Universidade Federal de Santa Maria

Geografia, Ensino e Pesquisa., Santa Maria, v. 25, e20, 2021

DOI: 105902/1414650943699

ISSN: 2236-4994

Recebido: 22/04/2020 • Aceito: 12/04/2021 • Publicado: 31/08/2021

Da fronteira ao entorno metropolitano: particularidades de cidades médias Amazônicas - Altamira e Castanhal no Estado do Pará

From the frontier to the metropolitan environment: particularities of Amazon medium cities - Altamira and Castanhal in the State of Pará

Willame de Oliveira RibeiroI

José Queiroz de Miranda NetoII

I Doutor em Geografia pela Universidade Estadual do Pará, Belém, PA, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-3692-4224 • willame@uepa.br

II Doutor em Geografia pela Universidade Estadual do Pará

https://orcid.org/0000-0003-1939-4866 • mirandaneto@ufpa.br

RESUMO

A diversidade das realidades representadas pelas cidades médias requer o reconhecimento das particularidades desses centros urbanos e de suas articulações regionais, especialmente ao se levar em conta as diferenças entre as macrorregiões brasileiras, como é o caso da Amazônia em relação ao restante do país. Nesse sentido, a problemática dessa pesquisa se delimita pelas seguintes indagações: como se caracterizam as cidades de Castanhal e Altamira em termos de suas situações espaciais, estruturas urbanas e articulações regionais? E como esses centros urbanos, a partir de suas particularidades, apresentam-se diante do conjunto das cidades médias? A partir do desenvolvimento de procedimentos metodológicos, como levantamentos bibliográficos e documentais e trabalhos de campo, pode-se constatar que a análise das cidades de Castanhal e Altamira, no Estado do Pará, revela o quanto é indispensável a consideração das particularidades regionais amazônicas na busca do reconhecimento das cidades médias a partir dos seus papéis na rede urbana. Além disso, também evidencia que mesmo em se tratando de um contexto macrorregional comum a duas cidades as suas particularidades continuam a se impor, o que levou, na presente análise, à admissão de Castanhal como cidade média de entorno metropolitano e Altamira como cidade média da fronteira amazônica.

Palavras-chave: Altamira; Amazônia; Castanhal; cidades médias; particularidades

ABSTRACT

The diversity of the realities represented by medium-sized cities requires the recognition of the particularities of these urban centers and their regional articulations, especially when taking into account the differences between the Brazilian macro-regions, as is the case of Amazonia in relation to the rest of the country. In this sense, the problem arises from that research, delimited by the following questions: how are the cities of Castanhal and Altamira characterized in terms of their spatial situations, urban structures and regional articulations? And how do these urban centers, from their particularities, stand before all medium-sized cities? From the development of methodological procedures such as bibliographical and documentary surveys and field work, it can be seen that the analysis of the cities of Castanhal and Altamira, in the State of Pará reveals how indispensable it is to consider regional Amazonian particularities in the search for recognition of medium-sized cities from their roles in the urban network. In addition, it also shows that even in the case of a macro-regional context common to two cities, their particularities continue to impose themselves, which led, in the present analysis, to the admission of Castanhal as a medium-sized city of metropolitan surroundings and Altamira as at the Amazon frontier.

Keywords: Altamira; Amazon; Castanhal; medium cities; particularities.

1 INTRODUÇÃO

A noção de cidade média, apesar dos recentes avanços em sua definição, é utilizada para se referir a um conjunto de cidades razoavelmente diversificado, no qual os centros urbanos se diferenciam entre si por uma variedade de características. Essa realidade indica a existência da cidade média não como um tipo uniforme, mas como uma categoria de cidades que expressa fortes particularidades. Ao se considerar as diferenças entre as grandes regiões brasileiras ou mesmo entre os espaços no interior dessas regiões, essas particularidades ganham ainda mais força, uma vez que se somam às qualidades distintivas das regiões e das redes urbanas das quais são estruturadas/estruturantes.

A motivação fornecida por essa realidade está na raiz das análises expostas neste trabalho, que traz em suas entrelinhas a intenção de contribuir com os estudos das cidades no Brasil e na Amazônia mediante as análises das cidades de Castanhal e de Altamira, ambas no Estado do Pará. Essas cidades, à luz de muitos critérios utilizados nacionalmente, não reúnem as características mais gerais para a sua classificação enquanto cidades médias. Muito possivelmente, o avanço nos estudos desse conjunto de cidades perpassa pela análise de realidades concretas não claramente identificadas e com o consequente reconhecimento de suas particularidades e da diversidade que marca esse estrato da rede urbana.

A razão de se propor a análise das cidades de Castanhal e de Altamira, situadas em condições bem diferenciadas do ponto de vista urbano, se dá justamente pela necessidade de considerar que: a) muitos critérios utilizados para a classificação das cidades médias em termos gerais (como o tamanho populacional e a intensidade dos fluxos econômicos), podem ser relativizados; b) apesar de serem hierarquicamente articuladas a mesma metrópole (Belém), ambas assumem funções e características bastante diversas, sem prejuízo da capacidade de influenciar outros centros de ordem inferior; c) permite entender como se processa a existência uma cidade média próxima à metrópole (Castanhal) e outra com grande distância física em relação à metrópole (Altamira); e d) tais cidades podem conter elementos explicativos fundamentais para as diferenças de natureza do processo de urbanização na Amazônia.

Nesse sentido, as questões que orientam as reflexões aqui desenvolvidas estão assim definidas: como se caracterizam as cidades de Castanhal e Altamira em termos de suas situações espaciais, estruturas urbanas e articulações regionais? E como esses centros urbanos, a partir de suas particularidades, apresentam-se diante do conjunto das cidades médias?

O pensar sobre essas indagações e a busca de respondê-las perpassou por procedimentos variados, entre os quais se sobressaem: a) construção de referencial teórico sobre cidade média, particularidade a situação espacial e as interações espaciais; b) levantamentos documentais sobre as características das regiões articuladas pelas cidades de Castanhal e Altamira, com a utilização de textos acadêmicos, artigos de jornal, dados disponibilizados pela Junta Comercial do Estado do Pará – JUCEPA, pelas prefeituras municipais das duas cidades e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, especialmente, com relação aos estudos Regiões de Influência das Cidades – REGIC 2007 (IBGE, 2008) e Divisão Urbano Regional (IBGE, 2013); c) seleção e extração de dados do Censo Demográfico Brasileiro de 2010 (IBGE, 2010) para construção dos indicadores de deslocamento temporário de pessoas por motivo de estudo; d) realização de trabalhos de campo para levantamento fotográfico, levantamento de informação para elaboração de mapas, para contato com sujeitos envolvidos na problemática da pesquisa e para realização de entrevistas.

Com vistas à construção de um quadro teórico mais claro, será discutida primeiramente a categoria particularidade, em seguida a noção de cidade média e, por fim, serão debatidas as particularidades das realidades concretas das cidades médias de Castanhal e de Altamira no âmbito da região amazônica.

2 PARTICULARIDADES E ESTUDO DAS CIDADES MÉDIAS

Cheptulin (1982) define e estabelece correlações entre o singular, o particular e o geral. Para ele o singular diz respeito àquilo que só existe em uma formação material dada (coisa, objeto, processo) e não se repete em outras formações. O geral, ao contrário, refere-se às “[...] propriedades e ligações que se repetem nas formações materiais (coisas, objetos, processos) [...]” (p. 194). A partir dessas definições o autor conclui que

[...] o singular e o geral não existem de maneira independente, mas somente por meio de formações materiais particulares (coisas, objetos, processos), que são momentos, aspectos destes últimos. Cada formação material, cada coisa representa a unidade do singular e do geral, do que não se repete e do que se repete. Existindo sob a forma de aspectos, momentos das formações materiais particulares (coisas, processos), o singular e o geral estão organicamente ligados um ao outro, interpenetram-se e só podem ser separados no estado puro das abstrações. A correlação do singular e do geral no particular (formação material, coisa, processo) manifesta-se como correlação de aspectos únicos em seu gênero, que são próprios apenas a uma formação material dada, e a aspectos que se repetem nesse ou naquele grupo de outras formações materiais. (CHEPTULIN, 1982, pp.194-195)

Fica claro nas palavras do autor que o singular, o particular e o geral não são entidades independentes entre si, pois possuem uma articulação de modo que cada uma existe em relação às outras como componentes da trama que constitui a realidade. O particular é o que mais evidencia essa interdependência, pois seria “[...] a unidade do singular e do geral. A correlação do particular e do geral representa uma correlação do todo e da parte, em que o particular é o todo e o geral é a parte” (CHEPTULIN, 1982, p.196). Assim, em uma realidade particular os elementos do geral a compõem enquanto partes de um todo, que é o particular.

Por sua vez, Lukács (1968) explica que no âmbito da dialética materialista, que busca a maior aproximação possível com a realidade objetiva, se “[...] pode compreender a universalidade em uma contínua tensão com a singularidade, em uma contínua conversão em particularidade e vice-versa” (p.104), ou seja, o particular é a grande expressão da realidade concreta, que traz em si o singular e o geral. Segundo Cheptulin (1982), “o que distingue os objetos confrontados constitui o particular e o que exprime sua semelhança é o geral” (p.197), enquanto o singular se apresentaria exclusivamente como particular, uma vez que diz respeito apenas a certa formação material, o que resulta na sua diferenciação com relação a qualquer outra formação.

Neste trabalho, concorda-se com a consideração da região como expressão espacial da particularidade (LENCIONI, 2003; CORRÊA, 1996), entretanto, não se advoga a ideia de que ela seja a única. De fato, sendo o particular possuidor de uma posição variável, pois que se situa na mediação entre o singular e o geral, cuja definição depende da situação concreta a ser considerada, conceitos geográficos como de espaço e território, por exemplo, também podem ser marcados pela particularidade. Isso porque o particular não diz respeito intrinsecamente ao conceito, mas à situação concreta, o que permite uma análise pautada não somente na região, mas também da rede urbana e das cidades, imersas em realidades concretas a partir da categoria particularidade.

Em consonância com essa perspectiva, a análise aqui desenvolvida volta suas preocupações aos fatores que distinguem as cidades de Altamira e de Castanhal e suas respectivas redes urbanas, mediante a análise das múltiplas particularidades dessas cidades, isto é, do conjunto de características (singulares e particulares) que diferenciam essas formações concretas no âmbito da Amazônia tomada como totalidade (geral). Porém, antes de passar à análise das citadas cidades, cabe algumas considerações sobre a noção de cidade média, aqui considerada como a que melhor expressa os papéis dos centros urbanos estudados no âmbito da rede urbana amazônica, mesmo que nesse conjunto as cidades em questão ainda apresentem significativas particularidades.

Os estudos geográficos mais recentes sobre as cidades médias no Brasil têm, normalmente, destacado os limites de sua definição por uma perspectiva apenas demográfica e valorizado outros fatores também fundamentais à caracterização de uma cidade como cumpridora do papel de cidade média no âmbito da rede urbana.

Entre esses fatores está a situação espacial, isto é, a posição relativa de uma cidade num contexto mais amplo, como o regional, das interações espaciais. Essa situação depende diretamente dos meios de circulação e comunicação utilizados e de como esses meios são contextualizados no tempo e no espaço, de modo que as situações também vão se estabelecer de acordo com os referidos contextos.

Indo ao encontro dessa compreensão, Sposito (2001, p.630) destaca que as relações que permitem a apreensão da situação geográfica (ou espacial) de uma cidade, na atualidade, estão “[...] medidas por duas escalas – a das distâncias espaciais e a da conectividade que as redes de transmissão de informações possibilitam [...]”. Nesses termos, uma cidade média precisa ser condizente com uma “situação geográfica favorável” (SPOSITO, 2001, p. 627), isto é, uma situação espacial particular que favoreça a sua centralidade e a sua condição enquanto centro de uma região.

Segundo Sposito (2004, p.126) as cidades médias possuem importantes funções e “[...] desempenham claros papéis intermediários entre a(s) metrópole(s) e as pequenas cidades que compõem uma rede urbana”. E o desempenho desse papel de intermediação depende da situação espacial dessa cidade, que precisa ser dotada de uma privilegiada acessibilidade, tanto no que se refere aos transportes quanto às comunicações, em comparação aos demais centros de sua área de influência, caso contrário, dificilmente essa área de influência seria constituída, assim como também o papel de cidade média. A mesma fluidez é necessária na relação dessa cidade com a(s) metrópole(s) a(s) qual(is) está hierarquicamente articulada.

Corrêa (2007) reconhece três critérios por ele concebidos como indispensáveis para descortinar as cidades médias: o tamanho demográfico, as funções urbanas e a organização do espaço intraurbano considerados de forma articulada e não isoladamente. Mesmo insuficiente, o critério demográfico não pode ser desconsiderado para a definição das cidades médias, principalmente pela imbricação que possui, como bem ressalta Corrêa (2007), com outras dimensões relevantes da cidade: funções no contexto regional e composição do espaço urbano.

Para Corrêa (2007), as cidades médias seriam caracterizadas por uma combinação particular de tamanho demográfico, funções urbanas e espaço intraurbano. Esses elementos aparecendo nesse tipo de cidade sempre de forma mais densa e mais complexa que nas pequenas cidades da mesma região e de forma menos densa e menos complexa que na metrópole.

Outro elemento indispensável à conformação de uma cidade média é a centralização, pois, primordialmente, a cidade média se constitui como tal pelo exercício de uma centralidade. Há, portanto, um destaque regional que se dá pela intermediação entre as cidades de sua área de influência com menores atributos de centralidade (a exemplo das pequenas cidades) e as dotadas de uma centralidade superior, como as cidades grandes e as metrópoles.

Essa centralidade está diretamente relacionada à constituição das interações espaciais (ULLMAN, 1980; CAMAGNI, 2005; CORRÊA, 1997), cuja intensidade também é um importante elemento identificador das cidades médias. Desse modo, essas cidades também se caracterizam por apresentar “[...] interações espaciais intensas, complexas, multidirecionais e marcadas pela multiescalaridade” (CORRÊA, 2007, p.30). Apesar de se advertir que essa intensidade, multidirecionalidade e multiescalaridade precisam ser consideradas de acordo com a formação socioespacial em que se insere a cidade.

Assim sendo, existe um número significativo de elementos que ajudam a objetivar essa noção. Entre esses elementos é possível destacar o contingente populacional, a situação espacial favorável, o papel de intermediação entre as pequenas e grandes cidades, a centralidade regional, a densidade do espaço urbano e as densas e complexas interações espaciais.

Entretanto, a despeito da possibilidade e da relevância das generalizações, tanto em termos da busca de definição do que seja uma cidade média quanto no estabelecimento de tipologias que se pretendam aplicáveis aos mais diversos espaços, é indispensável a atenção às particularidades regionais. Tal proposição é fundamental ao se considerar um país como o Brasil, com grande extensão territorial e com um processo de ocupação tão distinto no tempo, nos objetivos e nas estratégias utilizadas.

Como constata Maia (2010, p.23) “no quadro urbano brasileiro, as cidades ora consideradas médias, embora apresentem similaridades, revelam diferenças tanto em sua estrutura como em sua dinâmica”. Posição semelhante é defendida por Castello Branco (2007, p.94), ao reconhecer as desigualdades espaciais no Brasil e suas implicações nas características dos centros intermediários:

[...] nas Unidades da Federação com menor tamanho populacional, os centros articuladores do espaço regional também apresentam menor porte que aqueles situados em áreas mais densamente ocupadas. Portanto, se considerarmos apenas seu tamanho (populacional, econômico, de fluxos etc.), verifica-se que esses centros seriam comparáveis a centros com menor papel articulador nas áreas mais dinâmicas do país e que desempenham funções menos complexas, apresentam área de equipamento funcional mais limitado e atendem a uma área de influência de menor dimensão. (CASTELLO BRANCO, 2007, p.94)

A Amazônia é uma região que se insere nesse quadro, pois é uma formação socioespacial bastante diferenciada daquelas que caracterizam o restante do país, especialmente, o Centro-sul do Brasil. Santos e Silveira (2002) a caracterizam como “[...] uma região de rarefações demográficas herdadas e baixas densidades técnicas” (p. 272). Sendo a última a promover a ampliação de sua mecanização, até a atualidade a região seria marcada apenas por pontos do meio técnico-científico-informacional, contrastando com outras regiões do Brasil, como o Nordeste, onde esse meio se apresenta a partir de manchas no território e, principalmente, a Região Concentrada, onde o novo meio geográfico marca quase todos os recantos.

Essas desigualdades regionais também se expressam na rede urbana e nas características dos espaços urbanos. Com isso, muito comumente, as cidades que desempenham papel de cidade média no âmbito da rede urbana amazônica possuem densidade e modernização do espaço urbano, tamanho populacional, número de cidades na região de influência, entre outros fatores, aquém do que se verifica nas cidades da Região Concentrada que pertencem ao mesmo estrato da rede urbana. Por isso, a adoção de critérios indistintos para o reconhecimento das cidades médias em todo o território nacional pode resultar na não identificação de cidades desse nível hierárquico na Amazônia ou no reconhecimento de um número inferior ao real.

Entretanto, essa consideração das particularidades regionais amazônicas não encerra o debate, uma vez sendo a própria região marcada, internamente, por significativa diversidade socioespacial, o que também vai implicar numa complexificação da questão das particularidades das cidades médias nessa região.

Dessa forma, a categoria particularidade deve ser aplicada ao contexto regional amazônico, aos diversos contextos espaciais no âmbito da Amazônia e à realidade constituída por cada cidade média amazônica, sempre dotadas de significativas características particulares, como evidenciam as realidades socioespaciais de Altamira e de Castanhal, ambas no Estado do Pará, mas com marcantes diferenciações entre si e para com a Amazônia, como totalidade, conforme demonstrado a seguir.

3 CIDADE, REGIÃO E PARTICULARIDADES DE CASTANHAL/PA

Castanhal está localizada na Região Nordeste do Estado do Pará (Figura 1), como definido em Ribeiro (2017), onde desempenha o papel de cidade com maior influência regional. Essa região não corresponde ao típico padrão de fronteira capitalista na Amazônia, uma vez sendo de uma origem mais antiga, tendo os primórdios de sua ocupação nas políticas coloniais portuguesas (séculos XVII e XVIII) e a intensificação desse processo com a empreitada colonizadora do final do século XIX e inícios do século XX, associada à economia da borracha na Amazônia e à necessidade de produção de gêneros alimentícios para o abastecimento de Belém.

Figura 1 – Região Nordeste do Estado do Pará. Municípios componentes e hierarquia urbana. 2013

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Fonte: Ribeiro (2017)

Essa região tem como algumas de suas mais importantes particularidades as características da sua rede urbana, o seu processo de estruturação atrelado à Estrada de Ferro de Bragança - EFB e as articulações com a metrópole de Belém. Outros fatores poderiam também ser destacados como particularizadores desse espaço na totalidade Amazônia e, portanto, como definidores da região: a grande quantidade de centros urbanos e a proximidade entre eles; a existência dos estratos intermediários da rede urbana, com três centros sub-regionais (IBGE, 2008); a densidade da atual interligação rodoviária; área litorânea com importantes espaços de lazer e turismo; pequena importância de grandes projetos minero-metalúrgicos; menor importância dos rios como meio de locomoção, de subsistência e como referência identitária; e forte presença de minifúndios e da produção agrícola familiar.

Quanto à cidade de Castanhal, a mais importante da região, ela usufrui de uma situação espacial muito favorável no âmbito da rede urbana amazônica, especialmente por sua acessibilidade rodoviária. Nas últimas décadas, Castanhal conheceu um incremento significativo de sua população, passando de 65.251 habitante, em 1980, para 173.149 habitantes, em 2010, com 88,6% dessa população em área urbana (IBGE, 2016).

Esse incremento populacional, principalmente diante da forte urbanização da população, resultou numa acentuação da expansão de sua área urbana, que se expandiu em 145,9%, de 1984 a 2016, em grande parte mediante a dilatação das periferias, acompanhando os eixos de circulação e atingindo uma malha urbana de 44,66 km2.

Castanhal possui uma estrutura urbana relativamente simples, com apenas uma área central bem definida e que serve de referência, com uma boa concentração de comércio e serviços, não apenas a toda a sua área urbana e rural, mas também às pequenas cidades que compõem sua área de influência. Essa área central se estabelece nas intermediações de eixos rodoviários importantes, como a Avenida Barão do Rio Branco, a Rodovia BR-316, a PA-136 e a PA-320.

A Avenida Barão do Rio Branco, trajeto da antiga Estrada de Ferro de Bragança (demonstrando a importância dessa ferrovia na estruturação do espaço urbano de Castanhal), concentra as principais atividades de comércio e serviços, tanto públicos quanto privados, ao longo de seu percurso ou em suas adjacências. Órgãos públicos, como a Prefeitura Municipal e a Gerência Regional de Trabalho e Emprego; a maior parte dos bancos públicos e privados; as redes de comércio varejista do Nordeste Paraense e de Belém estão ao longo dessa avenida principal ou em suas adjacências.

Com 11 agências, Castanhal possui a melhor oferta desse tipo de serviço em todo o Nordeste Paraense, o que ocorre também em relação à presença de órgãos públicos (Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, Receita Federal, Gerência Regional de Trabalho e Emprego, Circunscrição Regional de Trânsito – CIRETRAN) e dos serviços de ensino superior (Universidade Federal do Pará – UFPA, Universidade do Estado do Pará – UEPA, Instituto Federal do Pará – IFPA, Estácio), que se constituem em notáveis vetores de centralidade regional para Castanhal. Com isso, fica claro que o comércio e os serviços representam a destacada influência regional exercida por Castanhal.

Com relação a situação espacial, pode-se reconhecer três realidades ao longo de seu processo de formação: 1) relativa ao contexto da Estrada de Ferro de Bragança – EFB (final do séc. XIX a meados da década de 1960); 2) com o surgimento e a disseminação das rodovias a partir dos anos 1960; 3) relativa à intensificação das interações espaciais com Belém, com o advento do século XXI. Nos três momentos, a situação espacial de Castanhal favoreceu o exercício de sua centralidade diante da região e a sua configuração como cidade de maior expressão no Nordeste Paraense.

Na atualidade, a situação espacial de Castanhal continua associada à sua posição de entroncamento rodoviário. Todavia, o aprofundamento das interações espaciais com o espaço metropolitano de Belém constitui um elemento novo, a sua posição em relação à metrópole. Castanhal liga-se a Belém pela rodovia BR-316 e as interações entre os dois espaços são intensas, o que explica a duplicação da rodovia no final dos anos 1990, entretanto, apesar da intensidade das interações espaciais entre Castanhal e Belém ser considerável ela está muito aquém da intensidade de interações que marca as articulações de caráter metropolitano, por isso, aqui se considera Castanhal como compondo o entorno metropolitano de Belém e não o próprio espaço metropolitano.

Considerando o distanciamento de um ponto de vista do espaço relacional e não a partir da distância física, é possível reconhecer a existência de cidades com reduzida distância física para a metrópole e que cumpram papel de cidade média no âmbito da rede urbana, desde que essa cidade não esteja incorporada à forma e aos processos metropolitanos. No caso de Castanhal, a proximidade física com a metrópole, mesmo acompanhada de certa relevância das interações espaciais com ela, não necessariamente implica na composição do espaço metropolitano, o que oportuniza o desempenho do papel de cidade média, como pode ser constatado ao se examinar as interações espaciais a partir dos deslocamentos temporários de pessoas por motivo de trabalho, dados extraídos do censo de 2010 (IBGE, 2010) e expostos na Figura 2.

Figura 2 – Belém. Intensidade dos deslocamentos temporários de pessoas por motivo de trabalho recebidos. 2010

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Fonte: Ribeiro (2017)

As linhas mais escuras e espessas indicam a maior intensidade das interações, o que, juntamente com outros dados, permite a definição do espaço metropolitano de Belém como composto por Belém, Ananindeua, Marituba e Benevides. Castanhal, bem como outros municípios com significativas interações com Belém, estão na condição de entorno metropolitano, ou seja, possuem razoáveis interações com a metrópole, mas não a integram.

Essa condição constitui em Castanhal uma situação espacial bastante particular, pois se a maior parte das características da cidade, como a constituição de uma ampla área de influência, o seu destaque em relação à concentração de comércio e serviços, a densidade das infraestruturas e o próprio porte demográfico, caracterizam uma cidade média; a aproximação com a metrópole sugere uma, mesmo que parcial, inserção no quadro metropolitano, como ilustra a inclusão formal do município na Região Metropolitana de Belém, em 2011.

Neste trabalho, reconhece-se as características de cidade média como amplamente predominantes em Castanhal. Porém, a sua aproximação com a metrópole tanto particulariza Castanhal na rede urbana como fornece à cidade uma situação espacial diferenciada: a de uma cidade média com relativa proximidade à metrópole.

Essa situação espacial particular de Castanhal interfere diretamente na constituição de sua área de influência, cujos municípios componentes, em nenhum caso estão a oeste da cidade, isto é, entre Castanhal e Belém (Figura 3), por conta da maior influência da metrópole. O que não impediu que Castanhal exercesse sua centralidade e constituísse sua área de influência no sentido norte, sul e leste.

Figura 3 – Castanhal. Região imediata de articulação urbana. 2013

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Fonte: Ribeiro (2017)

A Figura 3 representa essa área de influência ou, como estabelecido pelo IBGE (2013), a Região Imediata de Articulação Urbana de Castanhal, que é composta por 15 cidades. Totaliza, como explicita a Tabela 1, 12.050,98 Km2 de extensão, contém uma população de 503.009 habitantes e apresenta densidade demográfica de 41,7 hab./km² (IBGE, 2010). Esses números resultam da condição diferenciada de Castanhal na rede urbana, o que é atestado pela maior densidade do seu próprio espaço urbano.

Tabela 1 – Área de influência de Castanhal. População e extensão territorial. 2010

Área total

12.050,98 Km2

População total

503.009 hab.

População urbana

304.534 hab. (60,5%)

População rural

198.475 hab. (39,5%)

Densidade demográfica

41,7 hab./km²

Fonte: IBGE (2010)

A densidade demográfica elevada da área de influência de Castanhal para os padrões amazônicos, e até mesmo para o contexto do Nordeste Paraense, deve-se mais à importância da população urbana, que soma 304.534 habitantes ou 60,5% da população total, enquanto a rural, com 198.475 habitantes, representa 39,5% do total de população da área de influência de Castanhal.

Mas essa superioridade da população urbana se deve muito à supremacia de Castanhal na sua área de influência, pois, com parte significativa do contingente populacional total, o município possui 88,6% de população urbana contra 11,4 de população rural, enquanto na maior parte dos demais municípios da área de influência a situação é bem diferente, pois dos 15 municípios integrantes, 10 possuem mais população rural. Assim, a razão para a maioria de população urbana na área de influência é a superioridade da população urbana em Castanhal, já que com 173.149 habitantes, o município tem parte expressiva da população total e uma densidade demográfica de 168,29 hab./km2, muito superior à registrada nos demais municípios (RIBEIRO, 2017).

Essa composição populacional reflete a concentração das atividades urbanas, especialmente comércio e serviços, mas também de indústrias, em Castanhal, razão pela qual a cidade exerce forte atração sobre os demais municípios. Inclusive, o expressivo conteúdo rural de boa parte da área de influência resulta na constituição em Castanhal de uma diversidade de comércio e de serviços voltados para o campo, como é o caso das agrolojas (AMARAL; RIBEIRO, 2016).

Desse modo, as características da área de influência acabam definindo o perfil do comércio e dos serviços oferecidos por Castanhal, que não teria porque concentrar tantos serviços para o campo se o objetivo fosse atender apenas o seu próprio município. É principalmente por conta dos serviços e do comércio concentrados em Castanhal que este setor econômico se destaca como o principal de toda a área de influência (Figura 4). A produção desse setor totaliza R$ 1.164.561.000 na área de influência, dos quais 69% são relativos ao comércio/serviços de Castanhal, cuja produção total soma R$ 809.192.000.

Situação muito parecida ocorre com relação à produção industrial, que é o segundo setor em importância no município de Castanhal, com uma produção de R$ 326.366.000, e o terceiro na área de influência como um todo, com uma produção de R$ 443.073.000. Neste caso, a produção de Castanhal representa 74% de toda a produção industrial da área de influência. Em relação à agropecuária, segundo setor econômico em importância na área de influência, a representatividade de Castanhal é bem reduzida.

A agropecuária é o principal setor econômico na maior parte dos municípios sob influência de Castanhal e, mesmo assim, não é a principal atividade da área de influência por conta da força do comércio e dos serviços concentrados em Castanhal. Com um PIB de R$ 1.719.548.000, o município é responsável por 50% do PIB de toda a sua área de influência, que é de R$ 3.412.047.000. (Figura 4)

Em termos populacionais, econômicos e de infraestrutura, Castanhal é não só a principal cidade de sua região urbana, mas também de todo o Nordeste Paraense, possuindo por isso a mais ampla, populosa e economicamente importante área de influência. Essa condição se reflete diretamente nas interações espaciais, dando à cidade um papel de destaque na rede urbana regional.

Isso pode ser atestado mediante a análise das interações espaciais estabelecidas a partir dos deslocamentos temporários de pessoas por motivo de trabalho (Figura 5), extraído do censo demográfico brasileiro (IBGE, 2010). Nesse indicador, registraram-se 27 municípios de origem com mais de 20 pessoas que se deslocam para Castanhal, superando em muito as demais cidades de maior relevância na região.

Figura 4 – Área de influência de Castanhal. Composição do Produto Interno Bruto dos municípios.* 2010

*Os valores devem ser multiplicados por 1000 reais.

Fonte: IBGE (2016) em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA.

Também se destacam em Castanhal as interações promovidas com cidades de estratos superiores e intermediários da hierarquia urbana, mesmo que de forma bem menos intensa que as interações com as cidades da área de influência. Os deslocamentos temporários de pessoas por motivo de trabalho a partir de municípios que compõem o espaço metropolitano de Belém estão entre os mais relevantes, com destaque para Ananindeua e Benevides, que apresentam intensidade superior ao fluxo a partir de Belém e de Marituba.

As interações com cidades de estratos intermediários também merecem destaque. Aparecem entre os principais fluxos temporários de pessoas por trabalho com destino à Castanhal, os originários de Capanema, Vigia, Capitão Poço e Abaetetuba, que ocupam posição intermediária, porém inferior a Castanhal na hierarquia urbana, apesar de não comporem sua área de influência.

Da mesma forma, vale ressaltar a substancial presença de municípios não pertencentes à área de influência entre os principais fluxos por trabalho para Castanhal, não apenas os centros intermediários e superiores, mas também centros locais como Santa Izabel do Pará, Nova Timboteua, Bonito, Garrafão do Norte, Salinópolis e Barcarena, que pertencem a outras áreas de influência, não obstante mantêm razoáveis interações com Castanhal.

Figura 5 – Castanhal. Origem e intensidade dos deslocamentos temporários de pessoas por motivo de trabalho. 2010

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Fonte: Ribeiro (2017)

As maiores intensidades de deslocamento temporário de pessoas para Castanhal partem dos municípios de sua área de influência, que estão todos entre os principais fluxos. Os mais intensos têm origem nos municípios mais próximos, como é o caso de Inhangapi, com 347 pessoas que se deslocam e 34,57 de Índice de Intensidade do Deslocamento Temporário por Trabalho – IIDTT (alcançado a partir da divisão do número de pessoas que realizaram o deslocamento por trabalho pela população total do município de origem em 2010, multiplicado por 1000). Também é o caso dos segundo e terceiro colocados na ordem de intensidade, respectivamente, São Francisco do Pará, com 305 pessoas e IIDTT de 20,25 e Terra Alta, com 168 pessoas e 16,37 de IIDTT. Até a 10ª posição na ordem de intensidade ainda se tem os municípios de São João da Ponta, Igarapé-Açu, Santa Izabel do Pará, Santa Maria do Pará, Curuçá, São Miguel do Guamá e Marapanim. (Figura 5)

Com isso, considerando a complexidade e a intensidade das interações espaciais, a configuração de ampla área de influência, a densidade do espaço urbano, o expressivo contingente populacional, o dinamismo da expansão da área urbana e da população e o destaque econômico na região, torna-se bastante seguro o reconhecimento de Castanhal como uma cidade média. E mais que isso, de uma cidade média bastante particular ao contexto amazônico, pelas características da região em que se insere e pela peculiar proximidade física e relacional com a metrópole de Belém.

4 CIDADE, REGIÃO E PARTICULARIDADES DE ALTAMIRA/PA

A cidade de Altamira fica localizada às margens do rio Xingu, no sudoeste paraense, situada a 816 km de Belém-PA via terrestre. Ligada pela rodovia Transamazônica (BR-230), a cidade em questão articula um conjunto de centros urbanos com lógicas variadas de ocupação e distintas situações geográficas. Além disso, compõe uma região marcada por diferentes ciclos econômicos que determinaram uma formação socioespacial com certas especificidades em relação às demais regiões do país. Como se propõe neste artigo, pretende-se encontrar, aqui, as realidades concretas que caracterizam e, ao mesmo tempo, particularizam Altamira e sua região de influência na totalidade amazônica e brasileira.

A história da região é marcada pelo ciclo econômico da borracha entre o final do séc. XIX e meados do séc. XX, quando surgiram os centros urbanos mais antigos como Altamira, Senador José Porfírio, Porto de Moz e Vitória do Xingu. Mais tarde, com a construção da Transamazônica e a criação do Programa Integrado de Colonização (PIN), outros centros se desenvolveram como consequência da produção e da circulação ligadas à colonização dirigida executada pelos militares no início de 1970. Trata-se de antigas agrópoles e de espaços que funcionaram como entrepostos na longa e difícil passagem na rodovia, como Brasil Novo, Anapu, Medicilândia, Pacajá e Uruará. A Figura 6 identifica Altamira e os centros que compõem a rede urbana em estudo.

As consequências desse momento histórico se tornaram evidentes nas décadas seguintes, com o processo migratório regional direcionado à Altamira e a prevalência de uma ocupação não planejada e bastante desigual. Muitas famílias fixaram residência nos leitos dos igarapés Altamira, Panelas e Ambé, construindo habitações do tipo palafita e acessos improvisados a partir de estivas de madeira. Esse quadro se agravou a partir de 1996, quando as migrações internas se intensificam (BECKER, 2004) e novas áreas passaram a ser incorporadas pelas populações mais pobres, como o Baixão do Tufi e a Invasão dos Padres.

Mais recentemente, a região em questão é alvo de grandes projetos de interesse nacional, como a construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte no rio Xingu, uma obra do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) orçada em mais de 30 bilhões de reais. A construção deste grande objeto técnico teve início em 2011 e se estendeu até 2019. O projeto incluiu como condicionantes para operação o reassentamento de mais de 20 mil pessoas situadas em áreas afetadas pela inundação da barragem e a construção de várias obras de infraestrutura nas cidades de Altamira e de Vitória do Xingu.

Figura 6 – Rede de Altamira. Centros urbanos e unidades territoriais. 2010

Fonte: Miranda Neto (2016)

Neste trabalho, parte-se da ideia de que Altamira constitui uma cidade média em processo de modificação de suas funções na rede urbana, notadamente após a instalação da usina de Belo Monte. A população da sede municipal é de 79.622 habitantes (IBGE, 2010), porém é possível que esse número seja bem maior atualmente devido à atração populacional que adveio junto à hidrelétrica. Pelo menos desde 1970, a cidade em questão possui o papel de fornecedora de produtos e serviços para as cidades menores, com presença de centros de venda em atacado, concessionárias de veículos, lojas de departamentos e vários serviços especializados. Funciona, também, como um espaço de decisões políticas, reunindo fóruns de representação, organizações sindicais, representações comerciais e núcleos partidários.

A tabela 2 apresenta a evolução da população urbana, rural e total de Altamira e dos municípios que compõem a RIA entre 1970 e 2010.

O primeiro elemento a se destacar na Tabela 2 é a prevalência de Altamira-PA frente aos demais municípios que compõem a sua região de influência, representando 59% da população urbana da RIA em 2010. No que tange à taxa de urbanização de toda a região, entre 1991 e 2000 é de 49,6%, enquanto de 2000 a 2010 é de 56,7%. Com exceção de Altamira e Uruará, todos os demais municípios analisados pelo IBGE possuem a população rural maior que a urbana. Por essa lógica, Altamira se constitui, até o presente, como um centro de uma região essencialmente rural em termos de local de residência da população e de atividades produtivas. No que tange a atividade agrícola, os municípios de Uruará, Brasil Novo, Pacajá e Medicilândia são os que se sobressaem na produção de culturas permanentes. Medicilândia, por exemplo, se destaca como um dos maiores produtores de cacau no Brasil.

Tabela 2 – Altamira. População da região de influência. 1970 a 2000

Município

Domicílio

1970

1980

1991

2000

2010

Altamira

Urbana

5.905

26.905

50.145

62.285

84.092*

Rural

9.440

19.591

22.263

15.154

14.983

Total

15.345

46.496

72.408

77.439

99.075

Porto de Moz

Urbana

1.347

2.599

5.066

10.230

14.583

Rural

6.176

9.206

10.341

13.315

19.373

Total

7.523

11.805

15.407

23.545

33.956

Senador José Porfírio

Urbana

378

808

2.195

5.331

6.470

Rural

2.593

5.583

36.815

10.390

6.575

Total

2.971

6.391

39.010

15.721

13.045

Medicilândia

Urbana

 

3.109

6.759

9.559

Rural

 

26.619

14.620

17.769

Total

 

29.728

21.379

27.328

Pacajá

Urbana

 

 

4.160

7.604

13.747

Rural

 

 

26.617

21.284

26.232

Total

 

 

30.777

28.888

39.979

Uruará

Urbana

 

 

5.767

13.166

24.430

Rural

 

 

19.572

32.035

20.359

Total

 

 

25.339

45.201

44.789

Anapu

Urbana

 

 

 

3.083

5.362

Rural

 

 

 

6.324

8.069

Total

 

 

 

9.407

13.431

Brasil Novo

Urbana

 

 

 

4.371

6.899

Rural

 

 

 

12.822

8.791

Total

 

 

 

17.193

15.690

Vitória do Xingu

Urbana

 

 

 

3.932

5.362

Rural

 

 

 

7.210

8.069

Total

 

 

 

11.142

13.431

Região de Influência de Altamira (RIA)

Urbana

7.630

30.312

70.442

116.761

170.504

Rural

18.209

34.380

142.227

118.184

130.220

Total

25.839

64.692

212.669

234.945

300.724

Fonte: IBGE, 2010.

*Os dados da população urbana de Altamira incluem o distrito de Castelo dos Sonhos.

No que se refere à estrutura intraurbana de Altamira, manifesta-se ainda uma forte herança dos tempos da economia da borracha, entre 1890 e 1967, quando se desenvolveu uma área central definida pela presença da praça, da igreja, dos trapiches das embarcações e dos estabelecimentos ligados ao setor terciário (em especial o comércio e os serviços públicos). Nesta mesma área, residiu uma elite local formada por comerciantes, seringalistas e representantes do Estado. Nos espaços mais afastados deste centro, o padrão construtivo se confundia com a paisagem rural, marcada por casas cobertas de palha, a exemplo da rua 7 de Setembro que, à época, era denominada de rua de palha.

As alterações mais significativas nessa estrutura inicial se dão a partir da década de 1970, quando se instala a rodovia Transamazônica e o rio deixa de ser o principal vetor de crescimento da cidade. Ao longo deste eixo passa a se desenvolver um corredor de comércio e de serviços relacionados à estrada e algumas áreas residenciais de média e de baixa renda. Tal configuração é representativa de uma realidade em que “os rios ainda desempenham algum papel nas dinâmicas socioespaciais locais, mas é pelas rodovias que ocorre a maior intensidade de fluxos interurbanos de pessoas e mercadorias” (TOURINHO, 2011, p. 414).

A Figura 7 representa as etapas de crescimento da malha urbana até o ano de 2014, sendo possível, também, definir os eixos que orientaram a expansão urbana. Esses dados foram obtidos a partir de trabalho de campo e de várias fontes auxiliares, com destaque às imagens de satélite do Software Google Earth Pro.

Pela leitura da Figura 7, observa-se um crescimento estruturado a partir das vias de transporte em várias direções. O eixo com menor crescimento é o Sul-Sudoeste, que até 2014 ainda possuía o aeroporto como limitação física para expansão. Verifica-se, também, a maior extensão absoluta da malha urbana entre 2010 e 2014, pautada especialmente pela criação de novos loteamentos urbanos desenvolvidos por empresas incorporadoras. Esse processo mais recente é influenciado pela instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte que, segundo Miranda Neto (2016) contribuiu para “expandir os negócios imobiliários do tipo capitalista e, com isso, ampliar ainda mais a escassez de moradias”.

A presença de novos sujeitos econômicos provenientes da construção da UHE Belo Monte é um fator preponderante. Além da Norte Energia S.A, responsável por uma série de processos que envolve a cidade, outros agentes surgiram em função do maior dinamismo econômico decorrente da usina hidrelétrica, uma vez que tais empreendimentos “demandam grandes mobilizações de capital, força de trabalho, recursos e energia para sua construção, assim como a urbanização do território como uma condição essencial” (TRINDADE JÚNIOR; ROCHA, 2002, p. 17-18). Por essa lógica, entende-se que a construção da UHE Belo Monte é um fator determinante para a consolidação e a ampliação do papel de centralidade conferido à cidade de Altamira no sudoeste paraense, uma vez que produz um novo sistema de objetos e um novo sistema de ações (SANTOS, 1998) capaz de alterar os seus papéis no contexto da rede urbana.

Figura 7 – Altamira. Evolução da malha urbana.1970 e 2014

Evolução Perímetro

Fonte: Miranda Neto (2016)

Trazendo à tona o papel de Altamira na rede urbana, toma-se como parâmetro de análise a proposta das Regiões de Influência das cidades (REGIC) elaborada pelo IBGE (2008) e os estudos sobre a Divisão urbano-regional do Brasil (IBGE, 2013). A Figura 8 faz a representação das ligações entre os centros no estado do Pará e suas respectivas regiões de influência, com destaque para a região imediata polarizada pela cidade de Altamira.

A cidade de Altamira é classificada na REGIC de 2007 como Centro sub-regional B que, apesar de apresentar atividades de gestão menos complexas, estabelece o vínculo com as três metrópoles nacionais (Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo). No que se refere à divisão urbano-regional, a cidade em questão constitui o centro de uma região imediata de articulação urbana, que compreende os limites territoriais de Altamira, Pacajá, Anapu, Brasil Novo, Uruará, Medicilândia, Vitória do Xingu, Porto de Moz e Senador José Porfírio.

Figura 8 – Altamira. REGIC e Divisão urbano-regional. 2013

Mapa 02

Fonte: Dados do REGIC e da Divisão Urbano Regional do Brasil (IBGE; 2007; 2013)

A elevada extensão territorial dos municípios que compõem a região de influência de Altamira, associada à baixa densidade demográfica (1,2 hab. por Km²), permitem evidenciar certas particularidades em relação à dinâmica regional. Por exemplo, ao se analisar os deslocamentos para trabalho medidos pelo IBGE em 2010, aparecem em destaque alguns municípios do Norte do Mato Grosso, como Peixoto de Azevedo e Matupá ainda que estes se encontrassem a mais de 1.200 km da cidade de Altamira (sede municipal). Dada a grande extensão territorial do município de Altamira, este se encontra suscetível ao fluxo de pessoas a partir de vários pontos do território, como ocorre entre os municípios do estado de Mato Grosso e o distrito de Castelo dos Sonhos (situado a 962 km da cidade sede) interligados pela rodovia BR-163 (Figura 6). Trata-se de relações econômicas voltadas à extração madeireira e à atividade agropecuária. Acredita-se, então, que em certas porções do estado do Pará existem fluxos interterritoriais que chegam, mesmo, a suplantar em intensidade os fluxos que trafegam entre os centros urbanos.

Com a chegada de Belo Monte, o centro urbano de Altamira adquire dois papéis complementares: a) o de suporte ao empreendimento hidrelétrico no que tange à logística de transporte e ao fornecimento de bens e serviços ligados direta ou indiretamente à empresa Norte Energia S.A; e b) como centro de absorção da mão-de-obra necessária ao empreendimento. Como aponta o EIA de Belo Monte para cada trabalhador direto ou indireto relacionado à construção de uma usina hidrelétrica, aflui para a Área de Influência Direta (AID) da UHE Belo Monte cerca de cinco pessoas a mais (ELETROBRÁS, 2009). Apenas entre 2011 e 2014 um número de 45.934 trabalhadores diretos foi admitido, incluindo atividades ligadas às obras e aos escritórios (CCBM, 2014). O maior impacto das migrações é no centro urbano de Altamira, produzindo consequências na dinâmica econômica regional.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, as admissões relacionadas à atividade de construção civil eram de apenas 7% em 2009, passando para 73% no ano de 2014. Os setores de comércio, apesar de perderem participação percentual, crescem expressivamente em números absolutos, de admissões passando de 1.301 trabalhadores em 2009 para 4.317 em 2014. A admissão de trabalhadores ligados aos serviços passa de 590 para 5.300 entre 2009 e 2014, respectivamente (MTE, 2015). Esses dados refletem, por um lado, a quantidade de empregos formais diretamente relacionados à construção da usina hidrelétrica e, por outro lado, a dinâmica econômica necessária para atender o maior contingente populacional na cidade, refletindo-se em novos postos de trabalho nos setores de comércio e serviços.

Além do pessoal ocupado assalariado, outro importante indicador de uma alteração econômica é o processo de criação de novas empresas em Altamira-PA. Os dados da Junta Comercial do Estado do Pará (JUCEPA) indicam um crescimento expressivo do ritmo de empresas criadas por ano entre 2009 (212 empresas) e 2014 (756 empresas). Tal dinâmica econômica ajuda a fortalecer os papéis de Altamira quanto à intermediação na rede urbana. Das atividades que surgiram após a instalação da usina hidrelétrica, uma parte importante oferece alguns serviços de maior raridade, como atividade médica ambulatorial e laboratórios clínicos (30 empresas), atividade odontológica (24 empresas), comercio varejista de veículos e acessórios (138), conforme se extraiu dos dados da JUCEPA (2014).

Os fluxos que trafegam pela rede urbana também sofreram uma importante alteração. Ao se analisar os dados de atendimento ambulatorial do DATASUS nos anos de 2009, 2013 e 2015 percebeu-se uma ampliação da escala de ação de Altamira no que tange aos serviços públicos de saúde. Esse dado é relevante pois se baseia na existência de equipamentos instalados em pontos estratégicos do espaço e, por isso, têm em vista abarcar o maior número de pessoas. Em Altamira, destaca-se a infraestrutura de saúde mantida pela prefeitura municipal (Hospital São Rafael e Unidades Básicas de Saúde - UBS) e pelo Governo do Estado do Pará (Hospital Regional da Transamazônica). A ideia é reconhecer as interações espaciais no ano imediatamente anterior à instalação da usina hidrelétrica, passando pelo momento de pico das obras e, finalmente, chegando ao período mais recente, com o objetivo de estabelecer uma comparação entre diferentes cenários econômicos e institucionais da região em estudo.

Na representação da Figura 9, demarcou-se as áreas territoriais vinculadas a cada centro urbano tendo em vista obter uma ideia mais ampla das dimensões e das distâncias alcançadas ao longo do tempo. O procedimento utilizado para a comparação dos três períodos analisados consiste na utilização de intervalos iguais para o índice de deslocamentos, a fim de se obter uma comparação precisa acerca das diferentes intensidades 1. Cabe ressaltar que os dados em questão revelam, também, a possibilidade de pessoas serem atendidas pelos serviços de saúde em uma condição de deslocamento temporário para fins de trabalho ou de estudo, o que concorre para outras interpretações importantes no que tange aos papeis centrais atribuídos à Altamira.

Em 2009, ano imediatamente anterior à instalação da usina de Belo Monte, observa-se que apenas Brasil Novo e Vitória Xingu apresentam relações mais intensas, seguidos por Medicilândia, Anapu e Senador José Porfírio em categorização intermediária. Nesse momento, os deslocamentos ainda são constrangidos pelas precárias condições rodoviárias e pela menor capacidade de atendimento de Altamira em termos de serviços gerais de saúde. Em 2013, ano de pico das obras de Belo Monte, Anapu, Medicilândia e Senador José Porfírio se somam a Brasil Novo e a Vitória do Xingu entre aqueles com maior intensidade de atendimentos. Uruará, Pacajá e Porto de Moz também ampliam seus atendimentos em Altamira, o que resulta de duas condições essenciais: a) o asfaltamento da Transamazônica, que se inicia em 2012; e b) a maior oferta de serviços de saúde ligados aos investimentos do Governo Federal e sob a execução da Norte Energia S.A. Ressalta-se, também, a existência de atendimentos de pessoas de Curionópolis e Ourilândia do Norte, revelando a maior capacidade de Altamira em atender pessoas situadas em uma maior abrangência espacial.

Figura 9 – Altamira. Fluxos de atendimentos de saúde ambulatoriais. 2009, 2013 e 2015

Fonte: Miranda Neto (2016)

Em 2015, essa abrangência espacial amplia-se, consolidando uma área de fortes interações dentro da RIA, de modo que apenas Pacajá e Porto de Moz escapam do rol de relações mais intensas. Para além da RIA, os atendimentos se estendem a outros centros no estado do Pará, permitindo-se interpretar um maior alcance espacial. Tal realidade é, em parte, reflexo da ampliação dos serviços na cidade de Altamira, com mais equipamentos para o Hospital Regional da Transamazônica e a criação do Hospital Geral de Altamira no bairro do Mutirão, além de novas Unidades Básicas de Saúde (UBS) nos novos bairros São Joaquim e Laranjeiras (NORTE ENERGIA, 2015).

Com base no que foi aqui exposto, acredita-se que a cidade de Altamira passa por um processo de alteração de suas funções na rede urbana após a instalação da usina de Belo Monte. As novas demandas do grande empreendimento hidrelétrico possibilitaram um maior dinamismo econômico, ampliando sobretudo a capacidade de oferta no setor terciário. Além disso, modifica-se o papel de Altamira no conjunto da rede urbana, já que a capacidade em atender os centros locais em sua região de influência é ampliada a partir da oferta de produtos/serviços de maior raridade, como os serviços mais complexos de saúde. Acrescentam-se, também, as condições estruturais que permitem um melhor acesso entre os centros urbanos, sobretudo com o asfaltamento da Transamazônica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS (PARTICULARIDADES E CIDADES MÉDIAS AMAZÔNICAS)

A análise das cidades de Castanhal e Altamira, no Estado do Pará, revela o quanto é indispensável a consideração das particularidades regionais amazônicas na busca do reconhecimento das cidades médias a partir dos seus papéis na rede urbana. Em muitas situações, essa necessidade de relativização não advém do estabelecimento de desigualdades no território, mas das diferenças de natureza do processo de urbanização, que constituem, assim, uma diversidade de espaços urbanos e de redes urbanas, no sentido do que Trindade Júnior (2010) chamou de urbanodiversidade.

Como exemplo da urbanodiversidade amazônica e da relativização dos critérios para se identificar as cidades médias, pode-se citar o trabalho de Schor, Costa e Oliveira (2009), que, ao estudar as cidades da Calha Norte Solimões-Amazonas, no Estado do Amazonas, estabelecem uma tipologia, identificando pequenas e médias cidades por critérios bem divergentes dos parâmetros normalmente utilizados no Brasil.

Por esse procedimento, Tefé, por exemplo, é classificada como cidade média de responsabilidade territorial, por possuir significativa importância na oferta de bens e serviços para uma ampla região, apesar de, em 2010, a cidade possuir 61.453 habitantes (IBGE, 2016), quando os estudos sobre cidades médias no Brasil atual adotam, em geral, o mínimo de 100.000 habitantes para identificar esse estrato da rede urbana.

Todavia, para serem coerentes com o reconhecimento da urbanodiversidade amazônica, esses mesmos parâmetros usados para as cidades da Calha Solimões-Amazonas não podem ser estendidos ao restante da região, já que a diversidade não é aplicável apenas ao pensar a Amazônia em relação a outras regiões do Brasil, mas também ao se analisá-la internamente. Tal realidade se expressa por conta da diferenciação temporal, de formas e de motivos do processo de ocupação, que somados à diversidade do ambiente constituem realidades bastante diversas.

É justamente essa realidade que é iluminada pela análise das cidades de Castanhal e Altamira, que são, ao mesmo tempo, significativamente diferentes da realidade da Calha Solimões-Amazonas e entre si.

Castanhal, centro urbano que se desenvolveu no Nordeste Paraense entre o final do século XIX e início do século XX mediante a instalação da Estrada de Ferro de Bragança, ainda no âmbito da circulação ferroviária se consolidou como importante centro de prestação de serviços e de atividades comerciais para a região. O advento das rodovias na segunda metade do século XX apenas reforçou essa condição.

Atualmente, possuindo o maior contingente populacional, o espaço urbano mais denso e moderno e a mais relevante área de influência do Nordeste Paraense, Castanhal se destaca como a principal cidade dessa região, que, por si só, fornece particularidade à cidade por conta de suas marcantes diferenças em relação à boa parte da Amazônia, como menor importância dos rios, menor expressão dos projetos minero-metalúrgicos, boa densidade da malha rodoviária, considerável número de cidades em espaço não tão extenso e importância dos estratos intermediários da rede urbana.

Somadas a essas características advindas da condição regional, Castanhal ainda evidencia grande particularidade no conjunto das cidades médias por sua situação espacial de proximidade física e relacional com a metrópole de Belém ao passo que mantém papéis de centralização regional característicos de cidade média, o que levou Ribeiro (2017) a reconhecê-la como cidade média de entorno metropolitano.

Da mesma forma, reconhece-se para o caso de Altamira a presença de certas características que, apesar de conterem elementos que se assemelham a outras cidades da região amazônica ou do Brasil, manifestam algumas particularidades, a saber: a) trata-se de uma cidade constantemente afetada por grandes empreendimentos de interesse nacional (como acontece em relação à usina de Belo Monte) que afetam decisivamente a sua forma e estrutura internas, assim como reforçam o papel de centralidade no conjunto da rede urbana; b) possui importância enquanto centro para o fornecimento de produtos/serviços e também como local de articulações políticas regionais, mas não apresenta interações econômicas muito fortes dentro de sua própria rede de cidades; c) em alguns tipos de relações (como de deslocamentos para fins de trabalho) é o território e não os centros urbanos que estabelece as interações mais importantes, uma vez que os fluxos se dão por conta de movimentações nas fronteiras de expansão localizadas, a exemplo do que ocorre com as atividades madeireira e agropecuária na porção do município de Altamira.

Trata-se, igualmente, de uma área de grandes dimensões territoriais e de baixa densidade populacional, distante da metrópole em mais de 800 km via terrestre e que mantém atividades produtivas pulverizadas em diversos pontos que não se restringem aos centros urbanos mais importantes. Isso permite caracterizar a cidade de Altamira como uma cidade média da fronteira amazônica, marcada pela existência de uma macro hinterlândia e que, apesar das dificuldades relativas à modernização do território, é constantemente afetada por empreendimentos ligados à expansão da fronteira do capital natural (BECKER, 2005), como a construção de hidrelétricas (Belo Monte), de projetos de mineração (Belo Sun), dentre outros que, de tempos em tempos, (re)definem constantemente os espaços regionais e a dinâmica interna da cidade.

Dessa forma, torna-se bastante explícita a complexidade que permeia o conjunto das cidades médias e a necessidade de seu reconhecimento não mediante critérios rigidamente estabelecidos, mas que abarquem as particularidades regionais e também as particularidades inerentes à própria cidade e sua inserção regional, pois fatores como: contingente populacional expressivo, situação espacial favorável, papel de intermediação entre pequenas e grandes cidades, centralidade regional, densidade do espaço urbano e densas e complexas interações espaciais, normalmente marcas fundamentais das cidades médias, podem estar presentes em cidades muito diferentes entre si, como exemplifica o estudo das cidades de Castanhal e Altamira.

Neste contexto, a categoria particularidade demonstra-se indispensável à análise das cidades e das redes urbanas, ao permitir, de um lado, a articulação com os elementos do geral e, de outro, a consideração dos aspectos próprios, singulares a determinadas realidades, e manifestos, conforme Cheptulin (1982), como dados particulares. Isso vai muito além do reconhecimento dos estratos diferenciados da rede urbana e da variação de influência entre as cidades que a compõem, pressupõe o reconhecimento de que um conjunto como o das cidades médias é formado por uma grande diversidade interna, podendo, os centros urbanos, por caminhos muito distintos, exercerem os papéis relacionados a esse tipo de cidade.

Nestes termos, fica evidente a existência de uma variedade de cidades médias, em certos casos, as diferenças entre elas se associa bastante às particularidades dos contextos regionais nos quais elas estão inseridas. Tal fato se explicita quando, por exemplo, são comparadas cidades tomadas como médias no centro-sul do Brasil e na Amazônia. Em outros casos, como exposto na comparação entre Castanhal e Altamira, as particularidades não se associam a contextos macrorregionais, mas a uma série de outros fatores produzidos historicamente e que levam, por caminhos divergentes, as cidades ao exercício de influência em nível regional e de intermediação entre cidades pequenas e grandes.

REFERÊNCIAS

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BECKER, B. K. Fronteira e urbanização repensadas. Revista Brasileira de Geografia, v. 47, p. 357-372, 1985.

AMARAL, M. D. B.; RIBEIRO, W. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. 172p.

AMARAL, M. D. B.; RIBEIRO, W. Geopolítica da Amazônia. Estudos avançados, v.19, n. 53, p.71-86, 2005.

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Contribuições de Autoria

1 – Willame de Oliveira Ribeiro:

Contribuição: Conceituação | Investigação | Metodologia | Escrita – primeira redação

2 – José Queiroz de Miranda Neto:

Contribuição: Conceituação | Investigação | Metodologia | Escrita – primeira redação

Notas de fim

1 Para relativizar os dados em relação à população de cada unidade municipal, houve a necessidade de se basear em um índice (I) calculado a partir do número absoluto de deslocamentos (D) pela população total (P), chegando-se à equação I=(D/P)*1000. Assim, é possível definir as interações mais fortes de modo a ponderar, também, o fator populacional. Os resultados obtidos foram categorizados e representados pela Figura 9, restringindo-se ao estado do Pará e aos índices maiores ou iguais a 1,0.