Universidade Federal de Santa Maria
Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 25, e24, 2021
DOI: 105902/1414650946911
ISSN 2236-4994
Submissão: 03/06/2020 • Aceito: 20/05/2021 • Publicado: 08/09/2021
A racialização do espaço urbano da cidade de Curitiba- PR
The racialization of the urban space of the city of Curitiba-PR
Glaucia Pereira do NascimentoI
I Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-1249-1516 – email
RESUMO
O presente artigo, é resultado de nossa dissertação de mestrado. Tem como objetivo evidenciar que o planejamento urbano da cidade de Curitiba expressou processos de segregação espacial de base racial. A metodologia adotada pautou-se em pesquisas bibliográficas e levantamento de dados de cor/raça do Censo Demográfico (IBGE, 2010). Na primeira seção, discutimos que, ao longo dos processos históricos e geográficos, no planejamento urbano de Curitiba, ocorreram pressões territoriais junto aos grupos pobres e negros forjando-os a habitarem distantes das regiões centrais da cidade. Posteriormente, apresentamos através de mapas de cor e renda dos habitantes dos bairros de Curitiba, a diferenciação socioespacial entre grupos negros e brancos na cidade. Concluímos que a população negra curitibana vivenciou e vivência processos de exclusão na distribuição espacial na cidade em relação ao grupo branco, dada a existência de uma ordem sócio-espacial racializada que estabeleceu e estabelece seletividades e marginalização espacial junto a esses grupos.
Palavras-chave: Invisibilidade; racialização; segregação
ABSTRACT
This article is the result of our master's dissertation. It aims to show that the urban planning of the city of Curitiba expressed racial-based spatial segregation processes. The methodology adopted was based on bibliographic research and survey of color / race data from the Demographic Census (IBGE, 2010). In the first section, we discussed that, throughout the historical / geographical processes, in the urban planning of Curitiba, territorial pressures occurred with the poor and black groups forging them to live far from the central regions of the city. Subsequently, we present, through color and income maps of the inhabitants of Curitiba neighborhoods, the socio-spatial differentiation between black and white groups in the city. We conclude that a black population from Curitiba experienced and experiences processes of exclusion in the spatial distribution in the city in relation to the white group, given the existence of a racialized socio-spatial order that source and selectivity and spatial marginalization with these groups.
Keywords: Invisibility; racialization; segregation
1 INTRODUÇÃO
A cidade de Curitiba, sempre relegou a um segundo plano a existência e a participação negra na sua formação sociocultural. A capital do Paraná se projeta como um lugar que não passou por um processo escravagista e que não teve em sua construção a participação da população negra. Dessa forma, historicamente forjou uma especificidade cultural e étnico-racial para a cidade como a capital mais europeia do Brasil constituída por população branca, ainda que, conforme apontam os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, os negros e negras que se reconhecem como tais, representem 24% da sua população, ou seja, quase ¼ do contingente populacional da cidade.
A cidade de Curitiba é a capital mais negra do sul do Brasil, e o Paraná o Estado que tem mais negros da região sul. IMas, na historiografia da cidade fatos e personalidades negras importantes de sua história permanecem na invisibilidade, mesmo tendo realizado as mais diversas contribuições nas artes, na religiosidade, nas tecnologias, na política, na educação entre outras dimensões.
Por que Curitiba não é vista como uma cidade composta por negros? Um dos pressupostos de nossa pesquisa é que, em grande parte este processo ocorreu devido aos discursos colonizadores e políticas eugenistas historicamente construídos no Estado do Paraná, bem como na cidade de Curitiba. Podemos citar como exemplo de discursos eurocêntricos e branqueadores o Paranismo, movimento que teve seu principal precursor o jornalista e historiador Alfredo Romário Martins, autor da obra História do Paraná, publicada em 1899, marco da historiografia conservadora paranaense que legitimou-se, naquela época, como a história oficial do Paraná (CARVALHO, 2016) e que ainda reverbera no imaginário da sociedade curitibana.
Segundo seus precursores, o movimento tinha por objetivos construir uma identidade regional e criar um sentimento na população de pertencimento ao Estado do Paraná. Para tal, criaram narrativas que fundamentavam-se em algumas histórias regionais, em heróis, lendas, constituindo mitos de origem que evidenciavam a natureza europeia que caracterizou a cidade. Nas palavras do autor Iurkiv (2002, p. 131 apud BATISTELLA, 2014, p. 01), o movimento visava: “[...] designar os que nutriam amor pelo Paraná e estavam dispostos, através do discurso, a louvá-lo e reconhecerem nele um lugar onde a população teria as perfeitas condições para se desenvolver como civilização”.
O autor Wilson Martins (1989 [1955]), assim como Romário Martins (1899) foram os maiores exemplos desse processo. Definiram características específicas da composição populacional do Paraná, diferenciando-o das demais unidades federativas do Brasil. Divulgou-se assim, um Paraná “diferente’’ pois, afirmavam equivocadamente que o estado não teve um passado escravocrata e que, devido às questões geográficas e climáticas de Curitiba os europeus identificaram-se com a cidade, passando a nela habitar.
Desta forma, o Movimento Paranista constituiu uma narrativa de mão única do Estado do Paraná e, por sua vez de Curitiba, colocando-a com um suposto status de “superioridade” frente aos demais estados brasileiros, visto que o mesmo foi constituído pela presença européia o que equivale dizer “sem a presença negra”. A autora Marcilene Garcia de Souza (2010) compreende este processo como sendo um processo de consenso da invisibilidade, pois entende que sua historiografia evidencia a “visibilidade deste consenso”. Segundo ela “[...] consenso da invisibilidade quando se evidencia a “ausência” e visibilidade do consenso quando esta ausência é utilizada como uma espécie de marketing social positivo na história do Estado” (SOUZA, 2010, p. 59).
Essas ideologias presentes nas narrativas do Movimento Paranista foi um dos fatores impulsionadores da invisibilidade negra na cidade de Curitiba e instaurou uma identidade para a cidade que se faz presente atualmente. As representações sociais, históricas, geográficas e simbólicas, colocam a imigração europeia como a única marca da formação sócio territorial da cidade.
Essa “Curitiba que não quer ser negra” construída pelo Movimento Paranista, foi atravessado pelas políticas de branqueamento no final do século XIX que, no início do século XX, emergiam em todo território brasileiro e, de forma muito efetiva, na região sul, propagaram a superioridade da raça branca e inferioridade de outras.
A política de branqueamento tinha por objetivo branquear a nação por meio de incentivo da entrada massiva de imigrantes europeus. Nesta concepção, era necessário trazer europeus para o país para substituir a mão de obra dos escravizados, vistos como entrave para o desenvolvimento econômico do país. Deste modo, com europeus oriundos da imigração, seria possível construir uma autêntica e superior “raça brasileira” via miscigenação, e assim, extinguir a raça negra seria a solução para apressar o progresso da nação (LEITE, 1996).
Essa política emergiu nas mais diversas dimensões. Nos discursos do meio científico, jornalístico, construídos por intelectuais da sociedade brasileira, bem como, se tornou um elemento central para entender a reconfiguração territorial de muitas cidades brasileiras.II A mão de obra em massa de imigrantes, resultou na marginalização de negros e negras na nova sociedade que então emergia, pobres e negros foram empurrados para os locais mais precários e distantes dos centros de inúmeras cidades brasileiras, portanto, de serviços e acessos.
Em outras palavras, a ideologia de branqueamento, atuou e ainda tem atuado, influenciando o planejamento urbano de caráter segregacionista das cidades brasileiras. A cidade de Curitiba, amplamente influenciada por tais lógicas, construiu um planejamento urbano que acabou reforçando no espaço a segregação de base racial. Porém, percebe-se que os estudos acerca da segregação espacial urbana circunscrita à questão racial na cidade de Curitiba ainda são poucos debatidos.
Deste modo, buscamos problematizar a segregação espacial de negros e negras para além das questões econômicas. Para nós, apenas a questão econômica não é suficiente para explicar as configurações espaciais da cidade de Curitiba. Partimos do pressuposto de que é necessário pautar a raça como categoria de análise, visto que, no caso em pauta, foi um fator operante na apropriação e uso do espaço urbano de acordo com vários estudos (FRANÇA, 2010; TELLES, (2012 [2004]); GARCIA, 2006; CAMPOS, 2006).
Desta forma, o objetivo desse artigo foi apontar como o planejamento urbano da cidade de Curitiba expressa um processo de segregação espacial e como esta é espacializada, principalmente no que tange à sua base racial.
Ora, a fim de compreender a população negra e a sua distribuição na área urbana na cidade, pautamos a nossa metodologia em levantamos bibliográficos e mapas referentes à distribuição da população negra na cidade Curitiba. Os dados utilizados para a construção dos mapas foram os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano de 2010 para os 75 bairros de Curitiba.
Na primeira seção abordamos o processo histórico do planejamento urbano construído na cidade de Curitiba, que empurrou a população pobre e negra para a periferia da cidade num processo que, conforme apontamos, foi se agravando ao longo das décadas com a forte participação do Estado e do mercado imobiliário na atuação do planejamento urbano.
Em seguida, apresentamos a segregação de base racial na cidade de Curitiba através do mapa de distribuição da população branca e negra por número de habitantes, justapondo com o mapa de renda média dos domicílios por bairro na cidade, demostrando que a população negra se encontra em territórios pobres e marginalizados da cidade, ao passo que a população branca, com maior poder aquisitivo, vive em lugares mais valorizados.
Por fim, na terceira seção, abordamos a geografia enquanto uma ciência que pode pensar o espaço urbano como expressão espacial para a compreensão do racismo. A segregação sócio-espacial, tem na raça, em conjunto com outras dimensões de opressão/hierarquização, um elemento central para a reprodução de uma sociedade marcada pelas desigualdades (SANTOS, 2012). Dessa forma, concluímos que existe uma geografia profundamente racializada que estabelece um uso diferenciado e desigual do espaço geográfico para o grupo negro. Portanto, é necessário discutir a ordem sócio-espacial que se estrutura nos dias de hoje nas cidades e motivos de a população negra estar nas áreas mais periféricas.
2 O PLANEJAMENTO URBANO COMO INSTRUMENTO DE SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL E RACIAL NA CIDADE DE CURITIBA
A cidade de Curitiba é conhecida e divulgada nacionalmente e internacionalmente como uma “cidade modelo”, “capital ecológica” e sem atraso social. Ao analisarmos os indicadores de desenvolvimento humano e condições de vida, Curitiba aparece em destaque em relação aos demais estados brasileiros. No ranking nacional aparece como a quinta cidade mais rica do país, e na região sul está na primeira posição. III
Entretanto, o que estes índices de desenvolvimento mascaram é que Curitiba é uma cidade marcadamente segregada e desigual, como muitas outras no Brasil. O relatório da Organização das Nações Unidas "Estado das Cidades do Mundo 2010/2011: Unindo o Urbano Dividido" mostra que cinco cidades brasileiras estão entre as mais desiguais do mundo, atrás apenas de cidades sul-africanas em um ranking mundial, sendo elas: Goiânia, Fortaleza, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba.
Um dos pilares da propaganda que se faz sobre a Curitiba, e pela qual ela é amplamente reconhecida, diz respeito ao seu modelo de planejamento urbano. A cidade virou referência em planejamento urbano brasileiro, inovações urbanísticas e qualidade de vida. Através de diversas estratégias de city marketing, a capital do Paraná tornou-se um modelo de cidade diferenciada.
Entretanto, esse mesmo planejamento urbano tão exaltado por alguns, é também o que resultou em uma cidade de amplos contrastes, pouco democrática e marcadamente segregada. Conforme apontam estudos realizados (CARVALHO; SUGAI, 2014; CARVALHO, 2014; POLUCHA; 2009), a gestão urbana realizada em Curitiba foi um dos fatores impulsionadores do processo de segregação socioespacial.
A segregação se expressão em um domínio sócio-espacial de um grupo sobre uma determinada área por um período de tempo. A segregação do espaço de base racial, portanto, ocorre quando essa distribuição desigual dos grupos decorre de sua aparência corpórea, que resulta, na hegemonia racial de determinados grupos no acesso, uso e apropriação de espaços (OLIVEIRA, 2011).
Para compreender este processo em Curitiba, apresentamos os principais momentos da gestão urbana na cidade que culminaram na segregação espacial de base racial, a começar pelas concepções sanitaristas adotadas há décadas.
Influenciada por concepções conservadoras de sanitarismo que se espalhava pelo país, na última década do século XIX, Curitiba passa também a atentar para questões da saúde pública e higiene em uma perspectiva excludente. Em 1895 foi promulgado o início Código de Posturas da cidade, cujos objetivos iam desde uma uniformização de prédios e larguras de ruas da cidade até a limpeza pública, bem como, proibiu-se a construção de casas de madeiras no centro da cidade (1905), realizaram-se calçamentos nas ruas centrais, por exemplo. Nessa época já existia a preocupação com um ordenamento da cidade que visava expulsar do centro os trabalhadores pobres e indesejáveis.
Essa concepção higienista se agrava com o segundo Código de Posturas da cidade aprovado em 1919, uma concepção urbana de sistema hierarquizado no espaço urbano, com limitação das funções da cidade é potencializado. O código dividia a cidade em 3 zonas e impedia a construção de casas de madeira na região central da cidade para o seu “enobrecimento”, ou seja, casas mais simples não poderiam estar no centro da cidade, evidenciando, portanto, uma estratégia de planejamento urbano para afastar os pobres do centro da cidade:
A cidade foi dividida em três zonas: a urbana (zona 1), que correspondia às ruas e praças principais da cidade, na área central, onde se instalaram as famílias mais abastadas e o comércio mais importante. A zona suburbana (zona 2), localizava-se logo em seguida ao centro, era ocupada com moradias de operários qualificados e imigrantes, fábricas e os serviços públicos. A zona rural (zona 3) de ocupação mais rarefeita, era habitada por operários e pequenos sitiantes. Havia a orientação geral de retirar do centro os pequenos cortiços existentes e na zona urbana as casas deveriam ter a parede externa de alvenaria, enquanto na suburbana poderiam ser de madeira, desde que atendessem parâmetros preestabelecidos (KERSTEN, 2000 apud SILVA, LOCH, SILVA, 2009).
Já no século XX, Curitiba passa por um grande aumento populacional principalmente com a chegada massiva de imigrantes europeus, soma-se a este processo uma urbanização desordenada, consequência de uma acelerada industrialização a partir de 1940 e da expulsão campo-cidade, intensificada a partir da década de 60. É neste período que começam a emergir focos de favelização pela cidade, data desta década a primeira “favela” na região do Santa Quitéria.
Diante desse contexto, o prefeito Rozaldo de Mello Leitão, contrata uma empresa para elaborar um plano de remodelação da cidade, o denominado Plano Agache. Esse plano estabelecia diretrizes para ordenar o crescimento da cidade e seu desenvolvimento através do estabelecimento de zonas industriais, comerciais, de serviços, de ações de saneamento, constituição de áreas de reserva de expansão urbana, entre outras medidas. Nessa época, é dada uma maior ênfase em infraestrutura do que apenas no embelezamento da cidade. A ciência e a técnica passam a fazer parte dos discursos dos planejadores da cidade. Contudo, de acordo com Carvalho (2014) essa proposta não contemplou em nenhum momento a população pobre, inexistindo em seu texto a preocupação com habitações populares.
Com o expressivo aumento da população e a expansão urbana da cidade, os limites propostos pelo Plano Agache foram extrapolados não se mostrando muito eficaz no planejamento que se queria da cidade. Apesar disso, o mesmo resultou no fortalecimento de uma ideologia de planejamento urbano técnico na cidade e em algumas propostas que seriam ampliadas e aplicadas em décadas posteriores.
Assim, sem um planejamento voltado à população mais empobrecida as mesmas são empurradas para a periferia da cidade. Entretanto, é especialmente na década de 1960 que isso se torna ainda mais expressivo. Nesse momento, a cidade viveu um “novo direcionamento” urbano – e também político, social, econômico e “imagético” existente até os dias de hoje (CARVALHO, 2014).
É a partir de 1960 que se estabelece o Plano Preliminar de Urbanismo (PPU) e, posteriormente, o Plano Diretor, que marcam o processo de produção e de reprodução da segregação socioespacial, nas quais as desigualdades se agravam. No início da década de 1960 a prefeitura inicia a revisão do Plano Agache visando produzir uma cidade planejada, que necessitava reformular o sistema de transportes, o déficit habitacional, entre outras questões.
Deste modo, primeiramente foi elaborado o Plano Preliminar de Urbanismo (PPU) conhecido também como Plano Serete que tinha como objetivo elaborar um diagnóstico que apontava como principais deficiências da cidade: (i) crescimento radial e sem orientação; (ii) acentuada concentração de funções no centro da cidade; (iii) baixa densidade de ocupação do solo, resultando em um encarecimento da infraestrutura urbana.
O PPU indicava que para corrigir as problemáticas apresentadas eram necessárias as seguintes diretrizes:
(i) indução de um crescimento linear na cidade ao longo de duas vias estruturais, norte e sul; (ii) desenvolvimento de um sistema polinucleado, por meio de centros secundários, para evitar uma extrema concentração de funções no centro da cidade; (iii) adensamento da cidade, através do incentivo à verticalização em várias zonas residenciais, e da contenção da expansão urbana (Prefeitura Municipal de Curitiba, 1965).
Foi a partir dessas propostas que o Plano Diretor da cidade foi elaborado e aprovado no ano de 1966. Devido a questões políticas, as efetivações das suas propostas só aconteceram de fato quando Jaime Lerner assumiu a prefeitura em 1971, pois colocou o planejamento urbano como um meio orientador prioritário para o desenvolvimento, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) passa a fazer sua gestão.
O Plano Diretor (Instituído pela Lei 2828 de 1966) foi considerado o marco do planejamento urbano da cidade, possuindo um conjunto de propostas de loteamentos, zoneamentos e plano viário. Dentre os vários objetivos estabelecidos, o mais significativo refere-se aos eixos estruturais, que visavam estruturar a cidade em um modelo de crescimento linear e descentralizado, ordenando-a através da associação do sistema viário com o transporte coletivo e o adensamento construtivo (POLUCHA, 2009, p. 44).
Entretanto, essa reorganização urbana, segundo alguns estudos (SOUZA, 2001, p. 107 apud CARVALHO e SUGAI, 2014, p. 324) ocorreu de forma excludente. O Plano Diretor de Curitiba foi construído centrado em uma visão tecnocrata a partir da qual foi sendo desenhado desde a construção do PPU e que, passa a se fortalecer e orientar as políticas urbanas da cidade acentuando a seletividade do centro da cidade.
As áreas dos eixos estruturais, habitadas em sua maioria por camadas de pessoas de alta renda, passaram a receber os maiores investimentos de equipamentos públicos, os parques e eixos viários, transformando-se em áreas economicamente ainda mais valorizadas pela especulação imobiliária e impossibilitando, de maneira mais contundente, o acesso das camadas pobres (CARVALHO, 2014).
Conforme aponta Sánchez (1993), precursora no estudo dos mecanismos que estruturaram a imagem hegemônica de Curitiba, a partir dos anos 70 e sobretudo nos anos 90, Curitiba passa a atuar ainda mais fortemente na divulgação de uma imagem positivada da cidade através do city marketing- um mecanismo institucional de promoção e venda das cidades que produziu um forte impacto social. Assim, ao longo dos anos, Curitiba passa a ser conhecida como “Cidade Modelo”, “Capital da Qualidade de Vida”, “Capital Ecológica”, “Cidade modelo do Brasil”, “Capital europeia e de primeiro mundo”.
Observa-se que foram utilizados vários meios, para a construção e representação positivada da cidade: símbolos, mídias, propagandas, e cujos discursos passam a reverenciar a cidade como diferenciada, um lugar sem pobres, sem “favelas” e sem problemas sociais, uma capital verdadeiramente planejada. Esse discurso, que até os dias de hoje se faz presente , cria um sentimento de orgulho com relação à cidade por parte da população e torna Curitiba um polo atrativo de investimentos econômicos, ao mesmo tempo que esconde seus contrastes sociais e conflitos.
As políticas de city marketing não apenas trazem o lucro para a cidade, mas também acabam por dissimular conflitos, pois essa prática “[...] busca silenciar e camuflar a inscrição espacial do racismo na cidade e, concomitantemente, intensifica conflitos raciais em distintas escalas, esferas e contextos” (OLIVEIRA, 2014, p. 101). Tal estratégia invisibiliza e mascara a racialização do processo de distribuição espacial da população. Em outras palavras, a segregação racial existente na cidade, historicamente vivida pela população negra, é conscientemente ocultada, ao mesmo tempo que promove o embelezamento da cidade.
Sanhez (1997; 2001; 2003) também ressalta a importância que vem sendo adquirida pelo city marketing como instrumento das políticas urbanas. Os projetos de cidade possuem significados políticos e evidenciam que o poder pode ser mobilizado e exercido através de atividades de modernização urbana. No caso de Curitiba, os atores locais e estratégias territoriais interescalares (interações por meio de agentes e empresas que atuam em escala nacional e internacional) constroem o discurso e a magem de “cidade-modelo”.
Essa mobilização política de estruturação da cidade, ocorreu tanto através de atividades no campo material, como no campo simbólico. Os projetos modernizadores investem nas construções discursivas para a concretização dos seus objetivos, realizando um certo controle sobre a produção das representações espaciais. Os discursos reguladores da cidade são, portanto, parte das representações de poder da ideologia e do controle.
O city marketing através da imposição de imagens dominantes, como a capital europeia e de primeiro mundo, contribui para o exercício da violência, especialmente em sua forma simbólica. Isso é evidenciado quando a cidade de Curitiba valoriza a construção do sentido de lugar associada à construção de uma identidade unificadora europeia, invisibilizando os demais grupos. Tal processo se mostra como intencional, não existindo uma neutralidade, pois, como afirma Sanchez (2001, p.35), “[...] a construção de imagens opera necessariamente com sínteses, seletivas e parciais, que dão relevância a alguns aspectos e omitem outros, respondendo ao universo especial de interesses dos sujeitos que a constroem e aos objetivos que se pretendem.”
Esse processo tem um propósito. Essa Curitiba “desenvolvida”, “cidade modelo” ocultou a dicotomia centro-periferia, a problemática da pobreza e segregação habitacional. Entre os anos 70 e a primeira metade da década de 80, Curitiba realizou diversas ações que visavam a extinção de muitas comunidades empobrecidas, pois afirmava-se que o número de assentamentos irregulares era pouco significativo e novos na cidade, sendo viável removê-los e reassentá-los em outras localidades (ALBUQUERQUE, 2007).IV
Como exposto, o planejamento urbano na cidade de Curitiba, resultou e aprofundou ao longo do tempo padrões de segregação, privilegiando desta forma, a produção de espaços a determinados grupos com maior poder aquisitivo. Em nosso levantamento bibliográfico pudemos observar que as análises sobre segregação urbana na cidade de Curitiba, encontram campos mais profícuos e consolidados de discussão baseados nas questões econômicas. Entretanto, mesmo sabendo da importância de tais estudos, evidenciamos no presente texto, reflexões acerca do papel da raça na compreensão desse fenômeno.
Nesse sentido, para além das discussões apresentadas sobre a segregação na cidade de Curitiba, nas linhas que seguem articulamos a dimensão da raça para compreender o espaço urbano curitibano evidenciando este elemento a partir de um mapa de distribuição da população negra na cidade.
3 A DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA NA CIDADE DE CURITIBA
A cidade que se constrói diferencialmente entre os grupos pode ser observada por vários ângulos. Trataremos de apenas dois neste artigo, analisado conjuntamente: renda e cor. Como mostramos, o planejamento urbano na cidade de Curitiba pautou-se em privilegiar determinadas regiões que possuem habitantes de maior poder econômico. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano de Curitiba, o IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Curitiba da população negra curitibana está na faixa de IDHM Alto (0,752) enquanto a população branca possui o IDHM Muito Alto, na faixa de 0,844. A renda per capita de brancos chega a R$ 1.723,26, e já a de negros é de R$ 950,98 (NUD; IPEA; FJP, 2010).V
Analisando os dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, (IPPUC) de rendimento mensal mediano dos domicílios particulares permanentes, em salário mínimo de 2010 (R$ 510,00), verificamos uma média de 4,5 salários mínimos. A cidade de Curitiba possui 68% dos seus bairros com um rendimento mensal mediano dos domicílios particulares permanentes abaixo de 6,9 salários mínimos. Entre 10 e 14 salários mínimos estão 10 bairros; entre 7 e 9,9 salários mínimos estão 14 bairros; entre 4 e 6,9 salários mínimos estão 28 bairros e entre 2,4 e 3,9 salários mínimos estão 23 bairros (IPPUC, 2010). O mapa que segue apresenta a espacialização dos dados de rendimento mensal mediano, as cores vermelhas representam os maiores índices econômicos:
Figura 1 - Rendimento mensal mediano dos domicílios particulares
Fonte: (IBGE, 2010)
Os bairros que concentram a maior faixa de renda da cidade que vai de 10 a 14 salários mínimos, são: Mossunguê, Seminário, Batel, Bigorrilho, Alto da Glória, Juvevê, Hugo Langue, Jardim Social, Cabral, Ahú, localizados ao norte da cidade ao redor do centro. Sua população e classificada como sendo de “classe média alta” e “classe alta”. Esses bairros são os mais visados pelo mercado imobiliário que buscam valorizar essas centralidades na cidade, pois são áreas voltadas para grupos com poder econômico são os que possuem maior concentração dos investimentos públicos e de serviços pelo poder público.
Os bairros com rendimentos domiciliares menores, constituídos por moradores de “classe baixa” que possuem em média de 2 a 3,9 salários mínimos estão localizados predominantemente na região sul e são periférica em relação ao centro da cidade, com destaque para a Cidade Industrial de Curitiba (CIC), Sítio Cercado e Cajuru. Esses bairros, assim como os demais que apresentam população com rendimento médio de 2 a 3,9 salários mínimos, com exceção do Prado Velho, Parolin e Lindóia estão distantes do centro. São regiões que apresentam grandes contrastes sociais em comparação com os demais bairros da cidade de Curitiba, e é onde estão localizadas as maiores favelas de Curitiba.
Verificamos em nosso estudo a raça como um fator operante nessa apropriação e uso excludentes do espaço urbano, que resultou em limites e possibilidades de acesso a diferentes grupos a espaços distintos da cidade. Dessa forma, a segregação na cidade de Curitiba, para além da dimensão econômica, necessita ser olhada a partir do fator cor/raça. Nesse sentido, o mapa a seguir, evidencia as diferenças de distribuição sócio-espacial entre os brancos e negros na cidade.
Delimitamos o mapa em 4 (quatro) categorias: Bairros com até 2.500 habitantes negros, de 2.501 a 7.500, de 7.501 a 20.000 e bairros que possuem acima de 20.000 habitantes negros. A partir do mapa pode-se observar que os bairros que apresentam a maior parcela negra na cidade de Curitiba são: Cidade Industrial de Curitiba (CIC), Sítio Cercado e Cajuru, pois possuem o índice de acima de 20 mil habitantes negros morando no bairro. Posteriormente, os bairros com maiores presenças negras são: Bairro Alto, Uberaba, Boqueirão, Alto Boqueirão, Xaxim, Novo Mundo, Pinheirinho, Tatuquara e Campo de Santana.
O mapa evidencia que o maior índice de pessoas brancas está concentrado na parte central da cidade, ao redor do centro urbano, nos bairros: Batel, Bigorrilho, Mercês, São Francisco, Centro Cívico, Alto da Glória, Alto da Rua XV, Cristo Rei, Jardim Botânico e Rebouças, os de maior concentração de renda. Nestes bairros a presença negra se encontra em baixa proporção, pois possuem até 2.500 habitantes.
Para a elaboração do mapa utilizamos a classificação da população do censo do IBGE: população branca, preta, parda, amarela e indígenas, conforme as pessoas se autodeclaram. As classificações pretas e pardas foram agregadas em uma mesma categoria. As tonalidades mais escuras representam os maiores índices de população negra do bairro, conforme mostra o mapa que segue:
Figura 2 - Distribuição da população negra na cidade de Curitiba
Elaborado por: Glaucia Pereira e Ralph Albuquerque. Fonte: IBGE, ano 2020
O mapa mostra que a população negra está concentrada em maiores proporções na parte sul e periferizada da cidade, assim, ao compará-lo com o mapa de renda, fica evidente que, os bairros que possuem a maior parcela da população branca são os que concentram maior faixa de renda (Mossunguê, Seminário, Batel, Bigorrilho, Alto da Glória, Juvevê, Hugo Langue, Jardim Social, Cabral, Ahú), já os bairros com rendimentos domiciliares menores, que concentram moradores de “classe baixa” estão localizados na região sul, sendo periféricas em relação ao centro da cidade, com destaque para a Cidade Industrial de Curitiba (CIC), Sítio Cercado e Cajuru, que possuem a maior concentração de população negra e de baixa renda em Curitiba.
A população branca que possui um maior poder aquisitivo está inserida em espaços diferenciados e privilegiados na cidade com maior atuação do poder público, ao contrário da população negra que está localizada em bairros com menores rendas e áreas mais distantes do centro, distantes dos benefícios de equipamentos públicos, de infraestruturas, portanto, de políticas e programas públicos.
Os bairros que apresentam uma maior presença negra são também, os que apresentaram os menores Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano nas Regiões Metropolitanas Brasileiras, nessas regiões estão localizados os piores índices de Curitiba. A Cidade Industrial de Curitiba (CIC) chega a atingir o IDHM em 0,623, no bairro Boqueirão 0,623, Sitio cercado 0,704, já a regional Cajuru uma média de 0,806 (PNUD, 2014). Em comparação, os bairros localizados na região central como por exemplo, o bairro Água Verde, o IDHM atinge 0,956.
Esses dados de Curitiba evidenciam uma característica em comum ao analisarmos os dados nacionais de várias cidades brasileiras, a segregação espacial. Mesmo que o fenômeno da segregação assuma especificidades (históricas, políticas, culturais, urbanas e socioeconômicas), as cidades brasileiras possuem em comum o fato de que as delimitações e distribuição das populações ricas e pobres, respectivamente, brancas e negras estão bem demarcadas no espaço urbano no qual se verifica uma concentração de grupos privilegiados socioeconomicamente em áreas mais equipadas e centrais e as populações mais pobres naquelas com menos investimentos, portanto, periferizadas.
A produção dessa área periferizada se dá através da atuação conjunta do mercado imobiliário com o poder público. Como evidenciamos anteriormente, em Curitiba, o Plano Diretor atuou na consolidação desse processo de segregação. Sugai (2002) apud Carvalho mostra que o Estado é um dos agentes que atuam na valorização do solo de determinadas regiões. Desta forma, não por acaso, museus, teatros, shoppings, espaços culturais, universidades, hospitais renomados, órgãos públicos, estão instalados em áreas habitadas por grupos de alta renda, ou seja, com mais e melhores equipamentos públicos e privados e infraestrutura urbana. Não é por acaso que os pontos de referências turísticas também estão localizados nessas áreas, um exemplo é o trajeto da Linha Turismo de Curitiba por locais privilegiados.
A construção do espaço urbano perpassa pelas relações de poder, estas, são responsáveis por consolidar a hegemonia espacial de determinados grupos. A condição da população negra na cidade configura um quadro específico que conduz a experiências também particulares. Portanto, cabe também à geografia um olhar para além e desde dentro das formas racializadas que estruturam as relações da cidade. Nesse sentido, na próxima seção, evidenciamos a importância desta ciência no estudo da apropriação desigual racializada da cidade.
4 POR UMA GEO-GRAFIA NEGRA: A CIDADE E SEUS MÚLTIPLOS OLHARES
Verificamos nos itens anteriores que o racismo é um fator de distribuição seletiva das pessoas no espaço urbano de Curitiba. A população negra está inserida em um espaço urbano racializado que dificulta o acesso a bens materiais e simbólicos a esses sujeitos, portanto, “[...] define-se uma geografia de privilégios elitizados e racializados no uso e na apropriação dos espaços da cidade.” (OLIVEIRA, 2014, p. 95). Essa apropriação e o uso do espaço urbano racialmente diferenciados determinam os “lugares” e “não-lugares” da população negra na cidade. O lugar ocupado pela população negra, não é o mesmo ocupado pela população branca. Dessa forma, uma cidade desigual, excludente e segregada não surgiu de forma natural, mas é fruto de processos históricos, geográficos e sociais. Assim também já dizia a autora Lélia Gonzalez:
O lugar natural do grupo branco dominante são moradias amplas, espaçosas, situadas nos mais belos recantos da cidade ou do campo e devidamente protegidas por diferentes tipos de policiamento: desde os antigos feitores, capitães do mato, capangas, etc., até a polícia formalmente constituída. Desde a casa-grande e do sobrado, aos belos edifícios e residências atuais, o critério tem sido sempre o mesmo. Já o lugar natural do negro é o oposto, evidentemente: da senzala às favelas, cortiços, porões, invasões, alagados e conjuntos “habitacionais” (cujos modelos são os guetos dos países desenvolvidos) dos dias de hoje, o critério também tem sido simetricamente o mesmo: a divisão racial do espaço (GONZALEZ, 1982, p.55)
A população negra carrega toda uma carga histórica de uma herança colonial que a coloca em desvantagem em comparação ao grupo branco. Um dos principais fatores que explicam a segregação de base racial existente é a histórica restrição à propriedade da terra para a população negra (OLIVEIRA, 2011). Podemos tomar como exemplo o período de pré-abolição da escravatura no qual se implementou no país a Lei de Terras no ano de 1850, que tinha por objetivo definir a maneira como a terra seria apropriada. A partir desta lei a posse da terra deixou de ser pela concessão por utilização, ou seja, aboliu-se o regime de sesmaria, em que o domínio de terra era baseado na concreta ocupação e passou a ser por compra oficialmente registrada.
Desta maneira, o único meio legal de acesso à terra passou a ser a compra implicando na absolutização da propriedade, ou seja, a mesma adquire o status de mercadoria. Para Rolnik (1988) a Lei de Terras veio a regulamentar a completa monetarização da terra no país. Assim, a mencionada legislação impediu que negros escravizados adquirissem suas próprias terras, já que, para ter acesso às mesmas, era necessário pagar por elas, e este segmento era desprovido de tudo, inclusive de dinheiro. Portanto, desde essa época as formas de apropriação já favoreciam a hegemonia de uma classe social privilegiada e portanto, a periferização e a constituição de territórios excludentes para e pelos negros pobres.
Posteriormente, sabemos que a Lei Aurea (1888) resultou na liberdade de escravizados e escravizadas, porém, não trouxe nenhum suporte econômico e social a esses sujeitos. Sem condições financeiras, educação e terras, os recém-libertos acabaram por ocupar os espaços mais precários e periferizados das cidades. Historicamente as forças hegemônicas buscaram impedir que os pobres e negros tivessem direito ao acesso à propriedade privada no Brasil, condição para a continuidade dos processos de exploração desta mão de obra.
Somado a isso, como exposto, os modelos urbanísticos realizaram, e ainda realizam, uma efetiva limpeza étnica nas cidades, expulsando a população negra para locais mais precarizados distantes dos centros. Tendo por base teorias higienistas e eugênicas, foram efetivados no espaço urbano de Curitiba a elaboração de planos urbanísticos fortemente influenciados pelas teorias européias, com ideias positivistas (RAMOS, 2007; 2013).
Deste modo, a cidade de Curitiba enquanto um campo de interesses, resultado das projeções ideológicas e representações sociais e culturais, realiza políticas urbanísticas que resultam em processos de dominação e hierarquias sociais que trazem privilégios sociais aos grupos étnicos dominantes. Além disso, estabelece-se uma homogeneização das relações sócio-espaciais e desvinculação do planejamento urbano com as relações culturais, econômicas, sociais e históricas dos diferentes grupos sociais das cidades (RAMOS, 2007; 2013).
Curitiba continua a orientar a organização da cidade a partir de uma lógica mercantilista. Esse processo foi condicionado pelo próprio Estado com a sua forte participação no planejamento urbano. Ou seja, este se configura como um capitalista racial, segundo Oliveira, (2014) que precisa ser destacado.
Os capitalistas raciais, segundo o mesmo autor, são agentes que modelam o espaço urbano e nele estabelecem uma organização e distribuição desigual. Esses agentes proporcionam determinados privilégios a grupos raciais considerados superiores. Ou seja, o Estado é um dos agentes responsáveis pela gestão racista do espaço urbano e, conjunto com outros agentes (especulação imobiliária, mercantilização do espaço urbano e revitalizações) o configuram de forma desigual e excludente.
Os capitalistas raciais historicamente atuaram e atuam na organização das cidades brasileiras. No caso da cidade de Curitiba isso não se deu de forma diferente. Como exposto, os capitalistas raciais empurraram camadas negras para a margem e proporcionaram privilégios para outros grupos no acesso e uso dos espaços das cidades, já que “[...] o alvo principal desses capitalistas raciais é a propriedade, historicamente como privilégio de brancos” (OLIVEIRA, 2014, p. 97).
Desta forma, tanto o Estado como outros agentes, gerindo racialmente a cidade, são responsáveis por segregações raciais no espaço urbano, e tais ações reafirmam discriminações, sejam elas diretas e intencionais ou indiretas, na produção, no uso e na apropriação dos espaços, como afirma Oliveira (2014, p. 96):
O empresariamento da gestão pública aumenta a desigualdade na cidade. São vários os agentes que têm afirmado a racialização do espaço urbano para monopolizar os seus usos, garantir vantagens econômicas e privilégios das benfeitorias e amenidades naturais e sociais. Essas formas de gestão racializada do espaço se revelam tanto por instituições responsáveis pela regulação jurídico-política do território, como o Estado, quanto por outros agentes. Tais ações reafirmam discriminações, sejam elas diretas e intencionais ou indiretas, na produção, no uso e na apropriação dos espaços.
Ao falarmos sobre a segregação espacial nas cidades brasileiras é muito comum os estudos abordarem as condições econômicas que resultaram tal processo. Evidenciar que a população negra faz parte das classes mais exploradas e expoliadas e, por isso, habitam as áreas mais periferizadas das cidades, e que os brancos, em geral, possuem uma maior condição financeira e, por isso, moram em áreas mais nobres é importante, mas precisamos de uma maior problematização em relação aos processos de racialização que influenciam na produção da cidade
Nesse sentido, Telles (2012 [2004]) em seus estudos sobre a segregação residencial nas cidades brasileiras aponta que apenas a classe social não explica tal fenômeno. O autor afirma que entre os negros e brancos pobres, a população negra ainda se encontra mais fragilizada que esta última. Em outras palavras, mesmo esses grupos estando dentro de uma mesma classe social e em uma área pobre, a população negra encontra-se ainda mais vulnerável. O mesmo vale para negro de classe média e alta. Mesmo esses grupos que possuem um maior poder aquisitivo e estão na mesma condição social que brancos, não estão localizados nas mesmas áreas daqueles brancos de alta renda que ainda se concentram em áreas mais privilegiadas da cidade.
Em outras palavras, apesar de terem a mesma renda, os grupos não estão localizados no mesmo espaço da cidade. Por que brancos e negros de uma mesma condição econômica não ocupam o mesmo espaço da cidade?
A população negra está historicamente sujeita a essa desigualdade, que mantem as vantagens urbanas em áreas de maioria branca, as áreas precárias, de baixa infraestrutura são habitadas por maioria negra. Essa configuração da distribuição de negros e brancos ocorrem por meio de duas práticas espaciais: a seletividade e a marginalização espacial que criam processos de segregação de base racial do espaço. Esses dois processos (seletividade e marginalização espacial) impõem um lugar para negros na estrutura sócio-espacial da cidade. Curitiba é mais um exemplo deste processo.
Oliveira (2011) complexifica o debate apontando que a espacialidade da questão racial não envolve apenas uma grande concentração de pessoas negras habitando em áreas precárias, mesmo em espaços e escalas de poder, as discriminações também ocorrem, pois o ordenamento espacial auxilia na criação de um imaginário racista e de comportamentos regulados, por exemplo, quando a população negra não frequenta determinados lugares por acreditar não serem os espaços delas ou por serem alvo de atitudes preconceituosas.
O ordenamento espacial impõe uma hierarquização dos corpos na produção do espaço. Quando o corpo negro está em locais que “não são permitidos para eles” são vistos como estrangeiros na cidade, estranhos àquele lugar e sua presença não é bem vista. O corpo negro é imaginado predominantemente senão apenas como um corpo servil. Portanto, a população negra está inserida em um contexto marcado por um arranjo e um ordenamento espacial fundados no capitalismo racializado. A segregação fundada na racialização impõe os lugares onde irão viver a população negra e o ordenamento impõe os lugares que a mesma pode ou não pode circular (OLIVEIRA, 2011). Assim, Oliveira resume que:
O arranjo e o ordenamento espacial das relações raciais expressam respectivamente contextos e situações espaços-temporais hierarquizantes e hierarquizadas concebidas por grupos dominantes que na costura de políticas públicas e /ou na condução de suas ações produtoras de espaços desiguais inscrevem concepções racializadoras da sociedade que se materializam na localização e distribuição desigual dos bens de uso coletivo. As práticas racistas, preconceituosas e de discriminação criam assim, distâncias e impõem métricas materiais e simbólicas aos indivíduos classificados como negros. Portanto, estabelecem processos sócio-espaciais. Esses processos são produtos dos arranjos, ordenamentos e eventos de discriminação. O arranjo espacial revela como são apropriados os bens sociais coletivos produzidos e o ordenamento revela como esses mesmos bens são usados. O não entendimento das distâncias físicas e simbólicas criadas por essas práticas de poder e violência dificulta a eficácia das políticas públicas. (OLIVEIRA, 2011, p. 154).
Conforme os dados apresentados a partir da análise da configuração da cidade de Curitiba, vimos que a raça imprime uma característica à organização do espaço. A cor da pele é algo demarcatório social e espacialmente, por isso é ordenadora do território e, desta forma, ao observarmos as relações raciais inscritas na produção e reprodução do espaço nas cidades, percebemos que existe um uso do espaço geográfico desigual e diferenciado para determinados grupos.
Esse processo espacial urbano da cidade impacta diretamente o direito à cidade desses grupos. Os bairros pobres se constituem em situações mais precárias, mas distantes dos padrões de urbanização, de cultura, de educação, de saúde, de saneamento e de trabalho, são desassistidos pelo poder público. São as áreas mais prejudicadas com a violência. Portanto, a população negra está inserida e um contexto marcado por um arranjo e um ordenamento espacial racializado e excludente. O arranjo impõe os lugares onde irão viver a população negra e o ordenamento impõe os lugares que a mesma pode ou não pode circular (OLIVEIRA, 2011).
Conforme aponta a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, é necessário evidenciar e mapear a “[...] inserção territorial dos pretos e pardos nas cidades, seja localizando esse grupo mais precisamente no tecido urbano, seja penetrando em seus espaços cotidianos de vida e socialização” (ROLNIK, 2007, p. 75). O racismo é um fenômeno que se manifesta espacialmente, sendo a segregação racial um reflexo espacial das desigualdades raciais.
A distribuição espacial desigual dos sujeitos não é uma simples coincidência, o espaço geográfico é composto de intenções, tensões e contradições que nele se materializam. Ratts (2004) aponta que existe uma diferença nos corpos e nos espaços sociais, e a cidade é vivenciada de forma diferenciada pelas pessoas. As experiências são distintas pois existem marcadores de diferenças sociais.
O racismo é um dos fatores atuantes de dominação no espaço urbano e a geografia tem um papel muito importante neste debate. É necessária uma maior compreensão da complexidade que envolve a construção do espaço e pensar o racismo em termos socioespaciais e como ele se materializa nos lugares é fundamental em um país como o Brasil que possui quase metade (56%) da população negra e parda (IBGE, 2018). Como aponta o geógrafo Renato Emerson dos Santos, pensar sobre as “Questões Urbanas e Racismo nos desafia a olhar as manifestações e expressões concretas e subjetivas do racismo no espaço urbano, o que é também, por outro lado, utilizar o espaço urbano como chave de compreensão do racismo” (SANTOS, 2012, p. 28).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cidade de Curitiba possui uma a forte valorização dos imigrantes europeus, e a presença e contribuição pioneira da população negra não são contempladas da mesma forma. Existe uma forte invisibilização das grafagens espaciais, (SANTOS, 2009) e geo-grafias (PORTO-GONÇALVES, 2001) negras curitibanas. Muitos desses discursos e práticas tiveram como pilar a política de branqueamento, em específico o paranismo, que, respaldando-se nos parâmetros europeus de civilidade e modernização do país impactou fortemente as esferas políticas e sociais, bem como, o planejamento urbano da cidade, portanto, sua produção.
Os modelos urbanísticos aplicados na cidade resultam (e resultaram) em desigualdades estruturais e deslocamento forçado da população negra e pobre da região central para as áreas mais afastadas, influenciando na criação de espaços sociais marginalizados. Fato que por sua vez, foi legitimado, reforçado, e estrategicamente construído por uma política de city marketing que construiu uma imagem de “cidade modelo”, “capital europeia” e sem atrasos sociais, que mascarou os espaços essencialmente racializados e descontínuos do restante tecido urbano.
Diante disto, a proposta deste artigo não é eliminar a discussão do viés econômico no processo de segregação urbana, mas evidenciar a necessidade de o conjugarmos com a questão racial. A cartografia racial que apontamos, para análise da representação das desigualdades, mostra uma configuração sócio-espacial da cidade que apresenta uma população branca com maior poder aquisitivo inserida em espaços privilegiados, que constituem as áreas selecionadas para composição da imagem da “cidade modelo” e “vendida” nos pontos turísticos.
Já a população negra está localizada em sua maioria em bairros que possuem os menores IDH, com menores rendas em áreas mais distantes do centro, consequentemente, distantes dos benefícios dos equipamentos públicos e infraestruturas, evidenciando, concretamente, a contradição do discurso hegemônico da “cidade modelo”.
A publicização dos dados da segregação social entre os negros e brancos são significativamente importantes, pois trazem no seu bojo, o rompimento da invisibilidade negra na cidade de Curitiba. Descortinam o mito da não existência negra na cidade perpetuado por um imaginário eurocêntrico e racista que ainda persiste nos dias atuais, em um discurso que reproduz um racismo urbano velado.
Por fim, enfatizamos que a segregação racial é fruto de processos históricos, geográficos e sociais, portanto, cabe à geografia compreender como a raça se revela essencial à produção e organização da cidade e quais as suas implicações na localização espacial dos sujeitos negros, a exemplo das distâncias tanto materiais quanto simbólicas, que estabelecem o acesso, o uso e a apropriação de espaços na dinâmica sócio-espacial.
Na cidade de Curitiba, as discussões sobre raça e espaço urbano precisam de maior visibilidade, foi o que verificamos em nosso levantamento bibliográfico, dada a ausência de pesquisas sobre esta questão. É necessário um olhar questionador e crítico ao propalado sucesso do planejamento urbano de Curitiba. Existe um lado que não está nos símbolos que estruturam a (re) produção e consolidação da imagem da cidade, e este precisa ser evidenciado e discutido sob o risco de ocultamento e invisibilização de sujeitos que historicamente têm reivindicado seu direito à cidade.
Ao visibilizar estas questões, trazemos para o centro do debate e chamamos atenção para a importância dos planejamentos urbanos que deveriam ser produzidos com foco na multiplicidade, a fim de realizar ações concretas de enfrentamento às desigualdades, ou seja, um planejamento que atenda as demandas dos diversos sujeitos que produzem a cidade.
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1 – Glaucia Pereira do Nascimento:
Licenciada e Bacharel em Geografia, Mestre em Geografia - UFPR,
https://orcid.org/0000-0003-1249-1516 - glauciapnascimento@gmail.com
Contribuição: Escrita; redação, planejamento da pesquisa, coleta, análise, interpretação dos dados, revisão da redação
Como citar este artigo
NASCIMENTO, G. P. de. A racialização do espaço urbano da cidade de Curitiba- PR. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 25, e24, p. 1-32, 2021. DOI 10.5902/2236499446911. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2236499446911. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
I Porto Alegre apresenta aproximadamente 20% de pessoas negras em sua população e Florianópolis 13,87. No Paraná, cerca de 28,5% dos paranaenses se autodeclaram negros, negras, pardas ou pardos, estado com maior número de negros na região sul do total de habitantes; o Rio Grande do Sul é o segundo com 16,13% e Santa Catarina é o estado com a menor proporção de negros, com 15,4%. No Paraná, as cidades mais populosas depois de Curitiba, apresentam: Londrina composta por brancos (70,4%), pardos (21,8%), negros (4,3%); Maringá, brancos (70,84%), pardos (22%), negros (3,40%); Ponta Grossa, brancos (80%), pardos (16%), negros (4%) e Cascavel, branca (70,15%), parda (26,25%) e negra (2,59%). Fonte: Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) 2010 e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE.
II Vale lembrar algumas políticas concretas realizadas no Brasil. O Decreto n. 528, assinado pelo presidente Deodoro da Fonseca, no dia 28 de junho de 1890, determinava no Art. 1º: “É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho. Excetuados os indígenas da Ásia ou da África, que somente mediante a autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos”. No dia 18 de setembro de 1945, Getúlio Vargas, assinou o Decreto-Lei nº 7967, que regulava a entrada de imigrantes no Brasil de acordo com “a necessidade de preservar e desenvolver na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia”.
III Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Bruto nominal a preços correntes (2016). Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pr/curitiba/pesquisa/38/47001?tipo=ranking
GAZETA DO POVO. Cinco cidades brasileiras integram lista das mais desiguais do mundo. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/cinco-cidades-brasileiras-integram-lista-das-mais-desiguais-do-mundo-289ip4tf7gr70xp5s0uhycd3i/. Em 2012 a cidade parece também como a 6.ª pior cidade da América Latina em distribuição de renda. Acesso em: 01/06/2020.
IV O primeiro registro é da política Municipal de Habitação para Curitiba foi a política habitacional do Município de Curitiba”, elaborada em 1964. Essa política apresenta, entre suas ações prioritárias, “a construção de conjuntos habitacionais destinados à eliminação de favelas, mocambos e outros aglomerados em condições sub-humanas de habitação”. Inciso I, artigo 3 da Lei n 2515/1964, que “Dispõe sobre a política habitacional do munícipio de Curitiba”. Em 1967 é entregue o primeiro conjunto habitacional, Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, com 2100 casas, na região sul do município, o que se tornou mais tarde a Cidade Industria de Curitiba (CIC). Em 1968, foi realizada a Política de Erradicação das favelas do Município de Curitiba. Inciso II, artigo 1 da Lei n 3318/1968, que “Dispõe sobre a política de Erradicação das favelas do Município de Curitiba e dá outras providências”, entre outras medidas foram implementadas ao longo dos anos (ALBUQUERQUE, 2007)iidh
V O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.