Universidade Federal de Santa Maria
Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e8, 2022
DOI: 10.5902/2236499465183
Submissão: 09/04/2021 • Aprovação: 13/04/2022 • Publicação: 14/06/2022
SUMÁRIO
Geoinformação e Sensoriamento Remoto em Geografia
O cadastro territorial multifinalitário na gestão dos municípios do Norte De Minas Gerais
Multifinalitial territorial registration in the management of Northern Minas Gerais municipalities
IUniversidade Estadual de Montes Claros, Montes Claro, MG, Brasil
RESUMO
Palavras-chave: Informação espacial; Planejamento; Desenvolvimento; Cidade; SIG
ABSTRACT
Keywords: Spatial information; Planning; Development; City; GIS
Portanto, a modernização das informações socioeconômicas e cadastrais do município é crucial para gerenciamento e desenvolvimento do mesmo, pois possibilita a definição e a implantação de políticas públicas eficazes. O cadastro territorial multifinalitário (CTM) se mostra como mecanismo eficiente para aplicação no planejamento e na gestão municipal, haja vista que nele constam os dados espaciais de todo município, principalmente referente aos imóveis. Com isso, as ações do poder público são baseadas em informações precisas e atualizadas, possibilitando que a ocupação e o crescimento do município sigam o ordenamento que almeja o desenvolvimento municipal (EGUINO e ERBA, 2020).
O cadastro territorial representa o registro sistematizado das informações referentes aos aspectos físicos, jurídicos e econômicos dos imóveis, podendo ser utilizado para auxiliar na gestão municipal, especialmente no planejamento e na tomada de decisões que envolvam os processos territoriais. A criação dos cadastros imobiliários municipais brasileiros ocorreu a partir da constituição federal de 1946, que atribuía ao município a tributação sobre a terra urbana. Consequentemente, os primeiros cadastros surgiram com a intenção de conhecer o território e facilitar a cobrança de tributos. Em grande parte dos municípios esse modelo permanece, à medida que os cadastros são associados ao setor de tributação. Um dos principais tributos que utilizada os dados do cadastro é o imposto predial e territorial urbano (IPTU), que, ainda assim, apresenta dificuldades para arrecadação, causadas pela deficiência dos cadastros ou pela negligência dos administradores municipais (PEREIRA, 2009).
O cadastro territorial multifinalitário (CTM) compreende o levantamento e o registro de informações de diferentes setores da administração municipal, ou mesmo de fontes diversas dessa. As informações são cadastradas em um sistema e têm como ligação o código único referente à parcela territorial, ou seja, cada unidade imobiliária recebe um número identificador que é a chave para todas os dados referentes a mesma. Com isso, é possível que as informações sejam reunidas em um sistema único, facilitando o acesso aos dados e permitindo análises mais consistentes (OLIVEIRA, 2010).
No Brasil, a legislação sobre terra urbana é diferente da legislação sobre terra rural, assim como seus respectivos cadastros. O cadastro das áreas rurais, no Brasil, é sistemático e centralizado no instituto nacional de colonização e reforma agrária — INCRA, enquanto o cadastro urbano não é centrado numa estrutura administrativa nacional, ou seja, é responsabilidade do governo municipal (CARNEIRO et al., 2012). Logo, para entender o cadastro territorial urbano brasileiro é necessário obter informações diretamente nas prefeituras dos 5570 municípios. Dessa forma, este trabalho limita-se à discussão em torno do cadastro urbano, já que a complexidade da cidade torna o CTM instrumento de gestão territorial imprescindível para pensar e promover o desenvolvimento urbano.
O CTM bem estruturado representa uma ferramenta estratégica para a gestão municipal em vários aspectos, desde o controle territorial, por meio da criação dos planos diretores e leis de uso e ocupação do solo, até a tomada de decisões em áreas distintas como saúde, educação, infraestrutura, segurança pública, entre outros. Além disso, potencializa a gestão da arrecadação e a utilização dos recursos na implementação de programas e projetos impactantes para os cidadãos.
Apesar da importância desse cadastro urbano, o que encontramos no Brasil, na maior parte dos municípios, é o modelo, em certa medida, adaptado do proposto pelo projeto Convênio de Incentivo ao Aperfeiçoamento Técnico-Administrativo das Municipalidades — CIATA, implantado pelo Governo Federal na década de 1970. Essa realidade mostra que os cadastros territoriais urbanos carecem de modernização, pois, basicamente, são constituídos por um cadastro imobiliário sem atualização e sistematizado em forma de plantas cadastrais (CUNHA et al., 2019).
O cadastro imobiliário representa o primeiro passo para a implementação do CTM, notadamente nas cidades com limitações de recursos financeiros. Em regiões com baixos indicadores socioeconômicos, a utilização de dados que direcionem o desenvolvimento pode significar, a longo prazo, o aumento desses índices e a melhoria na qualidade de vida da população. Este é o caso da Região Norte de Minas Gerais, cujos municípios apresentam indicadores socioeconômicos inferiores aos observados no restante do estado. Essa região é composta por 89 municípios, em sua maioria, de pequeno porte demográfico, ou seja, com população inferior a 20 mil habitantes.
Portanto, a disponibilidade de informação sobre a realidade desses municípios é crucial para promover políticas públicas eficientes. Ademais, o CTM, com dados atualizados, pode reverberar em incremento na arrecadação municipal e fomentar programas de melhoria de indicadores socioeconômicos. Nesse sentido, o presente trabalho parte dos seguintes questionamentos: Quais municípios do Norte de Minas Gerais possuem cadastro imobiliário? Qual o nível de modernização desse setor? Como o cadastro contribui para a gestão municipal no Norte de Minas Gerais?
A partir das referidas questões, definiu-se como objetivo deste trabalho compreender as condições dos cadastros imobiliários dos municípios do Norte de Minas Gerais e sua contribuição para o desenvolvimento municipal. Por conseguinte o trabalho pretende contribuir na discussão sobre a gestão do território urbano municipal, por meio do CTM, evidenciando as potencialidades e dificuldades de sua implementação nas administrações municipais, tendo o Norte de Minas Gerais como recorte espacial a ser analisado.
2.1 Área de estudo
A mesorregião Norte de Minas é a maior em extensão territorial do Estado, com 128.602 km², isto é, cerca de 21% de Minas Gerais. O Norte de Minas está dividido em sete microrregiões, nomeadas de acordo com os municípios sede, que são eles: Salinas, Pirapora, Bocaiúva, Montes Claros, Januária, Janaúba e Grão Mogol, conforme Figura 1. As características da região Norte de Minas diferem do restante do Estado de Minas Gerais, desde os aspectos geomorfológicos, passando pela economia, até o modo de vida e a cultura. Devido aos marcantes traços sertanejos, a região se identifica mais com o Nordeste do que com o Sudeste do Brasil em muitos aspectos (PEREIRA e LESSA, 2009).
Os discursos sobre o Norte de Minas são divergentes e se contradizem em alguns pontos, já que, para alguns, essa região é rica em potencialidades, e em outros estudos, ela aparece relacionada com a seca, a pobreza, ao isolamento geográfico e demais características que a colocam como uma região aquém do desenvolvimento presente na maioria do Estado.
Dados do censo do IBGE, em 2010, mostram que a população total da região foi 1.610.587 habitantes. A população estimada em 2018 situou-se em 1.713.465 - representando 8,1% da população do Estado. O município de Montes Claros apresenta a maior concentração populacional, com aproximadamente 404,8 mil habitantes, conforme estimativa do IBGE para 2018. Dos 89 municípios da mesorregião, 53 (ou 59%), possuem menos de 10.000 habitantes. Enquanto, o IDHM de 96,63% dos municípios é menor que 0,7, e apenas Montes Claros (0,770), Pirapora (0,731) e Bocaiúva (0,700) possuem IDMH classificado como alto. Como este estudo focou no CTM urbano, se faz necessário destacar que a maioria da população da região, isto é, 69,44%, vive nas áreas urbanas. Porém, em 33 municípios (37%), a população rural é superior à população urbana.
Figura 1 – Microrregiões do Norte de Minas
Fonte: Autores (2020)
O PIB do Norte de Minas representa cerca de 4,3% do PIB estadual, totalizando aproximadamente R$ 26,3 bilhões em 2018 - de acordo com os dados do PIB municipal disponibilizados pelo IBGE/Ipeadata. A participação do Norte de Minas na economia mineira subiu de 3,5%, em 1975, para 4,3%, em 2018. Entretanto, o PIB per capita do Norte de Minas, de R$ 15.342,00 em 2018, representava somente 52,5% do PIB per capita do Estado de Minas Gerais, de R$ 29.223,00.
A atividade industrial está concentrada nos municípios de Montes Claros, Bocaiúva, Janaúba, Pirapora, Várzea da Palma e Capitão Enéas, que possuem indústrias das áreas de metalurgia, têxtil, alimentos, química farmacêutica e veterinária (PEREIRA, 2007). Mesmo que o processo de industrialização tenha ficado concentrado em poucos municípios da região, foi suficiente para elevar a participação da indústria do Norte de Minas no PIB industrial do Estado, de 2,1% para 2,9% no período entre 1975 e 2018.
Durante muito tempo, a economia da região teve suas principais atividades ligadas ao setor primário. No entanto, nos últimos anos, a adminstração pública tornou-se o setor mais importante para a maioria dos municípios, superando, inclusive, a função histórica desempenhada pela agropecuária. Em 2018, o setor da administração pública (administração, defesa, educação e saúde públicas e seguridade social) era o mais importante para o PIB em 72 dos 89 municípios do Norte de Minas (ou 80,9%), superando a agricultura, pecuária, demais serviços e a indústria de transformação. Em 45 municípios (ou cerca de 50%), o valor adicionado da administração pública respondeu por pelo menos 50% do PIB municipal – e correspondem a 1/3 dos municípios que se encontram nessa categoria no Estado. Embora a administração pública seja o principal setor da economia para quase metade dos munícipios mineiros, em somente em 145 deles (17%), a participação do setor da administração pública se situava em 50% ou mais do PIB municipal. Para o conjunto dos municípios do Norte de Minas, a participação do setor da administração pública no PIB alcançou 27% em 2018 – ou quase o dobro da média do Estado, de 15%. Vale ainda ressaltar que, em 2018, o valor adicionado da administração pública do Norte de Minas respondeu por 7,6% do valor adicionado deste setor em âmbito estadual ou quase o dobro da participação da região no PIB estadual, de 4,3%.
2.2 Procedimentos metodológicos
Para atingir o objetivo proposto neste trabalho foi definida a metodologia baseada nas etapas: de pesquisa bibliográfica e documental, de aplicação de questionário virtual, de entrevista e visita às prefeituras municipais. A partir das questões básicas que se referem aos cadastros imobiliários, foi elaborado o questionário para coletar e demonstrar os principais aspectos dos cadastros nos municípios que compõem a região. As variáveis abordadas no questionário foram: a existência do cadastro, informatização do setor, o tipo de tecnologias utilizadas, recursos humanos e como o cadastro contribui para o gerenciamento da tributação municipal, sobretudo o IPTU. Devido à distância dos municípios, optou-se pela aplicação por meio de telefonemas e email aos funcionários dos setores responsáveis pelo cadastro de cada município. O questionário foi aplicado em todos os municípios que compõem o Norte de Minas, ou seja, em 89. Os dados obtidos foram tabulados e geraram mapas e gráficos, que subsidiaram as análises no texto.
Na sequência operacional, no mês dezembro de 2020, foram realizadas visitas às prefeituras dos sete municípios-sede das microrregiões (Bocaiúva, Grão Mogol, Janaúba, Januária, Montes Claros, Pirapora e Salinas), que foram SEMPRE acompanhadas por funcionários do setor de cadastro imobiliário. A escolha dos municípios-sede, se deve ao fato de que esses representam, teoricamente, um modelo de gestão para os demais municípios que compõem suas microrregiões, pois, exercem essa centralidade. As visitas foram descritas no texto e estão acompanhadas por fotografias e outros dados fornecidos pelos funcionários dos cadastros nos municípios visitados durante a entrevista realizada. No roteiro da entrevista, buscou-se compreender o funcionamento do cadastro, a atualização dos dados e as dificuldades das administrações municipais no desenvolvimento do CT.
Os procedimentos de pesquisas adotados permitiram definir o perfil dos cadastros imobiliários presentes nas prefeituras municipais do Norte de Minas. Como os principais pontos observados na aplicação do questionário foram: existência do setor cadastro territorial e tecnologias utilizadas. A pesquisa mostrou que 75 municípios, ou seja, 84,27% possuem o cadastro imobiliário e que 14 municípios, o que corresponde a 15,73% da região, não contam com esse setor na administração pública, como mostra a figura 2.
Os municípios que não possuem o cadastro territorial estão concentrados no extremo norte da região e têm população inferior a 20 mil habitantes, em sua maioria residente na zona rural. Essa situação demográfica é um indicativo do desinteresse da gestão pública em criar o cadastro territorial, haja vista que o pequeno número de pessoas e domicílios na cidade gera baixa arrecadação de tributos ligados ao cadastro imobiliário. A falta de um setor para organizar as informações dos imóveis e seus proprietários faz com que esses dados fiquem desorganizados em setores diferentes da administração municipal, prejudicando assim a integração dos dados, o que gera desinformação para a tomada de decisões.
Entre os 75 municípios que possuem a seção de cadastro territorial na administração, em 69 deles, o que corresponde a 77,52% do Norte de Minas, o cadastro é informatizado. Em seis municípios, isto é, 22,48% da região, possuem cadastro territorial, que, entretanto, não é informatizado, conforme Figura 3. A falta de informatização do setor faz com que os dados imobiliários e territoriais fiquem registrados em papeis e plantas analógicas, armazenados em armários da prefeitura. Além de dificultar o acesso rápido e sistematizado das informações, essa situação deixa os referidos registros vulneráveis, pois, não possuem cópia de segurança e há o risco de ser perdido por causa de incêndio, erro humano ou por outras razões.
Figura 2 – Norte de Minas: Presença de Cadastro territorial
Fonte: Autores (2020)
Nos 69 municípios que possuem os cadastros informatizados, verificou-se que os programas de computadores utilizados para o cadastro e tributação municipal são comuns em diversas prefeituras. Destaca-se o software Síntese, que é utilizado por 36 municípios, abrangendo 52,ou 17% dos municípios que possuem cadastro informatizado. Além desse, outros softwares também são utilizados pelas prefeituras, sendo os principais: E-Cidades, utilizado em sete; Memory, presente em seis e Astral, utilizado em dois municípios. Tais programas têm poucas funcionalidades para composição de um Sistema de Informação Geográfica, em que permite visualizar e processar os dados espaciais em base cartográfica. Isso ocorre, haja vista que a prefeitura tem como objetivo principal armazenar e processar banco de dados imobiliários apenas para cálculo de tributos municipais, como o IPTU.
Figura 3 – Norte de Minas: Informatização dos cadastro territoriais
Fonte: Autores (2020)
Na pesquisa, constatou-se que em 55 municípios (73,33% do total) que possuem cadastro territorial, o setor é vinculado a repartição de tributos municipais. Esse aspecto demonstra como a administração entende a função principal dos dados territoriais, como indutores de receita financeira. Em 26,67%, ou seja, 18 municípios, os cadastros funcionam com independência na administração e são responsáveis por gerenciar os dados territoriais e imobiliários do município. Entretanto, percebe-se que estão focados nos dados urbanos haja vista que são usados para gerenciar tributos municipais, o que permite incrementar a arrecadação municipal.
No que diz respeito ao recolhimento do IPTU, em 77 municípios, 86,51% da região, realizam a cobrança. Portanto, a existência do cadastro municipal é justificada pela sua capacidade de influenciar a arrecadação municipal. Apesar disso, a coleta e organização de dados imobiliários e de seus proprietários auxiliam em outras ações da administração, como no ordenamento da ocupação do solo urbano. Em 10 municípios, que correspondem a 11,23% do total, não se cobra o IPTU. A inexistência de cobrança do imposto está relacionada à falta ou a deficiente organização de dados imobiliários, dificultando que sejam disponibilizadas informações para gerar o cálculo do tributo. Além disso, percebe-se que a gestão pública municipal nem sempre consegue obter as informações necessárias à formulação e implementação das politicas públicas.
A arrecadação do IPTU nos municípios do Norte de Minas é baixa e a inadimplência desse tributo é alta. A título de exemplo, em Montes Claros, que possui a maior arrecadação desse imposto, a inadimplência chegou a 50%, em 2019. A partir de dados de 2018, como exposto na figura 4, em 87,64% das prefeituras do Norte Minas, ou seja, 78 cidades, o valor arrecado não passou de 500 mil reais. Em apenas cinco municípios o valor obtido com o IPTU é superior a um milhão de reais. O recolhimento de recursos provenientes do IPTU pelos municípios da região representa apenas 1,6% do total do estado de Minas Gerais. Dessa forma, nota-se que a arrecadação do IPTU é muito baixa, se comparada com outras regiões do estado.
Figura 4 – Norte de Minas: arrecadação do IPTU (2018)
Fonte: Siconfi/Secretaria Tesouro Nacional (2018)
Para que se pudesse conhecer melhor a realidade dos cadastros, foram realizadas visitas in loco nas prefeituras das cidades sede das microrregiões do Norte de Minas: Bocaiúva, Grão Mogol, Janaúba, Januária, Montes Claros, Pirapora e Salinas. Nas visitas, usou-se o roteiro de entrevistas, em que as indagações perpassaram pelo processo de funcionamento do cadastro, no que tange a forma de coleta e atualização dos dados cadastrais e pelas dificuldades enfrentadas pelos funcionários desses setores. Esse momento da pesquisa foi fundamental para entender como o setor de cadastro territorial é tratado por cada gestão municipal.
Na prefeitura de Bocaiúva o cadastro está vinculado ao setor de tributos e, portanto, não há espaço físico destinado apenas ao registro de dados territorial. Essa estrutura funciona no prédio da prefeitura, com dez funcionários trabalhando no setor de tributos. O cadastro é informatizado e utiliza o software Síntese para armazenamento e processamento dos dados imobiliários. A coleta dos dados imobiliários é realizada com visitas in loco, uma vez que esse software não extrai dados de imagens de satélites ou fotografias aéreas. Os dados imobiliários têm como função principal definir a arrecadação do IPTU e de outros tributos municipais como ISS, ITBI, taxas de Certidões e Alvarás. Assim, o cadastro é utilizado, principalmente, para fins de arrecadação municipal.
Os funcionários informaram que há demandas não são atendidas, uma vez que cadastro não oferece dados para esse atendimento, como a regularização fundiária. Esse problema decorre de haver muitos imóveis em áreas de ocupação irregular. O cadastro do município de Grão Mogol apresentou algumas peculiaridades quando comparadas com os demais visitados, à medida que o setor de cadastro é vinculado ao setor de topografia, em que trabalham quatro funcionários.
No referido setor são realizados os levantamentos de campo, pois não existe coleta dados de forma remota. O arquivo digital do cadastro é alimentado pelos dados coletados em campo. Dessa maneira, o arquivo do cadastro caracteriza-se como mapa urbano, separando logradouros, quadras e lotes. Nos desenhos dos lotes têm-se informações sobre sua área e o perímetro da edificação, quando existente. Assim é gerado pelo setor de topografia, o croqui com as informações do imóvel. Esses dados são repassados para outro setor, chamado de repartição de contratos e convênios, que fica responsável pelas informações do imóvel. Nesse setor utiliza-se o software Síntese para processamento dos dados imobiliários para cálculo do IPTU. Entretanto, o município só realiza a cobrança do IPTU quando o proprietário solicita uma Certidão Negativa. O funcionário entrevistado relatou que o cadastro com sua situação atual não permite orientar o crescimento urbano, incrementar a arrecadação e elaborar o plano diretor, pois não há atualização dos dados de maneira a atender tais demandas.
O município de Janaúba possui um setor específico para o cadastro territorial, que funciona na sede da prefeitura municipal e conta com 13 servidores públicos. O cadastro é informatizado, utilizando-se o software Geodados. Entre os cadastros visitados, o de Janaúba se destaca como o mais completo, pois possui a base de dados alfanumérica integrada à base cartográfica. Além disso, o programa processa o mapa gráfico e as fotos aéreas dos imóveis. Porém, ainda, possuem áreas do perímetro urbano a serem cadastradas, devido ao crescimento rápido da cidade. A partir dos dados cadastrais, o município arrecada o IPTU, que também são utilizados para a para cobrança de taxa de iluminação pública, taxa de coleta de lixo, ISS, ITBI, taxas de alvarás e certidões.
A coordenadora do cadastro territorial de Janaúba relatou a importância do mesmo na administração municipal, através do fornecimento de informações aos gestores e proprietários dos imóveis e, ainda, na arrecadação do município. A carência de funcionários capacitados é apontado pela gestora como a principal dificuldade do setor.
O município de Januária possui o cadastro imobiliário vinculado à secretaria de tributos municipais e possui 13 funcionários. O setor é informatizado, sendo utilizado o software “Administração de Receitas Tributáveis e Não Tributáveis”. Apesar do software permitir a vinculação entre dados alfanuméricos e a base cartográfica, o município só utilizada a base de dados dos proprietários e dos imóveis. Essas informação são usadas para o cálculo do IPTU, bem como para a cobrança da taxa de iluminação pública, de alvarás, de certidões, de ISS e de ITBI. Os funcionários pontuaram que a atualização dos dados cadastrais e a criação da planta cadastral são as maiores necessidades do setor.
O Cadastro territorial urbano de Montes Claros possui setor próprio e conta com 19 funcionários. O cadastro imobiliário é informatizado, com a utilização do software Cetil, no qual tem-se a integração entre os dados alfanuméricos e os dados espaciais. Os dados imobiliários são coletados em campo Entretanto, em 2015, foi contratada empresa para atualização dos dados imobiliários por meio de imagem de satélite e levantamento de campo. Esses dados foram integrados ao sistema da prefeitura para atualização da planta de valores e, consequentemente, do IPTU. A última atualização dos referidos dados havia ocorrido há 15 anos. Ou seja, os dados estavam desatualizado há uma década e meia e, nesse período, a população de Montes Claros passou de cerca de 381 mil habitantes, em 2000, para aproximadamente 420 mil moradores, em 2015, conforme estimativa do IBGE. O funcionário do cadastro relatou algumas dificuldades enfrentadas pelo cadastro territorial de Montes Claros, como a pequena quantidade de funcionários para manter o cadastro atualizado e a infraestrutura deficiente, como computadores antigos e escassez de carros para as visitas de campo.
O Município de Pirapora possui o cadastro imobiliário vinculado ao setor de tributos, e conta com 15 funcionários, sendo apenas dois responsáveis pelo cadastro. O cadastro não possui um software próprio, pois o sistema funciona a partir de uma plataforma on line chamada Contas, que depende do acesso à internet. Essa plataforma só permite o acesso aos dados do proprietário e do imóvel, sem informação cartográfica ou de imagem. Esse software e os dados imobiliários nele armazenados são utilizados basicamente para cálculo do IPTU e de taxas de serviços, como iluminação pública, coleta de lixo e limpeza urbana. Entre as dificuldades relatadas, estão a pequena quantidade de funcionários e a carência de software que permita integrar dados imobiliários e a base cartográfica, possibilitando a atualização e a modernização do setor de cadastro territorial.
O município de Salinas possui o cadastro territorial vinculado ao setor de tributos, onde trabalham 2 funcionários. O setor é informatizado, sendo utilizado o software Memory, que possui apenas os dados alfanuméricos, referentes aos dados do proprietário e do imóvel. O software permite que sejam inseridas imagens georreferenciados do imóvel e base cartográfica. Contudo o município não possui a planta cadastral. Os dados imobiliários são usados para a arrecadação de tributos municipais, como IPTU e ITBI. Das dificuldades enfrentadas pelo cadastro, foram relatadas a necessidade da realização de recadastramento, principalmente devido a grande quantidade de loteamentos irregulares que surgiram nos últimos anos.
Muitos desafios foram constatados e diversas dificuldades se repetem nos cadastros pesquisados, sobretudo a falta de interação do banco de dados imobiliários com a base cartográfica georreferenciada. Além disso, a escassez de profissionais qualificados e recursos tecnológicos limitados são itens recorrentes nas reclamações dos servidores e gestores ouvidos na pesquisa. Tais problemas precisam ser ser superados para que os cadastros da região, que ainda operam de maneira arcaica, possam almejar à implementação do Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM). Com isso, será possível coletar e atualizar dados de maneira rápida e precisa empregando tecnologias de sensoriamento remoto, além de uso de sistemas de informação geográfica para integrar os dados imobiliários à planta cadastral digital. Esse cenário desejado transformará o CTM em instrumento efetivo de para a melhoria da gestão municipal, impulsionando o desenvolvimento dos municípios.
A carência de dados georreferenciados dificulta as ações de planejamento urbano e controle do crescimento das cidades, que deveria ser a função central do cadastro territorial. Porém, a pesquisa mostrou que, na maior parte dos municípios do Norte de Minas, apesar da existência do cadastro e, de certa forma, informatizado, ele é utilizado apenas como auxílio à tributação e, ainda assim, de forma deficiente, sobretudo em relação à cobrança do IPTU. A desatualização dos dados imobiliários faz com que o governo municipal perca receita, que poderia ser investida na modernização do setor. Com isso, os dados atuais sobre o território municipal podem subsidiar políticas públicas para melhorar a qualidade de vida da população.
Pode-se concluir que, antes de tentar implementar o CTM, faz-se necessário estruturar os cadastros dos municípios pesquisados para atenderem primeiramente as funções básicas, de forma que possam abarcar as políticas urbanas e estabelecer o uso das informações geoespaciais na tomada de decisões. A pesquisa apresentada mostrou que os cadastros estão subutilizados, atendendo deficientemente à função tributária. A implementação do CTM, a partir do momento que fornece aos gestores uma base segura de informações sobre as diversas temáticas quem envolvem a gestão municipal, irá auxiliar na tomada de decisões das ações de políticas públicas e no planejamento. Portanto, o cadastro territorial relaciona-se diretamente com a promoção do desenvolvimento municipal, o que no caso do Norte de Minas, é imprescindível, haja vista a realidade socioeconômica dessa região.
Os autores agradecem à FAPEMIG pelo apoio financeiro e ao CNPQ pela bolsa de pesquisa.
BRASIL. Código Tributário Nacional Lei Nº 5.172, De 25 De Outubro de 1966. Disponível em: www.planalto.gov.br/. Acesso em: 09 de janeiro de 2021.
BRASIL. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (SICONFI). Disponível em: https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/index.jsf. Acesso em: 09 de janeiro de 2021.
CARNEIRO, A. F. T.; ERBA, D. A.; AUGUSTO, E. A. A. Cadastro multifinalitário 3D: conceitos e perspectivas de implantação no Brasil. Revista Brasileira de Cartografia, v. 64, n. 2, p. 11-23, 2012.
CUNHA, E OLIVEIRA, F.; JULIÃO, R; CARNEIRO, A. O cadastro urbano no Brasil: histórico e evolução. Revista de Geografia e Ordenamento do Território (GOT), n. 17. Lisboa: Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território, p. 55-74, . 2019.
EGUINO, H. ERBA, D. (Org.) Cadastro, avaliação imobiliária e tributação municipal: Experiências para melhorar sua articulação e eficiência. Nova Iorque: Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2020.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Divisão Regional do Brasil em Mesorregiões e Microrregiões Geográficas. Vol 1, Rio de Janeiro, 1990.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGECidades. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 29 de janeiro de 2021.
OLIVEIRA, F. H. De. Do Cadastro Territorial Multifinalitário. In: CUNHA, E. M. P. e ERBA, D. A. Manual de apoio – CTM: diretrizes para a criação, instituição e atualização do cadastro territorial multifinalitário (CTM) nos municípios brasileiros. Brasília: Ministério das Cidades, 2010.
PEREIRA, A. M. Cidade Média e Região: O significado de Montes Claros no Norte de Minas Gerais. Tese (Doutorado em Geografia). Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2007.
PEREIRA, C. C. A importância do cadastro técnico multifinalitário para elaboração de planos diretores. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil). Florianopolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2009.
PEREIRA, L. A. G. LESSA, S. N. Políticas de desenvolvimento: um estudo comparado entre as matrizes de transportes terrestres no norte de Minas Gerais. Caminhos de Geografia, Uberlândia, v. 10, n. 32, p. 162-173, 2009.
1 – Marcos Esdras Leite (Autor Correspondente)
Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES, Doutor em Geografia
https://orcid.org/0000-0002-9020-6445 • marcos.leite@unimontes.br
Contribuição: Concepção, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, revisão e aprovação da versão final do trabalho
2 – Robson José Veloso
Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES, Mestre em Desenvolvimento Social
https://orcid.org/0000-0001-5168-3030 • robson.veloso@gmail.com
Contribuição: Análise de dados, geração dos produtos cartográficos e Elaboração do manuscrito, revisão e aprovação da versão final do trabalho
3 – Geraldo Antonio dos Reis
Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES, Doutor em Geografia
https://orcid.org/0000-0003-2399-6659 • geraldo.reis@unimontes.br
Contribuição: Elaboração do manuscrito, revisão da versão final do trabalho
LEITE, M. E.; VELOSO, R. J.; REIS, G. A. O cadastro territorial multifinalitário na gestão dos municípios do Norte De Minas Gerais. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, e8, 2022. Disponível em: 10.5902/2236499465183. Acesso em: dia mês abreviado. ano.