Universidade Federal de Santa Maria
Geografia, Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 25, e17, 2021
DOI: 105902/1414650943235
ISSN 2236-4994
Submissão: 31/03/2020 • Aceito: 03/05/2021 • Publicado: 31/08/2021
As estratégias de ação dos promotores imobiliários em Santana do Livramento – RS
The real estate developers’s strategies in Santana do Livramento – RS
Eduardo Schiavone CardosoI
Leonardo Berté NunesII
I Universidade Federal de Santa Maria, Deparmento de Geociências, Santa Maria, RS, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-9240-578X – educard2016@gmail.com
II Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Geociências, Santa Maria, RS, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-6232-9085 – leonardoberte0@gmail.com
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo compreender como ocorre a ação dos promotores imobiliários no espaço urbano de Santana do Livramento. Para operacionalizar esse objetivo foi realizado um levantamento bibliográfico que fornecesse sustentação teórica para a pesquisa. Os procedimentos metodológicos aconteceram em duas etapas: A primeira buscou os dados secundários através de um jornal local na seção dos “Classificados” e a segunda se voltou para os dados primários que foram produzidos a partir de entrevistas com representantes de imobiliárias e com alguns promotores imobiliários. Os resultados evidenciaram que existe uma concentração de condomínios verticais no centro da cidade enquanto a produção de casas e de kitnets se mantém em bairros mais periféricos. Por fim, é possível perceber que a condição de cidade-gêmea possui influência em grande medida na ação dos promotores imobiliários em função de que a entrada de compradores uruguaios é bastante intensa e necessária para a manutenção da ação desses agentes sociais.
Palavras-chave: Cidade-gêmea; geografia urbana; promotores imobiliários; Rivera; Santana do Livramento
ABSTRACT
This article aims to understand how the action of real estate developers in the urban space of Santana do Livramento occurs. To operationalize this objective, a bibliographic survey was carried out to provide theoretical support for the research. The methodological procedures took place in two stages: The first sought secondary data through a local newspaper in the “Classificados” section and the second turned to primary data that was produced from interviews with real estate representatives and some real estate developers. The results showed that there is a concentration of vertical buildings in the city center while the production of houses and kitnets is maintained in more peripheral neighborhoods. Finally, it is possible to notice that the condition as a twin city has a large influence on the action of real estate developers because the entry of Uruguayan buyers is very intense and necessary to maintain the action of these social agents.
Keywords: Real estate developers; Rivera; Santana do Livramento; twin city; urban geography
1 INTRODUÇÃO
A Geografia enquanto uma ciência que estuda a sociedade através de sua configuração espacial apresenta amplas possibilidades de análises e olhares. Dentre elas a Geografia Urbana, que busca compreender o fenômeno urbano, suas dinâmicas internas e suas dinâmicas externas e regionais. A presente pesquisa vem com o intuito de contribuir com a análise das relações espaciais de dentro do espaço urbano e se volta para uma parcela das práticas espaciais dos agentes sociais que Corrêa (1995) chama de promotores imobiliários. Dessa forma se constitui o presente problema de pesquisa: Como se desenvolve a ação dos promotores imobiliários em Santana do Livramento? (Localização de Santana do Livramento encontra-se na Figura 1).
Figura 1- Localização do Município de Santana do Livramento e do seu espaço urbano.
Fonte: IBGE, 2010 e 2015. Construção dos autores, 2019.
Neste ponto é interessante que falemos um pouco acerca de Santana do Livramento. Albornoz (2000) nos mostrou que a cidade, assim como sua cidade-gêmea que é Rivera (UY), foi fundada para fins de defesa do território nacional. Mas só isso não basta para caracterizar Santana do Livramento, na mesma obra, Albornoz (2000) nos indica que a cidade possui uma conexão forte com a pecuária tendo sediado, inclusive, durante o século XX um frigorífico que captava parte substancial da produção da pecuária do sul do Rio Grande do Sul como um todo.
Alguns anos após o fechamento do frigorífico foi aberto na cidade um lanifício, isto é, uma indústria voltada para o beneficiamento da lã de ovelha. Vemos aqui que os empreendimentos industriais da cidade possuem forte conexão com o espaço rural do município. Entretanto, as duas empresas fecharam o que levou uma série histórica de desemprego e obrigou muitos a saírem do município, comportamento que tem se mantido. No último censo (2010), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística nos mostra que a cidade possuía 82.464 habitantes enquanto a estimativa para o ano de 2020, baseada no comportamento da dinâmica populacional da cidade, é de 76.321 habitantes.
Hoje, a principal atividade econômica do município diz respeito ao setor de serviços, inclusive ao receber os turistas que vêm à Rivera comprar nos free shops. Além de aguardar investimentos recentes para a chegada de free shops em Santana do Livramento já que existe uma regulamentação que permite isso e outras cidades fronteiriças, como o caso de Uruguaiana (RS), já receberam empreendimentos do tipo. A questão dos free shops é emblemática por estar diretamente ligada com a condição de cidade-gêmea que Santana do Livramento possui. Acerca disso, observemos a figura 2.
Figura 2- Espaço urbano das cidades-gêmeas de Santana do Livramento e Rivera.
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Fonte: Google Earth, 2020. Construção dos autores, 2020.
Na figura acima vemos duas imagens de satélite, a imagem da esquerda é “exatamente” o que o satélite capta e se deixássemos assim poderíamos dizer que se trata de uma cidade em qualquer local de qualquer país. Contudo, a imagem da direita nos indica a delimitação da fronteira, mostra a “linha” de fronteira que cruza no espaço urbano. Podemos dizer, assim como indicado por Dorfman (2007), que se trata de um único espaço urbano, mas com duas soberanias. Para deixar essa relação ainda mais nítida, uma vez que ela é essencial para entendermos Santana do Livramento e o presente artigo, observemos a figura 3 a seguir.
Figura 3: Localização da “linha” de fronteira em Santana do Livramento/Rivera.
Fonte: IBGE, 2015. RIVERA, 2017. Construção dos autores, 2021.
Nessa figura, temos em escala maior o que fora apresentado na figura 2, ou seja, a posição da “linha” de fronteira no espaço urbano através da disposição dos marcos fronteiriços. Podemos ver que ela passa em meio ao espaço urbano e se trata de mais um elemento do local não se tratando de um impeditivo ou obstáculo. Dessa forma, além dos dados trazidos anteriormente vemos aqui um aspecto que talvez seja ainda mais relevante para caracterizar Santana do Livramento, sua própria condição de cidade-gêmea.
Sendo assim, o presente artigo se justifica por buscar, através de um estudo de caso, analisar como ocorrem as práticas e estratégias espaciais dos promotores imobiliários de Santana do Livramento e contribuir para o estudo da Geografia Urbana com um estudo acerca de uma cidade que tem na fronteira o seu cerne. A partir do problema inicial, foi estruturado o levantamento de dados e bibliografias que possibilitassem a compreensão dessa realidade. Foram tratados os conceitos de espaço urbano e a discussão sobre a terra enquanto mercadoria; os agentes sociais da produção do espaço urbano, além das estratégias aplicadas pelos promotores imobiliários para operacionalização de seus interesses.
Ademais foi analisada a realidade de Santana do Livramento a partir da ótica das cidades-gêmeas que compreendem um conjunto de relações sociais, espaciais, institucionais, de trabalho e culturais de cidades que estão em diferentes países; mas que ocupam um espaço urbano contíguo, como é o caso de Rivera (UY) Santana do Livramento. A metodologia para a produção de dados qualitativos e quantitativos acerca da promoção imobiliária em Santana do Livramento baseou-se em duas etapas. A primeira etapa voltada para a produção de dados secundários através da análise de anúncios de um jornal local e uma segunda etapa de entrevistas com promotores imobiliários e representantes de imobiliárias. Importante frisar que a presente pesquisa teve o financiamento do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) entre 2019 e 2020.
O artigo está dividido em três seções, além da introdução e considerações finais. A primeira delas é a fundamentação teórica na qual elencamos os principais conceitos que sustentam a pesquisa como a caracterização de promotores imobiliários e de cidade-gêmea. Na segunda seção descrevemos os procedimentos metodológicos utilizados, isto é, as duas etapas de produção de dados bem como aprofundamos a discussão acerca de determinados procedimentos metodológicos como o uso de jornais como fonte de dados. Após, apresentamos os resultados em dois momentos: o primeiro momento através dos dados quantitativos e o segundo através dos dados qualitativos. Nas considerações, é feita a discussão dos dados com base nas discussões traçadas na fundamentação teórica.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Corrêa (1995) nos mostra que o espaço urbano capitalista se configura pela justaposição de diferentes usos do solo (moradia, atividades de administração pública, comércio, indústria, transporte), ou seja, é um espaço fragmentado e articulado, pois todos esses usos do solo se conectam e mantém relações entre si seja de forma indireta ou direta. O espaço urbano é um reflexo da sociedade que o produz, se constituindo dentro da sociedade capitalista como desigual através da segregação socioespacial.
Nesse sentido, o espaço urbano é condicionante social devido ao fato de que as obras materializadas atuam na perpetuação de processos sociais dos mais diversos tipos como econômicos ou culturais. Além disso, o espaço urbano se caracteriza por ser simbólico uma vez que nele atuam agentes com uma diversidade de crenças e valores que se relacionam. Por fim, é um campo de lutas onde se realizam disputas entre classes sociais e manifestações das mais diversas (CORRÊA, 1995).
O espaço urbano, portanto, é produzido no sentido de manutenção de toda uma realidade e uma dinâmica que seja interessante para o modo de produção vigente e sua classe dominante. Porém, isso não basta para compreender de que modo os processos internos ao espaço urbano, como é o caso da promoção imobiliária, funcionam e como eles se relacionam com o restante do processo de reprodução social. Acerca dessa relação entre a produção do espaço urbano e o modo de produção capitalista, Carlos (2015, p. 28) salienta o seguinte:
Em pedaços, o espaço torna-se intercambiável a partir de operações que se realizam através e no mercado. Desse modo, o espaço entra no circuito da troca, generalizando-se na sua dimensão de mercadoria. Isso ocorre porque o capital desenvolveu o mundo da mercadoria, criou possibilidades reais para a extensão da propriedade privada no/do espaço, bem como a expansão das atividades econômicas para a sua realização. Realiza-se, assim, ampliando-se a propriedade privada da riqueza sob a forma de propriedade do solo urbano (CARLOS, 2015, p. 28)
Sendo assim, podemos compreender com maior nitidez essa questão, não se trata de uma relação entre dois elementos distintos, isto é, de um lado o espaço urbano e do outro o capital. O que ocorre é a transformação do próprio espaço urbano em uma mercadoria que passa a funcionar e ser manipulada de acordo com as regras, necessidades e interesses do capital. Dessa forma, as características do espaço urbano apontadas por Corrêa (1995) são necessárias para a reprodução desse espaço urbano capitalista enquanto tal. Na sequência aprofundamos a questão do espaço urbano como mercadoria, por ora, vejamos como a promoção imobiliária se encaixa nesse contexto.
A promoção imobiliária se caracteriza por ser a atividade de certo grupo de agentes sociais que tem como objetivo realizar a incorporação, construção e comercialização de imóveis. Primeiramente, a promoção imobiliária não possui apenas a função de acumulação capitalista uma vez que ela possui a necessidade de manutenção da realidade social segregada e desigual para acontecer. Logo ao pôr em prática suas atividades, a promoção imobiliária contribui para a reprodução da segregação socioespacial no espaço urbano. Em especial, devido à perspectiva social e econômica de que a cidade em si é uma mercadoria. É necessário evidenciar que Maricato (2015, p.23) nos diz o seguinte:
Se lembrarmos que a terra urbana, ou um pedaço de cidade, constitui sempre uma condição de monopólio – ou seja, não há um trecho ou terreno igual a outro, e sua localização não é reproduzível – estamos diante de uma mercadoria especial que tem o atributo de captar ganhos sob a forma de renda. (MARICATO, 2015, p.23)
Dentre os agentes sociais que operacionalizam o espaço urbano, os promotores imobiliários configuram certa notoriedade em função de que estão diretamente relacionados com a moradia. Dentre as atividades que identificam os promotores imobiliários estão: a incorporação entendida como a etapa inicial do processo da construção onde se define a localização, o tamanho das unidades e a qualidade da construção, o financiamento a partir da captação de recursos proveniente de pessoas físicas ou jurídicas, a contratação de serviços de arquitetos e economistas para uma análise das viabilidades do projeto e a construção do imóvel em si a partir da contratação de firmas especializadas. Por fim a comercialização do imóvel o que engloba profissionais de outras áreas como os corretores imobiliários e os responsáveis pela propaganda (CÔRREA, 1995). Acerca da promoção imobiliária, Sposito (1993, p.24-25) complementa da seguinte forma:
Por produção imobiliária queremos atender a produção, que ao se realizar através do consumo de um imóvel, permite aos que o produzem apropriar-se de uma fração da massa global da mais-valia, parcialmente como renda fundiária capitalizada e parcialmente como lucro decorrente do processo de construção do imóvel através do capital investido nos meios de sua produção e a exploração da força de trabalho. Neste sentido, a produção imobiliária é a expressão da reprodução do capital aplicado em uma construção, tendo como condição o acesso a uma fração do território (terreno) [...]. (SPOSITO, 1993, p. 24-25).
Dessa forma, compreendemos que tendo em vista a condição de mercadoria do espaço urbano, ele é apropriado e reproduzido pela promoção imobiliária. Essa apropriação se dá com o intuito de, através da produção de um imóvel, obter ganhos financeiros seja através da mais-valia extraída dos trabalhadores seja através da venda do imóvel. Ademais Sposito (1993) sintetiza o que foi apontado por Corrêa (1995) acerca das funções dos promotores imobiliários o que vai ao encontro do que foi afirmado por Carlos (2015) sobre o próprio espaço urbano. Ainda sobre os promotores imobiliários é interessante evidenciar o que Silva (2012, p.109-110) complementa sobre a ação deles:
Esta diversidade de funções irá corresponder a uma diversidade de empresas que atuam no setor, exercendo funções diversas (construtora, incorporadora, corretora imobiliária), o que significa que se trata de um agente em si mesmo complexo. No entanto, pode se considerar que há uma unidade na ação espacial dessas múltiplas empresas, e que ela se dá a partir da ação do incorporador. Trata-se de um agente fundamental na produção do espaço urbano, estando sua atuação ligada diretamente à valorização diferencial das áreas dentro do tecido urbano. Seu objetivo é maximizar os lucros nas diferentes etapas da produção imobiliária, seja na aquisição do terreno, na construção ou na venda do imóvel. (SILVA, 2021, p.109-110).
Neste excerto vemos que não se trata de apenas uma única empresa que realiza todas as atividades da produção imobiliária, embora isso também possa ocorrer. O autor nos mostra que existe uma articulação de diferentes empresas que compõem um conjunto de agentes que operam e direcionam a reprodução do espaço urbano capitalista, em especial, acerca das questões da moradia. As ações e estratégias desses agentes só são possíveis a partir da existência dentro do espaço urbano capitalista do valor da terra. Já que para acontecerem as atividades dos promotores imobiliários é fundamental a possibilidade de acumulação utilizando ao máximo a área dos terrenos para produção de imóveis. Sobre isso é possível evidenciar o que Campos Júnior (2002) apud Gonçalves (2010, p.39) nos diz:
[...] na produção imobiliária a propriedade privada da terra adquire uma nova dimensão, na medida em que se torna condição para a acumulação do capital [...] o principal componente no processo de valorização do capital imobiliário está na apropriação da renda imobiliária, que tem sua origem na privatização do espaço, entendido como produto histórico e social. Além da dimensão histórica, incluímos nesse processo a privatização do acesso à dimensão natural do espaço geográfico, como se verifica em alguns empreendimentos imobiliários. (CAMPOS JUNIOR, 2002 apud GONÇALVES, 2010, p.39).
A apropriação privada do espaço urbano e a monopolização da terra urbana impacta nos processos de segregação e fragmentação socioespacial uma vez que eles são alimentados pela promoção imobiliária produzindo um espaço urbano complexo. Ao menos na perspectiva residencial com imóveis de luxo, favelas, condomínios fechados, a autoconstrução em loteamento de baixo custo e conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado. Nesse sentido, Gonçalves (2010, p.37) complementa com o seguinte:
[...] em função de sua dinâmica particular de apropriação da cidade, o mercado imobiliário influencia diretamente as outras formas de produção da moradia. Isso porque a dinâmica imobiliária empresarial guarda estreita relação com a oferta de terrenos para a construção e com o processo de valorização da terra urbana. (GONÇALVES, 2010, p. 37).
Além de compreender o promotor imobiliário enquanto um capitalista que lucra com a apropriação da terra urbana e a construção de edificações cujas ações possuem impacto direto na moradia, é preciso compreender um pouco mais das estratégias exercidas por esses agentes. Pois, elas definirão as práticas espaciais que eles empregam e a interação com outros agentes sociais do espaço urbano como o Estado.
Sobre isso, Bastos (2012) pode evidenciar que o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) é altamente benéfico para o agente do capital imobiliário, uma vez que a partir da entrada dos subsídios facilitou a essa empresas e fundos de investimentos ligados à promoção imobiliária aumentarem seus lucros e a quantidade de terra sob seu controle. Consequentemente o encarecimento da terra urbana que termina por intensificar processos de segregação no espaço urbano apesar de ser uma política pública voltada para mitigar tal processo.
Ainda sobre os promotores imobiliários é interessante destacar que estes podem parecer como um grupo homogêneo, mas é importante trazer as diferenças presentes entre os próprios promotores imobiliários. Essas diferenças ocorrem, principalmente, em função de que eles possuem uma diversidade com relação às escalas de operações, ao tamanho dos empreendimentos e do poder político que possuem junto ao poder público.
É claro que esta diferenciação está bastante conectada com a realidade de cada espaço urbano, por exemplo, Azambuja (1991) faz um estudo que aprofunda como ocorre a promoção imobiliária de Ijuí (RS) e traz algumas categorias: Grande promotor, pequeno promotor, usuário, Estado e cooperativa não-estatal. Em outro estudo, Amorim (2017) analisa uma questão parecida com foco em Londrina e Maringá (PR) e divide o setor dos promotores imobiliários entre aqueles que constroem e aqueles que realizam as vendas o que gerou doze categorias diferentes.
Os espaços urbanos possuem suas especificidades. As cidades são diferentes umas das outras seja pela sua história, pelas atividades econômicas que se desenvolvem e pelos grupos étnicos e culturais presentes. Mas existem algumas cidades que, devido à localização na qual se formaram possuem características que as diferenciam das demais ao ponto delas serem agrupadas em uma categoria, as cidades-gêmeas.
Por cidade-gêmea é possível entender “[...] adensamentos populacionais, cortados pela linha de fronteira, seja esta seca ou fluvial, articulada ou não por obra de infraestrutura [...]” (MACHADO, 2005, p.258). Claro que a partir dessa realidade, os desdobramentos são diversos, por exemplo, uma cidade-gêmea que não possui um curso d’água ou questões jurídicas e diplomáticas que impeçam, pode construir relações de trabalho (pessoas que trabalham um dos “lados” da fronteira e moram no outro), relações culturais, relações educacionais (cursos cujos currículos possuem uma estrutura bilíngue) e relações sociais (famílias “binacionais”).
Ainda de acordo com Machado (2005), existem interações transfronteiriças, ou seja, interações que não apenas dentro de um país e outro, mas que trabalham na perspectiva de ignorar a limitação da fronteira e tornar essa faixa totalmente fluída. Nessa perspectiva são apontadas algumas das interações, mais comuns entre cidades-gêmeas, são elas: Trabalho, fluxos de capital, terra e recursos naturais e serviços de consumo coletivo.
Ao observar o espaço urbano fronteiriço de Santana do Livramento e Rivera verifica-se que ele é conurbado, o que faz com que alguns autores entendam as duas cidades como um único espaço urbano com duas soberanias (Dorfmann, 2007). Em comum entre as duas cidades, temos ainda a caracterização de espaços para a defesa dos territórios brasileiro e uruguaio no século XIX que deu origem às duas cidades, a forte ligação com a pecuária e principalmente a “linha de fronteira” flutuante ao longo da história. Albonoz (2000, p.23), a partir de uma análise histórica acerca da instalação do frigorífico Armour em Santana do Livramento, traçou algumas características das duas cidades e salienta o seguinte:
A “linha de fronteira”, tantas vezes modificada, criou nos habitantes da região a indiferença por ela e pelos poderes nacionais que a estabeleceram. A distância – 500 kms – de Porto Alegre e Montevidéu, bem como a indiferença desses centros de decisão, aproximou a população das duas cidades. O intercâmbio comercial, a acolhida dos perseguidos, o apoio aos perdedores de lutas políticas eram aceitos como naturais, mesmo que os centros de poder chamassem essas práticas de contrabando ou acoitamento de criminosos. (ALBORNOZ, 2000, p. 23)
Para tornar mais nítido o que foi exposto por Albornoz (2000) na citação acima, é interessante que observemos a Figura 4, extraída de Dorfmann (2007) e que espacializa essa relação das cidades-gêmeas de Santana do Livramento/Rivera com as capitais mais próximas e auxilia na compreensão da própria condição de cidade-gêmea. Como podemos verificar existe um “mundo” bem próprio para essas cidades- gêmeas, com trocas comerciais e uma produção do espaço urbano de forma especifica para atender a essas necessidades fronteiriças como é o caso do centro da cidade. Sobre estas especificidades, Dorfman (2007, p.78) evidencia o seguinte:
O comércio local beneficia-se da condição fronteiriça. Em Livramento, os supermercados e casas de material de construção, em determinadas conjunturas, vendem quase exclusivamente para clientes uruguaios (do norte do país e da capital). Os tipos de produtos pouco se alteram, oscilando o volume com a variação cambial: confecções, gêneros alimentícios, madeira, derivados de petróleo e material de construção são comprados no Brasil; laticínios, farináceos, carnes, lãs, tecidos finos, cristais e produtos de luxo são adquiridos no Uruguai. É comum a presença de estabelecimentos comerciais localizados em ambas as cidades e pertencentes a um mesmo dono, que busca fazer frente às oscilações cambiais. O centro comercial localiza-se ao longo da linha de fronteira, explicitando seu direcionamento ao exterior de cada uma das duas cidades. (DORFMAN, 2007, p. 78)
Figura 4- Distância das cidades de Santana do Livramento e Rivera em relação às capitais mais próximas.
Fonte: Dorfman, 2007, p.79.
No que diz respeito à figura acima e ao que mencionamos acerca dessa caracterização da condição das cidades de Santana do Livramento-Rivera, Albornoz (2000, p.37) nos diz o seguinte:
É que o interesse de unir as duas cidades nunca foi dos governos, mas das populações. A continuidade do sítio urbano, atualmente, é apenas o reflexo do século XIX, em que os comércios mais prósperos eram os sentados sobre a linha divisória, ou estabelecidos nos dois lados da linha de fronteira. (ALBORNOZ, 2000, p.37).
Tal situação faz com que a distância física das cidades em relação às capitais mais próximos como vemos na figura 4 se tornasse simbólica para as populações locais no sentido de fortalecer a produção desse “mundo próprio” das cidades-gêmeas de Santana do Livramento e Rivera. Acerca dessa questão, Dorfman (2007, p.78) nos diz o seguinte:
A fronteira em questão é apresentada, tanto no senso comum como por muitos de seus estudiosos, como peculiar, particular ou especial, em comparação com outras fronteiras internacionais. Entre as razões para tal excepcionalidade listam-se: vínculos transfronteiriços intensos e cotidianos; o compartilhamento do centro urbano; a ausência de ascendência de uma cidade sobre a outra (como ocorre na fronteira México-EUA); o entrelaçamento da infra-estrutura (estradas, aeroporto, esgotos, saúde, educação, controle de fronteiras)... (DORFMAN, 2007, p.78)
Dessa forma, não é apenas a distância em relação às capitais de Porto Alegre e Montevideo que facilita essa “união” entre Santana do Livramento e Rivera, mas a compreensão dessa distância associada à condição fronteiriça. Afinal, uma cidade pode ser distante das capitais, mas operar dentro da “lógica” típica para uma localidade posicionada no interior do território do país.
Contudo, aqui falamos de uma distância física e simbólica que produz o que Dorfman (2007) chama de um ethos fronteiço o que sustenta a concepção das cidades-gêmeas de Santana do Livramento/Rivera e é cotidianamente praticado nas mais diversas trocas e relações que a população local estabelece. Para complementar essa questão, trazemos novamente Dorfman (2007, p.80) quando a autora diz o seguinte:
A linha surge da adaptação da vida cotidiana aos obstáculos originados nacional e internacionalmente. Num ponto de vista distante do lugar, a condição fronteiriça é imaginada como plena de restrições e conflitos. Esses cortes, rupturas e fechamentos fazem parte do dia-a-dia desta fronteira, mas as diferenças geradas pela justaposição de dois territórios nacionais originam também uma série de adaptações e oportunidades [...] (DORFMAN, 2007, p.80).
Uma característica muito peculiar dessas cidades-gêmeas e que pode efetivamente ter algum rebatimento na dinâmica imobiliária de Santana do Livramento é o câmbio. O câmbio tende a tornar-se um ente de grande importância na vida dessas duas cidades. Assim, além de contar com as duas moedas nacionais atuando no mesmo espaço, o dólar também se faz presente o que deixa o espaço urbano em questão com três moedas que são constantemente trocadas ao longo da linha de fronteira.
Neste ponto em especial, é interessante questionarmos de que forma as atividades dos promotores imobiliários da cidade de Santana do Livramento se relacionam com todos esses aspectos que confluem na condição de cidade-gêmea. Tal questão será discutida adiante junto aos resultados da pesquisa.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método científico talvez seja o elemento que define a própria ciência, como Lakatos e Marconi (2003, p.83) dizem na sequência:
Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos; em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que empregam estes métodos são ciências. Dessas afirmações podemos concluir que a utilização de métodos científicos não é da alçada exclusiva da ciência, mas não há ciência sem o emprego de métodos científicos. Assim, o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo -conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista. (LAKATOS e MARCONI, 2003, p. 83).
Dessa forma, o método é um processo de sistematização de etapas e encadeamentos para a produção do conhecimento científico. Quando falamos em método, a Geografia é uma ciência altamente eclética. Ela, talvez pela diversidade de perspectivas que seu objeto de estudo possibilita, permite a utilização de diversos métodos como: Indutivo, dedutivo, dialético e fenomenológico como é apontado por Alves (2008) e Camargo e Elesbão (2004). A presente pesquisa possui como método, o método indutivo que pode ser definido a partir de Lakatos e Marconi (2003, p. 86):
Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam. (LAKATOS e MARCONI, 2003, p. 86).
Tal definição advém de duas questões do presente artigo. A primeira é a busca de compreender o funcionamento das práticas e estratégias espaciais dos promotores imobiliários em Santana do Livramento tendo em vista as especificidades dessa atividade no espaço urbano em questão. A segunda é tentativa de verificar se esse funcionamento corresponde ao que é encontrado na literatura acerca da atividade de promoção imobiliária em outras cidades.
Sendo assim, uma tentativa de dialogar com as noções gerais acerca dessa atividade a particular, mas tendo como direcionamento as condições do “particular” para, assim, dialogar com o “geral”. Nesse sentido, podemos dizer que esta pesquisa se aproxima, em certa medida, de um estudo de caso. Acerca desse tipo de pesquisa indutiva, Oliveira (2009, p.6) nos diz o seguinte:
A preocupação desse tipo de pesquisa é retratar a complexidade de uma situação particular, focalizando o problema em seu aspecto total. O pesquisador usa uma variedade de fontes para coleta de dados que são colhidos em vários momentos da pesquisa e em situações diversas, com diferentes tipos de sujeito. (OLIVEIRA, 2009, p.6)
Contudo, ainda é fundamental afirmar que a presente pesquisa possui uma abordagem quali-quantitativa, isto é, dentre os procedimentos técnicos utilizados estão inclusos a produção e análise de dados quantitativos e de dados qualitativos (Dalfovo, Lana e Silveira, 2008). Na sequência é possível verificar quais foram as etapas seguidas para a produção dos dados.
Após a efetivação do levantamento bibliográfico, o direcionamento partiu para a busca dos dados e contato direto com o objeto pesquisado. A metodologia para a produção de dados qualitativos e quantitativos acerca da promoção imobiliária em Santana do Livramento baseou-se em duas etapas. A primeira etapa voltada para a produção de dados secundários através da análise de anúncios de um jornal local e uma segunda etapa de entrevistas com promotores imobiliários e representantes de imobiliárias.
A primeira etapa da pesquisa busca coletar os dados acerca da realização dos empreendimentos de promoção imobiliária na cidade, isto é, quais são esses empreendimentos, onde estão localizados, quem os realiza, quais as diferenças entre esses empreendimentos em termos de preço e área construída dos imóveis. A proposta para essa etapa é que ela possa fornecer subsídios para a caracterização dos promotores imobiliários da cidade.
Em especial, na sua identificação e na localização de seus empreendimentos o que possibilita a discussão sobre o comportamento dos promotores imobiliários no espaço urbano desse município. Para operacionalizar as necessidades dessa etapa a fonte buscada foi o arquivo de um jornal local. Para efetuar um estudo que caracterize o comportamento mais recente dos promotores imobiliários os dados coletados foram limitados entre 2008 e 2018.
Neste ponto é relevante mencionarmos algumas questões acerca do jornal como fonte para as pesquisas. Sobre essa questão Silva, Caramori e Ricce (2012) nos mostram que a fonte midiática é relevante para pesquisas científicas em função de evidenciar certa perspectiva acerca dos fenômenos e processos da realidade. Contudo, ela deve ser utilizada com cuidado, especialmente para evitar que a pesquisa como um todo não se torne uma paráfrase da visão jornalística utilizada.
Entretanto, os autores acima se referem à fonte jornalística de notícias o que difere do nosso caso. Pois utilizamos a parcela dos “Classificados” do jornal na qual as empresas responsáveis pela venda e locação de imóveis divulgam, através de propagandas, os empreendimentos que dispõe para possíveis clientes, com destaque especial, aos novos empreendimentos, aqueles recém-construídos ou ainda em construção.
Isto é, nós assumimos aqui a perspectiva de verificar essa produção junto a quem trabalha nesse setor da economia local e, por isso, utilizar suas propagandas no jornal como fontes iniciais para, posteriormente, dar início às entrevistas. É válido fazer uma breve menção acerca do jornal escolhido. É um jornal privado, ou seja, uma empresa de comunicação local que existe na cidade há cerca de oito décadas e, sendo assim, possui um conjunto de informações amplo da cidade, além de representar em certa medida a condição de cidade-gêmea, pois possui publicações em português e espanhol.
A segunda etapa da coleta de dados diz respeito às entrevistas com alguns promotores imobiliários e representantes de imobiliárias da cidade. As entrevistas foram feitas através da adesão voluntária e o meio utilizado para determinar quem poderia ser entrevistado foi a análise dos dados da etapa anterior. Dessa forma, os promotores imobiliários convidados a darem entrevista foram aqueles cujos empreendimentos estavam no jornal consultado.
O que ocasionou um problema, pois muitos promotores imobiliários de pequeno porte, por exemplo, um comerciante que adquire um terreno próximo da sua loja e constrói nele, não têm seus empreendimentos divulgados com a mesma ênfase que outros empreendimentos maiores. Tendo em vista isso, dentre promotores imobiliários entrevistados, a maioria era composta por donos de construtoras locais responsáveis pela construção de prédios e condomínios verticais, com exceção de um que teve seu empreendimento divulgado no jornal.
O mesmo critério de escolha valeu para os representantes das imobiliárias, foram convidados aqueles cujas empresas apareciam no jornal. Sendo assim, existe um encadeamento entre as etapas da pesquisa e uma busca por acessar diferentes formas de dados sobre o fenômeno estudado. Acerca das entrevistas é relevante mencionar que elas foram feitas individualmente com cada entrevistado e eram feitas em torno de cinco a seis perguntas.
De forma geral, as perguntas giraram em torno da compreensão das estratégias espaciais desses agentes, bem como da forma de atuação em cidades-gêmeas. Além disso, algumas perguntas versaram acerca da dinâmica de construção e venda de imóveis, principalmente questões relacionadas aos preços desses imóveis e a relação com sua localização. Sobre o uso de entrevistas em pesquisas científicas, Duarte (2004, p.215) nos diz o seguinte:
Entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados. Nesse caso, se forem bem realizadas, elas permitirão ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam escrever e compreender a lógica que preside as relações que se estabelecem no interior daquele grupo, o que, em geral, é mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados. (DUARTE, 2004, p. 215).
Dessa forma, o uso das entrevistas nessa pesquisa se justifica pela necessidade que tivemos de acessar práticas e estratégias espaciais dos promotores imobiliários o que ficaria limitado se permanecêssemos apenas com os dados do jornal. Ainda é preciso enunciar que tipo de entrevista foi realizada uma vez que essa técnica de pesquisa pode ser aplicada de diferentes maneiras em função do tipo de fenômeno em estudo. A entrevista utilizada foi do tipo “estruturada”, tal como indica Oliveira (2009, p.12) tendo como base Moreira (2002) esse tipo de entrevista se caracteriza da seguinte maneira:
As entrevistas estruturadas são aquelas que apresentam um conjunto de questões, em que o pesquisador administra a cada sujeito na mesma seqüência e usando as mesmas palavras. Para o investigador, esse questionário responde suas hipóteses, admitindo que o respondente tem condições necessárias para fornecer os dados que julga relevantes. O pesquisador ainda entende que os entrevistados compreenderão da mesma forma todas as perguntas levantadas. (OLIVEIRA, 2009, p.12).
Sendo assim, as entrevistas que abordaram questões acerca das estratégias espaciais dos promotores imobiliários visavam acessar, através das palavras de pessoas envolvidas com esse setor da economia local, como essas práticas ocorrem. Para operacionalizar isso se optou por uma forma bem direcionada e objetiva de estruturar as entrevistas, especialmente, por admitirmos que em função de se tratar das atividades que exercem diariamente ao trabalhar, que os entrevistados compreenderiam as questões tendo em vista que lidam com o conteúdo delas na prática.
4 RESULTADOS E DISCUSSÂO
Os resultados do presente artigo serão apresentados em duas etapas, a primeira será referente aos dados quantitativos obtidos na análise da seção dos ‘Classificados’ do jornal consultado. Posteriormente a segunda etapa será referente aos dados qualitativos obtidos nas entrevistas com representantes das imobiliárias locais e com os próprios promotores imobiliários da cidade.
Os dados quantitativos estão organizados de forma a responder algumas questões que envolvem a ação dos promotores imobiliários tendo como foco, as seguintes questões: O tipo de empreendimento realizado, a localização na qual ele se encontra, a presença do promotor imobiliário e da imobiliária no anúncio, por fim, a quantidade de empreendimentos produzido ano a ano durante o período analisado (2008-2018). Tais dados estão apresentados em tabelas na sequência.
Tabela 1. Tipos de empreendimentos imobiliários encontrados (2008 -2018)
Tipo de Empreendimentos Imobiliários |
Quantidade |
Prédios residenciais |
45 |
Casas |
44 |
Kitnets |
25 |
Total |
114 |
Fonte: Dados de campo, 2019. Construção dos autores, 2019.
Tabela 2. Localização dos empreendimentos
Bairros |
Quantidade |
Centro |
39 |
Armour |
33 |
Prado |
29 |
Fluminense |
3 |
Jardim do Verde |
4 |
Umbú |
5 |
Parque São José |
1 |
Fonte: Dados de campo, 2019. Construção dos autores, 2019.
Na tabela 1 é possível verificar a quantidade de empreendimentos imobiliários divididos em três tipos já na tabela 2 encontramos a quantidade de empreendimentos por bairro da cidade. Durante o período analisado na pesquisa (2008-2018), ocorreu uma produção de três tipos de empreendimentos imobiliários, como pode ser visto na tabela 1, são eles: Casas, prédios residenciais e kitnets. Eles possuem uma espacialização diferenciada entre os bairros da cidade como podemos inferir a partir do conteúdo da tabela 2 questão que será discutida na sequência.
É possível notar na tabela 2, que a maior parte desses empreendimentos se concentra no Bairro Centro (39) enquanto os outros bairros, mais periféricos, possuem uma quantidade menor de empreendimentos imobiliários. Além disso, é fundamental que consideremos o que está presente na tabela 1, que evidencia a quantidade de empreendimentos por tipo. Nesse sentido, verificamos que existe uma quantidade aproximada de prédios ou condomínios verticais e casas enquanto os kitnets se apresentam em menor quantidade. Aqui é importante destacar que os kitnets verificados através dos dados são unidades individuais dispostas horizontalmente.
Na sequência, podemos ver o gráfico (figura 5) que evidencia a quantidade de empreendimentos produzidos a cada ano do período analisado. Uma análise inicial nos diz que existiram anos nos quais ocorreu uma produção mais intensa de empreendimentos, como é o caso dos anos de 2011, 2013, 2015, 2017 e 2018. É muito complexo definir todos os aspectos que influenciaram para que nestes anos houvesse uma produção mais elevada do que nos outros. Mais à frente na discussão dos resultados se tratará de algumas razões para isso, como o fator cambial local das cidades-gêmeas de Santana do Livramento e Rivera (UY).
Existem, porém, outros processos que podemos citar a partir da análise do gráfico, por exemplo, entre 2008 e 2011 ocorreu uma ascensão da ação dos promotores imobiliários na cidade. Essa ascensão não possui continuidade no ano de 2012, mas em 2013 ocorre novamente um aumento da quantidade de empreendimentos produzidos. No período de 2013 a 2018 vemos uma dinâmica de diminuição e aumentos praticamente a cada ano, ou seja, em um ano diminuiu a produção e no outro aumentou em relação ao ano anterior. Mas só vemos um retorno ao patamar de 2013 ao fim do período analisado, em 2018.
Figura 5 – Gráfico com a quantidade de empreendimentos imobiliários produzidos por ano de 2008 a 2018 em Santana do Livramento.
Fonte: Dados de campo, 2019. Construção dos autores, 2019.
A tabela 4 evidencia a predominância das imobiliárias nos anúncios do jornal nos quais os empreendimentos são publicados. Isso se deve ao fato que o espaço reservado para os anúncios do mercado imobiliário na maior parte das edições analisadas, era um espaço reservado para as imobiliárias. Logo todos os imóveis apareciam entre as possibilidades de vendas das imobiliárias mesmo que aparecessem em páginas anteriores como anúncios dos promotores imobiliários. Outra questão interessante é que até meados do período analisado (2012/2013), o nome do promotor imobiliário responsável pela obra não aparecia no anúncio.
Sobre a tabela 5, é necessário destacar que o número de promotores imobiliários e de imobiliárias presente diz respeito aqueles que foram averiguados nos jornais e que pode estar restrito a uma esfera do universo dos promotores imobiliários de Santana do Livramento. Isto é, aqueles promotores de maior porte que produzem prédios de apartamentos uma vez que os promotores imobiliários de menor porte que produzem kitnets ou pequenas casas não evidenciam seus nomes nos anúncios. Porém como será visto na sequência dos dados coletados são relevantes para a promoção imobiliária que ocorre nos bairros fora do centro da cidade como no Bairro Armour e no Bairro Prado.
Tabela 4. Promotores Imobiliários e as Imobiliárias
Menção no anúncio |
Sem menção no anúncio |
|
Promotores |
20 |
94 |
Imobiliárias |
114 |
0 |
Fonte: Dados de campo, 2019. Construção dos autores, 2019.
Tabela 5. Número de promotores e de imobiliárias encontrado
Quantidade |
|
Promotores |
9 |
Imobiliárias |
15 |
Fonte: Dados de campo, 2019. Construção dos autores, 2019.
As entrevistas com os promotores imobiliários e com representantes das imobiliárias da cidade possibilitam compreender as práticas espaciais e econômicas que permeiam o mercado imobiliário local. Uma característica observada como unânime entre as entrevistas dos dois grupos foi a intensa relação que a promoção imobiliária de Santana do Livramento possui para com sua condição enquanto cidade-gêmea. Isso ocorre em função de que a entrada de uruguaios para adquirir imóveis no lado brasileiro da fronteira em função da valorização do dólar e do peso sobre o real é considerável. Estes investidores fomentam consideravelmente a venda e a produção de imóveis uma vez que eles compram imóveis tanto para a moradia quanto para a locação.
Com base no que foi evidenciado, é necessário analisar os dados de maneira que seja possível caracterizar a ação dos promotores imobiliários em Santana do Livramento. Dessa forma, serão desenvolvidos na sequência alguns tópicos que servirão para conectar os dois tipos de dados produzidos. Em um primeiro momento é possível analisar a ação dos promotores imobiliários através da localização dos empreendimentos. Ao observarmos as respostas dadas pelos promotores imobiliários quanto ao “método” de escolha dos terrenos para localizar seus empreendimentos é verificado que a maioria respondeu que observa duas questões. Uma delas diz respeito à qualidade da infraestrutura do local, e a segunda diz respeito à expectativa de demanda para venda dos imóveis que serão construídos e que possua algumas características topográficas que evitem gastos excessivos no início do processo.
Contudo as respostas não são homogêneas, isso se deve ao fato que um promotor tem como empreendimento imobiliário apenas kitnets localizados fora da área central o que elucida algumas questões e ao mesmo tempo traz outras perguntas que serão discutidas na sequência. Podemos observar que o comportamento daqueles promotores imobiliários que possuem um aporte maior de capital diz respeito à busca de terrenos no Centro da cidade o que foi atestado pelos representantes de imobiliárias.
Nas entrevistas, os representantes de imobiliárias atestam que a maior parte dos empreendimentos imobiliários produzidos em Santana do Livramento se localiza no Centro. Ainda, trazem mais especificidade com relação a isto, pois muitos evidenciaram que não é todo o Centro da cidade que é buscado, mas sim algumas “zonas” como, por exemplo, as proximidades dos prédios pertencentes à Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA).
Portanto podemos atentar para duas questões principais quanto à localização dos empreendimentos imobiliários o que está exposto na Tabela 2. A maioria deles está alocada no Centro de Santana do Livramento, mas que podem ter especificidades a serem discutidas quanto à localização, se depender do tipo de empreendimento, o que se relaciona com o aporte de capital do promotor imobiliário. Em outra perspectiva é possível questionar se a localização da maioria dos empreendimentos no Centro, além de estar conectada com as razões mencionadas pelos promotores, pode estar ligado com a condição de cidade-gêmea apresentada por Santana do Livramento. Uma vez que o centro das duas cidades teve, inicialmente, um crescimento para a cidade vizinha. Isto é, o centro de Santana do Livramento cresceu em direção ao centro de Rivera e vice-versa.
A seguir, na figura 6 podemos ver a distribuição espacial da concentração geral de empreendimentos imobiliários produzidos no período analisado, isto é, o total de empreendimentos sem diferenciação por tipo. Além disso, os bairros foram agrupados de acordo com a quantidade. Se observarmos a legenda, os bairros que não possuem empreendimentos estão representados na cor rosa claro. Já os bairros que possuem de 1 a 5 empreendimentos estão representados em amarelo.
Por fim, temos os três bairros com maior quantidade de empreendimentos, são eles: Bairro Prado em laranja com 29 empreendimentos, em vermelho temos o Bairro Armour com 33 empreendimentos e em marrom temos o Bairro Centro com 39 empreendimentos. É interessante frisar que esta figura e as demais figuras que serão apresentados na sequência possuem divisões internas dos bairros que dizem respeito aos setores censitários o que pode contribuir para verificar a renda concentrada em cada bairro (quanto mais divisões, isto é, mais setores censitários por bairro, maior a renda presente) indicando outra correlação possível da espacialização dos empreendimentos imobiliários na cidade. A renda concentrada nos bairros pode indicar, ainda que parcialmente, outro elemento que influi na ação dos promotores através da possibilidade de venda ou locação para investidores brasileiros e uruguaios.
Figura 6- A distribuição dos empreendimentos imobiliários produzidos no espaço urbano de Santana do Livramento.
Fonte: IBGE, 2015. Rivera, 2017. Dados de campo, 2019. Construção dos autores, 2021.
Entretanto, durante o trabalho de campo e a análise dos resultados produzidos, foi percebido que a distribuição apresentada acima não se configura correta quando fazemos a diferenciação por tipo de empreendimento. Por isso, foram construídos mais três figuras (Figura 7, 8 e 9) que indicam a distribuição de cada tipo de empreendimento imobiliário presente na tabela 1 (Prédios residenciais, casas e kitnets).
Figura 7 – Distribuição dos empreendimentos imobiliários de acordo com seu tipo: Prédios residenciais verticiais.
Fonte: IBGE, 2015. Rivera, 2017. Dados de campo, 2019. Construção dos autores, 2021.
Na Figura 7 vemos que os prédios residenciais encontrados se localizam principalmente no Centro da cidade, totalizando 36 empreendimentos imobiliários desse tipo. Se relacionarmos adequadamente veremos que o total de empreendimentos imobiliários do Centro é de 39 empreendimentos, logo, os prédios residenciais se caracterizam como o principal tipo de empreendimento produzido entre 2008 e 2018 no Centro de Santana do Livramento. A partir de tal comportamento inferimos que há, em curso, um processo de verticalização do Centro da cidade o que talvez necessite de melhor caracterização através de um estudo específico que abarque o Centro de Rivera visto que ambos são, em termos da produção do espaço urbano, um único centro da cidade-gêmea. Na próxima imagem, a Figura 8, temos a distribuição dos kitnets.
Figura 8 – Distribuição dos empreendimentos imobiliários de acordo com seu tipo: Kitnets.
Fonte: IBGE, 2015. Rivera, 2017. Dados de campo, 2019. Construção dos autores, 2021.
Vemos nessa figura que os kitnets não se apresentam no Centro da cidade, ao menos nos dados coletados nessa pesquisa. Majoritariamente, estão concentrados no Bairro Prado o que pode indicar uma procura maior por moradias cujo preço para acessá-las seja menor nesse Bairro. Embora, para afirmar isso com mais veracidade, teríamos que produzir uma pesquisa mais ampla na cidade que buscasse fontes em outros meios para acessar um número maior desses pequenos produtores imobiliários para, assim, produzir uma classificação dos promotores imobiliários locais e suas escalas de atuação o que não era um objetivo da presente pesquisa. Por fim, temos a Figura 9 que mostra a distribuição das casas produzidas por promotores imobiliários no período analisado.
Figura 9 – Distribuição dos empreendimentos imobiliários de acordo com seu tipo: Casas.
Fonte: IBGE, 2015. Rivera, 2017. Dados de campo, 2019. Construção dos autores, 2021.
Esta última figura nos mostra que há uma concentração da produção de casas, através da ação dos promotores imobiliários, no Bairro Armour. Através disso, inferimos que existe um processo de crescimento, aliás, certa expansão horizontal desse bairro que é diferente do que vem ocorrendo no Centro cuja expansão é vertical. O que não foi possível constatar na presente pesquisa diz respeito aos motivos para isso e em qual direção essa expansão horizontal tem crescido. Temos apenas um indício que apareceu nas entrevistas realizadas com os promotores imobiliários, acerca da questão de que o Bairro Armour é um dos locais nos quais se produzem os empreendimentos imobiliários financiados através do Programa Minha Casa Minha Vida.
Entretanto seria necessário analisar tal possibilidade de maneira mais aprofundada e atentar para a questão das Habitações de Interesse Social a fim de explicar essa expansão horizontal do bairro. Ao analisarmos a disposição dos diferentes tipos de empreendimento no espaço urbano da cidade, refletimos sobre algumas questões. Uma delas diz respeito à presença dos prédios residenciais no Centro. Os prédios residenciais por se localizarem no Centro possuem maior infraestrutura (saneamento, rede de luz e água, etc). Além disso, em algumas passagens das entrevistas junto aos promotores, foi observado que quando o empreendimento é construído no centro é possível receber auxílio de órgãos públicos. Por exemplo, para finalizar a instalação da rede de abastecimento de água.
Contudo, os promotores imobiliários entrevistados afirmam que não existe na cidade um projeto ou programa de auxílio direcionado para a construção civil. E, majoritariamente, o investimento estatal advém especialmente de programas e linhas de financiamento do governo federal como aquelas vinculadas à Caixa Econômica Federal. Dessa forma, os promotores imobiliários que, possivelmente, possuem maior aporte de capital contribuem para a efetivação e manutenção do processo de verticalização dentro do espaço urbano de Santana do Livramento. Da mesma maneira que apenas corroboram com a segregação socioespacial na cidade ao fortalecer a concentração dos empreendimentos no centro.
É interessante, para compreender a ação dos promotores imobiliários em Santana do Livramento, verificar algumas questões acerca do tempo. A primeira diz respeito à inserção do processo da promoção imobiliária em um processo mais amplo que afetou a promoção imobiliária e a construção civil do país em determinado período. A segunda é um desdobramento desta em função da maneira simultânea com a qual uma diversidade de novos investimentos ocorreu na cidade bem como formas de financiamento tanto para produção quanto para a compra de imóveis se fortaleceram.
Para compreender isso é preciso retornar um pouco e observar o gráfico na Figura 5 que nos mostra que a promoção imobiliária da cidade teve um aumento crescente de 2008 até 2011 e um pico no ano de 2013 (logo depois uma queda no ano de 2012). Uma das possíveis explicações para esse fato diz respeito à chegada de políticas públicas na cidade. Uma dessas políticas públicas veio na forma de habitações de interesse social – o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Em Santana do Livramento, o MCMV teve seu início em 2010, porém recebeu novos investimentos em 2012. O que auxilia a compreender a razão pela qual 2013 teve um aumento considerável da produção de empreendimentos imobiliários se comparado com os anos anteriores. Isso ocorreu em função de que, com a inserção do MCMV no ano anterior, o mercado imobiliário aumenta de proporções, o valor da terra sobe e isso “aquece” a promoção imobiliária.
Contudo, o processo nacional do MCMV não se deu apenas na construção, através do Estado, de Habitações de Interesse Social. Dentre suas diretrizes diversos financiamentos bancários foram facilitados, especialmente para a aquisição de moradia, por meio da Caixa Econômica Federal (CEF). Embora nos últimos dois anos isso tenha mudado e os promotores agora com maior capital acumulado conseguem fazer um financiamento próprio em função de os compradores não conseguirem acesso aos créditos bancários. O que foi mencionado por alguns dos promotores entrevistados como um dos serviços que fornecem aos seus clientes. Santana do Livramento recebeu outros investimentos que afetam não só a produção de imóveis assim como sua localização. Citada anteriormente como um ponto de “atração” de empreendimentos imobiliários, a UNIPAMPA chegou à cidade durante esse período. E sua chegada possibilitou não apenas a entrada de novas pessoas e potenciais consumidores para a mercadoria da promoção imobiliária como passou a afetar o processo como um todo.
A cidade apresenta ainda uma especificidade muito maior que é a sua condição de cidade-gêmea. Essa condição impacta desde a capitalização do processo de produção dos empreendimentos imobiliários até o processo da venda por meio do câmbio, afetando no preço dos imóveis e na entrada de compradores estrangeiros – majoritariamente uruguaios. Talvez seja interessante analisar a relação entre a condição de cidade-gêmea e a promoção imobiliária em dois momentos. Na produção e venda de imóveis através da entrada de capital uruguaio no processo e em outro momento o câmbio. É possível observar através dos dados qualitativos que essas questões não se distanciam, na verdade se entrecruzam. A entrada do capital uruguaio (e raras vezes argentino) seja na compra dos imóveis na “planta” que faz parte do processo de capitalização da produção dos empreendimentos, seja a compra do imóvel após sua finalização, ocorre majoritariamente no momento em que o real está desvalorizado perante o dólar. Questão que foi apontada pelos promotores imobiliários em suas entrevistas, especialmente, os quatro promotores que são vinculados à produção de prédios e condomínios verticais.
Como a economia de Rivera é altamente dolarizada, muitos uruguaios utilizam a moeda estadunidense de maneira corrente e inclusive acumulam em contas bancárias valores em dólar. Dessa forma quando a desvalorização do real acontece, os uruguaios que possuem quantias suficientes em dólar investem em empreendimentos imobiliários do lado brasileiro. O que auxilia na manutenção de um mercado para essa parcela de agentes sociais do espaço urbano e retroalimenta uma conexão definidora do espaço urbano de Santana do Livramento que é a sua conurbação com Rivera (UY).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A localização dos empreendimentos imobiliários de Santana do Livramento possui uma concentração no Centro da cidade o que atribui um duplo papel aos imóveis. Primeiro como aponta Maricato (2015) esses imóveis podem ser considerados “monopólios” no sentido de que ninguém mais pode possuir ou se apropriar daquela parcela de espaço a não ser através da compra de, por exemplo, apartamentos o que culmina na constituição de outro monopólio espacial.
Tendo em vista isso e o fato que a terra urbana é uma mercadoria detentora de valor de uso e de troca nos leva a uma explicação do motivo pelo qual os empreendimentos imobiliários em Santana do Livramento se localizam no Centro. É uma estratégia espacial dos promotores imobiliários locais tendo em vista as especificidades já discutidas para obter a maior capitalização possível para seus empreendimentos.
Evidente que não apenas isso, a topografia do terreno influencia, pois se é necessário construir, isto gera custos e se o terreno possuiu uma topografia mais adequada possibilita uma quantidade menor de gastos. Além de se apropriar de uma parcela de terra urbana mais interessante enquanto mercadoria. Isso pode se alterar com o tempo tendo em vista novos horizontes para a promoção imobiliária o que abre o precedente para novas estratégias espaciais
Como foi percebido por Bastos (2012) o Programa Minha Casa Minha Vida teve um impacto considerável do ponto de vista geográfico para o capital imobiliário: Primeiro que possibilitou um contato maior entre o Estado e esse agente do capital através de licitações e da construção de Habitações de Interesse Social. E, Santana do Livramento pode ser um exemplo em função de que, muitas dessas habitações estão alocadas no Bairro Armour o que pode indicar o motivo para este bairro ser um dos locus da presença da ação dos promotores fora do centro.
Em outro aspecto, Santana do Livramento acompanha aquilo que pode se chamar de “boom da construção civil” no momento em que o MCMV possibilita um aumento do preço da terra urbana tendo em vista que agora o Estado está agindo diretamente como um “quase-promotor imobiliário”, além de gerar crédito bancário para isso. Dessa forma o fenômeno que Bastos (2012) descreve é evidenciado pelo aumento da produção da promoção imobiliária quando comparamos o ano de 2012 (quando chegam os investimentos do MCMV na cidade) e ano de 2013.
O processo no qual se incluem os promotores imobiliários como principais agentes não se afasta de características locais. Logo, a condição de cidade-gêmea deve ser considerada para compreensão mais acurada possível desse processo. Nesse sentido, a entrada de uruguaios como compradores e do câmbio como uma presença constante no preço dos imóveis evidencia duas questões.
Primeiro, corrobora aquilo afirmado por Machado (2005) no que diz respeito às transações comerciais, a circulação de capital e de pessoas de maneira muito intensa em cidades-gêmeas. Segundo que nos mostra que a lógica de que a terra é uma mercadoria não diz respeito apenas às características do modo de produção capitalista, mas a uma relação entre essa característica e os fatores locais. E, em dada medida evidencia, como afirma Dorfman (2007), o quanto que as relações entre os uruguaios e brasileiros nas cidades-gêmeas de Santana do Livramento e Rivera trazem especificidades para processos globais.
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Contribuições de Autoria
1 – Eduardo Schiavone Cardoso:
Doutor em Geografia,Professor Titular do Departamento de Geociências - UFSM
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9240-578X - E-mail: educard2016@gmail.com
Contribuição:Orientação
2 – Leonardo Berté Nunes
Graduado em Geografia, Bolsista do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE 2019-2020) - UFSM
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6232-9085 - E-mail:leonardoberte0@gmail.com
Contribuição:Sistematização dos dados e escrita
Como citar este artigo
CARDOSO, E. S.; NUNES, L. B. As estratégias de ação dos promotores imobiliários em Santana do Livramento – RS. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria,v.25, e17, p. 1-38, 2021. DOI 10.5902/2236499443235. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2236499443235. Acesso em: dia mês abreviado. ano.