaginação
ABSTRACT
Keywords: Geographic space; Pastiche; Matter; Imagination
O espaço geográfico é uma obra coletiva que se apresenta tal como uma coletânea de fragmentos que se unem em uma particular conjunção espaço-temporal. Estes fragmentos se deslocam espacialmente, modificando sua forma e propriedade; em um dado momento, nossos olhos captam um frame que, grosso modo, jamais se repetirá, mesmo que nossa percepção seja incapaz de perceber o contínuo dinamismo que é o apanágio do espaço[1]. O número de agentes que participam com menor ou maior intensidade para a construção da cena é tão vasto ao ponto de não ser descritível.
Analogamente, a combinação da forma e da intensidade das atuações dos agentes sobre o espaço resulta em uma partitura muito mais detalhada do que aquela que permite que a mais complexa das canções seja executada. O arranjo de elementos tal como se apresentam em uma paisagem é um milagre estatístico, um assombro probabilístico, mostrando o encontro de diversos ritmos, distâncias, oportunidades, escolhas e eventos em um mesmo enquadramento. Lembramo-nos assim do próprio milagre da vida. A natureza do espaço, enquanto epiderme da Terra (DOLLFUS, 1982) ou como uma seção de sua superfície, se apresenta enquanto um pastiche[2], agrupando aquilo que se originou de maneira apartada e separando o que se originou conjuntamente. Todavia, chamamos de geografia-pastiche uma problematização que vai além da descrição aqui feita, pois consideramos que se trata de um fenômeno da percepção humana e, como tal, mistura-se com a imaginação.
O objetivo deste artigo é problematizar a essência pastiche do espaço geográfico, apoiada no neologismo geografia-pastiche, abordando a dialética entre mente e matéria e apresentando de que maneira as leituras espaciais podem atender a uma lógica de poder, compreendido neste artigo como a capacidade de produzir a ação em outrem. A compreensão holística de poder permite não restringirmos somente as relações envolvendo classes sociais, mas a qualquer capacidade de um indivíduo ou grupo de produzir ação em outro indivíduo ou grupo.
Partimos do pressuposto de que toda leitura do espaço capta, dentro de um recorte temporal, uma colagem de fragmentos espaciais que se originaram em posições diferentes; ipso facto, toda geografia é uma geografia-pastiche e a imaginação cria um pastiche a partir de outro. Este ponto de partida do debate clama pela já consagrada discussão entre mente e matéria ou, em outras palavras, entre a materialidade e a imaterialidade (SILVA, 2020). Afinal, o mundo físico e a dimensão mental se entrelaçam, fazendo com que os pastiches físicos e imaginativos sejam tão inter-relacionados ao ponto de, no nível teórico, ser imprudente separar constitutivamente os dois planos analíticos que se entrecruzam.
Augustin Berque (2012) explora essa dialética ao dizer que “a realidade vai além do material, ao mesmo tempo retornando a ele também” (BERQUE, 2012, p.7). O autor cria os conceitos de geogramas e trajeção (BERQUE 2012; 2017), que dialogam frontalmente com a interface dialética mente e matéria, tema explorados por muitos geógrafos proeminentes (COSGROVE, 1983; INGOLD, 1993; WALTON, 1995; SILVA; GIL FILHO, 2020). Por esta razão, para falarmos da constituição do espaço e da forma como as coisas se arranjam como um pastiche, é necessário falar da imaginação geográfica, incluindo nesta seara as distorções temporais (supressão da história) (SAÏD, 2007) e espaciais (supressão da geografia) (SILVA, 2018). Veremos que a imaginação não é somente uma abstração insossa e desprovida de consequências, mas o resultado da experiência humana que inclui tangibilidades e que explica, por intermédio de uma lógica afetiva[3], ações humanas.
É notório que a abordagem deste artigo se afasta dos pressupostos positivistas que envolveram a geografia em sua institucionalização e que foram resgatados nos anos subsequentes ao final da Segunda Guerra Mundial. Destaca-se nas abordagens positivistas e neopositivistas a busca pela legitimação científica que aproximou os métodos da geografia das ciências naturais, reificando categorias e conceitos, tornando-os rígidos e afastados de qualquer vocação subjetiva (HARTSHORNE, 1978; SMITH, 1979; HARVEY, 1986; JOHNSTON, 1986; CAPEL, 2013; BERDOULAY, 2017). É justamente a subjetividade que apoia um dos pilares da reflexão que sustenta este artigo, de caráter essencialmente epistemológico: a imaginação interfere não somente na forma de concebermos o espaço, mas também na forma de nos relacionarmos com atores humanos e não-humanos que compõem as redes que animam e são animadas pela nossa vida.
A nossa identidade é, em sua essência, espacialmente fendida e temporalmente adiada (BHABHA, 2013). Não somos imunes ao contexto social em que estamos inseridos, e as características do nosso espírito de época certamente exercem algum grau de influência sobre nós, ao ponto de Stuart Hall falar em identidades pós-modernas (HALL, 2009) contemporâneas, diferenciando-as de outros períodos. Ao mesmo tempo, o próprio Hall alerta para o caráter excepcional das identidades – incluindo aquelas que vivem em um mesmo período – que seriam construídas por intermédio de um amontoado de processos que se replicariam a partir da experiência humana, numa repetição-com-diferença e reciprocidade-sem-começo (HALL, 2013). São estas identidades que são portadoras e projetam imagens sobre o mundo, moldadas a partir de suas condições muito particulares de formação de valores éticos, morais e estéticos, num embate entre a dimensão particular e coletiva da experiência (HALBWACHS, 1990). As topofilias (TUAN, 1980) e topofobias (TUAN, 2004) jamais se projetam espaços igualmente delimitados e com a mesma intensidade; a busca pela paisagem sublime (TUAN, 2013) que se apresenta como uma justifica ao escapismo (TUAN, 1998) nunca é um movimento coletivo. Faz mais sentido, por isso mesmo, pensarmos a experiência de forma reticulada no espaço (BONNEMAISON, 1994), alimentando nossa excepcionalidade imaginativa.
A particularidade das identidades inspira Don Mitchell (1995) a dizer que não existe aquilo que chamamos de cultura[4] e Anthony Cohen (1993) a afirmar que a cultura deveria ser vista a partir das identidades. Penetrando no domínio desta lógica, Silva e Costa (2018a; 2018b; 2020) rejeitaram a possibilidade de a cultura ser espacialmente representada e, pari passu, propuseram a representação cartográfica das emoções por intermédio de pontos em detrimento de áreas (SILVA; COSTA; MATOS, 2021). Em linha similar, Gupta e Fergunson (1992) consideram que mapas etnográficos suprimem a diferença cultural, a memória histórica e a organização social ao sugerirem, em sua representação espacial, alguma espécie de ordem e homogeneidade.
Acreditamos, a partir desta elaboração, que a imaginação geográfica exprime as particularidades do pensamento individual, ainda que sofra influência das experiências coletivas. Edward Saïd (2007) em sua magnum opus nos mostrou as formas imaginativas que se elaboram acerca da visão de um outsider sobre o mítico Oriente. Os limites mal definidos do Oriente imaginado já apontam para o efeito da pluralidade identitária sobre a imaginação. Quando Edward Saïd (2007) falou sobre o orientalismo, não quis dizer que o mesmo se projeta da mesma forma; au contrarie, os orientalismos são muitos. Contudo, nem mesmo a falta de consenso impediu que as imagens flertassem com o mundo prático.
Assim como ocorreu na missão civilizadora (WALLERSTEIN, 2007), imagens são repassadas discursivamente com efeitos no plano material (SAÏD, 2011; SILVA, 2013). Trabalhando no âmbito da reflexão imagética e suas reverberações, Memmi (1977) aborda o entrecruzamento de imagens do colono e do colonizado, enquanto Alatas (1977) analisa os efeitos práticos do mito do nativo preguiçoso. A estrutura textual denunciante de Césaire (2010; 2012) e tantos outros escritos pós-coloniais deveria servir para sofisticar teses simplórias e generalistas como o choque das civilizações (HUNTINGTON, 1997). Em um ponto do discurso, a tese de Huntington defende o fato de que as fronteiras ensanguentadas do islã (limites marcados pelo conflito) estão associadas à essência civilizacional, bem como à baixa idade média dos indivíduos que pertencem a esta civilização.
As imagens nem sempre são clichés desgastados. Fanon formula – em uma abordagem sui generis – que o colonizado quer ser o colono (FANON, 2005) e que o negro quer ser branco[5] (FANON, 2008). Com sua perspicácia psicanalítica, Fanon pontua exemplos diversos destas tentativas de deslocamento identitário. Certamente, imagens podem até mesmo reforçar teorias, aludindo não somente a indivíduos, mas ao tempo e ao espaço. Para Fukuyama (1992) a história acabou a partir do triunfo inequívoco e irremediável do liberalismo; Anderson (1998), por sua vez, julga que as nações não passam de comunidades imaginadas. O rol dos destruidores de certezas é extenso: Estados-Nação são mitos (MIKESELL, 1983), assim como as classes (THOMPSON, 1987; SILVA; COSTA, 2020b), períodos (WILCOCK, 1952; WISHART, 2004; BARROS, 2005, SILVA; SILVA; COSTA, 2021) e regiões (HARTSHORNE, 1978; HEATWOLE, 1978; BALE, 1983; AGNEW, 1999; 2003; SILVA; COSTA, 2020).
Os significados das imagens – não consensuais tanto grosseiramente quanto em seus detalhes – interferem no tempo e no espaço. Símbolos inseridos na paisagem podem ter a função de estimular imagens na mente do observador, criando concepções seminais ou ressignificando representações outrora consolidadas. A partir dos anos 1980, muitos teóricos se dedicaram a estudar o sentido simbólico da paisagem, que foi encarnado nas metáforas da paisagem como texto (ROWNTREE, 1986; 1988; COSGROVE; JACKSON, 1987; DUNCAN; DUNCAN, 1988; DUNCAN, 1990; COSGROVE, 1990) e outras menos divulgadas como teatro, carnaval e espetáculo[6] (COSGROVE, 1989).
A exploração das metáforas que atendem a um sentido da lógica do panis et circenses ajuda-nos a pensar que a imagem da paisagem se apresenta como forma de sustentar conhecimento e poder (COSGROVE; DANIELS, 1989). É como se o arranjo da paisagem fosse pensado para sustentar o status quo político social, por intermédio de sua estética, organização, circulação, posição e toda sorte de informação simbólica[7]. É interessante pensar que, nesse sentido, a paisagem não se torna somente um reflexo das relações de poder; dialeticamente é partícipe desta construção. Este processo de adestramento da imaginação via domínio do arranjo paisagístico não garante que as pessoas pensem e interpretem igual; contudo, há sentido nos recados que são montados no palco da vida. Em lógica similar, estudos de semiótica estão a serviço da publicidade.
É amplamente reconhecida a capacidade das formulações imagéticas em interferirem nas relações interpessoais. No plano das relações entre Estados, Moïsi (2010) analisa o papel das emoções (que se associam as imagens que são formuladas entre povos) e Silva (2020b) aborda a influência das reificações culturais para a geopolítica. No ocaso do século XIX, a literatura de Joseph Conrad (2010), precisamente na obra Heart of Darkness, foi certamente um meio de divulgação de imagens estereotipadas da África Equatorial. Em outro continente, o mito da América prístina povoa diversos imaginários, que apresentam o novo mundo como o éden intocado (LOWENTHAL, 1968; BOWDEN, 1992; DENEVAN, 1992).
A imaginação não está somente no domínio das ideias – mas interfere no afeto e nas ações humanas. O entrelace mente e paisagem nos oferece uma dialética que ajuda a compreender a excepcionalidade das paisagens, dos lugares, das identidades e o questionamento daquilo que se aponta comumente como cultura. O termo “paisagem interior” (do original “inscape”), cunhada pelo poeta Gerard Manley Hopkins (1844-1889), alude ao modo como a paisagem se revela e é compreendida de forma excepcional por cada indivíduo (PORTEOUS, 1986). De forma similar, a noção de “paisagem da mente” teve ocorrência na literatura e na arte desde o final do século XIX (PORTEOUS, 1986).
Em interessante reflexão, Douglas Porteous (1986) argumenta que o aninhamento entre a mente e a paisagem é um dos pilares para a compreensão da esquizofrenia. Pessoas diagnosticadas com a esquizofrenia tipicamente apresentam dificuldade de separar-se dos seus ambientes. Esta é uma razão pela qual a noção de dasein[8] tem aplicabilidade reconhecida na psicopatologia (BARBOSA, 1998). Não menos interessante é a relativização de Porteous (1986) explicitada quando o autor argumenta que a dialética mente e paisagem talvez seja mais sã do que a visão que prevalece na modernidade ocidental desde a revolução científica do século XVII.
Abordar a imaginação é penetrar na dimensão dialética que envolve mente e matéria, o que não é similar ao idealismo metafísico assumido como modus operandi de Leonard Guelke[9]. Para o autor,
a abordagem idealista para a explicação das ações humanas não negligencia os aspectos materiais da existência humana, mas insiste que tais aspectos devam ser tratados a partir do pensamento dos indivíduos que estão envolvidos” (GUELKE, 1974 p 200).
Fica evidenciado que a argumentação de Guelke falha ao não apontar os efeitos da materialidade sobre as ideias, propondo somente o caminho inverso da interpretação. Alan R. H. Baker, também buscando o rompimento com a dicotomia entre o que chamou de “totalitarismo do positivismo” e a “anarquia da fenomenologia” (BAKER, 1978, p.497), alertou que “o idealismo não é a única alternativa ao positivismo” (BAKER, 1979, p.565). Deste modo, é aconselhável que a dialética entre as concepções materialistas e idealistas esfacele a dicotomia simplória.
A dialética que envolve a mente e matéria se entrelaça temporal e espacialmente, formulando imagens sobre tempos e espaços. São nas lacunas das experiências e nas intencionalidades discursivas que as imagens se fraturam. Temporalmente agora falaremos da supressão da experiência histórica. Espacialmente e a posteriori abordaremos a supressão da experiência geográfica. Tais esclarecimentos elucidam e dão vida e forma às geografias-pastiche.
3 IMAGINAÇÃO E SUPRESSÃO DA EXPERIÊNCIA HISTÓRICA
Edward Saïd cunhou a expressão “supressão da experiência histórica” e a utilizou algumas vezes no percurso da obra Orientalismo. Aplicou este termo especificamente na reflexão acerca das imagens (visuais, textuais ou orais) que são produzidas no Ocidente sobre o Oriente. A supressão da experiência histórica se manifesta em dois dos quatro dogmas do orientalismo, definidos por Saïd:
O segundo dogma é que as abstrações sobre o Oriente, particularmente as baseadas em textos que representam uma civilização oriental clássica, são sempre preferíveis a evidências diretas tiradas das modernas realidades orientais; um terceiro dogma é que o Oriente é eterno, uniforme e incapaz de se definir; portanto supõe-se ser inevitável e até cientificamente objetivo um vocabulário altamente generalizado e sistemático para descrever o Oriente de um ponto de vista ocidental (SAÏD, 2007, p. 401-402)[10].
Assim, imagens clássicas preferíveis àquelas correspondentes à contemporaneidade, pois eternizam o tempo e o espaço. É a negação da história, como se os estereótipos fossem tão fortemente edificados que seriam impassíveis à inexorabilidade do tempo atomístico (SILVA, 2018b). Obras de Bernard Lewis (2002; 2003; 2004; 2010), assim como as de outros especialistas na escrita sobre o Oriente Médio, passaram pelo rigoroso escrutínio de Saïd (2007), sendo um dos pontos da análise justamente esse vício de suprimir uma quantidade significativa da experiência histórica do alvo analítico (SILVA, 2016). A supressão da experiência histórica se aplica a qualquer formulação imagética sobre o espaço geográfico. Os estereótipos podem recair sobre pessoas, povos, lugares e paisagens.
Apresentar-se como um tecido repleto de elementos que aludem a um mosaico temporal parece ser o apanágio do espaço geográfico. Por outro lado, percepções humanas podem ignorar o fino arranjo das temporalidades. É certo que a nossa percepção é incapaz de registrar a complexidade da diversidade temporal, seja pela limitação dos nossos sentidos, seja pela força dos estereótipos que se perpetuam diacronicamente. Parcela do que é claramente percebido pode deliberadamente ser suprimida como estratégia político-ideológica, tema que ainda será discutido neste artigo.
4 imaginação e supressão da experiência geográfica
Assim como ocorre com o tempo, a dimensão espacial também pode ser suprimida. É interessante pensar que tempo e espaço possuem entrelace e a geografia não pode estar desprovida da análise temporal, assim como a história não pode negligenciar o elemento espacial, em um entendimento que é amplamente referenciado (DARBY, 1953; LANGTON, 1988; OLIVEIRA, 2013; CORRÊA, 2016; HAESBAERT, 2021). Quando se fala de imagens congeladas sobre um povo ao longo do tempo, fala-se também de uma supressão espacial, pois é considerada a homogeneidade de um agrupamento de pessoas que está distribuído ao longo de uma superfície dotada de determinada área. Imagens bastante enraizadas acerca das relações do homem com o ambiente formulam ideias sobre a paisagem que são congeladas no tempo e generalizam práticas ao longo do espaço. Suprime-se, assim, a experiência histórica e geográfica. Imagens climáticas, hidrográficas, biogeográficas, geológicas e geomorfológicas podem se projetar para muito além dos seus domínios tecnicamente delimitados, constituindo-se também em supressões geográficas.
A arte orientalista é rica destes exemplos, visto que o deserto é projetado de forma generalista para aquilo que se define miticamente como o Oriente colonial, passivo de ser ocupado e civilizado pelos colonizadores europeus. A imagem totalizante de um deserto implacável alimenta do discurso imperialista, penetrando na esfera do moralismo que sustenta a missão civilizadora. O norte da África na tela Le pays de la soif cumpre estes requisitos: “Embora a região apareça como uma barreira, uma ameaça à vida, a mesma poderia ser transformada caso o braço estendido do moribundo fosse agarrado pela mão benigna do imperialismo francês” (HEFFERNAN, 1991, p.40).
Figura 1 – Le pays de la soif (o país da seca), de Eugène Fromentin
Fonte: FROMENTIN, Eugène. Le pays de la soif, 1820-1876, óleo sobre tela, 103 x 143,2 cm. Musée d´Orsay[11], Paris
Assim como ocorre com a supressão da experiência histórica, a supressão da experiência geográfica também pode se replicar deliberadamente como estratégia política ou como ressonância das imagens enraizadas e que resistem diacronicamente. As supressões problematizadas até aqui sustentam uma dimensão importante das geografias-pastiche, que é a imaginação.
O espaço geográfico se apresenta como um pastiche mesmo antes da presença humana na Terra. A dinâmica do planeta faz com que aquilo que está apartado possa se unir, ao mesmo tempo em que aquilo que está unido possa se separar. Este arranjo dinâmico não é uma condição excepcional; é o apanágio da superfície terrestre. O estrato-pastiche pré-humano passa pelo escrutínio do homem, que, por meio de sua imaginação, cria generalizações e negligencia – deliberadamente ou não – detalhes que fariam parte da acuidade da geografia enquanto ato descritivo da Terra (CLOZIER, 1988) ou como um texto a decifrar (DARDEL, 2011).
As generalizações e negligências envolvem a dimensão temporal e espacial naquilo que Saïd (2007) se referiu como supressão da experiência histórica e no que chamamos de supressão da experiência geográfica. É importante destacar que, devido às nossas limitações sensoriais, o ato descritivo da paisagem sempre suprime detalhes de valor geográfico, ao ponto de podermos nos referir à paisagem como portadora de segredos (SILVA, 2020c).
As supressões do tempo e do espaço podem ocorrer deliberadamente, como atos políticos que visam desinformar, buscar consensos ou mesmo legitimar moralmente ações políticas. Por isso, representações paisagísticas com estas intencionalidades foram chamadas de expressões militantes da paisagem (SILVA, 2020d). Imagens repetidas que suprimem o espaço e tempo podem ser tão poderosas ao ponto de provocar situações curiosas: Saïd alude ao fato de que alguns árabes passam a se perceber tal como se apresentam os estereótipos dos orientalistas em detrimento de percepções mais vinculadas com suas tradições e temporalidades que ressignificam o modus vivendi. De forma muito similar, nem mesmo a visita pontual a algumas paisagens e lugares é capaz de abalar imagens caricatas que suprimem a história e a geografia de determinadas porções da Terra. Estes dois exemplos mostram que a experiência direta com um dado fenômeno pode não ser suficiente para desmitificar transmissões imagéticas poderosas.
Yee (2004) mostrou em um artigo que cartões-postais da Indochina produzidos durante o período do jugo francês exploravam, dentre outras imagens coloniais, a montagem de um harém. Se por um lado faltava nesses cartões-postais o cenário suntuoso de haréns arábicos, por outro era comuns a montagem de cenas de nativas nuas com vestimentas típicas que buscavam explorar a fantasia erótico-exótica (Figura 2). Haréns na Indochina trata-se de um enxerto heterotópico, capaz de nos mostrar que os limites do que seja o Oriente imaginativamente construído não são firmemente estabelecidos (Figura 3).
Figura 2 – Orientalist interior: Nude in a Harem, de Théodore Chassériau
Fonte: CHASSÉRIAU, Théodore. Orientalist interior: Nude in a Harem. 1850-1852, óleo sobre a madeira, 46 x 38 cm. Coleção particular
Figura 3 – Cartão-postal[12] da época da colonização francesa na Indochina, no início do século XX. O selo utilizado circulou na região entre 1904 e 1907. Na imagem, lê-se: La sièste em Cochinchine d’une Femme Annamite (em tradução livre: A sesta de uma mulher anamita na Cochinchina)
Fonte: Indo-chine Francaise Carte Postale (1907)
É notável que a experiência da montagem de algo similar esteticamente a um harém na Indochina rompe com obstáculos temporais (à medida que os haréns eram comuns em outra temporalidade) e espaciais (já que a ideia é exógena à Indochina). As heterotopias, que etimologicamente unem a ideia de outro (hetero) lugar (topus) remetem também às diferenças de temporalidades; constituem-se, ainda, como expressões das generalizações imaginativas que por vezes negligenciam as características de certas fatias do espaço-tempo. O termo foi popularizado por Michel Foucault (2013) que, buscando ser didático, argumentou que um navio é uma heterotopia por excelência: um lugar, um arranjo de coisas, enxertado na imensidão do oceano. É de destacar que a concepção de Foucault nos auxilia a pensar o espaço tal como um pastiche, mas é exclusivamente antropocêntrico por centrar-se nas diferenças socialmente construídas. Pensar sobre a intensificação dos deslocamentos de elementos do espaço e, portanto, na aceleração do rearranjo dos pastiches irremediavelmente nos conduz a uma reflexão sobre a globalização, que comprimiu o espaço-tempo (HARVEY, 2004) colaborando para a intensificação e difusão de fluxos. Ainda que a globalização não seja para todos (SANTOS, 2012), as variações do espaço relativo[13] – provocado, inter alia, pelas distintas acelerações espaciais – fragmentam o espaço urbano (SOJA, 1993; 2011), concentrador de fluxos e rotas de transporte. A mercantilização de tudo é passível de ser analisada como uma força pastiche: aproveitando-se do avanço e barateamento dos transportes, a ideia do exótico passou a ser um fetiche do consumo.
O exótico, contudo, edifica-se muitas vezes em uma lógica neotradicional: guiado pelo que é palatável ao consumo e à ordem econômica em geral, as formas tradicionais ganham uma roupagem que visa atender a demanda (APPIAH, 1991), ou seja, descaracteriza-se o original a favor do consumo de massa. Esta reflexão se aplica a fenômenos da arquitetura, culinária, moda, dentre outros aspectos da vida cotidiana que possuem impacto sobre a paisagem e o lugar. É interessante pensar que o fenômeno descrito transmite uma ideia de que o pastiche é valorizado e que ter o mundo ao alcance das mãos representa o triunfo sobre o espaço e uma afirmação da posição social já que nem todos podem consumir, importar ou viajar livre de restrições.
Considerando as supressões históricas e geográficas, podemos admitir que o homem cria pastiches a partir de pastiches. Afinal, o estrato terrestre pré-humano é um pastiche, como afirmamos, que está sujeito às generalizações e negligências descritivas. Todavia – como o arcabouço teórico deste artigo apresentou – mente e matéria se entrelaçam. Desta forma, concluímos que a divisão entre o pastiche terrestre pré-humano e aquele imaginativamente construído é tão falha quanto separar mente e matéria. O pastiche terrestre material afeta e entrelaça o pastiche imaginativo que, por sua vez, inspira as ações do homem que impactam no plano material.
As teorias não-representacionais, bastante exploradas na geografia anglófona, ajudam-nos a pensar que as relações em rede constroem, por intermédio do conceito de afeto, uma abundância de imagens que torna a percepção do espaço plástica; isto significa dizer que o espaço cartesiano é desafiado por meio das imagens que se sobrepõem a ele, comprimindo-o ou alargando-o, ao sabor das relações em rede que envolve atores humanos e não humanos (THRIFT, 2000; HARRISON, 2007; CADMAN, 2009; MACPHERSON, 2010; SIMPSON, 2017; PAIVA, 2017; 2018; SILVA; SILVA; COSTA, 2021). É um mecanismo interessante para pensarmos como se constroem em âmbito imaginativo pastiches que contribuem para a supressão tempo-espacial, generalizando e negligenciando o estrato físico que compõe a superfície da Terra.
A superfície da Terra possui um dinamismo que – independentemente da atuação do homem – se rearranja como se fosse a obra de um artista que intenta em construir um pastiche. A presença do homem na Terra colabora para este dinamismo, e, para além do plano físico da superfície, a imaginação humana concebe novos pastiches. A percepção e a descrição geográfica são entrelaçadas à imaginação, e, portanto, suprimem o tempo e o espaço; afinal, somos incapazes de englobar a totalidade histórica e geográfica no ato perceptivo. O esgotamento descritivo espaço-temporal está além da capacidade humana.
As generalizações nas representações sobre seções da Terra e a negligência quanto à história e à geografia, podem variar em gradações. Isto ocorre porque, para além das limitações humanas, a construção de estereótipos possui valor político, pois pode justificar as ações humanas e até mesmo naturalizar discursivamente sensos míticos de superioridade de certos povos. Neste caso, aquilo que aprioristicamente soa como ingenuidade revelar-se-ia um estratagema ardiloso. Somos também submetidos à experiência, que nos oferece toda sorte de estereótipos e, ainda que problematizemos tais estereótipos, não estaremos livres do assédio do seu afeto sobre nossa imaginação, seja em maior ou menor grau. Há de se pensar ainda no caráter polissêmico das representações, incluindo as artes visuais. Sabe-se que os mesmos estímulos, dado às possibilidades muito variadas de interpretação, afetam em diferentes graus os indivíduos. Incluem-se também no destaque aqui proposto os mapas, visto que os mesmos são representações que podem suprimir o espaço-tempo.
A busca por dividir mente e matéria é inadequada. O entrelace dialético entre estas dimensões permite considerarmos uma relação retroalimentada e indiscernível. É o que nos permite considerar que sonhos e imagens podem se realizar naquilo que se considera como plano material. É a partir das ideações que as ações antrópicas ganham concretude. Todavia, generalizações grosseiras e imaginativas podem se tornar um campo de batalhas, uma guerra de narrativas.
Nesta lógica, o pastiche que se apresenta como o estrato material da superfície da Terra é confrontado com o pastiche imaginativo que suprime a história e a geografia. Não há motivos para traçarmos uma linha divisória entre ambos pastiches: a imaginação, incluindo aquelas que servem as fortes intencionalidades políticas, interagem no meio físico que, de retorno, inspira a imaginação. Esta é a essência da geografia-pastiche, dialeticamente envolvida entre meio físico e imaginação, fornecendo-nos lentes para assistirmos dinamicamente à construção perpétua da maior obra-prima que conhecemos.
A discussão travada neste artigo apresenta-se como uma possibilidade teórica para que se possa interpretar o espaço a partir de interações do espaço e tempo, mente e matéria, afeto e performance, coletividade e identidade. Muitas vezes tratados como dicotomias rigorosamente apartadas, essas dimensões são mais que complementares: apresentam-se entrelaçadas e indissociáveis. Justifica-se a partir do nosso desenvolvimento teórico um deslocamento da análise geográfica do campo positivista da reificação e generalização para o campo fenomenológico identitário. Em meio a esse deslocamento, epistemologias centradas no sujeito em rede, tais como as teorias não-representacionais, apresentam-se como um campo muito promissor a ser desenvolvido e explorado.
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1 – Leonardo Luiz Silveira da Silva
Professor EBTT do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais – Campus Salinas, Geógrafo, Doutor em Geografia
https://orcid.org/0000-0002-7082-529X • leonardo.silveira@ifnmg.edu.br
Contribuição: Escrita - primeira redação, Conceituação, Investigação
2 – Alfredo Costa (Autor Correspondente)
Professor EBTT do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – campus Caxias do Sul, Geógrafo, Doutor em Geografia
https://orcid.org/0000-0002-1735-6711 • alfredo.costa@caxias.ifrs.edu.br
Contribuição: Escrita - primeira redação, Metodologia
3 – Larissa Santos Rocha da Silva
Professora na Faculdade Rehagro, Engenheira Florestal, Mestre em Agronomia
https://orcid.org/0000-0002-6105-9204 • lariflorestal@hotmail.com
Contribuição: Validação | Escrita - revisão e edição
SILVA, L. L. S. da; COSTA, A.; SILVA, L. S. R. Geografia-Pastiche. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e12, 2022. Disponível em: 10.5902/2236499466324. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
[1] Para o antropólogo Tim Ingold, assim como a Terra propriamente dita, a superfície de todo sólido é uma crosta, um frame captado de um dinâmico movimento degenerativo e/ou incorporador (INGOLD, 2007).
[2] Pastiche, nesse trabalho, é utilizado como sinônimo de montagem ou colagem de fragmentos.
[3] O conceito de afeto possui caráter elusivo (PILE, 2010; ANDERSON, 2017). Como um conceito importante das teorias-não representacionais, o afeto “demonstra a capacidade transpessoal que um corpo tem de ser afetado e de afetar (como resultado daquilo que vivencia)” (PILE, 2010, p.8), demonstrando a essência de uma vida estabelecida por relações emaranhadas em uma rede, que inclui elementos humanos e não-humanos. São nas relações de afeto e aderência (RELPH, 1976) que o lugar e a paisagem evidenciam a intersubjetividade necessária ao seu entendimento. Tal compreensão exige, justamente por penetrar no campo das emoções humanas e flertar com as constituições identitárias, a transcendência da materialidade. Assim como preconiza o conceito de afeto abraçado pelas teorias não-representacionais, nota-se que “a identidade tanto influencia quanto é influenciada pelos lugares” (ANDERSON, 2004, p.255). Destacamos, todavia, que a tentativa de separar a identidade e a coletividade que se associa espacialmente é uma tarefa difícil, quiçá impossível (ENTRIKIN, 1996). As relações entre o “eu” e o lugar não são somente de influência recíproca (ao qual qualquer relato de sensibilidade ecológica poderia sustentar), mas, também, de forma mais radical, de constituição mista: cada qual é essencial para a existência do outro. Como consequência, não há lugar sem o “eu” e não há “eu” sem o lugar (CASEY, 2001, p.684), sendo esta uma concepção de base heideggeriana, aludindo ao dasein, jargão existencial amplamente conhecido.
[4] Não livre de polêmica, como se viu no embate com outros nomes proeminentes identificados com a nova geografia cultural, como Jackson (1996), Duncan e Duncan (1996) e Cosgrove (1996) e em sua tréplica (MITCHELL, 1996). Tal polêmica é apresentada por Silva (2021).
[5] Fanon (2005; 2008) explora estas questões referindo-se ao papel social que o colonizado e o negro querem ocupar.
[6] A versão consumível do lugar-pastiche – em franco dinamismo devido à busca de audiência ao seu espetáculo – claramente se opõe à ideia daquilo que é puramente vernacular (DANIELS, 1992). Lugares são pressionados a se constituírem como “bons locais para os negócios” (HARVEY, 1990). Minucioso na interpretação simbólica da paisagem, Denis Cosgrove (1982) aborda os arranjos imagéticos de Veneza ao longo do tempo, de uma cidade mercantil ao simbolismo romântico e sexual. Yi-Fu Tuan (1980), no clássico topofilia, aborda os esforços das cidades americanas em se autoproclamarem o centro mundial de certas atividades, num claro esforço imagético.
[7] Esta discussão lembra os termos trazidos por Debord (1997) no conhecido ensaio “A sociedade do espetáculo”.
[8] O dasein é uma expressão em língua alemã que foi bastante popularizada por Martin Heidegger. Alude ao caráter indissociável entre o homem e o meio e tem sido traduzida na bibliografia lusófona como ser-aí ou, ainda, ser-aí-no-mundo. Na bibliografia francófona utiliza-se comumente a expressão être-là.
[9] Guelke é um grande divulgador do idealismo, como se vê em diversas de suas publicações (GUELKE, 1974; 1979; 1982), muitas das quais repercutiram grandemente na academia.
[10] Outros dogmas do orientalismo são: a diferença absoluta e sistemática entre o ocidente, que é racional, desenvolvido, humanitário, superior, e o Oriente, que é aberrante, não desenvolvido, inferior; O quarto dogma é que o Oriente é no fundo algo a ser temido (o perigo amarelo, as hordas mongóis) ou controlado (pela pacificação, por pesquisa e por desenvolvimento, pela ocupação cabal, sempre que possível) (SAÏD, 2007, p.401-402).
[11] Disponível em: https://www.musee-orsay.fr/fr
[12] Disponível em: https://www.delcampe.net/en_GB/collectables/postcards/vietnam/indochine-indochina-vietnam-viet-nam-annam-lady-topless-bust-nue-nues-vintage-postcard-2-photo-753464369.html
[13] A ideia do espaço relativo é diferente da concepção acerca do espaço físico cujas distâncias são medidas em milhas ou quilômetros. O espaço relativo é construído por intermédio de percepções sociais e distâncias imaginadas (JACKSON, 2006). David Crouch assevera que: “o espaço é relacional, subjetivo e pessoal” e apresenta-se como “um relativo produto de inter-relações conectado por meio de identidades e entidades que o provém de direções, escalas, sentidos, limites e diferença” (CROUCH, 2017, p. 4). Isto significa dizer que, na ótica do espaço relativo, dois pontos podem ter distâncias diferentes dependendo da condição social ou de abstrações específicas entre indivíduos.