Universidade Federal de Santa Maria

Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e4, 2022

DOI: 10.5902/2236499463339

ISSN 2236-4994

Submissão: 30/11/2020 Aprovação: 09/02/2022 Publicação: 24/05/2022

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.. 3

2 CRESCIMENTO POPULACIONAL E EXPANSÃO URBANA NA CIDADE DE POUSO ALEGRE. 5

3 AS PERIFERIAS NO PERÍODO PRÉ-INDUSTRIAL DE POUSO ALEGRE. 9

4 AS PERIFERIAS DE POUSO ALEGRE NO PERÍODO INDUSTRIAL. 13

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 30

REFERÊNCIAS. 32

CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA.. 33

COMO CITAR ESTE ARTIGO.. 33

 Produção do Espaço e Dinâmica Regional

A ocupação periférica, pelas populações com baixos rendimentos, na cidade de Pouso Alegre (MG)

The peripheral occupation by the low-income populations, in the city of Pouso Alegre (MG)

Alexandre Carvalho de AndradeIÍcone

Descrição gerada automaticamente

IInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Poços de Caldas, MG, Brasil

RESUMO

Os processos de expansão urbana das cidades médias brasileiras refletiram, espacialmente, as desigualdades socioeconômicas de seus moradores e investidores, fazendo coexistir áreas mais e menos valorizadas nos espaços intraurbanos. Pouso Alegre, no Sul de Minas, apresentou significativos processos de crescimento populacional e expansão urbana, em especial após o início da década de 70 do século XX, quando foram mais intensivos o desenvolvimento e a diversificação da economia local e sua importância na rede urbana regional. O presente artigo tem o objetivo de demonstrar os processos de periferização da população com menores rendimentos de Pouso Alegre e as questões temporais, socioespaciais, econômicas e socioambientais dos bairros periféricos da cidade.

Palavras-chave: Cidade média; Expansão urbana; Periferias

ABSTRACT

The urban expansion processes in brazilian medium-sized cities reflected, spatially, the socioeconomic inequalities of their residents and investors, achieving more and less valued areas that coexist in intra-urban spaces. Pouso Alegre, in the southern Minas Gerais, revealed remarkable population growth and urban expansion processes, especially after the beginning of the 1970s, when the development and the diversification of the local economy were more intense as well as its importance in the regional urban network. This article aims to demonstrate the peripherization processes of the low-income population in Pouso Alegre and temporal, socio-spatial, economic and socio-environmental issues of the peripheral neighborhoods of the city.

Keywords: Medium-sized City; Urban expansion; Peripheries

1 introdução

As cidades médias brasileiras, em especial a partir da segunda metade do século XX, passaram por contínuos processos de crescimento populacional e de transformações em suas bases produtivas. E, devido a estes fatores, ao mesmo tempo que estas cidades adquiriram maior importância em suas redes urbanas, ocorreram diversas mudanças nas dinâmicas e fisionomias de seus espaços intraurbanos.

No contexto de uma cidade capitalista, as localizações das atividades produtivas conjeturam seus potenciais para a geração de lucros, e no caso das moradias, fatores como as condições socioambientais e a acessibilidade em relação aos espaços mais valorizados e estruturados da cidade conferem maior preço e status social. Assim, o espaço urbano se tornou uma mercadoria, e as condições socioeconômicas dos moradores e dos investidores colaboram para definir as produções espaciais e as áreas em que cada grupo se apropria, sendo, claro, os de maior poder aquisitivo beneficiados com mais possibilidades de escolhas, restando aos habitantes mais pobres as áreas mais distantes e/ou mais precárias das cidades (SPOSITO, 2008; CARLOS, 2007; SOUZA, 2011).

O objetivo deste artigo é demonstrar o processo de periferização da população com baixos rendimentos na cidade de Pouso Alegre, Sul de Minas, questões temporais, socioespaciais, econômicas e socioambientais dos bairros periféricos da cidade. Para tanto, o trabalho se divide, além desta introdução, em quatro seções: na primeira, é demonstrado o rápido crescimento populacional ocorrido na cidade, a partir da implantação da Fernão Dias (década de 50); na segunda, delimitada como a fase “pré-industrial” de Pouso Alegre, onde as áreas periféricas, ainda com características um tanto “rurais”, estavam em formação e se localizavam próximas da área central; a terceira, considerada como a “cidade industrial”, em que houve, a partir dos anos 70 do século XX, uma diversidade de situações que envolvem as periferias empobrecidas da cidade, fazendo com que existam bairros distantes da área central, mas com condições socioambientais adequadas, e o bairro do São Geraldo, bem próximo ao centro, porém com as maiores precariedades em termos de condições de vida de seus moradores; por fim, nas considerações finais são evidenciadas as relações existentes no espaço intraurbano de Pouso Alegre, entre os moradores de alto poder aquisitivo que optam por morar em condomínios fechados, que se expandem pela cidade, e os habitantes empobrecidos das periferias distantes, que nelas estão em decorrência de menores custos de moradia.

A organização do espaço de uma cidade é causa, mas também consequência das características de seu meio físico, de seus processos históricos, e, também, da atuação dos agentes sociais, tais como o Estado, os agentes fundiários, os promotores imobiliários e os grupos excluídos (CORRÊA, 1997). Neste contexto, a cidade de Pouso Alegre, área de estudo do presente artigo, apresenta algumas similaridades e particularidades, quando comparada a outras cidades médias brasileiras. Dentre as similaridades, seu papel na rede urbana regional do Sul de Minas, sendo considerada uma Capital Regional C (IBGE: Regic, 2018), a fragmentação de seu espaço urbano e a recente formação de novas centralidades; já, quanto as suas particularidades, sendo que algumas destas também se encontram em outras cidades médias, estão o rápido crescimento populacional e as dinâmicas de seus espaços periféricos, sejam por razões geográficas (localização) ou por condições socioambientais (condições de vida de seus moradores e qualidade ambiental).

2 CRESCIMENTO POPULACIONAL E EXPANSÃO URBANA NA CIDADE DE POUSO ALEGRE

Até o início da década de 50 do século XX, a economia de Pouso Alegre era pouco diversificada e desenvolvida, e isto contribuía efetivamente para a expressiva saída de migrantes, que tinham como destinos especialmente as metrópoles, com destaque para São Paulo. O processo de implantação da Rodovia Fernão Dias (São Paulo – Belo Horizonte), na referida década, e as perspectivas a ela atreladas, começaram a reverter este processo (ANDRADE, 2014).

A posição geográfica, em especial com a inauguração e a posterior duplicação da Rodovia Fernão Dias, ao mesmo tempo em que permitiu a atração de novas empresas nos setores industriais, comerciais e de prestação de serviços, a maior geração de empregos, e uma melhor circulação de produtos e pessoas entre os lugares, motivou frequentes discursos públicos e privados sobre o potencial econômico municipal. Como reflexo desta situação de desenvolvimento econômico, crescimento populacional e implantação de vias de transportes rodoviários, Pouso Alegre passou a ter maior importância dentro da rede urbana do Sul de Minas, sendo considerada como uma “capital regional” (IBGE: REGIC: Regiões de Influência das Cidades, 2018).

A interação entre estes fatores econômicos, políticos e de infraestrutura motivou a atração de consideráveis afluências de migrantes para Pouso Alegre, o que resultou no rápido crescimento populacional do município, conforme é elucidado na tabela 1.

Tabela 1 – Crescimento populacional em Pouso Alegre, no período entre 1970 e 2010

 

Urbana

Rural

Total

1940

11.582

8.170

19.752

1950

12.509

8.161

20.670

1960

18.852

8.911

27.763

1970

29.208

8.864

38.072

1980

50.813

6.551

57.364

1991

74.322

7.514

81.836

2000

97.597

8.990

106.587

2010

119.602

10.984

130.586

Fonte: Censos Demográficos do IBGE, organizado pelo autor (2020)

O crescimento populacional, ocorrido a partir da segunda metade do século XX, colocou o município de Pouso Alegre em posição de destaque, estando entre as cidades médias que apresentaram maior intensidade de crescimento do estado de Minas Gerais, e mesmo do Sudeste brasileiro (MATOS, 1997; RIGOTTI & CAMPOS, 2009; MATOS, 2012). Este acréscimo foi mais significativo na área urbana, fato este recorrente em diversas cidades médias brasileiras, que, dentre outros papéis na rede urbana regional e nacional, deve ter “a capacidade de receber e fixar os migrantes das cidades menores ou da zona rural, por meio do oferecimento de oportunidades de trabalho” (AMORIM FILHO & SERRA, 2001, p.9).

No ano de 1970, 69,1% dos moradores de Pouso Alegre eram naturais do município, em 1991 este percentual se reduziu para 58,4%, e atingiu 56,8% em 2010 (IBGE: Censos Demográficos). Entretanto, além dos migrantes provenientes da sua área de influência, para Pouso Alegre afluíram pessoas provenientes de outras regiões de Minas Gerais, assim como de outros estados do Brasil, em especial São Paulo, Bahia, Pernambuco, Paraná, Ceará e Rio de Janeiro (ANDRADE, 2014).

Nas últimas décadas, Pouso Alegre apresentou significativa transformação em sua base produtiva, e isto refletiu no crescimento da população urbana e na consequente expansão do espaço urbanizado. As vias de transportes, sejam as rodovias ou as avenidas, e as atuações dos agentes sociais, como o Estado, as corporações imobiliárias, os donos dos meios de produção, e a população de menor renda, foram importantes indutores das principais áreas de expansão urbana (Figura 1).

A cidade de Pouso Alegre apresentou considerável expansão urbana no período analisado, porém é notável a diferença no ritmo de crescimento entre 1933 e 1971, e entre 1971 e 2010. Esta situação reflete o acréscimo populacional, mais intenso no segundo período, todavia, também é consequência direta das novas dinâmicas de ocupação e circulação no espaço urbano municipal, com a implantação de avenidas, a formação de bairros, e a consolidação das novas centralidades.

Figura 1 – Mapa da expansão urbana em Pouso Alegre (1933 – 1971 – 2010)

Fonte: ANDRADE (2014)

Dentre as regiões da cidade, a sul foi a que mais apresentou expansão na área urbanizada, devido a sua posição em relação ao centro e a rodovia Fernão Dias, onde inclusive, às suas margens, está o distrito industrial municipal (CARVALHO, 2013).

3 AS PERIFERIAS NO PERÍODO PRÉ-INDUSTRIAL DE POUSO ALEGRE

Nas primeiras décadas do século XX, com menos de dez mil habitantes em sua área urbana, Pouso Alegre ainda era uma cidade pouco extensa, e, em decorrência disto, os espaços ocupados pelas elites, sejam através das residências ou das instituições de poder, não eram geograficamente distantes das áreas onde habitavam as populações de menor rendimento (Figura 2). E neste período a circulação intraurbana ainda era majoritariamente realizada a partir de veículos de tração animal e/ou a pé, sendo que a maior parte das vias ao menos era calçada.

Figura 2 – Vista parcial da cidade de Pouso Alegre, na década de 20

Fonte: Acervo do Museu Tuani Toledo (2019)

Tendo como parâmetro a Figura 2, é perceptível a pequena extensão territorial de Pouso Alegre na década de 20. O local de onde a fotografia foi tirada, o “Morro das Cruzes”, e que aparece em primeiro plano, não era distante da igreja matriz e da Praça Senador José Bento, que se encontram à direita da imagem. A distância geográfica entre os locais não atinge um quilômetro, porém, a distância socioeconômica e de status social era significativa, conforme é atestada pela precariedade das residências do “periférico” e depreciado Morro das Cruzes, em contraste com as edificações mais suntuosas da área central. O memorialista Octávio Gouvêa (2004, p. 157) assim descreveu o referido bairro: “no alto do morro espalhavam-se os casebres, moradias de gente pobre”.

Mesmo com um reduzido contingente populacional em sua área urbana, em Pouso Alegre já começava a formar e adensar, em meados do século XX, bairros eminentemente suburbanos, como são os casos do São Geraldo, Santo Antônio (antigo Morro das Cruzes), Tijuca e São João. Nos três primeiros casos, há uma proximidade espacial com a região central, sendo estes locais considerados periféricos por suas questões socioeconômicas e de status sociais, já o São João se localiza a cerca de seis quilômetros da área central da cidade, no extremo oeste da área urbana.

As narrativas orais presentes na obra “Memória do povo: vozes do século XX”, de Beraldo e Reis (2012), contribuem para as descrições destes locais nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX, como estas a seguir:

Em 1943, as ruas do bairro (São Geraldo) eram de terra, as casas eram dentro da rua. E essas ruas eram bem estreitinhas. Naquela época podia contar as casas. Para ir para escola, tinha que passar debaixo da ponte, mas o rio não era ali ainda. A gente encontrava vaca brava. Aí a gente tinha que correr e esconder dentro das manilhas. E quantas vezes a vaca bufou na manilha tentando pegar a gente. Passamos muita dificuldade para estudar. Quando chovia fazia aquele barro.

Depoimento de Maria das Dores Costa, conhecida como Santa (BERALDO & REIS, 2012, p. 47).

Aqui (bairro São João) era pequenininho, não tinha nada aqui. Era dali daquele campinho para baixo só. Era poucas famílias que tinha. Tinha uma vendinha só aqui no São João e, por isso, ficou por nome de Vendinha. Ali, no começo do bairro, era uma plantação de eucalipto e foi o começo do bairro. No começo, aqui era só um trilhinho para o povo passar. Não tinha água e a luz era da prefeitura, não era da Cemig. Os moradores tinham cisterna. Eu fui dos primeiros a morar aqui e comecei com um bar. (...) Aqui não tinha supermercado, nem calçamento. (...) Antes era pura terra, puro brejo e nem carro subia aqui.

Depoimento de José Gonçalves de Assis, conhecido como Seu Zezito (BERALDO & REIS, 2012, p. 15-16).

No final da Avenida São Francisco (denominação atual, no período uma estradinha rural) havia um tanque com água que ia até o joelho. As lavadeiras do Alto das Cruzes (atual bairro do Santo Antônio) vinham lavar roupa ali com sabão de cinza e levavam para casa para enxugar.

Depoimento de Alexandre de Araújo (BERALDO & REIS, 2012, p. 36).

Meus pais ganharam este terreno dos meus avós. De lá (outro bairro da cidade) viemos para cá, eu e meus quatro irmãos, quando eu tinha sete anos (1941). (...) O bairro (Tijuca) era poucas casas. Desta esquina para lá tudo era pasto. A única casa que tinha aqui era dos meus avós. Depois meus pais construíram aqui neste terreno. Era uma coisa feita de adobe e depois é que foi melhorando.

Depoimento de Terezinha Cobra Batista (BERALDO & REIS, 2012, p. 133).

Nas quatro narrativas algumas características se evidenciaram como comuns, mesmo se tratando de distintos bairros e percepções do meio. Em todos os locais eram poucas as residências, sendo recorrentes as descrições de cenários rurais, elucidados por vacas, pastos, plantações de eucalipto, e se percebe que havia baixa densidade de construções em todos eles. Também fica evidente a falta de infraestrutura, narrada de distintas formas por meio das ausências de calçamento das vias e de abastecimento de água, a precariedade da organização do sistema viário, e mesmo pela pequena quantidade de estabelecimentos comerciais. Conforme dito anteriormente, com exceção do bairro São João, os demais se localizavam (e se localizam) próximos à área central da cidade de Pouso Alegre, porém em um ambiente físico que pode ter contribuído para torná-los menos valorizados financeiramente e mesmo socialmente.

Segundo Lefebvre (1978), os transportes “de massa” definiram novos espaços sociais nas cidades, se comparado às limitações espaciais dos “espaços dos pedestres”. Em um período em que os deslocamentos eram eminentemente dificultados pela pequena disposição de veículos automotores, em especial para as populações de menor rendimento, as áreas íngremes apresentavam consideráveis restrições na circulação intraurbana, e isto pode ter sido determinante para a desvalorização dos bairros da Tijuca e do Santo Antônio, mesmo estando localizados próximos da área central de Pouso Alegre.

O São Geraldo, por sua vez, estava “separado” do centro da cidade por dois “obstáculos” físicos e simbólicos: a linha da estrada de ferro e o rio Mandu, sendo que o bairro se adensou em suas várzeas, onde não raro ocorriam enchentes, que gradativamente foram se tornando mais frequentes, devido a maior impermeabilização do solo no bairro, a precariedade da rede de águas pluviais, e pelas alterações no leito do rio (FARIA, 2008; CARVALHO, 2013).

O processo de expansão urbana de Pouso Alegre, no período anterior a década de 70, ainda que considerável, ocorreu majoritariamente em áreas próximas a região central. As exceções são os bairros do São João, localizado a oeste da mancha urbana principal, e o São Cristóvão, ao sul, nas proximidades do aeroporto. Em direção a BR-459, a linha férrea foi importante indutora para a expansão urbana, assim como a Rua Comendador José Garcia. A figura 3 ilustra a fisionomia da cidade de Pouso Alegre no período e permite evidenciar algumas mudanças socioespaciais.

Figura 3 – Vista aérea parcial da cidade de Pouso Alegre, no início da década de 70

Fonte: Acervo do Museu Tuani Toledo, adaptada pelo autor (2018)

Como pode ser visualizada na Figura 3, a área em primeiro plano, constituída pelos bairros da Tijuca e Saúde (pontos 1 e 2), possui relevo acidentado, e se caracteriza pela presença de vertentes íngremes e nítida amplitude topográfica em relação a região central da cidade. O mesmo ocorre com o bairro Santo Antônio (3), anteriormente denominado como “Morro das Cruzes”. Os pontos 4 e 5, localizados a leste da área central, são espaços em processo de urbanização, às margens da linha férrea, em setores com baixa declividade, já próximos às várzeas por onde corre o rio Sapucaí Mirim, pouco após a foz do rio Mandu (ponto 6).

4 AS PERIFERIAS DE POUSO ALEGRE NO PERÍODO INDUSTRIAL

No período entre 1970 e 2010, a população urbana de Pouso Alegre cresceu 309%, passando de 29.208 para 119.602 habitantes (IBGE: Censos Demográficos, 1970 e 2010). Concomitante a este processo, houve diversas mudanças econômicas, socioculturais, políticas e socioespaciais que incidiram em Pouso Alegre, e também em diversas cidades brasileiras, dentre elas os processos de expansão da área urbana, a descentralização das atividades comerciais e de serviços, e a difusão dos veículos automotores.

Uma cidade média, como é o caso de Pouso Alegre, possui distintos usos da terra, que refletem o tempo histórico, as condições geográficas, as funções de cada espaço, e os recursos financeiros envolvidos. Isto contribui para a existência de variadas paisagens no interior da cidade, coexistindo espaços com predomínio de atividades comerciais e de prestações de serviços, residências unifamiliares e edifícios, áreas industriais, shopping centers, espaços públicos para práticas desportivas, culturais e contemplativas, vias de circulação, órgãos governamentais, dentre outros. De acordo com Corrêa (1997), o espaço urbano, fragmentado, é caracterizado pela justaposição de diferentes paisagens e usos da terra, e é articulado por meio da circulação de veículos, pessoas e informações.

A localização das atividades produtivas (indústrias, comércios e serviços) e das formas de consumo do espaço urbano (moradia, por exemplo) em uma cidade capitalista, reflete os distintos potenciais de consumo dos moradores e dos investidores que se apropriam de parcelas dos espaços intraurbanos (SPOSITO, 2008).  Devido a isto, o espaço se firmou como uma mercadoria, resultado de suas potencialidades para o trabalho, o consumo, o lazer e o morar, e determinadas áreas passaram a ter considerável valorização financeira, em parte por fatores econômicos, mas também por questões atreladas às intervenções políticas, e que são reflexos também de status sociais e de relações de poder (CARLOS, 2007). E isto é perceptível no espaço urbano de Pouso Alegre, conforme pode ser visualizado no mapa da figura 4, em que é demonstrada a divisão da cidade de acordo com os rendimentos de seus moradores e pelo valor imobiliário de bairros locais.

Figura 4 – Mapa com os rendimentos dos moradores e valor dos imóveis em bairros selecionados de Pouso Alegre

Fonte: ANDRADE (2014)

Com o processo de crescimento populacional e de expansão urbana, Pouso Alegre passou a apresentar consideráveis desigualdades socioespaciais, materializadas pelas presenças de condomínios fechados, em certos casos vizinhos a bairros habitados por populações com baixo poder aquisitivo, a exemplos do Gran Royalle (extremo da Zona Sul) e do Las Palmas (Zona Leste). Esta condição condiz com o que Sposito (2006) elucidou sobre as periferias das cidades médias, em que a relação destas com as áreas centrais não se orienta apenas pelas distâncias espaciais, mas especialmente pelas distâncias sociais.

As áreas a leste e a nordeste da área central são as que possuem moradores com maiores rendimentos e, por consequência, possuem maior valorização dos imóveis; são nestas áreas que vêm se instalando infraestruturas de comércio, serviços, alimentação e entretenimento voltados a uma população de maior poder aquisitivo. Por sua vez, os bairros periféricos “distantes” e especialmente o São Geraldo, logo a sul da área central, estão em situação inversas, constituindo, assim, as periferias empobrecidas da cidade de Pouso Alegre.

A diversificação dos usos do solo em um espaço urbano, em especial em sua área central, faz com que existam fluxos de pessoas e veículos pelas mais distintas motivações, que englobam seus moradores, mas também os visitantes, contribuindo para a consolidação de novas centralidades. No mapa da figura 5, é elucidada a distribuição espacial de certos locais com significativa atratividade na cidade de Pouso Alegre, tais como a área central, os shopping centers, as instituições de ensino superior, os hospitais, as indústrias e a estação rodoviária.

Figura 5 – Mapa com os usos do solo na cidade de Pouso Alegre

Fonte: Acervo particular do autor (2018)

A cidade de Pouso Alegre, reproduzindo o que aconteceu em outras cidades médias com expressiva importância em uma rede urbana, passou a apresentar, em seu espaço, novas dinâmicas, como a formação de subcentro e a consolidação de novas centralidades, sendo que estas abrigam estruturas que atraem os moradores do município, mas também os provenientes de espaços urbanos e rurais circunvizinhos.

Geograficamente um tanto distantes das áreas que alocam as principais atividades de consumo e de entretenimento, onde inclusive se encontra a maior parte dos empregos no setor terciário, os bairros periféricos, tais como Jatobá, Morumbi e São Cristóvão (Zona Sul), São João (Zona Oeste), Faisqueira e Cidade Jardim (Zona Leste), ou mais próximo do centro, mas com significativa precariedade socioambiental (São Geraldo - Zona Centro-Sul), constituem os locais em que os moradores apresentam os menores rendimentos e os imóveis têm valores mercantis  mais baixos. Trata-se de áreas eminentemente periféricas, no sentido geográfico mas também de status social, condição esta que inclusive é evidenciada pelo próprio imaginário dos habitantes locais, a exemplo da letra da música Rosa dos Ventos, do grupo pousoalegrense de rap “Latropa”, que menciona estes locais como “quebradas”, termo que na linguagem do hip-hop significa “periferias”, “locais desassistidos”, “exclusão”, “abandono” e mesmo a intensidade de crimes e problemas sociais. E, apesar de apresentarem certas semelhanças, estas áreas também possuem significativas diferenciações por razões socioeconômicas, questões históricas e de morfologia urbana, tais como serão descritas a seguir.

4.1 O “extremo sul” da região sul: conjuntos habitacionais e loteamentos populares

Com a implantação da rodovia Fernão Dias, a cidade de Pouso Alegre começou a apresentar um processo de contínuo crescimento econômico e demográfico. Neste cenário, a localização da região Sul entre esta via e o centro, as suas características topográficas propícias, e a existência de amplas áreas não urbanizadas, contribuíram para que a implantação das “Refinações de Milho Brasil” (indústria alimentícia) se desse neste setor da cidade.

Na década de 70, os primeiros conjuntos habitacionais foram sendo implantados na região Sul, pelos governos municipais, estaduais e federais, sendo exemplos os bairros São Cristóvão e Árvore Grande. Com o interesse em atender as demandas por moradias na cidade de Pouso Alegre, foram construídos, a partir de então, conjuntos habitacionais e loteamentos populares, para abrigar populações com rendimentos baixos e médio-baixos (inferiores a 3 salários mínimos mensais por residência), nos bairros do São Cristóvão, Jatobá, Morumbi, e outros vizinhos, como Colina Verde, Santo Expedito e Jardim Brasil.

A localização destes empreendimentos residenciais, que são próximos das indústrias, mas relativamente distantes do centro da cidade, demonstram a finalidade de suas construções: a moradia de funcionários das unidades industriais, em considerável parcela compostos por migrantes provenientes de distintas regiões do estado e do país. Importante mencionar que a região Sul foi a que apresentou maior acréscimo populacional em Pouso Alegre, sendo que este setor contribuiu com 48% do crescimento da população urbana municipal, entre os anos de 2000 e 2010 (IBGE: Censos Demográficos, 2000 – 2010).

Em relação às práticas produtivas, os moradores destes bairros, em grande parte, trabalham nas indústrias sediadas na região Sul da cidade, como Cimed, Unilever (antiga Refinações de Milho Brasil) e União Química, e nas localizadas no distrito industrial, às margens da Fernão Dias, e com relativa proximidade com estes bairros (figura 6). O deslocamento para áreas mais dinâmicas em termos comerciais e de prestações de serviços, como o centro da cidade, também é frequente por trabalhadores residentes nestas áreas.

Figura 6 – Foto1: Conjunto Habitacional Santo Expedito. Foto 2: Rua no bairro Jatobá, tendo ao fundo o distrito industrial, às margens da Rodovia Fernão Dias

Fonte: Acervo particular do autor (2014)

De acordo com o Zoneamento Urbano municipal, toda esta área é considerada como “Zona Mista” (PMPA, 2008), porém, apenas no São Cristóvão, de ocupação mais antiga, há certa infraestrutura comercial e de prestação de serviços. Os moradores dos demais bairros desta área, dependem, para o trabalho, mas também para outras atividades de entretenimento e de consumo de produtos e serviços, de constantes deslocamentos para outros espaços mais desenvolvidos da cidade. Entretanto, com o crescimento populacional e as dinâmicas socioespaciais que incidiram em Pouso Alegre e na região Sul, se estruturou um “subcentro”, com agências bancárias, variado comércio, restaurantes e instituições de ensino na zona Sul, mas a meia distância entre o centro e as áreas mais periféricas da região (ANDRADE & CARVALHO, 2014).

A posição geográfica dos bairros do São Cristóvão, Jatobá, Morumbi, e de outros nas imediações, faz com que, mesmo sendo eminentemente periféricos, a circulação seja viabilizada através da Avenida Prefeito Olavo Gomes de Oliveira, que, após sua duplicação em quase todo o trecho urbano, passou a ser mencionada pelo poder público municipal como “Via de Integração Norte-Sul”. Nela há expressivo trânsito de ônibus circulares, ônibus fretados pelas indústrias, caminhões de transportadoras e distribuidoras, além de veículos particulares. A própria morfologia do sistema viário destes bairros reforça esta situação, já que é priorizada a ligação deles com a avenida principal, sendo um tanto precária a integração entre eles (CARVALHO, 2013). É de se salientar, entretanto, que além da referida Avenida Prefeito Olavo Gomes de Oliveira, as vias expressas Ayrton Senna e Vereador Hebert Campos, e mesmo a rodovia Fernão Dias, são recorrentemente utilizados para os deslocamentos entre a região Sul e outras porções espaciais do município e da região (ANDRADE, 2014).

A expansão urbana nesta região refletiu, o que Souza (2011) descreveu acerca das áreas periféricas, em que coexistem espaços ociosos e subutilizados, em diversos casos usados para a especulação imobiliária, e os loteamentos populares, instituídos através de empresas privadas, ou de políticas públicas de moradia. E, de certa forma, o mesmo ocorreu e ocorre nas áreas periféricas da Zona Leste.

4.2 A “urbanização em saltos” e as periferias da zona leste

Os bairros Cidade Jardim e o Belo Horizonte, às margens da BR-459 e a leste do espaço urbano de Pouso Alegre, possuem certas similaridades socioeconômicas com estas descritas áreas da região Sul e também são considerados como “Zona Mista” pelo zoneamento urbano municipal (PMPA, 2008). Estes espaços se configuram como fragmentos de uma expansão urbana em que mesclam estabelecimentos como shopping center, clube de campo, hotéis, condomínios residenciais, concessionárias de veículos, dentre outros usos que se aproveitam da localização estratégica às margens da referida rodovia, e os espaços residenciais distantes da área central e habitados por populações de baixos rendimentos (FIGURA 7).

Figura 7 – A cidade de Pouso Alegre, e ao fundo o bairro Belo Horizonte (ponto 1), o Cidade Jardim (2), e a área urbana de Santa Rita do Sapucaí (3)

Fonte: Acervo particular do autor (2014)

A dispersa ocupação neste setor da cidade, onde a BR-459 é indutora, reflete o que Souza (2011) elucidou como urbanização “aos saltos”, em que os usos são direcionados por sistemas de transportes rodoviários, e os espaços vazios são associados a especulação imobiliária. Esta situação se reflete no contexto espacial desta região, onde, após a inauguração do shopping center Serra Sul, em 2013, foi implantado um condomínio fechado (Las Palmas), localizado entre este estabelecimento e o bairro Belo Horizonte. Os bairros Belo Horizonte e Cidade Jardim apresentam majoritariamente moradores com baixos rendimentos, em locais onde os valores dos imóveis estão dentre os menores da cidade, conforme evidenciado no mapa da figura 4, o que contrasta com os investimentos financeiros em grandes empreendimentos às margens da rodovia BR-459.

O papel do Estado como indutor da ocupação urbana neste setor da cidade fica evidenciado no bairro Cidade Jardim, que está situado às margens da BR-459, após a intersecção com a Fernão Dias, em direção às cidades de Santa Rita do Sapucaí e Itajubá. No final da década de 90, com o intuito de reduzir os problemas habitacionais no município, e em especial de alocar a população que residia em áreas alagáveis no “central” e precário bairro do São Geraldo, o poder público municipal realizou um programa de doação de lotes e construção de casas populares no Cidade Jardim, que, apesar do bairro estar situado a mais de 10 quilômetros da área central de Pouso Alegre, se encontra a certa proximidade das unidades industriais localizadas às margens da Fernão Dias, o que também motivou os interesses políticos da época. Todavia, a distância com relação às outras regiões mais dinâmicas da cidade, atrelada a dependência dos sistemas de transportes rodoviários, faz com que o alto custo dos deslocamentos para as populações de baixa renda, seja um significativo problema aos moradores do bairro (FARIA, 2012; ANDRADE. 2014).

O bairro Faisqueira, a nordeste da área urbana de Pouso Alegre, também tem considerável parcela de seu espaço definido como “Zona Mista”, pelo zoneamento urbano municipal (PMPA, 2008). Formado por distintos loteamentos às margens da Avenida Antônio Scodeller, como São Francisco, Monte Azul e Nossa Senhora Aparecida, este setor da cidade ainda constitui uma área em processo de adensamento de construções, e onde há expressivas extensões de espaços não urbanizados. O bairro da Faisqueira teve seu povoamento iniciado no início do século XX, quando foi implantada a “Colônia Francisco Salles”, com a maioria dos habitantes de origem italiana, porém, com o crescimento populacional de Pouso Alegre, o referido bairro e outros na adjacência passaram por significativo processo de urbanização. A figura 8 mostra algumas características destes bairros da zona leste.

Figura 8 – Foto 1: Vista parcial do bairro Faisqueira. Foto 2 – Vias do bairro Cidade Jardim, onde se percebe a existência de vias largas e certa arborização

Fontes: 1 – Acervo da Prefeitura Municipal (2017) | 2 – Acervo do autor (2016)

A relativa proximidade destes bairros, em especial o Belo Horizonte e o Faisqueira, com as regiões mais desenvolvidas da cidade, motiva a implantação de loteamentos populares, e mesmo de edificações voltadas à classe média. Apesar de considerados como “Zona Mista”, no plano diretor municipal, os bairros do Belo Horizonte, Faisqueira e Cidade Jardim contam basicamente com infraestrutura de serviços e de comércio voltados a suprir as necessidades imediatas dos moradores, como mercearias, bares, escolas de ensino básico, unidades básicas de saúde e pequenas lojas de materiais de construção e utilidades domésticas. Assim, seja para o trabalho, ou mesmo para o consumo, o entretenimento, a capacitação profissional e/ou os tratamentos de saúde, a população destas áreas tem de se deslocar para outros espaços mais dinâmicos da cidade.

4.3 O mais antigo dos bairros periféricos “distantes”: o São João

Localizado a oeste da área central, o bairro São João constitui o primeiro núcleo de fragmentação do espaço urbano de Pouso Alegre (FARIA, 2012). Também considerado como “Zona Mista” no zoneamento urbano municipal (PMPA, 2008), o bairro começou a ser povoado no final da década de 30, e como mostra a narrativa de um antigo morador, apresentava nítidas funções suburbanas, por congregar elementos da vida urbana e rural nos primórdios de sua ocupação (BERALDO & REIS, 2012). Na atualidade, o São João, assim como os bairros das adjacências, como Yara, Jardim Guadalupe e Jardim Amazonas, são habitados principalmente por população com baixos rendimentos, e os imóveis estão dentre os de menor valorização mercantil na cidade de Pouso Alegre (mapa da figura 4), aspectos estes que, juntamente com suas localizações, denotam suas condições periféricas.

A princípio, o bairro foi ocupado por moradores pauperizados, em especial provenientes de espaços rurais circunvizinhos, que se apropriaram de terrenos com significativa declividade, e de menor valor mercantil, e isto reflete na própria fisionomia de áreas do bairro. E, mesmo que em menor intensidade que nos demais espaços periféricos da cidade citados anteriormente, o São João também abrigou alguns programas habitacionais voltados às populações de baixa renda, como o “Projeto João de Barro”, na década de 70 (BERALDO & REIS, 2012), e mais recentemente, conjuntos do “Programa Minha Casa Minha Vida”, que envolveram parcerias entre os governos municipal e federal (Figura 9).

Figura 9 – Foto 1: Ocupação em áreas com topografia acidentada no bairro São João Foto 2: Conjunto habitacional no bairro São João

Fontes: Acervo do autor (2013)

A duplicação da Avenida Perimetral e do trecho da MG-290, vias que margeiam o bairro São João, mas também o crescimento populacional em Pouso Alegre, fizeram com que, mesmo estando em um local de topografia eminentemente acidentada, e limitada a norte por áreas pertencentes a zona de amortecimento do Parque Natural Municipal de Pouso Alegre, esta porção espacial da cidade começasse a intensificar seu processo de adensamento populacional. O poder público municipal, no intuito de favorecer a expansão urbana para este setor da cidade, procurou modificar o zoneamento urbano, para, com isto, possibilitar a implantação de novos loteamentos populares e conjuntos habitacionais em áreas circunvizinhas ao bairro São João, o que inclusive foi pauta de discussões em reuniões do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano de Pouso Alegre, no ano de 2013 (ANDRADE, 2014).

O bairro do São João, devido a sua pretérita ocupação urbana, sua relativa distância em relação ao centro, e seu expressivo contingente populacional, possui uma estrutura comercial e de prestação de serviços mais diversificada que a de outros bairros periféricos, como Morumbi, Jatobá, Belo Horizonte, Faisqueira e Cidade Jardim. Apesar disso, significativa parcela de seus moradores tem de deslocar para trabalhar e consumir produtos e serviços em outras partes da cidade, como o centro, o distrito industrial, e as novas centralidades.

4.4 Central e precário: o bairro São Geraldo

Definido integralmente como “Zona Especial de Interesse Social”, pelo zoneamento urbano municipal (PMPA, 2008), o bairro São Geraldo é o que apresenta maiores precariedades socioambientais de Pouso Alegre, e que são evidenciadas pelos índices de analfabetismo e de mortalidade infantil superiores a de qualquer outra região da cidade (FARIA, 2012), e pela presença da população com os menores rendimentos salariais do espaço urbano pousoalegrense (mapa da figura 4).

Localizado próximo ao centro da cidade, porém “separado” pelo rio Mandu e pela Avenida Perimetral, o bairro do São Geraldo representa um quadro de evidente precariedade socioambiental. No período anterior a 1970, esta espacialidade se constituía uma periferia “distante” da cidade, porém, após o processo de crescimento populacional e da consequente expansão da área urbanizada, geograficamente o São Geraldo passou a apresentar uma localização um tanto privilegiada, próxima ao centro da cidade. Todavia, as suas condições socioeconômicas, e mesmo seu status social, não favorecem a maior integração com as áreas vizinhas, o que inclusive é evidenciada pelo acesso ao interior do bairro, constituído por vias estreitas e “escondidas” dos transeuntes que passam pela avenida principal, a Vereador Antônio da Costa Rios, que posteriormente passa a se chamar Prefeito Olavo Gomes de Oliveira, e liga o centro da cidade aos bairros localizados na região sul e a rodovia Fernão Dias (ANDRADE, 2014).

Conhecido popularmente como “Aterrado”, o bairro do São Geraldo apresenta um processo de povoamento que remonta a primeira metade do século XX, mas com considerável adensamento no decorrer das últimas décadas, e que se materializou de maneira irregular, com evidente ausência de planejamento e do provimento de infraestruturas básicas, tais como vias pavimentadas, saneamento e coleta de resíduos sólidos (Figura 10). O adensamento de residências do bairro São Geraldo, nitidamente ocorreu através da apropriação de áreas desprezadas pela expansão “formal” da cidade, em terrenos historicamente alagáveis.

Figura 10 – Residências e esgoto a “céu aberto” no bairro São Geraldo

Fonte: Acervo de Mário de Pinho (2014)

Progressivamente esta situação foi sendo agravada, não apenas devido a maior impermeabilização do solo, mas, também, em decorrência das obras de retilinização do leito do rio Mandu, para construir a Avenida Perimetral (FARIA, 2008). Todavia, a implantação de “diques” (o primeiro na década de 90 e o segundo na década de 2010), com a função de reduzir os alagamentos no São Geraldo, mas também para abrigar sobre eles importantes vias expressas, colaborou para minimizar as enchentes e por consequência os prejuízos materiais dos moradores. Apesar disso, o bairro, de acordo com os discursos de expressiva parcela da população da cidade, reproduz o que Tuan (1980) definiu como “espaços topofóbicos”, por ser relacionado a sensações de medo, aflição e repúdio, como é evidenciado na figura 11, de uma charge propagada em uma rede social.

Figura 11 – Charge depreciativa sobre o bairro São Geraldo

rei leão

Fonte: ANDRADE (2014)

A proximidade geográfica do São Geraldo com a região central de Pouso Alegre, e sua evidente precariedade, faz com que discursos preconceituosos e depreciativos acerca do bairro sejam recorrentes na cidade, inclusive por membros do poder público, como foi o caso de um vereador que relacionou o São Geraldo como “um câncer no coração da cidade” (BARBOSA, 2013). Neste caso, a localização do bairro, se por um lado favorece a circulação de seus habitantes para a área central da cidade, por outro, colabora para disseminar comentários e discursos depreciativos acerca de sua expressiva precariedade socioambiental.

5 considerações finais

A significativa distância com relação aos espaços para práticas laborais, mas também recreativas, sociais, contemplativas e artístico-culturais, são fatores que reduzem a atratividade de bairros periféricos pauperizados, como ocorrem em Pouso Alegre nos bairros do São Cristóvão, Jatobá, Morumbi, São João, Belo Horizonte e Cidade Jardim, o que é ainda mais prejudicado pelos custos financeiros e gastos de tempo exigidos para os deslocamentos. Mesclam-se, portanto, aspectos socioeconômicos e locacionais para aumentar o caráter de periferia desvalorizada em termos financeiros e de status social atribuídos a estes bairros. Entretanto, estes locais apresentam expressivo crescimento em decorrência de alguns atributos, como baixo custo dos imóveis, e a existência de uma infraestrutura satisfatória de serviços públicos de saneamento, energia, transportes, educação e saúde.

Por sua vez, mesmo estando próximo da área central, o São Geraldo, apesar de sua precariedade socioambiental, continua apresentando expressivo processo de adensamento de construções e de crescimento populacional. Neste contexto, o fator localização e os baixos custos imobiliários acabam sendo motivadores para se fixar residência no bairro, em especial pelas camadas mais pobres da população de Pouso Alegre.

A estrutura etária da população apresenta certa semelhança nos bairros periféricos da cidade, como São Geraldo, São João, Cidade Jardim, Faisqueira, Morumbi e Jatobá. São estes locais que apresentam as maiores taxas de natalidade, e, devido a esta situação, constituem os espaços onde a presença de moradores com idades inferiores a 14 anos são mais representativas; nestas áreas, mesmo sendo o São Geraldo e o São João de ocupações urbanas mais antigas, os moradores com idades superiores a 65 anos são proporcionalmente inferiores à média da cidade de Pouso Alegre (FARIA, 2012). Esta situação reflete, por um lado, o papel destes bairros no assentamento de migrantes recém-chegados à cidade, mas, também, a situação um tanto transitória de áreas periféricas, com baixos padrões socioeconômicos, em que seus moradores, na medida em que apresentam melhorias em seus rendimentos, migram para áreas mais valorizadas por suas condições paisagísticas, funcionais, socioambientais e mesmo de status social (ANDRADE, 2014).

É fundamental mencionar que há significativa diferença na mobilidade das pessoas que, com bons recursos financeiros, optam por residir em condomínios fechados, e/ou investir no shopping center, com relação aos moradores que estão nos bairros periféricos distantes, devido aos menores custos dos imóveis, e que necessitam realizar frequentes e longos deslocamentos para os demais espaços da cidade. No primeiro caso, a existência de vias rápidas permite que as pessoas desloquem em automóveis particulares, entre locais de moradia e os demais locais de interesse, sendo o residir distante das áreas centrais da cidade uma opção. No segundo caso, os deslocamentos para o trabalho variam de acordo com três situações: quando o empregador freta veículos para o transporte de seus funcionários, que geralmente acontece com empresas que tem um grande número de empregados em um determinado bairro ou cidade vizinha, e estes veículos na maioria das vezes são ônibus que fazem o transporte dos funcionários nos três turnos; quando a empresa disponibiliza vale-transporte para os trabalhadores, que ocorre especialmente para os deslocamentos intramunicipais; e quando as pessoas se deslocam sem o apoio de empresas, seja por ônibus com linhas regulares, por veículos próprios, o que inclui automóveis, motocicletas e bicicletas, ou realizando os trajetos a pé.

O presente artigo procurou evidenciar, por meio de uma cidade média, como se estruturaram e se estruturam as áreas periféricas, sendo estas tanto por razões de distâncias geográficas, quanto, especialmente, por suas condições socioambientais. E esta situação reflete as distintas formas de produção do espaço urbano, que foram realizadas pelos agentes sociais que progressivamente ocuparam e designaram seus valores mercantis. Assim, em Pouso Alegre, tal como em outras cidades médias brasileiras, as populações com maiores rendimentos se apropriam de espaços mais valorizados, por razões locacionais, socioambientais, paisagísticas e de status social, enquanto para as populações empobrecidas restam as áreas mais distantes e/ou de maiores precariedades socioambientais.

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contribuições de autoria

1 – Alexandre Carvalho de Andrade

Bacharel em Geografia, Doutor em Geografia

https://orcid.org/0000-0002-6787-4285 alexandre.andrade@ifsuldeminas.edu.br

Contribuição: Escrita - primeira redação

COMO CITAR ESTE ARTIGO

ANDRADE, A. C. A ocupação periférica, pelas populações com baixos rendimentos, na cidade de Pouso Alegre (MG). Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e4, 2022. Disponível em: 10.5902/2236499463339. Acesso em: dia mês abreviado. ano.